sexta-feira, 27 de abril de 2018

O MEU INCRÍVEL GATO DECO

DECO e o seu irmão JÃO-JÃO nasceram em Espinho, na Rua 7, a 31 de maio de 2003. Eram gémeos, muito cúmplices e pouco parecidos. Jão Jão, o tigrado, ágil e esguio era o mais gentil dos felinos que jamais se passeou pelos telhados - um boémio, com ar de rapaz bem comportado. Deco era branco, com pequenas manchas cinza na cauda e orelhas, gordinho, ladino, sempre pronto para a brincadeira, e para fazer estragos, embora eminentemente comunicativo e caseiro: o seu reino era o pequeno jardim das traseiras, de onde só fugiu uma vez (desaparecimento misterioso, à maneira de Agatha Christie...). Nessa distante infância, eu costuma chamar a JJ "o gato todo bom" e ao "menino" Deco, por contraste, "o gato todo mau". Um dia, a Docas, surpreendendo o JJ a devastar um sofá, com as suas unhas afiadas. comentou que eu me enganava redondamente, pois ambos se mostravam capazes do pior e do melhor. Sim ,na verdade, era mais a diferença entre um prevaricador, elegantemente, e um prevaricador, abertamente. E, sobretudo, pela positiva, ambos eram simpáticos e mansos, vivos exemplos da arte de "viver e deixar viver". Quantas saudades de ambos! O JJ, seria, em figura humana, um "gentleman", na realidade um "gentlecat". Deco tornou-se, inesperadamente, o mais sociável, o mais comunicativo. o gato-papagaio, que falava connosco! Inventou uma linguagem muito para além de um miar de gato. Experimentava sempre novos sons para chamar a nossa atenção. Queria conversa sempre que passávamos por ele... O entrevistador de uma equipa da RTP - Porto, que veio a Espinho, gravar aqui no jardim dois sucessivos apontamentos, e a quem, no segundo programa, eu estava a apresentar os meus sete gatos, perguntou-me : "E o papagaio, onde está?" Neguei ter, ou jamais ter tido, papagaios... Mas ele insistiu, garantindo que, na primeira entrevista, se ouvia em fundo, distintamente, o som do papagaio. E passou esse trecho para me convencer... Era a voz do incrível DECO!!! Durante o primeiro ano de vida, os dois gatinhos tiveram de conviver com numerosos estranhos, todos quantos andaram a trabalhar nas várias fases de construção da minha casa, paredes meias com a de minha mãe. Para eles, uma festa, para nós uma enorme preocupação não fossem aproveitar para fugir - ou ser maltratados por alguma criatura de maus instintos... Nada de mau aconteceu - todos foram prevenidos que os gatos eram de máxima estimação e os próprios bichinhos avisadamente mantinham a distância... exceto o Deco, é claro... Misturava-se com eles, dava largas à curiosidade, estava em todo o lado e chegou a comer um ou outro almoço deixado. incautamente ao seu alcance... Sem nunca sofrer as consequências. Chamávamos-lhe , então, o gato operário! Depois da morte do patriarca, o Mandarim, (lindo, grande e amarelo), desfez-se a paz que reinava entre todos os sete (oito, se contar com a Branquinha, a selvagem, que aqui se refugiou, um dia e ficou anos, mas não deixava gente aproximar-se...). A luta pelo poder não teve mais fim entre o poderoso gato preto Willy-Willy e a Seta, de um lado e o pequeno, aguerrido e feroz "Dragão", sempre o primeiro a atacar. Só o Deco se manteve imperturbável. Mandar na república dos gatos foi coisa que nunca lhe interessou. Gostava, até ao fim, era de conversar, a toda a hora , com os humanos. Como o cão de Manuel Alegre, era um de nós...

