quarta-feira, 22 de março de 2023

MMAguiar CONGRESSISMO como espaço de luta pela igualdade

INTRODUÇÃO O CONGRESSISSMO COMO ESPAÇO DE LUTA PELA IGUALDADE No Encontro Mundial da Maia, procuramos ir às raízes do movimento pela intervenção cívica da Mulher, em Portugal, que, a nosso modo e no nosso tempo, continuamos, olhando em especial as mulheres da Diáspora.
O que nos une e reúne, como há um século aconteceu com as feministas da 1ª República, é a convicção de que só a acção colectiva pode levar a mudanças essenciais a uma transformação da sociedade no sentido da maior igualdade de género.
O poderoso associativismo feminino, que se projectou no tempo dessas precursoras, é irrepetível e do que, na mesma época, traduziu formas inéditas de solidariedade entre as portuguesas emigradas (muito em particular na Califórnia, a nível do movimento mutualista) o mesmo se poderá dizer.
É certo que há ainda lugar para organizações exclusivamente compostas por mulheres, que desempenham um papel muito importante, sobretudo no campo tradicional da beneficência e acção social, caso da Sociedades das Damas Portuguesas da Venezuela, da Liga da Mulher da África do Sul e da Associação da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina - de todas a mais recente. Todavia, na Califórnia, as pioneiras Sociedade Rainha Santa Isabel e União Protectora Portuguesa do Estado da Califórnia passaram a aceitar a filiação de membros do outro sexo ou a fusão com outras sociedades fraternais e mutualistas.
No século XXI, na nossa perspectiva, sem prejuízo de aceitação da bondade de outras opções, a prioridade terá de ser dada ao acesso das mulheres ao dirigismo nas organizações em que se estruturam as comunidades portuguesas, onde estão, em regra, ainda marginalizadas - o que para além de representar uma inaceitável discriminação sexista, prejudica a expansão e a renovação das próprias instituições.
O "congressismo", outra das heranças feministas do início de novecentos - entendido em sentido lato, para abranger o esforço de informação, debate, reflexão, crítica, testemunho, troca de experiências, reivindicação em múltiplos "fora" e, genericamente, eventos com projecção mediática - é ainda um dos mais eficazes instrumentos actuais ao serviço do objectivo de mobilizar as portuguesas para a intervenção nas comunidades do estrangeiro.
A organização dos vários Encontros Mundiais de Mulheres Migrantes, a partir de 1985, de conferências e debates sobre a temática de género ligada à emigração portuguesa, enquadra-se nesta visão das coisas e tem sido, frequentemente, iniciativa conjunta, ainda que através de fórmulas diversas, do governo e de ONG's - penso sobretudo, nas que vêm sendo levadas a cabo, desde 1994, pela "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade". Esta continuada cooperação entre Estado-sociedade civil, entre mulheres e homens é, sem dúvida, um aspecto a realçar, e não se pode dizer que seja algo de alheio às nossas melhores tradições, pois, de factto, vai encontrar raízes no passado.
Nesta breve comunicação, limito-me a assinalar algumas das caracteristicas singulares do exemplo português na luta pela afirmação da cidadania das mulheres e da recorrência de singularidades ou originalidades nossas, em épocas tão distintas como foram o início e o final do Século XX. Há ensinamentos a tirar, que apontam, ainda que com todos os riscos inerentes à extrapolação, para as virtualidades de uma mudança rápida do "status quo", de que os portugueses se mostraram, por vezes, tão capazes, para surpresa dos outros e, talvez, também deles próprios.

