quarta-feira, 21 de setembro de 2022

2022 MORREU A RAINHA 1 - Rainhas há muitas, mas quando dizemos, simplesmente, “a Rainha” falamos sempre de Isabel II. A sua desaparição deixou muito poucos indiferentes, a nível planetário – monárquicos e republicanos, por igual. Sentimos a perda como se fosse nossa – do nosso país ou comunidade, ou até da nossa família. Quem não tem, entre os seus parentes, alguém que envelheceu bem, como ela? As emissões televisivas ao longo dos últimos dias mostraram até que ponto a emoção e a tristeza são largamente partilhadas. Na hora da sua morte, objetivamente esperada, mas subjetivamente inesperada, o mundo parou para a homenagear num coro encomiástico, que abrangeu, entre inúmeros líderes de Estados de todas as geografias, Zelensky e Putin, Biden, Obama, Trump e até Bolsonaro (que decretou 3 dias de luto oficial no Brasil!). Em Londres, as duas Câmaras do Parlamento reuniram, prontamente, em sessão especial, para que todos os membros sobre ela dessem o seu testemunho, contando pequenos episódios pessoais, a que não faltou, em alguns casos, um toque de humor carinhoso - no que a antiga Primeira Ministra Theresa May foi, especialmente, exímia. É, afinal, o que é costume em qualquer velório, ou elogio fúnebre. E, tratando-se de uma figura enorme e ímpar, quem resiste à tentação de desfiar as suas próprias memórias de um encontro havido com ela, ou de um simples vislumbre da sua presença? Não serei exceção... Precisamente como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, (sou da mesma geração), vi-a, pela primeira vez, em 1957, de relance, alinhada numa rua cheia de gente. No meu caso, não em Lisboa, mas ao fundo da Avenida de Gaia, que o cortejo de vistosas viaturas negras descia lentamente, a caminho da ponte sobre o Douro. Eu estava lá, no meio de dezenas de colegas do Colégio do Sardão, todas de uniforme de festa, formando uma longa mancha azul marinho na orla do passeio. Ensaiadas pela nossa professora de inglês, a muito britânica Madre Mary King, cantávamos, alto e bom som, o “God save the Queen”. Ouvindo o hino, a destinatária terá mandado parar o carro. Por uns segundos, olhou-nos, com simpatia, sorrindo e acenando, tal como o marido. Ele mesmo à nossa frente, a pouco mais de um metro de distância, pois, de comum acordo, tínhamos escolhido o lado da Avenida onde melhor o poderíamos ver. Estávamos, naturalmente, mais interessadas no formidável Duque de Edimburgo do que na sua discreta monarca. Quase três décadas depois, na meia década de oitenta, a Rainha voltou ao nosso País, em visita oficial, e eu, então no Governo, tive várias oportunidades de a cumprimentar - nada mais do que breves e formais saudações. Não guardo recordação particularmente emotiva da sua postura sereníssima e hierática … Foi, de novo, o Príncipe Filipe, quem mais me impressionou. Com ele, sim, aconteceu, no Palácio da Ajuda, uma inesperada e divertida conversa a dois, a propósito da vistosa faixa da condecoração (a OBE), que cruzava a metade superior do meu vestido comprido... 