quinta-feira, 5 de outubro de 2023

A BIENAL DE ARTES DE ESPINHO: LUGAR AOS JOVENS 1 - A Bienal de Artes de Espinho nasceu, em 2011, sob o signo da singularidade: uma Bienal de Mulheres de Artes, coisa inédita, e, enquanto durou, ao longo de três sucessivas realizações, única no Pais, e, tanto quanto se sabe, na Europa. Mais um título de pioneirismo e modernidade para Espinho, caraterísticas que moldaram a sua vocação inicial e, pela vivência, a sua identidade. A terra e o mar viram-se, em harmonia, repartidas pela comunidade piscatória, cultora da arte xávega, pela indústria conserveira, líder de mercado, e pelo turismo, corporizado na grande migração estival, que animava a estância balnear cosmopolita, uma costa verde a rivalizar com a “Côte d’ Azur”… O comboio estava no centro do vaivém de gente, que vinha do interior do país e das Espanhas, que enchia cafés, casinos, teatros, cinemas, esplanadas, avenidas… Uma intensa vida social e cultural, pontuada por nomes ilustres, que tanto como os incansáveis trabalhadores e as vagas de anónimos veraneantes faziam a história de um lugar, que todos sentiam seu! Por altura da 1ª Bienal, o Fórum de Arte e Cultura, que conhecemos pela sigla (FACE), com o seu Museu e as suas belas Galerias geminadas, ainda não tinha completado o segundo ano de vida, e já era, a par do Centro Multimeios, da Biblioteca José Marmelo Silva, ou do Auditório de Música, um símbolo da modernidade no século XXI. Importante património material que, porém, não cumpre a sua função só por existir, mas por se converter, de facto, em espaço de dinamização cultural e convivialidade. A ideia de transformar uma interessante, mas efémera exposição de mulheres pintoras em originalíssima Bienal, foi, note-se, de um homem, o Dr. Armando Bouçon, Diretor do Museu. Para avaliar o caráter inovador de uma tal iniciativa, em termos nacionais, basta dizer que só muitos anos depois, se veio a realizar, em Lisboa, na Fundação Gulbenkian, uma grandiosa exposição de Arte no feminino que teve enorme impacto mediático. Antes disso, em 2017, já o Executivo Municipal resolvera pôr fim à Bienal reservada a Mulheres de Artes e adotar, na 4ª Bienal, o modelo que a tornou igual a todas as outras. Ainda por cima, por acaso (e porque neste país não há sistema de coordenação de eventos e esforços, nem sequer dentro da mesma área metropolitana…), Gaia decidiu realizar a sua Bienal exatamente no ano em que decorria, e decorre, a nossa, a poucos quilómetros de distância, em quase simultaneidade… Um orçamento não sei quantas vezes superior, permite-lhes criar polos em cidades próximas e distantes e levar a cabo um chamativo programa de eventos culturais, ao longo de todo o período de abertura ao público das exposições. 2 - Aparentemente, a Bienal de Espinho perdia no confronto. Mas eis que a evolução, nas fórmulas adotadas, foi, não de imediato, antes de uma forma gradual (e não sei se voluntária ou involuntária), criando um modelo de competição e de afirmação de um outro nicho de participação, que tem o potencial de distinguir, de novo, a Bienal de Espinho pela sua singularidade. Deixou de ser, pelos regulamentos, um espaço do feminino, e está, ainda que não formalmente, (isto é, embora regras escritas não o imponham), transformada num espaço de afirmação da juventude. A maioria dos candidatos selecionados pelo júri de concurso, assim como dos vencedores de prémios, são mulheres e homens em início de carreira, ou até mesmo ainda estudantes das Escolas de Belas Artes. Talvez a explicação para o fenómeno, que nos limitamos a constatar, resida na composição do júri, formado, em larga medida, por professores daquelas Escolas. “Tout est bien qui finit bien”! A Bienal reconverteu-se por dentro, fez caminho próprio, apostando na juventude. Porque não, então, consagrar esta realidade, formaliza-la nas regras de jogo e na denominação? Gaia chamou à sua Bienal, uma “Bienal de causas”. E muito bem. É a sua originalidade… No nosso caso, porque não assumir, orgulhosamente, a nova especificidade, que se foi sedimentado na prática, (determinada, talvez, numa intencionalidade, mas não num estatuto declarado: ser uma Bienal de Jovens Artistas. Imponha-se, pois, limite de idade, ou a condição de estudante de cursos de formação. Essa escolha transparente, oficial, a meu ver, só trará vantagens, uma das