I - O PRIMEIRO PARADIGMA - O MOVIMENTO FEMINISMO NO INÍCIO DE NOVECENTOS
O movimento feminista foi, em Portugal, surpreendentemente moderno e vanguardista na medida soube resistir à tentação do radicalismo, aos excessos de uma "guerra de sexos", por um lado, e, por outro, ao mimetismo dos paradigmas masculinos, em favor de uma assunção plena do "feminismo feminino", na expressão de Carolina Beatriz Ângelo. As nossas “Avós” sufragistas, reclamaram, lucidamente, os mesmos direitos e deveres na "res publica", com a sua própria maneira de ser e de actuar, tal qual eram - em caminhada democrática e solidária, lado a lado, com os homens, numa vivência da ideia da "paridade", que teorizaram e quiseram por em prática muito antes da palavra ter feito o seu curso nas Constituições e nas leis, que hoje nos regem.
Partilhavam, como sabemos, a utopia igualitária que inspirava os movimentos de luta pela libertação das mulheres por toda a Europa e na América do Norte, mas moldaram-na à sua feição, com a força da esperança numa mutação de regime, imediatamente antes e durante o processo de consolidação da República.
De facto, entre nós, as questões de género e de regime entrelaçaram-se, num mesmo desígnio de liberdade e progresso, que parecia capaz de resolver a primeira pelo simples facto de resolver a segunda – embora, o não viesse a fazer, sem que às mulheres possa ser assacada a responsabilidade por esse desvio do que poderia e deveria ter sido o curso da história do feminismo em Portugal.
Aquela dupla pertença foi, a meu ver, a argamassa, a base sólida da especial cumplicidade que as unia aos revolucionários do sexo oposto, e as levava a situarem, claramente, a problemática da mulher no quadro global das transformações do Estado e da sociedade. Era a refundação do País que idealizavam, sem duvidar de que ela comportaria o fim de todos os privilégios, entre eles, os de sexo, assegurando, em simultâneo, a plena emancipação da metade feminina. Não era uma luta em causa própria, em favor de uma minoria - a elite da cultura ou da fortuna, a que muitas delas pertenciam - mas em favor de todas as mulheres, e, mais latamente, da sociedade portuguesa.
Viam o momento de explosão revolucionária, como um tempo de grandes oportunidades, para que estavam, porém, como o futuro demonstraria, bem mais preparadas do que os homens seus correligionários. Mas sabiam que nada aconteceria sem esforço, sem a comprovação da importância do seu contributo, muito concreto, num combate que só poderia ser ganho pela força da organização colectiva, pelo associativismo, e pela consequente demonstração pública da inteligência, da coragem, e capacidade de decisão e de intervenção cívica de toda uma geração, não apenas de algumas mulheres a título excepcional - como as que, em diferentes épocas, venceram a barreira do absoluto anonimato a que estavam destinadas, em razão do sexo, na História escrita pelos homens: Chefes de Estado, rainhas influentes nos negócios do Reino, heroínas de revoltas populares e de guerras, sobretudo nas praças de África, no Oriente, algumas invulgares escritoras ou artistas imortalizadas pelo talento... Todavia, o que é raridade não conta. e, por isso, não destruíram, com o seu exemplo solitário, os estereótipos de inaptidão da mulher comum para a coisa pública, não influenciaram o estatuto e os direitos da generalidade das mulheres, como a elite de novecentos se preparava para tentar.
A tomada da palavra perante multidões, um pouco por todo o país, com um discurso coerente e convincente, tanto por parte de nomes consagrados (Osório, Cabete, Veleda…), como de tantas jovens desconhecidas, em comícios, em "fora" de reflexão e debate, em acções de propaganda, constituiu um grande momento de viragem.
Foi, assim, no campo de acção ou de luta designado por “congressismo”, que as Portuguesas fizeram a passagem, súbita, inesperada, espectacular, do círculo doméstico, onde os costumes as confinavam, para a esfera pública, onde abriram caminhos, que levariam décadas a percorrer - e que são ainda agora a via aberta para o nosso próprio trajecto.
Outra das peculiaridades lusas, há que destaca-la, patenteia-se no papel que os homens desempenharam neste processo. Os líderes republicanos apelaram, eles próprios, à participação activa das mulheres, deram-lhe, nessa primeira década de novecentos, um papel a representar no palco das sessões de propaganda, no turbilhão revolucionário em que, por igual, se envolveram. Até então, o incipiente movimento feminista nascia à semelhante dos de outros países europeus - mais tardio, mais discreto, porventura - mas avançando, à margem de solicitações partidárias directas, com republicanas como Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete, mas também com monárquicas, como Olga Morais Sarmento Silveira, Branca de Gonta Colaço ou Domitília de Carvalho (que haveria de ser, durante o Estado Novo, deputada na Assembleia Nacional).
As primeiras tomadas de posição, com pouca visibilidade popular, estão ligadas a organizações pacifistas, como a "Liga Portuguesa da Paz", de Alice Pestana, que veio a organizar, em 1906, uma "Secção Feminista" e foi responsável pela que se poderá considerar a primeira sessão pública de um grupo feminista, que Teófilo Braga, um declarado defensor da emancipação da Mulher, prestigiou com a sua presença.
As datas são de salientar, porquanto, pouco antes, no ano de 1902, uma das participantes activas nessas iniciativas, Carolina Michaelis de Vasconcelos, olhando, com a sua mentalidade germânica, e, naturalmente, com muita preocupação, o país do sul que escolhera para viver, escrevia o seguinte:
"O combate das massas feministas, em vista de melhores condições sociais, está inteiramente por organizar"[...] "O aparecimento de uma mulher na política seria considerado uma monstruosidade".
Ora apenas dois anos depois, em 1904, Adelaide Cabete, Maria Veleda e outras fazem-se ouvir no I Congresso do Livre Pensamento. Em 1906, a própria Carolina Michaelis está entre as impulsionadoras da "Liga Portuguesa da Paz", e de manifestações em que pacifismo e feminismo se interligam. A partir do ano seguinte, acentua-se a convergência entre feminismo e republicanismo e a entrada de muitas notáveis em lojas maçónicas.
É de ressaltar a assombrosa aceleração do processo de participação feminina, neste curto período, a revelar as contradições, os anacronismos e a inacreditável capacidade de os superar de que, de vez em quando, dá provas a sociedade portuguesa, com uma plasticidade, uma maleabilidade, que não se adivinha de fora e é preciso saber descobrir, de dentro. Ainda por cima, em geral, o inesperado protagonismo feminino, essa suposta "monstruosidade", despertava nas massas um enorme entusiasmo e aplauso, demonstrando que as afinidades ideológicas superavam facilmente os preconceitos misóginos. (1)
Por parte do povo, a reacção era, sem sombra de dúvida, espontânea. Por parte das lideranças, a utilização das mulheres consumava uma hábil estratégia política. Vejamos: em 1908, António José de Almeida, Bernardino Machado e Magalhães Lemos dirigiram a ilustres correlegionárias o convite para criarem "A “Liga Portuguesa da Mulher Republicana", que foi a maior das associações feministas - com cerca de um milhar de militantes - e deve a sua génese a esse convite, uma das excentricidades da história do nosso movimento de emancipação da mulher. No ano seguinte, a LPMR é formalmente integrada nas estruturas do Partido Republicano, tornando-se como que o equivalente aos departamentos femininos de muitos partidos actuais.
Ao período de grande unidade, que assinalou a última fase da monarquia e a da proclamação da República, seguir-se-á o das múltiplas cisões, fatalmente determinadas pelo incumprimento das promessas do novo regime, sobretudo no que respeita ao sufrágio.(2)
O pais fundadores da República, não se haviam limitado a chamar - como tantas vezes e em tantos países viria, posteriormente, a suceder - meras figuras decorativas, dispostas a fazer o jogo do partido e dos seus interesses, mas intervenientes de grande estatura moral e intelectual, escritoras, jornalistas, médicas, professoras, advogadas... Poucas foram as que toleraram a dolosa recusa do direito de voto nas sucessivas leis eleitorais da República. A maioria abandonou a "Liga", logo em 1911. Ficaram as que, como Maria Veleda, eram verdadeiramente mais "republicanas do que feministas", e colocavam, estrategicamente, o esforço de educação cívica das mulheres antes da concessão de direitos políticos. As sugragistas, sem nunca enjeitarem os seus ideais republicanos, multiplicaram associações independentes e ligadas a movimentos internacionais, como foi o caso da Associação de Propaganda Feminista de Ana de Castro Osório (1911) e do Conselho Nacional da Mulher Portuguesa, por muitos anos liderado por Adelaide Cabete, e que viria a ter, como última presidente, nos anos 40, Maria Lamas.
A prioridade do movimento sufragista está bem expressa no grito de revolta de Ana de Castro Osório: "Se uma República nos expulsa das suas leis cívicas, não podemos considerar nossa a Pátria onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar".
Nos seus turbulentos 16 anos de vida, a República perdeu-se pela incapacidade de agregar crescentemente os portugueses, de responder aos anseios democráticos das mulheres e de largos sectores das populações, que foram marginalizados num universo eleitoral cada vez mais reduzido e inferior ao que existiu na última fase da monarquia. Por medo de um voto popular, que não soube atrair, a República incumpriu as promessas de sufrágio universal, e não se tendo enraizado suficientemente, não pode resistir ao golpe militar de 1926, a que se seguiria uma longa ditadura.
As republicanas alcançaram, todavia, vitórias em domínios que consideravam, justamente, do maior relevo, como as novas leis da família, a lei do divórcio, a extensão da rede de ensino, a co-educação, o acesso das mulheres à função pública, a carreiras profissionais - reformas que transformaram a sociedade portuguesa, e que, apesar de muitos retrocessos, de alguma forma, resistiram durante a ditadura e o Estado Novo, levando ao acesso, limitado embora, ao voto e à política, ao ensino, à participação no mundo do trabalho, da cultura.
As mulheres não esmoreceram, prosseguiram o seu infindável combate cívico. O I Congresso feminista acontece quase em fim de regime, em 1924. O II realiza-se em 1928, já em plena ditadura. Quase duas décadas depois, em 1947, um outro grande evento dá a conhecer as mulheres da cultura, no país e no mundo - uma audaciosa iniciativa do CNMP, presidido pela grande intelectual, jornalista e escritora Maria Lamas, que hoje justamente, evocamos neste Encontro. A visibilidade e o êxito do “feminino” no campo do pensamento, da escrita, da livre expressão, foram vistos como realidades verdadeiramente subversivas e, por isso, intoleráveis para o regime. O CNMP foi extinto e Maria Lamas perseguida.
Podemos assim dizer que um ciclo se fecha e uma época incomparável termina no rasto do sucesso de um último congresso...

II - CONGRESSISMO E POLÍTICAS DE GÉNERO PARA A EMIGRAÇÃO PORTUGUESA (em revisão)