2 – Sem mais contactos pessoais, fiz a minha “estrada de Damasco”, em relação à Rainha, nas últimas décadas, à medida que fui reconhecendo, não só a sua surpreendente disponibilidade para acompanhar os novos tempos e as novas gerações, (conciliando progresso e tradição, como só os mais velhos podem fazer, quando mantêm o espírito bem aberto), mas também a sua importância enquanto “Mulher de Estado”, ou seja, enquanto trunfo na argumentação em favor da igualdade de género. Redescobri Isabel II como verdadeiro ícone para causas que, há muito fiz minhas, na luta contra discriminações, que dominam as nossas sociedades, de forma clara ou larvada: o sexismo e o idadismo. De facto, a idade tornou-a mais sábia e verdadeiramente venerada e permitiu-lhe ir, a seu modo, revelando a pessoa por trás da "persona". No início do século XXI, era já a mais poderosa e consensual imagem de empoderamento no feminino. E não se diga que o poder é meramente simbólico nas monarquias constitucionais, porque, tendo intrinsecamente essa componente, pode ir muito além dela, e, com Isabel II, foi! O seu poder era imaterial, derivado de um imenso prestígio e autoridade pessoal, exercido num plano superior ao da política partidária e das questões da governação concreta. E não cessava de crescer com o passar dos anos, e de irradiar no mundo sem fronteira dos afetos. Ela foi a perfeita representante, a grande diplomata ao serviço do Estado e do povo (ou povos). Soube encerrar o ciclo imperial e reerguer uma Commonwealth, animada pelo espírito dos novos tempos. Foi Rainha do Reino Unido pelo acaso do seu lugar numa linha de sucessão dinástica, mas líder da "Commonwealth", por mérito seu. Indiscutível, eleita e reeleita, enquanto aceitou sê-lo, por uma maioria de Chefes de Estado republicanos! A Commonwealth, refundada na época isabelina, no espaço de relacionamento do antigo império, é atualmente constituída por 56 países, que representam uma enorme fatia da população mundial. É um projeto voltado para o futuro, do domínio da cultura e dos afetos, muito orientado para a juventude, em programas de intercâmbio no campo da educação, da formação tecnológica e científica, do desporto e do convívio com a Natureza e da defesa do meio ambiente. É um aspeto que não tenho visto suficientemente salientado pelos nossos comentadores, apesar do relevo que lhe é atribuído na Grã-Bretanha, nos "media", na opinião pública, nas instituições políticas e, "last but not least", no discurso régio, como pudemos constatar nas primeiras declarações do Rei Carlos III (impossível comparar esta realidade com a de uma insignificante CPLP, que nunca "levantou voo", ainda à procura de uma identidade, de um "cimento", levando a que as relações de Portugal com as ex-colónias, e mais largamente, entre todos os países que a compõem, se vão processando, essencialmente, no eixo bilateral). O percurso de Isabel II foi verdadeiramente admirável, e permitiu-lhe contribuir poderosamente para o moderno reposicionamento do seu Reino (ou dos seus Reinos) no concerto das Nações. Em meados do século XX, ela era apenas uma jovem feliz no seu casamento e maternidade recente, que se via "obrigada" a entrar num mundo de homens, repentinamente, pela morte prematura do pai, sem ter preparação e experiência da coisa pública. Contudo, o seu desempenho, do primeiro ao último dia, foi uma extraordinária mostra da capacidade (feminina) para responder aos maiores desafios, para exercer, de forma superlativa, as mais exigentes funções e para as articular com a vida de família. Deste ponto de vista, o seu legado é precioso e inspirador, porque nos deixa a certeza, ou, pelo menos, uma pertinente interrogação sobre o que todos os Estados e todas as sociedades ganhariam se dessem às mulheres, mesmo àquela que parecem pessoas comuns, como de início parecia ser Elizabeth Alexandra Mary Windsor - que, ainda por cima, teve uma oportunidade que nem sequer desejava… 3 – Nesta leitura das lições do reinado de Isabel II , que alguns