terça-feira, 10 de abril de 2018

1980 O PRIMEIRO ENCONTRO NA ACADEMIA DO BACALHAU

Em 1980, por gratificante "dever de ofício", como membro do Governo responsável pela emigração, iniciei um infindável roteiro de viagens ao mundo da nossa Diáspora, que até aí desconhecia na sua verdadeira dimensão, como era comum e ainda hoje é, entre os portugueses que de deixaram ficar no território das fronteiras geográficas. Cheguei à África do Sul, em setembro desse ano, já com a experiência de contactos com coletividades portuguesas de três continentes, e, assim, facilmente, pude constatar, viver e sentir a absoluta originalidade das Academias de Bacalhau, enquanto modelo de reunir os portugueses para fazerem coisas grandes na campo dos valores do humanismo, da lusofonia, da entreajuda, em ambiente de tertúlia, a partir da festa, de ditames e rituais, que se diria (e bem...) inspirados nas tradições académicas, numa fraternidade de jovens de espírito, se não de idade... Nos momentos divertidos em que levantava, baixava e bebia um copo de vinho no meu primeiro " gavião de penacho", pensava: "que ideia tão bem achada e tão bem conseguida!". Estava em Joanesburgo, na Academia-mãe, num almoço certamente mais formal do que habituais, mas onde (não obstante esse "senão"...), o espírito da festa se mantinha intacto. Entre tiradas de humor, graça "académica", boa disposição geral, ao lado do mítico fundador Durval Marques, aprendi que nas Academias, já então pujantes em outras cidades do África austral, ninguém se ficava no "convívio pelo convívio". Eram todos militantes da intervenção solidária na sociedade! Aprendi que a ação se desenrolava, sempre, em dois tempos sucessivos: Primeiro, o dos almoços de amigos, puramente lúdicos, com as suas regras estritas de convivialidade, as proibições (como falar de religião, de política...), cuja infração frequente, garantia multas pesadas: Segundo, o da gestão das generosas "multas". Com essas verbas lançaram,por exemplo, a primeira pedra do lar de terceira idade de Joanesburgo, que talvez seja o melhor de todos os que existem na Diáspora, prestaram assistência aos refugiados de Moçambique e Angola, em 1974 e 1975, e prosseguem, hoje nos quatro cantos da terra, projetos adequados ao perfil de cada comunidade, ás suas aspirações culturais ou ao apoio a desfavorecidos. Aquele primeiro "almoço de descoberta" converteu-me em incondicional admiradora de tão eficaz paradigma de, "ridendo", fazer o bem ! Ainda por cima, vi.me aceite como membro da "Academia-mãe", com um sentimento de genuína adesão aos seus princípios e práticas, fundados na amizade, na alegria de conviver e na vontade de tornar o mundo melhor e mais divertido. Não era, diga.se, a primeira portuguesa a ser assim chamada ao convívio dos auto-designados "compadres". Na altura, os almoços e, com eles, a titularidade de associado, eram, em regra, reservados aos "compadres", mas tudo o que se passava em horário pós-laboral, jantares, encontros, abrangiam as mulheres, as "comadres". Era a evidência de que a "praxis" se baseava em formas de relacionamento preexistentes - o do almoço, na pausa do trabalho, entre profissionais (todos homens, porque a metade feminina estava, de facto, ausente desse círculo), o do jantar, naturalmente, reunindo famílias inteiras. Nunca foram, bem pelo contrário, uma espécie de "clube inglês" segregacionista! Quando as Academias chegaram a comunidades onde as mulheres partilhavam com colegas homens o meio profissional, logo se abriram à sua plena participação e logo as vimos assumirem cargos de direção e até a presidência - o que nas instituições mais tradicionais foi, ou ainda é, um caminho longo... Defensora, como sou, de uma associativismo misto, onde os géneros de completam como fator de progresso e democracia, compreendo a existência de organizações femininas - ou masculinas - quando moldam realidades de cooperação, que, de outro modo, seriam prejudicadas, esperando, embora, vê-las evoluir para um harmonioso encontro das duas metades, do todo. Também neste aspeto, que tende a ser sempre menos valorizado, as Academias de Bacalhau nos deram uma lição de boas práticas, na rota dos bons princípios!