Restaurada a democracia, é também no cenário do “congressismo” que, em 1985, as portuguesas da Diáspora se reúnem, pela primeira vez, com o propósito de criarem as condições para o exercício pleno da sua cidadania no interior das comunidades portuguesas. Não podemos, em rigor, dizer que a história se repetiu, mas o certo é que a organização do "1º Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo” coube, também, aos políticos - não aos da oposição, mas aos do Governo - tendo, neste caso, a solicitação partido das próprias mulheres, através de uma recomendação do Conselho das Comunidades Portuguesas, na reunião Regional da América do Norte, na cidade de Danbury, em 1984.
Não havia conhecimento de organização semelhante em qualquer outro país de emigração, pelo que o governo português se converteu em pioneiro e viu a UNESCO patrocinar, oficialmente, essa sua primeira grande medida de uma política de género no domínio da Diáspora.
Podemos afirmá-lo, olhando as leis e as práticas do passado, porque, até 1974, as medidas especialmente destinadas às mulheres foram sempre, discriminatórias, procurando restringir o seu direito de emigrar, e até de acompanhar os maridos, evitando a saída de famílias inteiras ou a sua reunificação no estrangeiro (por se temer que facilitasse a integração nas terras de acolhimento). Traduzindo o sentir comum dos políticos do seu tempo, Afonso Costa considera o exôdo das mulheres "uma degenerescência do fenómeno migratório". Ou seja, considerava que a emigração era, ou devia ser, “só para homens”! Não que estes não vissem, também, em determinadas épocas ou circunstâncias, cerceado o direito à livre circulação. A liberdade de emigrar é uma das liberdades que floresceu com a revolução de 1974, e que veio a ser expressamente consagrada na Constituição de 1976, assim como a plena igualdade entre os sexos. Todavia, a consagração da igualdade formal entre mulheres e homens, converteu-se, no espaço universal da Diáspora, em pretexto para ignorar as especificidades da situação das mulheres, continuando a emigração portuguesa a ser padronizada no masculino. Enquanto dentro do País foram criados programas de combate às discriminações que, de facto, resistiam à proclamação formal do princípio da igualdade, nada de semelhante aconteceu fora das fronteiras geográficas. As mulheres residentes no estrangeiro não estavam no centro das preocupações de iniciativas e de planos traçados por sucessivos governos e executados por vários departamentos e, em especial, pelas comissões para a igualdade - cuja designação foi variando ao longo dos anos ou não o estavam, pelo menos, de uma forma continuada e sistemática.
Ora, como é, nos nossos dias, amplamente reconhecido (e começou a sê-lo desde a abordagem do tema no Encontro Mundial de 1985) tornou-se, em regra, mais fácil às emigrantes afirmarem o seu estatuto de igualdade nas sociedades de acolhimento do que no âmbito das comunidades portuguesas. No movimento associativo das comunidades o seu papel, muito importante embora, reconduzia -se - e ainda, frequentemente, se reconduz - aos estereótipos tradicionais de divisão de trabalho, em função do sexo. Um trabalho invisível, de bastidores, de preparação dos eventos, dos programas culturais, da decoração e arranjo das salas, na cozinha, na retaguarda actuante... Completamente arredadas do acesso a cargos directivos excepto, evidentemente, no associativismo feminino – uma raridade, salvo na Califórnia, como vimos.
Em consequência disso, ficaram também de fora do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), quando ele foi criado, como órgão consultivo do Governo, em 1980 -justamente porque era composto por dirigentes associativos e por jornalistas (3). A ausência feminina decorria da sua marginalização no movimento associativo, espelhava, fielmente, uma realidade. Aliás, foi, inicialmente, na "quota" dos jornalistas que surgiram as primeiras mulheres - caso de Custódia Domingues, de França, que era o único nome feminino na primeira reunião do CCP em 1981. E foi, precisamente, uma outra jornalista, a Conselheira das Comunidades Maria Alice Ribeiro (directora de um grande semanário de Toronto), que apresentou, em Danbury, a recomendação para a realização de um congresso mundial de mulheres da Diáspora, logo ali aprovada consensualmente.(4)
A Secretária de Estado da Emigração, que era eu mesma, limitou-se a dar rápido cumprimento a essa recomendação. As mulheres fizeram o resto… (5) Foi, por todas as razões, um Encontro memorável – antes de mais, pela qualidade dos debates, das contribuições. As participantes não falaram, apenas dos seus próprios problemas. Na escolha e tartamento de temas, no modo de historiar o passado e olhar o presente, nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objectivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida colectiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projectos de mudança.
Tal como as feminista, um século antes, punham o acento na ideia de cidadania, de serviço cívico, privilegiavam o companheirismo com os homens, seus aliados. E mostravam, também, um elevado nível intelectual, eram jornalistas, escritoras, profissionais de prestígio, líderes de associações.
A chamada ao0 Encontro de mulheres do mundo associativo e dos media, tal como acontecia no CCP, é mais um indício de que este órgão consultivo foi o paradigma para a audição das mulheres. Contaram, aliás, com os mesmos interlocutores, membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira. E, ainda, com personalidades da vida política e cultural do País, num acontecimento que deixou marcas e influenciou o futuro. Porém, nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam, não viria a formar-se – por falta da liderança, devida, certamente, à dispersão, à distância, às dificuldades de contacto entre todas… (6). Só em 1994, algumas das participantes do Encontro retomariam esse projecto, com a criação, em Lisboa, da “Mulher Migrante – Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade”, aberta a membros de ambos os sexos, e reclamariam a herança, para a continuar, com a intenção de associar a "sociedade civil" e o Estado na prossecução das tarefas de promover a participação cidadã das mulheres no contexto da expatriação. Só assim se explica que uma pequena associação se tenha convertido desde então, e até hoje, em parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género neste domínio, nomeadamente das que passam pelo "congressismo". A Associação tem colaborado, em especial, com os departamentos responsáveis pelas políticas da igualdade e com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, em sucessivos governos.(7) Uma prova de que, neste campo, a convergência e a sequência de políticas tem sido alcançada - asserção que não poderá generalizar-se, evidentemente, ao conjunto das políticas para a emigração.
Ainda que sem uma base institucional, o modo de colaboração entre o Estado e a “Mulher Migrante” - agregando associações locais, que têm co- participado no “congressismo para a igualdade de género” - parece, de algum modo, inspirar-se no modelo do CCP originário, não o actual, mas o que tinha raízes associativas, era uma "plataforma de diálogo" entre o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro, e, como vimos, impulsionou o 1º Encontro de Mulheres da Diáspora. É, sobretudo, o caracter recorrente, e não esporádico, da consulta ou audição das mulheres, que justifica a comparação. De facto, ao Encontro Mundial de Espinho, que reuniu reuniu mais de 300 participantes dos cinco continentes, e em que procurou fazer-se o balanço de uma década (1985/1995), seguiram-se inúmeros seminários e colóquios realizados no País e no estrangeiro, e, entre 2005 e 2009, os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens".(8)
Em 2005, ao perfazer a 2ª década após o Encontro de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas António Braga uma proposta de realização de "Encontros" nas maiores comunidades da Diáspora, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. O primeiro foi na América do Sul, em Buenos Aires (2005), depois foi a vez da Europa, (Estocolmo, 2006), do Canadá, (Toronto,2007), da África do Sul (Joanesburgo, 2008) e dos EUA (Berkeley,2008). Em todos esses "congressos" estiveram presentes membros do Governo - ou o SECP ou o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Mais uma vez podemos falar de um caminho próprio, sem precedente em qualquer outro país, no que à fórmula respeita, ainda que haja, certamente, muito em comum, em matéria de situações de facto, de aspirações de mudança, de metas e metodologias para as atingir, no aspecto dos factos e do Direito.
Olhando o universo jurídico, poderemos dizer que, em Portugal, a primeira medida de promoção da igualdade de género na emigração foi a aplicação do princípio da paridade na eleição para o CCP - que, por sinal, foi anunciada pelo Secretário de Estado Jorge Lacão na Conferência para a Igualdade, co-organizada pela "Mulher Migrante" em Toronto.(9) As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os actos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas -e bem sucedido, pois redundou no aumento previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão (minimalista ainda) ao Conselho Permanente - Teresa Heimans, participante neste Encontro é a primeira a integrar essa cúpula directiva.
A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, directamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indirectamente, do papel que venha a ser o desta instituição - que tem tido, como é sabido, um percurso acidentado e irregular, por vezes, devido ao distanciamento interposto pelos próprios governos,sem por isso deixar de ser o único forum de representação universal dos emigrantes portugueses.
Uma nova medida de salientar, neste domínio, é a Resolução nº32/2010 de 19 de Março "Sobre a problemática da mulher emigrante", que contém uma série de recomendações ao Governo. a primeira das quais é a criação de um programa "com o objectivo de definir um conjunto de medidas destinadas ao desenvolvimente da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro."
Muitas das acções para que aponta esse programa correspondem a conclusóes ou recomendações dos "Encontros para a cidadania, tal como foram formuladas pelas suas participantes.
A "Resolução" junta assim um lado muito realista e pragmático ao seu lado mais simbólico - ou seja, o ter constituido, historicamente, na Assembleia da República, uma primeira abordagem das questões da emigração feminina e das soluções a encontrar para promover a igualdade entre os sexos, que é uma obrigação imposta ao Estado pelo artº 109º da Constituição, que não pode ser equacionada apenas no território nacional.
José Cesário foi, em 2010, como deputado, o autor, o primeiro proponente da Resolução, dirigindo ao Governo um conjunto de recomendações que se mostra, naturalmente, agora, pronto a acatar, como Secretário de Estado.
É, pois, com base neste instrumento jurídico que um novo ciclo se inicia, sem rupturas com o passado - e a Associação Mulher Migrante disponibiliza-se, uma vez mais, para prosseguir objectivos em que há interesse mútuo na colaboração entre serviços públicos e organizações privadas.
O Encontro Mundial da Maia, em 2011, é nesta perspectiva, um ponto de partida numa nova etapa de um percurso há muito começado e sem fim à vista.
E a Resolução nº 32/2010, ao contrário do que acontece normativos programáticos, é para ser vivida no concreto e para se tornar o instrumento da efectivação de políticas de emigração, com a componente de género.