verão como"feminista", é particularmente interessante a forma como conjugou as esferas pública e privada em teve de repartir o seu múnus. O primeiro sinal da sua fortíssima personalidade, que a postura suave não deixava pressentir, foi o fazer, contra tudo e contra todos, um casamento de paixão, com um jovem e belo oficial da Marinha e príncipe grego no exílio, Filipe, um primo afastado, trineto da Rainha Vitória, que por ela abdicou dos seus títulos das Casas Reais da Grécia e da Dinamarca. Contrariando presságios e vaticínios, a união duraria 73 anos de esplêndida cumplicidade, apesar de subverter a tradicional divisão de papéis conjugais: ela era a chefe de Estado, e reinava sozinha, com um poder indivisível, e punha o interesse do Estado à frente do seu, enquanto ele assumia plenamente as responsabilidade familiares, sacrificava uma muito promissora carreira militar, e ficava publicamente “desempregado”. Em suma, assumia a condição de "grande homem atrás de uma grande mulher". Teve de reinventar ocupações e fê-lo, inteligentemente, em iniciativas e tarefas de enorme importância, embora, as mais das vezes, quase invisíveis, porque nunca quis tirar o palco à sua Rainha. Em anos recentes, com a autoconfiança que a idade permite, ela veio desvendar, publicamente, o seu contributo, por tanto tempo escondido na sombra, mas não é certo que a História lhe dê semelhante reconhecimento... Assim aconteceu com as mulheres consortes, ao longo dos tempos. Só agora, começa a repetir-se com alguns, ainda raros, homens. A injustiça é da mesma ordem e deve mover-nos, do mesmo modo, a denunciá-la... Ninguém fez o elogio fúnebre de Filipe Mountbatten sem o relacionar com a sua mulher - e, a meu ver, bem. Por isso, nessa lógica, eu não gostaria de escrever sobre Isabel II, sem lembrar o papel do marido, a seu lado. Sabe-se hoje (mas talvez isso seja esquecido amanhã), que ele foi o seu principal conselheiro, e até o seu "ghost writer" e, seguramente, não por complacência. Isabel II sabia ouvir, a fim de julgar e decidir depois. Tinha boas razões para confiar em Filipe, na sua mundivisão e audácia, que temperava com o filtro da sua proverbial sensatez e prudência. A ele se deve, por exemplo, a abertura a um novo relacionamento com os “media”, que começou pela inédita transmissão em direto da cerimónia da coroação da Rainha (vencendo um braço de ferro com Churchill, que era absolutamente contra), a modernização da monarquia (ele não acreditava, no que o acompanho inteiramente, que a realeza se banaliza se perder o seu "mistério" e se aproximar do "povo") e, note-se, a própria reconfiguração da “Commonwealth”, que reflete as suas causas culturais e ambientalistas, a sua aposta na força da convivialidade. A presença, as visitas da Rainha (muitas, que ele sempre acompanhou, e completou com as suas, a solo, que foram muitíssimas mais) constituíram as bases da sua construção e consolidação. O "fenómeno Isabel II" não teria, sem os extraordinários e constantes aportes do seu consorte, a dimensão universal, que celebramos em breves dias deste setembro de 2022, lembrando sete esplêndidas décadas de reinado. Penso, muito em especial, na mediatização da sua imagem de grande Rainha, que, muito para além das fronteiras da Grã-Bretanha, valorizou, nomeadamente, as virtualidades de todas as monarquias modernas, de todas as Mulheres, que conciliam carreira e família, de todos os idosos, a quem é permitido o bom uso societal da sua experiência e saberes até ao fim da vida. Thank you, Madam!

