segunda-feira, 15 de junho de 2020

W49 LECAS REVISTO


exta-feira, 12 de dezembro de 2008

W49 - MADALENA - "LECAS"


TÃO VIVA NA NOSSA MEMÓRIA
A Madalena nasceu em 12 de Dezembro de 1943, em Gondomar, na "Vila Maria", no quarto azul , do primeiro andar - um quarto tranquilo e relativamente pequeno, com vista para o pomar, o mesmo, que, anos antes, a Tia Lina escolhera para a chegada do Mário. Era o preferido, no tempo frio. O Tónio e eu, no verão, tivemos direito a vir ao mundo no chamado quarto grande -grande mesmo, com quatro janelas, duas a norte e duas a nascente.

A Madalena era um bebé formosissimo, grande e gordinho.Foi sempre uma criança bonita, loirinha e de olhos azuis, muito claros. O Nestó era mais velho apenas um mês e eu, dezoito meses. (o que me permitia uma postura de comandante, visível, sem necessidade de legenda, em muitas fotografias de época). Crescemos juntos, nos tempos e nos espaços de uma infância feliz: a década de 40, em Gondomar, Espinho, Avintes.
Uma das facetas curiosas da minha irmã era a de resistir, surpreendentemente, em situações de guerra aberta, naqueles muitos conflitos em que se envolvem crianças. A uma bofetada, encontrão ou rasteira, respondia em força - e tinha igual força... Só que, depois chorava, e eu ficava imperturbável. Consequência: era sempre castigada, como se tivesse todas as culpas...





Olhando essa fase das nossas vidas, tenho de dizer que o progresso da Lecas- como lhe chamávamos - daí em diante, foi muito mais interessante do que o meu. Após um começo promissor, a andar e a falar antes dos 10 meses, e por aí fora, comecei a perder qualidades e ainda não parei mais de regredir. Ela, pelo contrário, floresceu em graça, em beleza e em boa disposição, à medida que avançou na idade! Era uma criança frequentemente rabugenta, que mal saía fora de portas, para um evento social - cinema, circo, passeio pelas ruas do Porto, chá na Villares, ida de carro à Foz... - queria logo voltar a casa. Queixava-se dos sapatos, que a magoavam, de dores nas pernas, de fadiga, sono, sede, fome... Terrível! Nas fotos, punha, muitas vezes, a cara correspondente a esses estados de alma. Até no retrato da comunhão solene se vê que estava farta do fotógrafo.
Em adolescente, porém, já era o centro de toda e qualquer festa: dançava maravilhosamente, do rock à valsa - e nunca se cansava... - cantava, com uma voz assombrosa, era sociável, risonha, divertida! E cada vez mais bonita...
Passear com ela nas ruas do Porto, quando tinha 18 anos, era uma sensação, semelhante á de acompanhar uma celebridade. Algumas pessoas paravam para ver melhor, os rapazes dirigiam-lhe aqueles "piropos" indesejados, A um deu a Lecas, perto da Praça da Batalha, uma bofetada sonora e tão certeira, que lhe partiu os óculos e ele ainda acabou a pedir-lhe desculpa ...
Ninguém diria que era doente. Teve uma hepatite, aos 10 anos, foi tratada pelos melhores especialistas do Porto. Recuperou, aparentemente, mas a hepatite degenerou em cirrose. Adveio, ainda, uma leucemia. .
Não sabia eu, nem, felizmente,ela o que verdadeiramente tinha... Ninguém viveu a vida com mais gosto, com mais serenidade. Intensamente!
Esperávamos sempre que melhorasse! A alegria, o aspecto radioso da Madalena pareciam uma garantia de sobrevivência. As pessoas sabiam que uma de nós tinha problemas de saúde, e achavam sempre que era eu - mais pálida e mortiça.
Apesar de ser eu a fanática do desporto, quem tinha mais talento natural para qualquer modalidade era ela. Estou a vê-la a "bolar", esplendidamente, nos jogos de voleibol, no colégio ou a patinar, vertiginosamente, mal pôs uns patins nos pés. Deu grandes quedas, mas aprendeu em tempo "record". Também caiu do cavalo, na primeira experiência equestre, ao lado do Nestó, na mina da Bica, e isso não a fez desistir. No mar de Espinho, saltava às ondas, bravamente. Moderníssima, sempre bem vestida, sempre elegante. Mantinha à distância uma longa fila de pretendentes... Namorados, apenas dois: O Zé, que era um homem muito alto e bonito, de quem ela gostou imenso, e o Manel Valle, com quem o entendimento nunva foi tão perfeito. A ruptura com ele, em 1962 ou 63, foi definitiva e amarga. Não teve tempo para recuperar daquele último e infeliz romance. A maior confidente era a Maria do Carmo. Razzini. Iam ao cinema juntas, aos cafés, passavam tardes na conversa, como se fossem da mesma idade. Eu estava a estudar em Coimbra, foram tempos em que convivemos menos. A Xaninha, a Meira contavam-se entre as suas amigas. Adorava os meninos, os filhos delas e do Tónio e do Mário - os primos mais próximos, com o Nestó, Docas e Xana. A Docas foi a única que pressentiu a  degradação da sua saúde, e veio passar férias com ela, em Outubro. Dias felizes. Há muitas fotos da visita e são as últimas da Madalena! Psicologicamente era fortíssima, imune a depressões, abatimentos, ou tristezas.
No último verão, deu um passeio esplêndido com a Tia Lena e Tio David. Fizeram férias junto ao mar, no País Basco (em Cestona?).
Nada nos preparou para o que viria a acontecer a 3 de Novembro de 1964. 
O seu desaparecimento foi uma tragédia, um choque de que nunca mais recuperamos, em especial, a Mãe

.
Fica a imagem do seu rosto jovem e bonito, que nunca envelheceu .Do seu sorriso. Da sua esperança no futuro, até ao fim.
Seríamos, agora, duas sexagenárias a passear em Espinho, à beira mar, a tomar o cházinho nas esplanadas, a ir ao cinema, e às lojas do Porto. Talvez, rodeada de filhos e netos....
A Madalena faria hoje 65 anos.





























