Notas

(1) A participação de mulheres, que saíam do mais completo anonimato, para serem aclamadas nas tribunas dos comícios, não aconteceu só na capital, mas em muitas terras de província. Fina d'Armada coligiu na sua recente publicação "Republicanas quase desconhecidas" dados referentes a 33 concelhos, com abundante informação sobre os nomes dessas revolucionárias, muitas delas jovens, e sobre o seu parentesco com activistas republicanos - a revelar que existiam, frequentemente, laços de família entre elas e eles. Família de sangue e família ideológica. V
(2) João Esteves dá-nos a cronologia dessas cisões in "Mulheres e Republicanismo, 1908-1928"
(3) O CCP foi instituído pelo Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de Setembro, como uma "plataforma de diálogo" ente o governo e as organizações do movimento associativo, assumindo no programa do VI Governo Constitucional, no discurso político, e, a meu ver, também de facto, um lugar de grande relevo, como porta voz das comunidades e co-participante nas políticas de emigração, o que tornava especialmente grave e lamentável a exclusão da voz das mulheres.
(4) A proposta formalizada por Maria Alice Ribeiro começou a ser equacionada nos convívios informais da reunião do Conselho Regional, onde estava a mulher de um dos conselheiros, Natália Dutra, ela própria, dirigente de uma Irmandade da Califórnia. A ambas, Natália a Maria Alice, se pode atribuir a autoria da ideia.
(5) Foram 36 as representantes das suas comunidades no "Encontro de Viana":
Alice Vieira (Venezuela); Angela Giglitto (EUA -Califórnia); Aurora Vackier (França); Barbara Angeja (EUA-Califórnia);Benvinda Maria (Brasil); Berta Madeira (EUA-Califórnia); Claudia Rios (EUA-Leste); Custódia Domingues (França); Debora Morais (Canadá); Dolores Nunes-Lowry (EUA-Califórnia);Fernanda Claudio (Canadá); Helena Guerreiro-Klinowsky (Canadá); Helena Amaral (EUA-Leste); Heroína de Pina (Luxemburgo); Julieta Maia (Canadá); Laura Bulger (Canadá); Manuela da Luz Chaplin (EUA-Leste); Manuela Faria (Austrália); Maria Adelaide Vaz (Canadá); Amélia Afonso (Argentina); Mary Giglitto (EUA-Califórnia); Maria Antónia Anjos (Argentina); Maria do Céu Cunha (França); Eulália salgado (RAS); Maria Emília Pedreira (Brasil); Fernanda Gabriel (França); Maria da Graça dos Santos (França); Isabel Vieira (França); Maria José Brântuas (EUA-Califórnia); Juliana Resende (Venezuela): Leonor Xavier (Brasil); Lourdes Lara (Canadá); Edith Phillips (Inglaterra); Manuela Cavaleiro Miranda (França); Natália Dutra (EUA-Califórnia); Rosa Silveira (EUA-Califórnia).
(6) Nas Conclusões Gerais do "Encontro", diz-se no Ponto 8: "Foi decidido formar uma associação entre as participantes do encontro, aberta, no entanto, a outras mulheres portuguesas ou de origem portuguesa residentes no estrangeiro e às que em Portugal se interessam pela matéria". in "1º Encontro Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo", Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, Centro de Estudos, Porto, 1986, pag 138
(7) vd Rita Gomes in "Mulher Migrante em Congresso" coord Maria Manuela Aguiar e Maria Teresa Aguiar, edição Associação Mulher Migrante, VN Gaia, 2009, pag.
(8) Vd sobre esse Encontro Mundial publicações editadas pela Associação Mulher Migrante.
(9) O mesmo princípio da paridade adoptado na formação de listas para as eleições legislativas e autárquicas é imposto no nº 4 do artº11º e na alínea a) do nº1 do art. 37º da Lei nº 66-A/2007.