terça-feira, 6 de setembro de 2022

OLHARES SOBRE O CCP NO LIMIAR DO SÉCULO XXI Em 30 de junho de 2003, a Subcomissão das Comunidades Portuguesas promoveu, na sala do Senado do Palácio de Sã Bento, uma audição sobre “Mecanismos de Representação dos Migrantes”, numa perspetiva comparatista, em que os Conselheiros presentes foram convidados a falar sobre o futuro da instituição. Dos seus pronunciamentos, e também dos de outros participantes no 1º CCP, escolhemos um caleidoscópio de breves e significativas citações, que ajudam a situar a instituição no seu processo evolutivo das primeiras duas décadas Luís Viriato Caetano (Uruguai) O conselheiro que não tenha atrás as associações é um conselheiro independente, mas não tem peso nenhum dentro da comunidade […] se ele não trabalha dentro das associações do país de acolhimento, ele também não é um bom representante de Portugal […]. Quero aqui referir o seguinte: na Argentina ainda hoje existe o Conselho das Comunidades baseado na história (modelo) anterior, em que o Conselheiro é eleito pelas associações, que são mais de vinte. […] Casualmente, p Conselheiro atual da Argentina foi o Presidente desse Conselho de Associações. Francisco Salvador (Canadá) Acho que o representante independente tem mais valor – é a minha resposta, e, portanto, é controversa – para que seja o representante independente a representar a comunidade, porque quando ele representa um clube ou uma associação do Sporting, do Benfica ou do Belenenses, ficam todos zangados. […] Não vou fazer nem para a Associação de Lassalle, nem para a Associação Portuguesa do Canadá, mas para a Comunidade de Montreal e Otava” António Baltazar (Brasil) Tive o prazer de ouvir do nosso querido companheiro do Canadá uma réplica em relação à posição do nosso Luís, companheiro também, e Conselheiro do Uruguai e essa é uma questão exatamente polémica. […]. Eu acho que o processo tem de ser uma mão de duas vias, como ordem natural das coisas. Nós, através de solicitações e de planeamentos adequados, quer pelas nossas instituições, as quais representamos, quer por uma situação independente, conforme o senhor colocou, lá no Canadá, e que, certamente, foi eleito porque trabalhou e, certamente, porque tem talento, perguntamos: o que é que nós podemos construir, para que juntos possamos auxiliar Portugal neste caminho, pós movimento libertário, de franco desenvolvimento. Luís Viriato Caetano (Uruguai) Queria simplesmente deixar registada uma coisa de que falei com o meu amigo e conselheiro do Canadá, que, frente a esta situação que estamos ouvindo, se são associações ou independentes, não era o que eu realmente queria dizer. Eu quando falava de independentes, falava de alguém independente das associações e não que fosse candidato independente quando tem uma atividade política com diferentes associações. Em países onde existem 20/30 associações, se eu fosse de uma só, corria o risco de somente ouvir uma e não ouvir as outras. No Uruguai foi ao contrário. Felizmente unimos as duas associações numa só. E eu também vou a outros países, caso do Perú, o Equador, Colômbia, México, e também, Cuba, onde não existe nenhuma associação portuguesa, o que tem inconvenientes, na medida em que as comunidades não estão agrupadas, sendo difícil falar com cada um em particular. Silvério Silva (RAS) Não vou perder muito tempo. A resposta que queria dar ao meu colega do Uruguai […] eu ia para lhe dizer que, embora concorresse como independente, sou secretário-geral da Sociedade de Beneficência da África do Sul, sou presidente do Núcleo Sportinguista da África do Sul, sou compadre honorário da Academia de Bacalhau da África do Sul, e também secretário da Associação Comercial Madeirense. […] apesar de ter concorrido como independente, foi exatamente para não magoar nenhuma dessas associações. Capitão José verdasca (Brasil) Dos mecanismos de emigrantes e de emigração pelo mundo nós temos aqui um belíssimo dossier e falaram vários representantes de embaixadas e consulados e também os representantes das imigrações estrangeiras em Portugal. Apenas pedi para falar exatamente para salientar esse espeto primordial que deveria movimentar todos os imigrantes e todos os governos para tentar dar à emigração a importância que ela merece. Amadeu Batel (Suécia) Os nossos problemas, quando chegamos