RECENTRAR O PSD 1 - A democracia portuguesa fez-se, no pós 25 de abril, com a criação de partidos, que procuraram o máximo de distância em relação ao regime deposto de ultra-direita: o PSD de Sá Carneiro solicitou a adesão à Internacional Socialista, que não conseguiu por oposição do PS ; o CDS, antes de se tornar PP, considerava-se "rigorosamente ao centro"; o PS, no "slogan" dos comícios e das marchas cívicas, proclamava-se como "partido socialista, partido marxista". Ao longo dos anos seguintes, o marxismo do PS, o esquerdismo do PSD e o centrismo do CDS foram-se diluindo, numa progressiva conformação à realidade sociológica dos respetivos eleitorados, enquanto o PCP permanecia bastante igual ao que era nos primórdios da revolução. Comum a todos era, porém, a existência de tendências ou alas, umas mais visíveis e ativas do que outras (em alguns casos levando à dissidência). Na verdade, podíamos dizer que a esquerda do CDS confinava com a direita do PSD e a esquerda do PSD com a direita do PS... Divergindo, embora, numa pluralidade de domínios, estes três partidos partilhavam a crença na democracia representativa, e na pertença à CEE e à Aliança Atlântica. Não por acaso, é nesta última área que o atual governo do PS, apoiado numa esquerda anti-europeísta e anti-NATO, tem encontrado maiores dificuldades - das quais se fala pouco, porque nem os "media" nem a opinião pública nacionais lhes não dão a devida relevância. A esta maioria encontrada no parlamento não falta, pois, legitimidade, nem boa articulação institucional, em particular com o Presidente da República e, também, a nível da política interna da UE, E nem sequer lhe falta aceitação popular. O seu "calcanhar de Aquiles" é, a meu ver, a impossível concordância em matérias fundamentais de política europeia e internacional, sobretudo no que respeita aos compromissos europeus e atlânticos de segurança e defesa. Eis o que não lhe augura um grande futuro para além de 2019, embora seja justo realçar que com a sua existência se abriu, em Portugal, o leque das alternativas plurais, à esquerda e à direita. 2 - Os partidos podem e devem evoluir, procurar novos projetos e relações interpartidárias, novos intérpretes das suas doutrinas. Não devem é romper com princípios fundamentais, ultrapassando o ponto fatal da descaraterização e perda sua identidade. O PSD do passado recente estava, na minha ótica, em cima de linha de fronteira, se é que a não tinha já ultrapassado. Penso na sua governação, nas políticas de austeridade, (impostas de fora, mas só até certo ponto) que atingiram, em particular, jovens forçados a emigrar em massa, reformados, funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem, pauperizando as "classes médias" e os mais desfavorecidos. Políticas que só não foram bastante mais longe porque o Tribunal Constitucional o não permitiu...Tivesse esse PSD formado governo, de 2015 em diante, e os mesmos continuariam, previsivelmente, a pagar a parte de leão do preço da austeridade - em primeira linha, os pensionistas (a "peste grisalha".na expressão sintomática de um jovem militante deste PSD). Fora do campo económico, discurso não menos extremista - contra cidadãos portugueses de etnia cigana - foi impunemente permitido a candidatos autárquicos, a par de tomadas de posição da bancada parlamentar contra o alargamento dos direitos dos estrangeiros, nomeadamente em matéria de nacionalidade. Impossível, no passado, com Sá Carneiro, com Mota Pinto, com Balsemão e, no futuro, (assim o espero), com Rui Rio! O "passismo", ou, pelo menos a sua facção mais radical, parece-me mais próximo" do "Tea-party" do que da CDU de Angela Merkel! Nada tinha a ver tinha comigo, que nunca escondi afinidades com o PSD sueco ou alemão ou com os Liberais do Canadá e dos EUA.... 3 - Todavia o deslizamento direitista no PSD começou muito antes do advento do "passismo", acentuando-se com a ascensão ao poder dos líderes da "Nova Esperança", primeiro no partido, em fins do século XX, e, seguidamente, no governo. A "Nova Esperança", relembro, surgiu na meia década de oitenta para combater Mota Pinto e o chamado Governo do "Bloco Central". Os seus nomes mais sonantes eram (os então mais jovens e mais aguerridos) Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa e Durão Barroso. Com Marcelo, o PSD abandonou a Internacional Liberal e Reformista, a que pertencia desde o tempo de Sá Carneiro, e aderiu ao PPE, onde hoje coexiste com o CDS. Com Barroso envolveu-se na trama da guerra do Iraque e com Santana num governo de má memória. A questão do Bloco Central foi agora, por sinal, uma das que maia visivelmente separou Rui Rio de Santana Lopes. Outras razões havia, mas esta bastava para decidir o meu voto a favor de Rio. Acredito que ele tornará viável o diálogo interpartidário para as tão faladas e sempre adiadas "reformas estruturais, quer o governo seja PSD, quer seja PS. Diálogo sem complexos, sem excluir, eventualmente, outros parceiros, à esquerda ou à direita. O presidente eleito do PSD vai, com certeza, recentrar o partido, (onde passarei a reconhecer-me, como dantes!). E vai, muito provavelmente, contribuir para recentrar toda a vida política portuguesa.