domingo, 5 de março de 2023

ENTREVISTA OBSERVA

Grande entrevista - Maria Manuela Aguiar OBSERVA Magazine 2 > > Quem é Manuela Aguiar? Uma Senhora ainda recordada como exemplo de vida na notoriedade que conferiu à Diáspora portuguesa. Assumiu a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, no VII Governo Constitucional liderado por Pinto Balsemão, em 1981. Encontrava-se a assumir a pasta do Ministério dos negócios estrangeiros, André Gonçalves Pereira. > > OM: Muito agradecidos por nos conceder a honra desta entrevista > > M A: Eu é que tenho de agradecer a possibilidade de partilhar com todos os leitores de Observa Magazine recordações de tempos e acontecimentos que que vivi, há tantos anos. > > Assumi a SEECP, a convite do Dr Francisco Sá Carneiro, nos primeiros dias de janeiro de 1980. Era Ministro dos Negócios Estrangeiros o Prof Freitas do Amaral. Não os conhecia pessoalmente até esse dia em que que com eles reuni, na Rua Gomes Teixeira, na altura em que preparavam a formação do VI Governo Constitucional. Conversámos como amigos de longa data, de um modo informal e descontraído. Foi o início de uma caminhada vertiginosa, em que Sá Carneiro impunha o ritmo e todos dávamos o máximo, num ambiente de coesão de equipa e de solidariedade, que nunca mais reencontrei no cumprimento de um projeto de intervenção na vida pública. Até 4 de dezembro, 1980 seria o meu melhor ano de sempre, até então - e até hoje! > > Intervir na política, não estava no meu horizonte. Sentia-me bem em trabalho de gabinete, como assessora do Provedor de Justiça. Antes tinha sido assistente de um Centro de Estudo e de várias Universidades. E fizera, em 1978/79 uma passagem por um governo de independentes presidido pelo Prof Mota Pinto - na pasta do Trabalho. Tinha quadrante ideológico - era "social-democrata à sueca" - mas não filiação partidária. Não fui pressionada a inscrever-me no partido, mas fi-lo, impulsivamente, e devido à minha entusiástica sintonia com as posições de Sá Carneiro . E com isso, me tornei a primeira mulher do PSD a ocupar um cargo governamental. Depois, acabei por perfazer o total de 5 governos, e por ficar na Assembleia da República quase duas décadas e na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa cerca de 14 anos. > > OM: Estando interessados em tentar escrever a história e as histórias desta importante e nobre função de quem assume uma secretaria que permite e fomenta o contacto com as comunidades portuguesas espalhadas pela Diáspora portuguesa, conte-nos qual o primeiro impacto com essa realidade. > > M A - Foi, antes de mais, a verdadeira descoberta de um "outro Portugal", que os portugueses recriam no estrangeiro e que é largamente ignorado, dentro do País. Tive, a preocupação de fazer viagens em que circulava, de cidade em cidade, entre comunidades, com o objetivo de conseguir, mais depressa e melhor, uma perspetiva ampla do universo da emigração, estabelecendo comparações, e podendo transmitir experiências de umas para as outras. Queria encontrar as constantes, no que respeitava a realizações e a carências, e à definição de prioridades, e de de apoios e parcerias viáveis . > > Na primeira visita, em 20 dias, corri os EUA e o Canadá, de costa a costa. Na segunda, o Brasil - da Amazónia, do Pará e de Pernambuco ao Rio Grande do Sul. E, depois, os muitos países onde está a nossa emigração. Como os programa de visitas se centravam nas associações, igrejas, escolas portuguesas - no movimento associativo que atravessava um período aureo , quase não via o mundo circundante, e voltava com a espantosa sensação de não ter saído da minha terra, apesar de ter feito tantos milhares de quilómetros. Era como se Portugal fosse imenso! E, de facto, é - se olharmos não o seu território, mas a sua gente. > > O M : o que mais a comoveu nesse contacto direto? > > M A: O genuíno portuguesismo das pessoas! A paixão por manter tudo o que consideram identitário, que lhes permite unirem-se e criarem espaços culturais de presença portuguesa, com os seus modos de estar, as suas tradições de convivialidade. > > Encantou-me, desde esses primeiros contactos, a hospitalidade com que era recebida, quer em salas modestas, quer em grandes salões, que pareciam. todas, todos, transplantados das várias regiões de Portugal - com o seu ambiente de tertúlia, a sua gastronomia, dança, música, celebrações religiosas... Ver isto com os meus próprios olhos foi uma revelação poderosa, inspiradora. O que eles fazem pelo país é infinitamente mais do que o que País jamais fez por eles, como JF Kennedy quereria. Assim pensei e, décadas depois, assim continuo a pensar. > > OM: Como definiria um traço ou uma característica inerente (de todas as comunidades espalhadas por todos os continentes) à vontade/ necessidade de emigrar no período em que exerceu funções? > > MA: Julgo que mais a necessidade do que a vontade. O êxodo migratório do século XX deveu-se, sobretudo, à pobreza, ao desemprego, aos baixos salários. Foi, em percentagens muito elevadas, clandestino - sobretudo na segunda metade do século, quando de dirigiu para a Europa mais do que para destinos longínquos. (a emigração "ilegal" passou a média de um terço, que vinha já de épocas recuadas e chegou a ultrapassar os 50%) A melhoria das condições de vida dos que haviam partido contribuía poderosamente para familiares e vizinhos verem na fuga para o estrangeiro a única solução de futuro. Como hoje, os que atravessam o mediterrâneo, arriscando a vida! A situação não é tão diferente como poderá parecer. É apenas ainda mais difícil, porque, no pós guerra mundial, o ciclo de desenvolvimento económico permitia melhor integração. Os Portugueses, depois de um início difícil, ganharam, quase todos, a aposta na aventura da emigração. Eduardo Lourenço disse dos protagonistas do "salto", nas décadas de 50 e 60, que foram "uma geração de triunfadores". É uma citação que uso, muitas vezes, porque, globalmente, é verdadeira e, além disso, tem uma faceta de homenagem, que o país se esquece frequentemente de lhes prestar . > > OM: Qual a faixa etária que emigrava? Quais as suas qualificações académicas e profissionais? > > M A: Jovens do sexo masculino, pouco qualificados. É esse o perfil da nossa emigração tradicional. Mas não a dos governos a que pertenci. Quando, a partir de 1974, as leis e a Constituição Portuguesas vieram, enfim, consagrar plenamente o direito à emigrar, os outros países fecharam as fronteiras, após a crise petrolífera.... Na década de oitenta, registámos os mais baixos números de saídas de todo o século XX. Os países desenvolvidos praticamente só permitiam a entrada para reunificação familiar às mulheres e filhos dos trabalhadores. Falava-se, e bem, de "feminização da emigração". Foi, por sinal, um movimento da maior importante, porque quase todas as portuguesas conseguiram aceder ao mercado de trabalho, ganharam uma autonomia profissional, que não tinham nos meios rurais de onde provinham, e deram um impulso fundamental aos projetos migratórios, do ponto de vista económico (pois contribuíam com um segundo salário) e social, (porque se converteram, de facto, com inesperado êxito, em mediadoras da inserção do núcleo familiar. Estavam, maioritariamente, integradas, no setor dos serviços, com contactos mais próximos na sociedade local e isso deu-lhes a compreensão da necessidade de darem aos filhos as vantagens da educação e formação, que os pais não tinham. A emigração feminina influenciou, assim, decisivamente,a reconversão cultural e o sucesso económico dos projetos migratórios. Na altura, ninguém o podia prever. Hoje essa avaliação está cientificamente demonstrado (veja-se os trabalhos pioneiros da ProFª Engrácia Leandro, na década de noventa, na região de Paris. > > OM : quais eram os países eleitos pelos portugueses para se emigrar? > > MA: A Suiça foi, a partir de 80/81, uma exceção no panorama europeu. Nesses e nos anos seguintes, recrutou dezenas de milhares de trabalhadores portugueses ,maioritariamente, homens, para a agricultura, construção civil, a hotelaria... Novos destinos, que criaram expetativas, (depois não confirmadas), foram alguns países do sul do Mediterrâneo e do Médio Oriente. Os números nunca seriam muito elevados e corresponderam a contratos bem remunerados, mas temporários. > > Outra situação inesperada, com que me vi confrontada, e a que foi preciso responder com novas políticas, foi o enorme afluxo de regressos, em média 30.000 a 40.000 por ano. O retorno dramático dos portugueses de Angola e de outras colónias estava ainda bem presente na memória coletiva e este segundo retorno provocava nos "media",na opinião pública, e até na classe política um temor indisfarçável. Vi-me muitas vezes isolada, e mal compreendida, ao explicar que se tratava de um processo radicalmente diferente, um movimento voluntário, planeado pelos próprios emigrantes, dirigido, sobretudo, para as regiões de origem e, por isso, desejável, essencial mesmo, para o repovoamento e progresso do interior (desertificado pelo êxodo migratório das décadas anteriores). Os apoios à reinserção foram bem aproveitados, (medidas fiscais, isenções, empréstimos a juro bonificado), e o País ganhou muito com os que vieram (mais de meio milhão só nessa década de que tratámos) e, também ganhou com os que fixaram lá fora, formando as comunidades extra-territoriais, que constituem a nossa "Diáspora". > > um O M: No seu entender quais foram os países que mais se esforçaram por justamente atribuírem a lusodescendentes cargos decisores, nomeadamente de responsabilidade política? > > MA: O Brasil, sem dúvida. É um país tão próximo, que os portugueses, integrados na sociedade brasileira são tratados como nacionais. Desde 1971, o Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portuguese e Brasileiros dá direitos políticos aos imigrantes do outro País. a nível nacional, enquanto, por exemplo, o estatuto de cidadania europeia, ainda hoje, se limita ao nível local. Em 1989, os Constituintes brasileiros foram ainda mais longe, concedendo aos portugueses, sob condição dereciprocidade, todos os direitos da nacionalidade brasileira, equiparando-os a brasileiros por naturalização. A luta pela dação da reciprocidade por parte de Portugal foi a minha " causa maior", enquanto deputada e prolongou-se por cerca de 13 anos. Foi conseguida numa revisão extraordinária da Constituição em 2001 - e graças ao apoio de Políticos sensíveis às singularidades do universo da lusofonia, como Durão Barroso e, sobretudo, Mário Soares. Desde essa data, o estatuto de cidadania luso-brasileira consolidou-se como o mais avançado, atualmente, nível universal! E, se, entre nós, ainda não vemos os imigrantes brasileiros em lugares políticos de destaque, no Brasil são muitos os Portugueses que ocupam altos cargos na Magistratura judicial e na política, a todos os níveis, local, estadual e nacional. Uma ascensão que vem de trás e em que as mulheres fizeram história. No século XX, a médica Manuela Santos foi a primeira Secretária de Estado no Rio de Janeiro e a atriz Ruth Escobar a primeira mulher eleita à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e a primeira representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento de Convenção contra todas as formas de discriminação das Mulheres. Uma e outra, ao abrigo do "Tratado". Isto é, apenas com a nacionalidade portuguesa. > > OM: Que actividades económicas e que tipos de trabalho procuravam os portugueses que emigravam? > > Com o mesmo (baixo) nível de formação, os portugueses que emigravam para países economicamente desenvolvidos encontravam trabalho não qualificado em setores como a