Publicada por em 11:07   

53 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...
A dupla abertura de mensagens sobre a Madalena divide os comentários. Não foi grande ideia...
sexta-feira, 12 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Não sei como seria a Lecas... Quando imagino um impossível passeio de velhinhas à beira mar, em Espinho (ela, a Docas e eu), vejo-as ao longe, e de de costas. O "Trio das Tias"! Trio criado em pacto, assinado por nós,, quando tínhamos 12 a 14 anos. Era um compromisso de "não casamento", que nessa idade nos parecia o melhor projecto de futuro. Independentes, para correr mundo, sem dar satisfação a ninguém! Divertimo-nos a redigi-lo, a passar a papel limpo, a assinar solenemente,  em triplicado. A Docas ainda tem o exemplar dela. A primeira impulsionadora terei sido eu, pelo menos, é o que diz a Docas. E acusa-me, justamente, de ter sido a primeira a rompê-lo... Mas a segunda foi ela, não foi? E a Madalena não teria demorado a seguir o exemplo, dando sucessor ao Manel (não faziam o género um do outro). Sempre me dei muito bem com ele, era mais o meu género. A Lecas e eu quase não tínhamos amigos ou amigas comuns. As excepções mais notórias foram a Rosa Maria Gayoso e a Maria Emília Castro Solla. A família era um caso diferente, entendimento perfeito com os "primos-irmâos"
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Conhecemos o Manel em Miramar, durante umas férias de agosto,  em casa dos amigos Pacheco. O Sr. Pacheco foi colega do pai na Câmara de Gaia, antes de fazer fortuna em negócios. Muito nos divertimos , tanto na casa de praia, em Miramar, como no palacete de Gaia, em bailes de gala ou festas mais informais. A Dona Cândida era uma simpatia, gostava muito de nós e os quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas) tornaram-se nossos grandes amigos. Os três irmão Valle, João, Manel e o pequeno Armando, eram visitas quotidianas. Tinham também casa de férias em Miramar, mais no interior. Os Pachecos eram muito divertidos, sobretudo o Artur,  com o seu sentido de humor. O mesmo se diga do Manel. Ninguém contava episódios insólitos ou anedotas melhor do que ele. Chorávamos a rir! E que bem cantava! Com a Lecas fazia duetos maravilhosos. Mais tarde, quando eu já namorava com o Manel Queiroz,e a Lecas com ele, ele tratava-me por "mana" . Tive a maior pena quando a Lecas e ele se zangaram. Também já morreu (num desastre de automóvel, tal como o irmão João- e ambos eram condutores excepcionais
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
As melhores fotografias que tem, foram tiradas pelo Manel V e as minhas pelo Manel Q. Eram, ambos, excelentes amadores da arte e nós, bons modelos. A Lecas por ser uma beleza natural,  eu, feíssima, por ser fotogénica, ao menos em certos ângulos. 
O cinema, a dança, a música, sobretudo a cantoria, eram "hobbies" em que Lecas e o MV podiam passar dias inteiros, em absoluta consonância! A dada altura, os pais ofereceram ao Manel V um vistoso automóvel, no qual se passeavam por todo o lado. Às vezes, deixava a Lecas conduzir, e ela aprendeu depressa e bem. Ficou-me a convicção de que os pais lhe deram o carro (e ele tinha a paixão dos carros...) como condição para acabar o namoro com ela...  Foi tudo muito estranho. Enquanto era mais comigo que o manel andava mais, o pai, advogado, convidava-nos, constantemente, para palestras, visitas a instituições, das quais era benemérito, festivais de folclore, passeios, ia a Coimbra, com um grupo de alegres jovens, visitar-me... Quando o MQ surgiu em cena, tudo mudou, Acabaram visitas e convites, quando a Lecas e o Manel V começaram namoro oficial... Pensei: a mim, viam-me como boa aluna de Direito, previsivelmente, boa influência no rapaz, que o pai queria ver formado , a trabalhar  no seu escritório. A Lecas, não lhe interessava... Após a sua morte, admiti outra hipótese : saber que era doente. Talvez para os de fora, a esperança da sua sobrevivência fosse menor e mais realista. De qualquer forma, o que se passou foi triste.
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
A propósito de talento para a condução : o que sobrava à filha, faltava à mãe...A mãe ficou aprovada no exame por milagre, ou por cunha, ou pelas duas coisas. E nunca conseguiu entender.se com as máquinas. Gostava muito do minúsculo Renault- Joaninha, que resistiu, bravamente, nas suas mãos.. Eram outros tempos, os carros pareciam feitos de ferro... Um dia, numa ida a uma modista de Campanhã, a subir uma ruela íngreme, o motor "foi abaixo" e, claro, a Mãe não sabia fazer a ligação, em movimento de marcha atrás. Vários homens, solícitos, vieram ajudar a empurrar. Em vão!... A Lecas saiu para "dar uma mãozinha". E a Mãe, aflita,porque não queria que ela fizesse esforços, resolveu sair também, perante a filha atónita. Como é óbvio, ninguém mais segurou a Joaninha, que foi, descendo descontrolada e ganhando velocidade até bater, em cheio, num portão, ao fundo da rua. A Mãe só gritava: "Deixem o carro! Fujam!" , Aqueles Renaults tinham, como se sabe, o motor atrás. Coisa fantástica: não ficou desfeito, apenas um pouco amolgado.
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia  disse...
Depois de casar fiquei a viver, com o João, em casa da minha Mãe. Foi ela que quis que, no verão, ocupassemos o "quarto grande", que era o mais fresco. O outro era o quarto de inverno. Foi por isso que a Manela, em junho, nasceu em cima, e a Lecas, no mês de Dezembro, em baixo. A Lininha, quando teve os filhos morava ainda na casa que é, agora, da Maria Ernestina- ou do Quim e Manica. Nesse tempo, cor de rosa. Mas quis ir para junto da mãe. A Mamã era muito cuidadosa. Obrigava-nos a ficar de cama, ou no quarto, durante um mês após o parto, enfaixadas, para recuperarmos a boa figura, e a fazer dieta especial - caldos de galinha, etc. A Lecas foi baptizada, na Igreja de S. Cosme, tal como a Manela, com 15 dias de vida. Eu não fui autorizada pela Mamã a sair para a Igreja! Não assisti... Foram padrinhos os bisavós de Avintes, Joaquina e João Capella. Não achei nada bem. Os padrinhos devem ser gente nova. Vá lá que me foi permitido estar na festa de baptizado, nas salas da casa!
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
 A Lecas nasceu com uma pequena mancha vermelha, com pequenas pintas mais escuras, abaixo do olho. Preocupados, consultámos um grande especialista, o Dr. Armando Tavares. Lembro-me que era um homem bonito e simpático, com umas mãos lindíssimas. Preveniu-nos que a menina ia sofrer do fígado. Teve ictrícia e hepatite aos 12 anos. Nunca mais ficou bem. Foi tratada pelo Dr. Carlos Alberto, que tinha salvo a Lena de crises quase fatais (duas pleurisias líquidas e, quando a Lecas nasceu, uma peritonite - tudo tratado em casa, sem internamento no hospital). A Lecas- que se chamou Madalena, como a Lena - tomou toda a espécie de medicamentos. Até o remédio das freirinhas de Vilar, que a minha Mãe mandava buscar aos garrafões. Nada resultou. Nem a cortisona, que lhe receitaram alguns anos mais tarde -  ficou inchada, com a cara redonda, por algum tempo. Foi sempre a piorar ao longo dos 8 anos seguintes... Mas tinha um feitio ideal. Era optimista, alegre!