quais a de evitar que nomes consagrados vejam, com compreensível desagrado, as suas candidaturas rejeitadas. Embora essa categoria de artistas plásticos se tenha, progressivamente, autoexcluindo da Bienal de Espinho, o tornar a situação clara não a desprestigirá, bem pelo contrário, antes de mais por lhe reconhecer uma identidade que a diferencia das outras… 3 – Dito isto, devo acrescentar que tenho acompanhado, sempre com contentamento, ou na feliz expressão brasileira “pensamento positivo”, o percurso da Bienal, porque tem sabido cruzar a sua própria tradição, sem se deixar acantonar por ela, com uma vontade de mudança. E, como sabemos, “todo o mundo é feito de mudança” … Foi excelente a ideia de combinar o núcleo central de candidatos selecionados, em competição pelos prémios, com as exposições de artistas convidadas (os), uma das quais tem sido sempre reservada a “Mulheres de Artes”. Significativa homenagem ao pioneirismo das primeiras três Bienais. Não sei, de fonte segura quem a pensou, mas tudo me parece apontar para o Diretor do Museu, tão construtivamente presente na organização das (já) sete ininterruptas realizações…. E há ainda um outro registo, que julgo importante salientar, uma esplêndida constatação, devida, em exclusivo, ao mérito artístico das e dos concorrentes: a paridade entre géneros tem sido sempre, naturalmente, assegurada, quer no respeitante a presenças, quer no respeitante a prémios. Entre os jovens em auspicioso princípio de trajetória, a igualdade surge como um dado adquirido… Mas será que tem hipóteses de se confirmar, através de todas as fases? Ou, pelo contrário, haverá, depois, mais obstáculos para o sexo, em regra, ainda sub-representado neste e em outros setores, ao mais alto nível? Este ano, essa interrogação foi levantada por uma coletividade que fixou, recentemente, a sua sede no FACE, a Associação “Mulher Migrante”. A AMM e o “Círculo Maria Archer” (que não é menos espinhense), propuseram à Câmara Municipal e à Junta de Freguesia de Espinho a realização de um ciclo de debates, no quadro da Bienal e das comemorações do cinquentenário da cidade - um ciclo inteiramente focado nas particularidades da situação das mulheres portuguesas em diversas áreas, começando pelas Artes, passando pelo espaço da emigração e da construção das Diásporas, e pela Política, e terminando na história e na vida de Espinho, com uma sessão dedicada à Mulher Vareira. A programação contou com especialistas em cada um destes campos, que dialogaram com todos os intervenientes, informalmente, em modo de tertúlia, seguindo as melhores tradições de convivialidade desta nossa terra: artistas participantes na Bienal, entre elas a Comissária da exposição feminina (em 2023, centrada na maternidade, fonte eventual de graves discriminações ao longo da carreira), algumas das maiores especialistas, académicas e investigadoras na área das migrações femininas, dirigentes associativas, vindas de comunidades próximas ou longínquas, (como as de Caracas e de Buenos Aires), jornalistas (uma das quais comissariou a 1ª Bienal), mulheres políticas, com experiência de Governos e de Assembleias, a nível nacional e local (incluindo a nossa anfitriã, Presidente de um Executivo camarário de maioria feminina, que, se for único no país, é, com certeza, caso raríssimo). E, no dia de encerramento ao público das exibições, sábado passado, foi conferencista o Dr. Bouçon, numa temática em que é mestre, a das mulheres vareiras, desde os primórdios da comunidade piscatória espinhense. A seu lado, um verdadeiro símbolo vivo dessas pioneiras, a popular e encantadora Carlota, narrava episódios de uma história de vida muito rica e fechava a última destas tertúlias com um pregão cantado em voz jovem, potente e melodiosa. Um daqueles “pregões matinais” que já não se ouvem no pitoresco quotidiano das nossas ruas com número e sem nome… No começo de cada debate, não num lutuoso minuto de silêncio, mas em alguns minutos de palavras sentidas, lembramos a Maria José Silva, antiga funcionária municipal e Vereadora da Cultura, uma das companheiras de sempre na Associação Mulher Migrante, que nos deixou há pouco tempo, mas continuará presente na memória, como admirável exemplo de militância pelas causas que nos movem. Uma grande Senhora, na sua invariável generosidade, na espontânea simpatia do seu sorriso