construção civil, a agricultura , os serviços (nomeadamente, no caso das mulheres), enquanto nos países "em desenvolvimento" muitos se transformavam, rapidamente, em pequenos empresários, quando não, no fim do percurso, em investidores de topo. No século XX, são inúmeros os que atingiram esse estatuto- no Brasil, obviamente, mas também na Venezuela ou em diversos países de África. Nos EUA, no começo do século passado, foi muito mais rápido o enriquecimento dos nossos imigrantes no Hawai ou na Califórnia do que na costa leste, então com índices de industrialização bem mais elevados. Neste contexto, a ascensão é sempre mais lenta, mas não impossível. Veja-se o que aconteceu na França, onde a partir da adesão de Portugal à CCE, com o direito de estabelecimento, se multiplicou, de forma impressionante, o acesso dos nossos compatriotas a segmento do pequeno comércio e da restauração. E, em casos mais invulgares, a grandes negócios e grandes fortunas. > > MA: eram defraudadas relativamente ao que esperavam do país de acolhimento? > > M A: De início, em muitos casos, sim. Eram enganados por redes de engajadores, explorados como trabalhadores indocumentados. moravam nos tristemente célebres bairros dos arredores de Paris. Um quadro assustador. Mas, progressivamente, a sua situação foi mudando. A legalização era facilitada (penso em primeira linha na França, que representava mais de 80% do total), e empregos não faltavam. Eduardo Lourenço, testemunha presencial desse período negro fez, como disse, lapidarmente, balanço final. Nenhuma outra imigração foi tão bem sucedida, em França, como a nossa. > > Desde a crise de 2008 e, mais ainda, nos anos de intervenção externa (da "troyka") , a emigração em massa não só recomeçou, como bateu todos os recordes. Cerca de meio milhão abandonou o País só nesses quatro anos. Fala-se de uma "nova emigração", de jovens altamente qualificados, quadros, cientistas, mulheres e homens. Nunca tal acontecera na nossa história, em números tão significativos, mas, na verdade, no total, são ainda uma minoria (nem por isso a situação de "braindrain" imparável, deixa de ser uma constatação termenda!) Contudo, maioria da nossa emigração continua a ser predominantemente masculina, pouco qualificada e envolvida em contratos temporários. > > Uma questão que agora se coloca é a de saber se haverá mais riscos de insucesso relativo para a "nova emigração"? Creio que em algumas profissões - engenheiros, médicos, enfermeiros - o êxito estará, quase sempre, garantido, em termos de promoção na carreira, de vencimentos. O risco maior, a meu ver, é o de não regressarem. Mas, em outros setores, podem não ver reconhecidos e aproveitados os seus títulos académicos, e acabarem acantonados a empregos precários e mal pagos. Face a expetativas mais ambiciosas, podem ver-se num percurso descendente - o contrário da geração de 60. Espero que não . que sejam poucos os perdedores. E espero, também que sejam muitos os que decidam voltar. Isso, de facto, depende muito do País, das condições que saiba criar para o regresso e para pôr fim às partidas em massa. Até hoje, como tenho dito muitas vezes, Portugal já conseguiu garantir aos cidadãos o direito de emigrar, mas não ainda o "direito de não emigrar"... > > OM: Qual a sua experiência no contacto com associações ou outro tipo de organizações em que os portugueses se uniam e reuniam? > > MA: Há pouco, ao referir primeiro contacto com emigrantes, logo o centrei nas associações, porque foi aí que encontrei os portugueses. Quer se chamem assim, ou não, são verdadeiras "Casas de Portugal". Foram criadas, algumas há mais de 150 anos, para preservação da língua e da cultura e para defesa e proteção dos compatriotas, que se viam completamente abandonados pelo Estado, mal transpunham as fronteiras do país. A única política de emigração portuguesa, ao longo de séculos, foi a regulação dos fluxos de saída, quase sempre no sentido de os limitar! Os próprios emigrantes colmataram as omissões do Estado, por todo o lado, unindo-se em coletividades para a entreajuda (sociedades fraternais, caixas de socorros mútuos, hospitais), para a valorização cultural (Gabinetes de Leitura, grémios literários, centros culturais) e para o convívio (clubes recreativos e desportivos). Até aos fins do século passado, em todos os ciclos migratórios, em todas as latitudes, deparámos com formas de organização semelhantes para atingir os mesmos objetivos (beneficência, cultura, recreio), com notável eficácia, em diferentes contextos e com meios maiores ou menores. O governo de 1980 não foi, certamente, o primeiro a ter em atenção os méritos do associativismo, mas foi pioneiro no enfoque que deu ao desenvolvimento sistemático de novas formas de parceria, de co-participação na definição e execução de medidas e programas para a emigração e as comunidades. O principal instrumento dessa política foi uma assembleia consultiva, formada por representantes eleitos no universo associativo, o Conselho das Comunidades Portuguesas. Entre 1981 e 1987 (data em que deixei definitivamente o governo), o Conselho funcionava a nível de cada país e em reuniões mundiais regiões e regionais. O Conselho procurava ser também um grande "forum" do movimento associativo português, que era muito forte dentro de cada sociedade de acolhimento, mas não tinha uma estrutura internacional, ao contrário de todos os outros países europeus. E ainda hoje não tem! O CCP é atualmente eleito por sufrágio direto, tendo perdido, assim, a sua faceta interassociativa. > > A minha ligação afetiva ao associativismo que dá corpo e alma às comunidades, enquanto comunidades orgânicas, vem dum tempo em que era extraordinariamente pujante. Sempre vi nele a generosa marca do "percurso coletivo" dos portugueses, tão importante para o País como o sucesso individual, a que costuma dar muito mais atenção. E por isso me preocupa o seu futuro num mundo em mudança vertiginosa. > > OM: Existe um número, ainda que aproximado, que nos possa adiantar de portugueses emigrados em 1981? > > M A: As médias de saídas eram baixíssimas, em comparação com as do passado recente e com as do presente. Talvez, uns 8000, (não sei exatamente os números, mas são dessa ordem de grandeza). Atualmente estão acima dos 100.000. Uma diferença abissal, um autêntico recomeço de ciclo, de èxodo. > > OM: A Língua portuguesa significava um entrave à integração dos portugueses nas diferentes comunidades? > > MA: O conhecimento de um idioma, nunca é entrave à aprendizagem de outro. Pelo contrário! Esse é um erro em que caíram alguns pais portugueses, que consideravam necessário que os filhos falassem apenas a língua local, que eles tinham dificuldade em aprender. Não compreendiam que o bilinguismo, para além de manter os laços à cultura pátria é sempre um enriquecimento, e mais ainda numa das línguas mais espalhadas no mundo. Mas esta visão nunca foi predominante. Mesmo os nacionais com baixa escolarização, sabem, em regra, valorizar a preservação da sua fala, ensiná-la aos filhos, em casa, na escola pública, ou a partir do movimento associativo.. > > OM: Quais as medidas que foram implementadas para que os emigrantes e os lusodescendentes, nomeadamente de segunda geração tivessem acesso em contexto escolar ao idioma de Camões? > > MA: Perante a multi-secular indiferença do Estado Português foram as associções e as paróquias católicas que criarem escolas ou cursos de português, com os seus´próprios meios, como acabo de dizer. De facto, a preocupação dos governos com a aprendizagem do português só se manifestou, quando a emigração se passou a dirigir para o nosso continente. Por largas décadas, se manteve a dualidade - uma rede oficial de professores na Europa, com ou sem acordos, com mais ou menos parcerias de governos dos países europeus, em contraste com não concessão de quaisquer apoios às escolas comunitárias da emigração transoceânica. Nunca aceitei esta discriminação, mas tive dificuldade em a combater, porque, nessa época a política do ensino para as comunidades estava sediada no Ministério da Educação e não no MNE, Ministério dos Negócios Estrangeiros. Durante os governo a que pertenci. só na África do Sul foi possível estender, de algum modo, a rede oficial, com aulas extra - curriculares, gratuitas e dadas por professores do ensino oficial > > A transição do Instituto Camões para o MNE é coisa relativamente recente. Hoje há mais equilíbrio, mais rateio de meios entre as comunidades, de "àquém e além mar", mas a situação está longe do ideal e as escolas associativas continuam a desempenhar, em muitos lugares, um papel de primeiro plano. Criar e manter os cursos de língua e cultura, continua a ser o obetivo de um sem número de organizações (e o que mais atrai as mulheres à intervenção na vida coletiva!). É de realçar que em muitos casos tem resultado o esforço do nosso governo junto de outros, para conseguir a integração curricular do português. A meu ver, a multiplicação e a conjugação de várias ofertas de ensino é excelente - e nunca será demais... > > OM: Quais as dificuldades da Lei eleitoral à data se refletiam no voto por parte das comunidades, nas diversas eleições portuguesas? > > M A: Tudo hoje é mais fácil e mais consensual entre partidos da direita à esquerda. Em 80, não. Até a dilatação do período de recenseamento de um para dois meses foi polémica e inviabilizada no parlamento! A votação era limitada à eleição de 4 deputados para a Assembleia da República e o voto por correspondência perdia-se, frequentemente, sobretudo em países onde os correios eram lentos e pouco fiáveis, ao contrário dos nossos. Infelizmente o número de deputados não se alterou, mas o voto alargou-se às eleições presidencial e europeias e a alguns "referenda". E o universo eleitoral, independentemente de recenseamento, passou a abranger todos os emigrantes que possuem cartão de eleitor. > > OM: Tem algum episódio que nos queira contar do contacto com alguma «Mãe ou Pai da Saudade»? > > M A: São tantos os que já partiram! Mulheres e homens com quem aprendi tudo o que sei sobre a emigração, com quem fiz tudo o que me foi possível fazer no terreno da ação política. Verdadeiros amigos! O mundo das comunidades era, então, a nível de dirigentes, de interlocutores, quase 100% masculino, e, por isso , o meu círculo dos amigos e aliados homens é imenso. Mas já havia, entre eles, as "mulheres-exceção" ´É mais fácil falar delas, porque eram raríssimas as que lideravam comunidades ou movimentos cívicos. Matriarcas como a mítica Dona Benvinda Maria, diretora do jornal "Portugal em Foco" do Rio de Janeiro, a Maria Alice Ribeiro, fundadora e diretora do "Correio Português" de Toronto (aí, o mais antigo jornal na nossa língua), a Mary Giglitto, presidente do Festival Cabrilho em São Diego (sem ela, o descobridor da Califórnia, seria hoje considerado castelhano, exemplo de mais uma deturpação histórica), a Fernanda Ramos , de Minas Gerais, a primeira presidente do Elos Clube Internacional, a Manuela da Luz Chaplin, advogada dos indefesos, em Newark... Todas tinham em comum serem vozes fortes, dominantes, arrebatadoras, que mobilizaram os compatriotas e tornaram as comunidades maiores e melhores. Contar episódios passados com elas ou com eles, dava outra grande entrevista... > > OM: Deseja fazer alguma saudação especial dirigida aos milhões que a vão ler? > > MA: Sim, com muito prazer, aproveito para mandar um abraço a todos os emigrantes que deixaram o seu país , mas o levaram consigo, em espírito e , assim, apesar da ausência física, são uma presença cultural. > > OM: A OBSERVA Magazine agradece-lhe novamente a honra desta entrevista