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
 Em pequena, a Lecas era um encanto. Muito dócil e bem disposta. Mas, de facto, não gostava de sair do seu ambiente. Fartava-se depressa e tornava-se difícil de aturar, com as  lamúrias. Era por isso que, nos passeios de fim de semana, a deixávamos sempre na casa da Tia Rozaura. Connosco só ia a Manela, que se portava melhor fora de casa do que dentro. O que queria era arejar. E sabia que, para isso, precisava de ser uma boa companhia.
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
A Lecas achava graça a tudo o que eu dizia e fazia. Dava-me sempre razão. Lembro-me de um dia em que tive uma grande discussão com o João, por causa da casa de férias de Espinho. Nessa altura, vivíamos nós, já em Latino Coelho, ainda a casa de praia da R. 7 pertencia à Avó Joaquina. Ela cedia a casa, no mês de Agosto, alternadamente, ao João e à Alda. Ao outro, restava Setembro. Mas as meninas queriam Agosto, para estarem com os amigos. Era uma guerra! A Joaquina estava a ser tratada pela minha sogra, e eu considerava que, por isso, quem tinha mais direitos éramos nós. E exigia que o João pusesse as coisas assim. Disse. Redisse. Irritei-me. Berrei com ele. Quando saíu,para o Grémio, tendo a certeza de que ele não ia falar à mãe e lutar pelo mês de Agosto, em Espinho, tive uma fúria! Atirei as panelas contra a banca de mármore, amolguei-as todas. Parti, contra a parede, a cadeira de madeira branca da cozinha! E a Lecas ria-se imenso! Foi, a correr, chamar a Maria do Carmo e o Sr. Razzini, para virem gozar o espectáculo. Quando eles chegaram, estava eu a espairecer, na varanda da cozinha, cantando, a plenos pulmões, o "Passarinho da Ribeira".
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Não assisti a essa cena épica. Estava nas aulas, em Coimbra. Ouvi contar, é claro. Até o Pai deve ter achado graça. E terá falado à Avó Olívia, mas não exactamente com o discurso bélico da Mª Antónia... Nesse ano, e em muitos outros anos. O caso resolvia-se com o arrendamento de uma casa, em Agosto, quando a da R.7 calhava à prima... Paga pela Avó Olívia, naturalmente! Lembro-me de vários arrendamentos, quase sempre perto da "nossa" rua: na própria R. 7, esquina com a 64, ali a dois passos; na R. 5; na R. 16, em frente aonde, anos depois, haveríamos de morar; na esquina da 18 com a 7. Etc. Etc. E, em 1950, calhou-nos Setembro, e, talvez porque o tempo estivesse agradável, prolongámos a estada até ao Natal. Fiz o 1º trimestre da 2ª classe na escola da R 23, hoje edifício sede da Junta de Freguesia. Detestei a professora, chamáva-lhe, sei lá porquê, "o cavalo espanhol". Tornei-me má aluna e rebelde. Nos dias em que havia "O Mosquito", minha revista favorita, ía para a estação do comboio esperar que chegasse. Lia o essencial, e, só depois, aparecia na escola. Ficava de castigo, mas não me ralava nada. Em Janeiro de 1951, comecei a frequentar a escola do Magarão em Avintes e recuperei o estatuto de aluna "distinta", que nunca mais perdi. Por isso, acredito que o professor faz o aluno. A Lecas terá escapado à ordália da R. 23. Parece-me que só foi para a escola no ano seguinte, em Gondomar, quando eu já estava no Colégio do Sardão, entregue às Doroteias. Onde fiquei, contrariada, até 1958. A Lecas foi para o Sardão - então, o melhor da região do Porto - apenas no 1º ano do liceu, agora 5ª classe ou 5º ano, nem sei ao certo... Adorava estar lá! Mais uma notória diferença entre nós. Saía ao Pai, sempre feliz em 11 anos de internato no colégio dos Carvalhos. Eu ao lado Aguiar, muito inadaptada ao regime para-militar dos internatos portuenses... E, quando fomos, como tanto queríamos, ambas, morar no Porto, ela escolheu continuar nas Doroteias, no Externato da "Paz" e eu insisti em frequentar o "distante" Liceu Raínha Santa Isabel, em vez do colégio, a cinco minutos (a pé e devagar...) do nosso andar na R. Latino Coelho.
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
Esse acidente de carro, de que falou a Manela, aconteceu em Azevedo de Campanhã. O portão onde a Joaninha embateu, pertencia a uma fábrica. Com o ruído, os homens de fato -macaco apareceram, de imediato. Um deles, mecânico, examinou logo o motor e garantiu que estava tudo bem. Estragos: só um farolim partido e a chapa amassado desse mesmo lado. Ao mesmo tempo, correram para nós, vindas sei lá de onde, dúzias de crianças, sujas, de pé descalço... Era a hora de almoço. Estavam todas dentro de casa. Uma sorte! Entretanto, o mecânico pôs o carro a funcionar, resolvendo o problema da bateria, que falhava, e eu segui viagem, a todo o gás - não fosse o carro ir abaixo, de novo...
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
A Lecas era a criança mais tranquila, mas foi a que mais nos assustou, no dia em que lambeu uma lata de veneno para formigas! Eu tinha ido passear para o Porto, como acontecia muitas vezes, e deixei a Manela com a Tia Rosaura e a Maria Póvoas, porque era a mais difícil de controlar, e a calmíssima Madalena com a Rosa, a criada mais nova, que "ia aos recados" e ajudava a outra . A Mamã tinha o hábito de pôr o veneno numa latinha, debaixo do aparador da sala de jantar. A Rosa distraiu-se, e a menina chegou à lata... Teve de ir fazer uma lavagem ao estômago, no hospital de Santo António!
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
 Valeu nessa altura a Lininha, que felizmente andava por lá. Chamou os bombeiros e levou-a para o Porto!
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Esses primeiros anos, na Vila Maria foram fantásticos! O que nós brincávamos, à solta naquele espaço enorme, e seguro. Acho que pouco brigámos. E ela, apesar do ar de menina "prendada" e pouco hábil em "desportos radicais", era tão capaz como eu de trepar a todas as árvores, de fazer corridas com as "carretas" de jardinagem ou de improvisar "baloiços" em ramos altos. E, também, de cantar e representar peças de teatro, quando os primos vinham às festas de Natal (vendíamos bilhetes de entrada, à família numerosa, com muito sucesso!). Em pequenas, quando a Mãe estava fora, adorávamos calçar os seus sapatos de tacão altíssimo - cunha e tacão grossos, como agora se usa outra vez. E, mais pacatamente,  bordar paninhos, a ponto de cruz, muito encorajadas pela Avó Maria. Alguns compravam-se, já com os desenhos impressos - vejam lá!- nas mercearias, que vendiam tudo. Havia uma perto de casa dos Avós de Avintes. Outras compras de mercearia, mais heterodoxas, podiam mesmo incluir cigarros "definitivos". Isso acontecia em Gondomar, e com os primos. Sozinhas, não achávamos piada... A iniciação á culinária também era divertida. As imagens que guardo, dessa actividade são, sobretudo, das férias em Espinho, na casa da R. 7. A Lecas era uma artista. Eu limitava-me à "mousse" de chocolate... Tudo o resto me saía mal. De qualquer forma, já era mais do que a nossa Mãe sabia cozinhar, quando casou (e nem queria saber!).
sábado, 13 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Uma paixão, que a Lecas e eu partilhámos: os animais! Cães, gatos, cavalos... E, para ver, todos os outros, coelhos, pássaros... Só não engraço com galinhas, embora seja incapaz de as molestar. Também quero distância de vacas e de porcos. Havia tudo isso, em Avintes. E tudo, menos vacas, em Gondomar.  Em Avintes havia sempre, também, uma quantidade de gatos esplendorosos, grandes e peludos. Uma vez, a Lecas e eu salvámos uma ninhada inteira de recém-nascidos, quando a gata-mãe adoeceu. Dávamos aos bebés o leitinho às colheres. Metade leite de vaca, metade água. Tentámos um "biberão", comprado na farmácia, mas não resultou...
sábado, 13 dezembro, 2008 
Docas disse...
Quando eu estava a estudar no Porto, vivia num quarto alugado a uma senhora muito simpática e bem educada, a Dona Cândida. Ficava a dois passos da Tia Lena e ia com facilidade a pé, até casa da Tia Mariazinha. Subia a R. D. João IV, depois a da Alegria, e estava lá. E aí é que era uma alegria! Passei muitas tardes com a Tia, a Madalena e a Dona Maria do Carmo, sempre a rir às gargalhadas. A Tia tinha à volta de 40 anos, era nova e engrassadíssima. A Madalena achava graça a todas as asneiras que ela dizia, e acrescentava as dela também. Vou organizar um "dicionário de asneiras", disse um dia. A D. Mª do Carmo e eu só ríamos, não as conseguimos acompanhar...
segunda-feira, 15 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
A Lecas teve essa idéia do dicionário decerto por causa de uma conversa, um dia, com o Sr. Razzini. Ele tinha sociedade numas padarias que começaram a vender "gressinos", para além de todas as qualidades de pão. E, quando ouvia os nossos disparates, achava-os inofensivos: "julgam que sabem muito e não sabem nada. Deviam conviver, de manhã, com as padeiras, que vão fazer a distribuição... Essas é que têm vocabulário. Com elas é que se aprende". E a Lecas pedia- lhe: "Por favor, Sr. Razzini, leve papel e lápis e aponte tudo!" Estava, com certeza, à espera de uma contribuição dele para o "dicionário". Outra que merecia ter os seus ditos contados em livro era a nossa "mulher a dias",  pequenina e muito gorda - esqueci-me do nome. Às vezes, palavrões. Outras erros, de pura ignorância. Estou a lembrar-me de quando me disse: E eu vinguei-me, minha Senhora. Para violão, violão e meio!". Foi uma pena não termos, mesmo, apontado as tiradas dela. Cada palavra, cada erro delirante!
segunda-feira, 15 dezembro, 2008 
Docas disse...
 A rapariga que viveu a infância no campo e tinha obrigação de lidar bem com animais era eu, mas quem aprendeu rapidamente a andar a cavalo foi ela, numas férias passadas connosco na mina da Bica. Eu, tal como o meu Pai, e a Xana, só de burro... Ela, tal como a minha mãe, adorava! Cavalgava, sem medo nenhum, com o Nestó e o Moutinho. De uma das vezes, a sela não estava bem presa e ela começou a deslizar, devagarinho, juntamente com a sela, e os rapazes tentaram, mas não conseguiram valer-lhe. Caíu! Pouco se importou, montou outra vez, depois de fazer curativo ao braço. Estava sempre pronta para galopar pelo meio das serras. Que belas férias, foram essas, no verão de 1957 ou 58!
segunda-feira, 15 dezembro, 2008 
Docas disse...
A Lecas ainda sofreu outro acidente cómico, durante esse verão. Gostávamos muito de ir à piscina do Fundão, a única que havia lá perto. O meu Pai, que de cavalgar não gostava, era um excelente nadador, e eu já dessa idade, também nadava como gente grande. A Madalena não... Convencia-a de que podíamos avançar, juntas, para a parte mais funda, desde que ela se segurasse na minha cintura. E lá fomos. Até que ela achou que bastava e disse-me que queria voltar.  Eu dei meia volta rápida demais, e deixei-a para trás. E ela afundou...Tentei segura-la por um braço, mas não consegui. Não houve falta de salvadores! Nessa fase da vida, além de ser bonita e jeitosa, andava de cabelo pintado de loiro-branco! Todos os homens que estavam por perto se atiraram à água, e ela saiu, triunfalmente, aos ombros de um magote de rapazes. Que cena!
segunda-feira, 15 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Uma das diversões da Lecas era, de facto, mudar de cor e de corte de cabelo. A cor natural era um castanho escuro no inverno e mais claro com o sol de verão, depois de ter sido loirinha, em criança. Um cabelo espesso, forte, ligeiramente ondulado, esplêndido... mas ela gostava de mudar de " visual", como de mudar de roupa - sempre na última moda. A coloração mais extravagante foi esse loiro branco (que lhe ficava idealmente bem), e um negro azulado, bastante mais dramático! Enquanto loiríssima, uma vez, quando descíamos a R. Sto. António foi interpelada numa língua estranha. Ficámos atónitas, e logo o rapaz, loiro, mas não tanto como ela, em inglês nos disse que era norueguês, e tinha tido a esperança de que ela fosse uma compatriota. Em Portugal, ainda não tinha visto ninguém com um ar tão nórdico.
segunda-feira, 15 dezembro, 2008 
Rosa Maria Gayoso disse...
Em primeiro lugar, adorei ler a biografia da Lena, porque era muito amiga dela e tornou mais presente a recordação já um pouco longínqua que dela tinha. Em segundo lugar, quero informar (porque a autora do blog omitiu) que na fotografia do baloiço há duas meninas ajuizadamente sentadas e a terceira menina que está de cabeça para baixo é...imaginem lá!!!...a ilustre Sra Doutora Manuela Aguiar....claro que só podia ser ela!!!!!
terça-feira, 16 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Estava à espera desta saída da Rosa Maria, sobre a menina que via o mundo "de pernas para o ar", que é exactamente como o mundo anda... O certo é que nos divertíamos imenso, nessas brincadeiras de praia, e a nadar ou a saltar às ondas, até gelarmos. E tu, que eras a mais magrinha, enregelavas primeiro.
quarta-feira, 17 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Mantivemos essa amizade de infância, ao longo da vida. De outros amigos de verãao, quase não me lembro. Será que também andaste nas " tardes dançantes" da piscina? E "baile dos Bombeiros", em frente à Igreja? Bem frequentado, nada do género dos bombeiros do Milos Forman! Havia muitas fardas brancas da Marinha, e a Madalena conquistou quase todas. Para mim, ficaram os desfardados... Mas foi aí que conhecemos o Florival, que me recomendava livros dos melhores autores. Esse ainda por cá anda,  com a mulher. Muito simpáticos.