2013 VENEZUELA

contacto@radioarcoense.pt através de mulhermigrante.org.ve Anexos quinta, 31/10/2013, 19:09 para ArcoNoticas Manuela Aguiar: Discurso de abertura do Congresso Mundial “Mulher Migrante”, Lisboa 2013 www.mulhermigrante.org.ve Uma primeira palavra de agradecimento por estarem nesta reunião a que todos somos convocados por uma grande vontade de "fazer futuro" com as forças e as dinâmicas criadas pelo movimento constante das migrações. É este o sentido que queremos dar a uma comemoração tão especial, porque, mesmo que nos permitamos alguns momentos de nostalgia na memória de pessoas e de acontecimentos inesquecíveis, é, sobretudo, a visão prospectiva que nos motiva. São 20 anos da "Mulher Migrante- Associação de Estudos, Cooperação e Solidariedade". 20 anos de intenso envolvimento na vida das comunidades da Diáspora, olhando a sua situação e o seu evoluir, através da ação, das perspectivas e projetos de mulheres, que estão, ainda quando não parecem estar na base da sua construção e das suas profundas transformações. 20 anos de estudo: de apelo constante a um encontro de mundos, não muito fáceis de aproximar - o mundo do "saber de experiência feito" e o da investigação científica - que sempre, com excelentes resultados, procuramos pôr em diálogo nos numerosos congressos, colóquios, jornadas de reflexão, em que é pródigo este passado de duas décadas. 20 anos de cooperação e solidariedade com instituições de muitas comunidades e países e com sucessivos governos, no que poderemos chamar políticas de emigração, com uma componente fundamental de género. Em Portugal, o embrião das políticas para a igualdade e promoção ativa da cidadania, através da audição das mulheres da diáspora, vem de longe, da meia década de 80, podendo nós, por isso, reclamar neste domínio um inquestionável pioneirismo, em termos europeus e universais - mais um dos assomos de vanguardismo com que o nosso País surpreende os outros, de vez em quando... Mas foi preciso esperar pelo início do século XXI para podermos falar de políticas desenvolvidas com caráter sistemático, no cumprimento assumido, dentro e fora do País, das tarefas que o legislador constitucional impõe ao Estado para promover o aprofundamento da democracia, que passa necessariamente pela efetiva igualdade para as mulheres na vida da República, ou "res publica". Julgo que podemos afirmar que e emergência de um novo ciclo de políticas para a igualdade, se abriu com os “Encontros para a Cidadania - a igualdade entre homens e mulheres”, realizados em diferentes regiões do mundo, entre 2004 e 2009, e agora continuados em Encontros Mundiais de caráter periódico, numa parceria entre o Governo e a "sociedade civil", conforme o previsto na inédita Resolução nº 32/2010, proposta pelo então deputado pela Emigração José Cesário. A AEMM, cujas fundadoras haviam estado, quase todas, na organização do 1º Encontro Mundial em 1985, ligou, de uma forma explícita, querida e afirmada, o seu destino a este processo histórico - e o tê-lo conseguido até ao presente reforça a vontade de se transcender em novas iniciativas e colaborações cívicas, levadas a cabo, como sempre aconteceu em espírito de puro voluntariado e com o impulso de fortes convicções. As políticas de género na emigração - e a AEMM pode bem testemunha-lo enquanto parceira de governos de diferentes quadrantes político partidários - são um exemplo de continuidade, de respeito pelos princípios constitucionais, vazados em boas práticas - uma continuidade que é coisa rara em Portugal, cuja vida pública é marcada pela tentação de destruir tudo o que vem do passado, por vezes até dentro do mesmo governo (com a simples mudança do titular da pasta), num quadro de permanente instabilidade, em rupturas e recomeços que significam tremendos desperdícios de meios e energias... É, pois, muito bom poder, em contracorrente, prosseguir, com o Dr. José Cesário, o trabalho encetado com o Dr. António Braga, com a Dra Maria Barroso. a Presidente dos Encontros para a Cidadania, grande cidadã Portuguesa, que nos deu a honra de conosco tem estado, como inspiradora e aliada, desde o início. 20 anos, a perseguir a utopia igualitária! Utopia ainda, mas a permitir-nos falar em certezas de progresso, nas expressões femininas da cidadania, pondo em foco as suas realizações, nos múltiplos domínios em que interagem com os homens no espaço nas comunidades do estrangeiro. Na verdade, o todo das comunidades, os homens, como as mulheres, não estão ausentes das nossas preocupações, porque o equilíbrio que desejamos é necessariamente construído também com eles. É a emigração toda que está no horizonte das nossas preocupações nesta conjuntura dramática que atravessamos, perante um êxodo desmesurado, em que as mulheres, pela primeira vez, ombreiam com os homens, e os trabalhadores menos qualificados, com o melhor da "inteligentzia" nacional... Os movimentos migratórios atuais criam novos estereótipos. Que levam à negação da existência, ou, melhor, da coexistência de uma emigração de perfil tradicional, num eterno recomeço... Portugal é o País das migrações sem fim, como eu não deixei de lembrar nos tempos em que nascia a AEMM e em que a "classe política", se me posso permitir esta generalização, acreditava que a adesão à CEE, com a sua promessa de desenvolvimento ascensional, pusera termo a um fenómeno até então considerado como inelutável... Vamos agora, ao longo de dois dias de diálogo, falar, saber mais sobre a emigração feminina, sobre as jovens envolvidas no recomeço destas grandes vagas migratórias e, igualmente, sobre as que têm já um longo percurso nas comunidades, questionando a relação entre género e formas de expressão na política, no associativismo, nas artes, na prática empresarial... As mulheres terão a palavra para fazer prognósticos sobre o seu futuro no movimento para o futuro das comunidades, enquanto parte integrante da nação portuguesa em diáspora universal. Maria Manuela Aguiar