quarta-feira, 17 dezembro, 2008 
Docas disse...
A primeira aventura que contam de mim e da Madalena tem a ver com um pique nique de cerejas, debaixo da mesa, na sala de jantar da Avó Maria. Foram encontrar-nos a comer cerejas às mãos cheias. Não sei se, depois, estivemos doentes. Eu devia ter 2 anos e ela 4. Não me lembro, ouvi contar.  ATia Mariazinha deve saber.
sexta-feira, 19 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
Lembro-me, como se tivesse sido hoje. As cerejas estavam num cesto. Algum lavrador as tinha oferecido à Mamã. A menina mais velha deve ter conseguido pegar no cesto, que era grande e pesado. E levou a outra, para o esconderijo, debaixo da mesa. Ninguém sabia onde estavam. Andávamos à procura delas, por toda a casa, e até já no jardim. Uma das criadas, a certa altura, disse-nos: "Não vejo ninguém na sala de jantar, mas quando lá vou, ouço ruídos". Foi então que um de nós se lembrou de espreitar junto ao chão, por baixo dos aparadores e da mesa. E, assim foram encontradas, muito sujas, rodeadas de cerejas e caroços. Devem ter ficado ambas um pouco adoentadas, mas nada de grave, porque isso não ficou na memória.
sexta-feira, 19 dezembro, 2008 
Docas disse...
Muito mais tarde, já adolescentes, noutras férias, em casa da Avó Maria, para além daquelas coisa habituais, que não ficam na memória, resolvemos fazer de jornalistas ou historiadoras da terra de Gondomar.
Fomos comprar cadernos de apontamentos, e, com eles debaixo do braço, metemo-nos ao caminho, à procura de sítios típicos ou idílicos, para servirem de tema de reportagem. Andámos pela quinta de Bouça Cova, e muitos recantos ermos. Não me parece que tenhamos escrito as crónicas, mas, pelo menos, fizemos exercício físico, e vimos lugares bonitos, porque S. Cosme ainda era a capital de um concelho rural, cheio de campos de lavoura, de silvados com amoras, de pinheirais e de belas casas de pedra dos lavradores ricos, que eram bastantes.
sexta-feira, 19 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Acho que a Docas tem razão, quando diz que nos esquecemos de tudo, excepto do que foge à normalidade. À normalidade corresponde uma imagem difusa de brincadeiras, como as corridas à volta da casa, a subida às árvores,  as idas à Igreja, com a Avó, ou as festas da Nª Sª do Rosário (as farturas, os carrinhos de feira, a louça vendida nas barracas, uma grande atracção...). Mas não distinguimos quando e com quem estávamos. O que fica vivo na memória é uma queda grande de uma árvore e outras desgraças cómicas, que são as melhores desgraças, pelo menos quando vistas à distância! É por isso que, quando penso na Madalena, me recordo, sobretudo, de situações muito divertidas, ou muito tristes, contra o pano de fundo de situações recorrentes. Lembro-me dos Natais, de acordarmos sempre a meio da noite, para abrirmos as prendas, que o Menino Jesus nos tinha deixado no fundo da cama.  De entramos, disfarçadamente, no pequeno compartimento, onde a Mãe guardava os sapatos de tacão altíssimos, para nos passearmos, em excitante desequilíbrio, com eles calçados, de pintarmos os lábios com o seu "baton". Ou de jogarmos às cartas, com a Ana Sousa, que ficava a tomar conta de nós e era uma "azelha", com a qual ganhávamos invariavelmente. Ou dos truques de magia do Tio David, que nós adorávamos, desde os primeiros tempos de casado com a Tia Lena (nós, então, com cinco, seis, sete anos...). Dos jantares em casa da Avó Olívia, que, às 7 horas da noite, nos perguntava como queríamos as batatas fritas: aos palitos ou às rodelas  - para acompanhar os inevitáveis bifes quotidianos. E nós sempre de acordo, para uma ou outra modalidade! Lembro-me das gargalhadas, das risadas da Madalena. Que bem nos entendíamos!. Mais tarde, começámos a divergir um pouco, sobretudo nos amigos. A Lecas declarava os meus uns "intelectuais" aborrecidos, e eu retribuía, etiquetando os dela de "fúteis". Exagero, de parte a parte. Claro, a Lecas achava as minhas prioridades de vida, as minhas aflições, exames, notas uma bizarria.  Não era dada a aflições, nem a depressões, nem a melancolia. Vivia o presente, com alegria. e olhava o futuro com optimismo. Até a sua doença ignorou, descontraidamente.
sexta-feira, 19 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
 Os médicos recomendavam à Lecas dietas e repouso. Como regra, cumpria, nem com estudos se ralava, o Colégio da Paz servia-lhe de centro de convívio ... Em festas, era outra coisa, não havia quem fosse mais solicitado para dançar, e quem dançasse mais, infatigavelmente. Festas em casa de meninas do colégio, que, para mim, eram uma ordália. Os Pais não a deixavam ir sozinha...  Uma vez, a Lecas apanhou-me a ler um livro de bolso, que levei comigo, clandestinamente, e ficou zangadíssima.  No correr dos anos, a doença crónica da Lecas entrou numa normalidade, como a sua beleza ou a sua veia musical. Era para durar. No verão de 1964, piorou, pensámos, que era crise passageira. Foi para Gerona, em agosto, com os Tios Lena e David Lena e de lá veio feliz, embora pálida - com a palidez da leucemia. Só esteve de cama nos últimos dias - 3 ou 4 dias. Foi de ambulância para a Casa de Saúde da Trindade  uma ou duas horas antes de morrer. Os Pais seguiram com ela, e mandaram-me para Avintes, almoçar com os Avós. Mal cheguei recebemos um telefonema a dar a notícia. Foi um momento que não sei descrever, um momento de fim do mundo. Primeiro, o desgosto, o vazio, depois a relativização de tudo, ou quase tudo. Nunca vi o Avô tão transtornado, ele, normalmente, tão contido. Depois, nem recordo mais nada. Fiquei no Porto, com a Maria do Carmo, enquanto os Pais já estavam na Vila Maria. Fui no dia seguinte, ao funeral, não me lembro de quase nada...
sexta-feira, 19 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
A Maria Emília Castro Solla era, como a Rosa Maria, uma das raras amigas que a Lecas e eu tínhamos em comum. Nesse dia 3 de Novembro, às 3 horas da tarde, telefonou para minha casa, a perguntar se a Lecas demoraria. Estava à espera dela, para irem ao cinema. Deve ter sido a Maria do Carmo quem atendeu e lhe disse o que tinha acontecido. A Mª Emília caiu num estado de depressão. Não foi a única.
sexta-feira, 19 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
As últimas férias grandes que passámos com os primos, nas minas, foi em 1961, no Cercal, antes do Tio Eduardo ir para Angola. Como sempre, uma festa permanente, com muitos episódios fora do comum: acampamento na praia de Vila Nova de Milfontes, em duas grandes tendas, uma para as meninas, outra para os rapazes. Difíceis de montar! Foi trabalho deles, com o Nestó muito activo, e nós a apreciar os avanços e recuos, sentadas na areia quente, com banhos "anti-calor", de vez em quando. Éramos muitas, deviam ser amigas locais, tinham bom ar. Estavam lá também os primos Fonsecas, Quim e Manica. A tenda feminina era azul, e, apesar de enorme, para mim, claustrofóbica, dormi pessimamente... O Tio Eduardo estava de perna engessada até ao joelho e assim passou o verão. Quando, uma tarde, nos distraímos a Docas , a Manica e eu, a  brincar em cima de um colchão de praia, transformado em prancha de saltos, e as correntes nos puxavam para a "montanha" rochosa, no meio do mar, ele não podia socorrer-nos e foi o Nestó que o substituiu... Ele e a Docas, poderosos nadadores, rebocaram, missão quase impossível, o colchão contra-corrente, para a praia, tendo em cima a chorosa Manica, que não sabia nadar.... Eu era auto-suficiente, mas de pouca ajuda capaz ...enfim, fiz o que pude, sobretudo, não entrar em pânico... A Lecas, a Tia Lola, Xana, e Tio Gustavo assistiam, aflitos, praia, entre muitos curiosos... Por fim, conseguimos chegar, são e salvos!  Nestó - o grande comandante nadador- salvador, em vez de uma condecoração recebeu duas bofetadas da Mãe, que, nervosíssima, tinha de culpar alguém, e escolheu a ele, talvez por ser o único rapaz...
Outro  "fiasco", aconteceu quando tentámos andar à boleia, num dia pacato. Dividimo-nos em dois grupos, porque éramos cinco. Tentámos, mas o trânsito era nenhum, só aparecia, de vez em quando o mesmo carro, que era o do Tio Eduardo, às voltas, em missão de vigilância... Uma frustração... 
Com ele, não à boleia, percorremos a maravilhosa costa alentejana, de Sines e S. Torpes à fronteira do Algarve. E, depois, a algarvia, que a Lecas e eu não conhecíamos. Nesse ano de 61, ainda a praia da Rocha era das mais belas do mundo! Que fantásticos banhos lá tomámos, em água tépida, finalmente!
sábado, 20 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Ainda sobre o verão de 61: a única coisa que não correu bem, foi a viagem de comboio Porto-Lisboa. A Lecas - sempre ela!- tinha arranjado dinheiro para uma confortável ida, em 1ª classe, no Rápido ( pedinchando à Avó Olívia, que acabava sempre por lhe dar o que ela queria, beneficiando eu, por tabela). O Rápido avariou, levou umas 6 horas a chegar, sem o ar condicionado, num dia de calor sufocante. Pouco gozamos as mordomias. À nossa espera, pacientemente, estava o Tio Gustavo, que nos levou de carro até ao Cercal, sem mais percalços. O que, atendendo à forma, diletante e distraída como sempre conduzia, foi a nota de sorte, num dia azarado.
sábado, 20 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Outra recordação dessas férias alentejanas é a de um baile, onde fomos todos, com os Tios. Uma festa de beneficência, com jantar e música ao vivo. Gente que se conhecia. As forasteiras éramos nós. Na pista de dança, grande animação. A Lecas tornou-se, logo, o centro das atenções, mas nessa noite, o que a divertiu foi dizer "não" a todos os pedidos para dançar... A todos, excepto os primo. Tentei demovê-la, mas não adiantou. Eu lá fui para a pista, com um ou outro, sem "despachar" nenhum, mas a minha popularidade não era comparável...
sábado, 20 dezembro, 2008 
Rosa Maria Gayoso disse...
Lembro-me que quando a Lecas partiu, a minha mãe levou dois dias para me dar a notícia e eu.....não queria acreditar.
sábado, 20 dezembro, 2008 
Rosa Maria Gayoso disse...
Exactamente como tu, era a única amiga que conservava de miúda...Nas nossas brincadeiras mirabolantes as ideias geniais eram quase sempre tuas, e eu e a Lecas achávamos uma maravilha e seguíamos cegamente e quase sempre resultavam...
sábado, 20 dezembro, 2008 
Isabel Aguiar disse...
Adorava ter conhecido a prima Lecas...cresci vendo pela casa da Tia Giginha fotografias de uma super modelo! Sim, era uma verdadeira Diva! Conta a minha mãe que a sua beleza era infinita e tinha uma pose inigualável e que adorava ir para as compras com a Lecas, pois não havia ninguém com tão bom gosto como ela.
Aos sábados pela tarde, à volta da mesa da Giginha todos nos deleitamos a ouvir histórias da Lecas...com saudade!
Bia
segunda-feira, 22 dezembro, 2008 
Rosa Maria Gayoso disse...
Lembro-me uma vez de ir com a Lecas a um concerto do Marino Marini no Coliseu. Antes fomos ao "Arnaldo Trindade" comprar um disco para eles nos darem um autógrafo. Depois de estarmos horas numa fila que já chegava a Passos Manuel, lá comprámos os discos e noutra fila esperámos a nossa vez, para a assinatura. Pediu a cada uma de nós o nome para por na dedicatória e quando a Lecas disse que se chamava Maria Madalena, ele começou a cantar bem alto a canção "Maria Madalena". Toda a gente olhou para nós, a Lecas perdida de riso, e fomos a correr para o Coliseu para, numa outra longa fila, esperarmos a nossa vez de entrada na sala. O concerto foi uma maravilha, claro, e ele não deixou de cantar a canção "Maria Madalena".
quinta-feira, 25 dezembro, 2008 
Rosa maria Gayoso disse...
Eu e a Lecas combinamos um dia ir ao cinema no Porto. Não me lembro a que cinema íamos, mas como ponto de encontro combinamos a Praça da Liberdade, paragem do 7 (o meu eléctrico). Desci do eléctrico ao pé do Ultramarino e fiquei á espera da Lecas. Furiosa por ela não aparecer, resolvi atravessar a Praça para lhe ligar da companhia dos telefones. Na passadeira, cruzei-me com a Lecas furiosa por eu não ter aparecido ao encontro. Ela estava á minha espera na paragem do 7 mas do lado da Ateneia. Como já tinha passado a hora do cinema, fomos lanchar, muito chateadas as duas por termos perdido a sessão de cinema e pondo as culpas uma á outra.
sexta-feira, 26 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
 Lembro-me muito bem desse espectáculo do Marino Marini, no Porto. A Lecas cantava as músicas dele todas, e tinha os discos, em 45 rotações. E gostou imenso do "show", que foi ver ao Coliseu. E do próprio Marini. Ainda bem que a Rosinha se recordou disso. Fez-me pensar nas cantorias dela, com uma voz afinadíssima, desde criança. Quando começou a ir para a escola do Crasto, levava sempre com ela a " Maria Formiga ", que eu chamava assim por ser muito magrinha e minúscula, ao lado da Lecas, que era grande, para a idade, e forte. A "Formiga" era empregada de recados lá de casa, mas também andava na escola. As duas cantavam, em coro, um grande repertório de cantigas minhotas, como o " Amanhã vou-me casar, já passei a roupa a ferro...", etc. Ou: "O mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele diz...". A Maria tinha vergonha de ser vista a cantar. Iam as duas para a casa de banho, ao lado da cozinha da Tia Rozaura, e davam o "concerto", que se ouvia na casa toda.
sexta-feira, 26 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