Que saudades do nosso consul EDMUNDO MACEDO

Edmacedo@aol.com segunda, 18/02/2013, 01:59 para mim Querida Amiga, Para me certificar, voltei à minha página facebook, escrevi "Maria Manuela Aguiar", vi a fotografia (óptima) -- não me dá jeito escrever "ótima"-- e quanto à minha mensagem, nada! Não percebo o que terá acontecido. Mas esteve lá. Não poderei repetí-la com absoluto rigor mas foi assim: estava a ler Churchill, leio o mais que posso escrito por Churchill -- para mim o maior homem do último século -- e então li: " "But on the whole it is wise in human affairs, and in the government of men, to separate pomp from power." Por associação de ideias e recorrendo aos meus impulsos, que nasceram comigo ainda berrava no berço, quem foi que me veio imediatamente à lembrança: "Maria Manuela Aguiar, Secretária de Estado, etc." E mandei este "comment" -, referindo-me à querida Amiga, sem ponta de hesitação: "Enquanto no Poder, quando detinha poder, deu um pontapé na pompa, atirando-a para o caixote do lixo." Oxalá que muitos o tenham lido para ficarem a saber. Um saudoso abraço. Edmundo E a minha resposta Maria Manuela Aguiar terça, 19/02/2013, 00:15 Caríssimo amigo Muito obrigada! Gostei imenso. Concordo inteiramente com a citação. E é verdade que nunca me atraiu a pompa, mas também é verdade que nunca tive grande poder... Nem pompa nem poder... Bem-haja! Grande abraço

quarta-feira, 1 de março de 2023

PREFÁCIO Prof Daniel Basto

Prefácio Em Portugal, desde o início da década de 1980, as políticas da emigração estão acometidas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, que através da Direção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas (DGACCP) assegura a coordenação e execução da política de apoio a portugueses no estrangeiro e às comunidades portuguesas. Ainda nessa época, durante o VI Governo Constitucional, surgiu a Secretaria de Estado das Comunidades, que atuando em princípio por delegação de competências do Ministro dos Negócios Estrangeiros tem procurado ao longo dos anos um reforço dos laços entre as comunidades portuguesas e a pátria de origem. Este esforço e tomada de consciência sobre o papel dos emigrantes portugueses no desenvolvimento do país, impulsionou ainda no alvorecer dos anos 80, a formação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP). Um órgão consultivo do Governo para as políticas relativas às comunidades portuguesas no estrangeiro, a quem está acometido, em geral, a emissão de pareceres, a produção de informações, a formulação de propostas e recomendações sobre as matérias que respeitem aos portugueses residentes no estrangeiro e ao desenvolvimento da presença portuguesa no mundo. Nesse sentido, e enquanto estrutura que ao longo das quatro décadas de democracia, tem funcionado como um elo relevante de ligação entre o Governo e a Diáspora, em boa hora, que uma das grandes obreiras dos direitos dos emigrantes portugueses, Maria Manuela Aguiar, papel que desempenhou de modo dedicado tanto como Secretária do Estado das Comunidades Portuguesas, como deputada pela Emigração, decidiu dar à estampa esta obra sobre a fase primordial do Conselho das Comunidades Portuguesas. Até porque, como já ressaltava a autora num artigo da primeira década do séc. XXI, intitulado “O Conselho das Comunidades e a Representação dos Emigrantes”, publicado na Revista Migrações, o CCP «tem um historial interessante, sobretudo no período em que vamos considerá-lo: o momento do seu nascimento, visto como acto de criação colectiva de uma instituição inteiramente nova, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo. Um percurso, aliás, acidentado por bloqueios e hiatos de funcionamento, afrontamentos com o Governo, ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais...Em boa verdade, não deverá falar-se de um único “Conselho”, mas de vários, ou de várias “vidas” de uma mesma instituição». É este percurso originário, com as suas vicissitudes e protagonistas, dos quais Maria Manuela Aguiar ocupa um lugar de destaque, que é revisitado nas páginas desta obra que constitui um exemplo de cidadania e de serviço público. Um livro reflexivo assente na noção do dever de memória, porquanto contribui amplamente para um conhecimento mais aprofundado sobre a génese, as etapas, os momentos e os contributos de um órgão que nas palavras abalizadas da autora tem como «vocação originária: ser uma "assembleia" verdadeiramente representativa e influente, o grande fórum da Diáspora e da emigração portuguesas». Um livro que é igualmente um testemunho de compromisso incondicional com os emigrantes portugueses, os mais genuínos embaixadores da pátria de Camões, e concomitantemente de respeito pelo passado, de crença no presente e de esperança no futuro das Comunidades Portuguesas, a mais autêntica e consistente manifestação lusa além-fonteiras. Como mencionava a autora em 2014, numa entrevista concedida a Inês Pedroso, sob o título “Maria Manuela Aguiar: depois de uma vida dedicada à emigração…as diferenças entre o fenómeno atual e o de outrora”, o emigrante «é alguém que está em contacto com vários mundos, no plural. Associo a emigração à imagem das duas margens de um rio. É a vida repartida pelas duas. E esta dupla ligação é muito importante para os próprios países, porque os aproxima. E para os cidadãos também, tendo em conta que eles se sentem, com o disse, uma verdadeira ponte de ligação afetiva”. Num período em que o acervo bibliográfico sobre o fenómeno migratório tem sido profusamente enriquecido, o livro que Maria Manuela Aguiar dá à estampa, assume-se portanto como um valioso contributo para o estudo e entendimento da emigração portuguesa. Comungando do pensamento do escritor argentino Jorge Luís Borges, “o livro é a grande memória dos séculos... se os livros desaparecessem, desapareceria a história e, seguramente, o homem”, podemos assegurar que a memória e a história do Conselho das Comunidades Portuguesas ficam assim prodigamente enriquecidas e salvaguardas. Fafe, 01 de março de 2023 Daniel Bastos