Outra companheira desse tempo era a Rosa Caçoila, filha de um barbeiro, que cortava o cabelo aos homens com uma tigela enfiada na cabeça. E era ladrão, preso por roubo, várias vezes. A Manela só andou na escola de Gondomar um ano, mas tinha uma parceira ainda pior: a Arminda do mato. Pai e Mãe eram ladrões, viviam no mato, numa cabana, com um bando de filhos. A minha Mãe, já alguns anos antes, intercedia por eles e conseguia que, ao menos, a mulher fosse solta para tomar conta dos filhos - o Tio Alexandre era da Administração da Câmara, também tinha pena deles, satisfazia o pedido da irmã. Uma e outra vinham brincar para a casa da Pedreira, mas a Tia Rozaura nem as deixava entrar - só no quintal...E protestava: "As tuas filhas dão-se com o que há de pior nesta terra. Não entram cá dentro. Estão cheias de piolhos!" A escola pública era assim... Depois, foram as duas para o colégio, primeiro a Manela, a seguir a Lecas. E as amigas passaram a ser "do melhor que há".
sexta-feira, 26 dezembro, 2008 
Maria Antónia Aguiar disse...
Não estava a referir-me à Mª Formiga. Essa era de boa gente, e ainda hoje está ligada à família. É a Lina. Todos gostámos dela. Trabalha para as filhas da Xaninha, é da maior confiança!
sexta-feira, 26 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Hoje falei com o Zé Severo, por telefone, e ele, a certa altura, contou que um dos antepassados (Abreu), foi um dos bravos de Mindelo e tinha uma espada com dedicatória da Rainha Dona Maria II, que não sabe onde está. Talvez na América, com um dos irmãos. Ou não... E eu lembrei-me, logo, das espadas que existiam em casa dos Avós de Avintes, sem história comparável (aliás, sem história conhecida...), já velhas e enferrujadas - e com as quais a Lecas e eu nos fartámos de brincar. Que sensação, desembainhar e empunhar as espadas! Estavam escondidas numa pequena arrecadação, com acesso ao sótão (demasiado baixo para ter utilização) e cuja porta dava, convenientemente, para o nosso quarto. O sótão também nos servia para esconderijo ocasional. A casa tinha uma estranha arquitectura, como se fosse construída por módulos interligados, com dois andares à face da rua 5 de Outubro e apenas um nas traseiras - este com um sótão mais alto, onde havia algumas coisas interessantes, como livros, incluindo uma deslumbrante bíblia do tio bisavô Padre Manuel Pinto da Silva. Pensando bem, que bizarria ter esses livros ali, cheios de pó! Devia ser um espólio esquecido. Hei-de contar a "minha história" dessa bíblia, que acabou sendo oferecida ao pároco da terra. Gostaria de a ter comigo, como o Zé a tal espada com história. Era uma bela recordação de família, que se perdeu nas mãos de estranhos. Tinha, no início de cada capítulo iluminuras ´belíssimas, para além de muitas gravuras. O Antigo Testamento, não é leitura própria para crianças, e, depois de ter sido descoberta a lê-lo, fui proibida de repetir a graça. Não obedeci... Aquele seria o melhor livro da minha infância. Bom, acabei contando a minha história dessa Bíblia´.
quarta-feira, 31 dezembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Quando considero bastante insólita a arquitectura da casa de Avintes, não estou a pensar somente nas assimetrias, que referi, mas sobretudo nessa parte da casa em que ficávamos: o hall era muito pequeno e positivamente "invadido" por uma escadaria larga, comprida e íngreme, que parecia tombar sobre ele. De uma dimensão desmesurada e que conduzia apenas a dois quartos muito grandes - à direita, o dos meus pais, à esquerda, o nosso. As portas eram enormes! As janelas que davam para a rua constituíam um bom miradouro para o movimento de carros e camionetes. A paragem da camioneta para o Porto era em frente. No quarto dos pais havia outra janela com uma idílica vista para o rio Douro e as suas margens. Acredito que muitos dos poemas românticos do Pai foram escritos ali mesmo. Estou a ver-me, criança, com a minha irmã em infindáveis "brincadeiras de interior", a jogar cartas, a correr de um lado para o outro, a ouvir música, a dançar, a seguir as novelas radiofónicas patrocinadas pelo "Tide", a folhear revistas da mãe - ou postais e cromos de vedetas de Hollywood, que infelizmente não guardámos, e fariam hoje as minhas delícias. Uma vez, ainda muito pequena, em correria, rolei pelas escadas só parei no "hall"  de pedra. Sem uma simples nódoa negra. Milagre! À direita dessa entrada ficava a sala de visitas,  pouco usada, só mesmo para fins cerimoniais, e, à esquerda, a sala de jantar, essa, sim, muito "vivida". A ala dos Avós, era a mais recatada, com vista para vinha e quintal. Em baixo, em plano subterrâneo, havia lojas e um imenso forno de padaria, um dos negócios bem sucedidos do bisavó Capella.
 Mais tarde, quando vieram morar em Espinho, a sasa foi toda dividida em apartamentos e arrendada a várias famílias. Consequência: depois do 25 de Abril, acabámos por vendê-la... Não era uma casa esplêndida, mas podia ter óptimos aproveitamentos! Que pena tê-la perdido!. Era um "mundo"  isolado, e com um bom terreno e magníficas vistas...
quarta-feira, 31 dezembro, 2008 
Docas disse...
A Madalena, eu e a Manuela, queríamos ir ao cinema, ver um filme para adultos (nessa altura, penso que era para maiores de 17 anos - não tenho a certeza)- eu, ainda não tinha essa idade. Para poder entrar sem suspeitas, calcei uns sapatos novos de salto alto... Durante o filme, os pés já me doíam e, resolvi tirar os sapatos. O lugar da frente não estava ocupado e, eu, descontraidamente, estiquei os pés, apoiando-os no banco. A certa altura comecei a sentir qualquer coisa no pé - ainda jovem e ingénua, imaginei que fosse qualquer metal do banco. Mais tarde estranhei e, olhando para o banco da frente, percebi que ao lado estava um homem com a mão estendida. Virei-me para a Madalena a rir às gargalhadas e como não consegui abafar o riso, saiu-me alto: - Ó Madalena! Está aqui à nossa frente um homem, a fazer-me cócegas nos pés". Ela desatou também a rir muito alto - os espectadores mandarem-nos calar... Tivemos de sair da sala, porque não conseguimos reter o riso! Após o intervalo, quando nos sentamos, de novo, nos nossos lugares, o homem tinha desaparecido, justamente envergonhado!
quarta-feira, 25 fevereiro, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Na minha procura de uns versinhos dos meus 10 ou 11 anos, que tinha à época, oferecido à Rosa Maria , e que ela queria que eu recuperasse, pois os tinha perdido, encontrei não só essas quadras de criança tonta, mas também um inquérito, não menos "naif", mas hoje interessante de ler, ao qual a Lecas foi uma das cerca de 30 entrevistadas
Estava eu no antigo 6º ano do liceu (1958/59), e vestia a pele de " socióloga aprendiz", e tinha ela 16 anos.
Vou reproduzir essas respostas.
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Pergunta 1
Nome, idade, altura, cor de cabelo, medida dos pés, curso, profissão futura.
Mas, claro, isto é o que tu és.
E o que gostarias de ser, fisicamente?

R
Maria Madalena, 16 anos, 1.60, castanhos, 39
Talvez Direito. Não sei.
Alta, 1.70,mais magra e cabelo loiro clarinho
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Perguntas 2 a 5

P2 Qual a intensidade com que vives o dia a dia?
R Sempre a mesma coisa, estudar, comer e dormir.

P3 O que consideras mais essencial para ser feliz? Qual o sentimento humano que deveria guiar um mundo melhor?
R O dinheiro e a saúde, é claro. Os direitos serem iguais entre homens e mulheres.

P4 Qual é o teu passatempo preferido?
R Viajar, dançar e ler.

P5 Agora está na moda: fumar - beber - usar calças - falar calão - existencialismo - geração perdida (não sejas prolixa)
R Acho tudo isto muito bem, e estou de pleno acordo.
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
P6 Cinema: quais os teus actores preferidos? Fala do filme que mais te agradou.
R Charlton Heston, Yul Brynner, Tony Perkins e Paul Newman.
Os filmes que mais gostei foram: A pousada da 6º felicidade, Os dez mandamentos e Quero Viver

P7 Música: Qual a que te desperta mais a sensibilidade?
R Música ligeira italiana e valsas de Strauss.

P8 Pintura: Qual é para ti o maior pintor do mundo?
RVan Gogh.

P9 Literatura: Qual a qualidade que mais aprecias num escritor, numa literatura?
R` O realismo.

P 10 Fala-nos dos teus escritores preferidos.
RGosto de Somerset Maughan e Steinbeck. Livros que mais gostei: "Antes do amanhecer", "O homem que via passar os comboios", "Ratos e homens" e "Casamento em Florença".
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
P11 Escreve um pensamento que te tenha agradado.
R "Só vale a pena viver, quando se vive o momento presente", de Jean Paul Sartre e "Belo é tudo quanto agrada desinteressadamente"

P12 Tens preocupações de filosofia e política?
RNão.

P13
Qual o povo que mais aprecias e porquê?
ROs alemães, porque são trabalhadores e boas pessoas.

P14 Gostarias de casar com um homem de côr?
RPorque não? Não há nenhuma diferença, além da cor, entre um preto e um branco.

P15 Em que país achas poder levar uma vida melhor?
RTalvez na França ou na Itália.

P16 Em que época gostarias de viver e porquê?
RNo futuro, porque nessa época já deve haver mais igualdade entre os homens.

P17 O que fazias, se te saísse a sorte grande?
RÍa viajar e comprava vestidos no melhor costureiro de Paris, construía casa em Lisboa e comprava um automóvel.
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
P18 O que fazias, se fosses o 1º habitante da terra a pôr o pé em Marte?
R Sentia-me orgulhosa e iria inspeccionar aquilo, não sem um certo receio...

P19 O que levavas contigo se fosses numa viagem interplanetária num foguetão? (lembra-te que o espaço não é muito)Em que nacionalidade de foguetão te aventuravas?
R Levava uma carteira com a agenda e um bloco, lápis e caneta. Baton, puff, espelho e pente, algum dinheiro e lenços para me assuar. Uma mala de viagem com alguns vestidos, casacos e sapatos, e roupa interior. Depois partia feliz.
Iria num foguetão russo.
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Que engraçado,  ter dado com o caderno de capa vermelha, e as  perguntas e respostas manuscritas pelas próprias entrevistadas. Como novo, após meio século no fundo de uma gaveta.
Nas suas páginas, nós, muito genuinamente novas. Uma entrevista da Madalena, tal como era, divertida, "gozona", e despreocupada!
sábado, 29 agosto, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Para o lanche, a Mãe comprou nada mais nada menos do que as chamadas "glorinhas", umas argolas de massa folhada forradas de doce de ovos, que são deliciosas. Há décadas que andavam desaparecidas do mercado
E lembrou-se da Madalena. Nas vésperas daquele dia em que nos deixou, já estava por casa, bastante doente e quando a Mãe ia a sair - para tomar um café ali perto -pediu-lhe para passar por uma confeitaria e lhe trazer glorinhas para o  lanche.
sábado, 31 outubro, 2009

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