a uma terceira ou quarta geração não diferem das minorias étnicas nacionais. É a questão da língua, da cultura, e da identidade. E aí se joga o futuro. Porque as outras questões de política geral, sendo importantes, não são tão importantes como a política que queira defender a reprodução daquilo a que chamamos a tal “portugalidade“ de que se fala. E o governo português tem estado muito arredado destas políticas e o Conselho das Comunidades também. […] sem uma política para isto, repito, nós estamos votados a que, no futuro, não exista nenhum Conselho das Comunidades.] Eduardo Dias (Luxemburgo) Eu vou ver se conseguimos voltar à ordem do dia, que é os mecanismos de representação […] aquilo que interessa verificar é se os modelos que foram aqui representados, em termos de representação, dos poderes que têm, e dos modos de eleição ou designação, podem, de alguma forma, servir para o modelo que atualmente temos e que gostaríamos de modificar. […] Penso que, de facto, mesmo se nós temos seguido, sobretudo, o modelo francês, que não me parece o mais adequado, e que devíamos começar a inclinar-nos para aquilo que é o modelo italiano e espanhol. […] já agora, em relação ao espanhol, talvez deva dizer –e é o que me parece mais importantes - o Conselho de Residentes no Estrangeiro em cada País tem 7 membros, se a comunidade residente for até 50000, tem 11 membros, entre 50000 e 100000 e 21 se tiver mais de 100000. E isto não tem nada a ver, depois, com a representação em Espanha, onde nenhum país é representado por mais de três representantes, ou seja, um, dois ou três” João Caldas (Brasil) Esta é a grande questão que tenho percebido ao longo deste tempo em que tenho participado nas comunidades, nas associações. Porque, realmente, os portugueses se ausentam, os portugueses não participam. Uns 10% talvez participem nas associações, e assim se criaram alguns conselhos […] Quanto à criação dos conselhos locais, acho que é importante mantê-los, porque os portugueses poderiam levar os seus problemas a esses conselhos locais e esses conselhos levariam o problema ao CCP. Francisco Barradas (Bélgica) Este país teve o cuidado de discutir e criar conselhos desde muito cedo. E ainda que não fossem bem oficiais, eram, sobretudo, promovidas pelos sindicatos. Como emigrante, pude participar, desde 1975, e ser eleito numa dessas organizações sindicais, o que me deu uma grande força para participar no país. […]. Os portugueses não participam muito porque estão muito organizados à volta dos seus clubes e associações, que existem, desde a do Benfica, do Porto, do Sporting, do Belenenses, e isso às vezes traz problemas, mas devo dizer que a nossa comunidade está muito bem integrada, sendo pena que não participe mais na vida do país. Carlos Pereira (França) Só uma ou duas pequenas achegas sobre a inscrição, isto é, quanto às pessoas que vão participar e escolhem os conselheiros, há efetivamente um problema em relação ao nosso Conselho. É que nós não sabemos, exatamente, o número de portugueses que moram no estrangeiro […] muito dificilmente poderemos repartir os conselheiros, em função do país onde eles residem. No que respeita à votação e ao fraco número de pessoas que vão votar, acho que é necessário fazer uma formação cívica dos portugueses, de forma a que eles possam implicar-se, não só no Conselho, mas também em eleger os quatro Deputados a que temos direito e, também, evidentemente, para outras eleições, com a do Presidente, como já é possível. Fernando Figueiredo (ex-Deputado da Emigração) Tive oportunidade de assistir aos primeiros Conselhos das Comunidades e sou testemunha do interesse e da vivacidade com que os Senhores Conselheiros, ao tempo, defendiam os interesses de todos os emigrantes que representavam nesses Conselhos e, também, dos resultados que eram apresentados, para que o Governo, na área em que fosse competente, pudesse eventualmente resolvê-lo Celeste Correia (Deputada) […] Nós, de facto, estamos a falar de uma realidade, estamos a falar de pessoas que, dependente do ponto de vista geográfico, nalgum momento, são emigrantes e, noutro espaço e noutro momento, são imigrantes, mas o problema é quando se tornam cidadãos. Essa é a luta de todos nós que aqui estamos, e é, de facto, um problema crucial. Natália Carrascalão (Deputada) Já lá vai algum tempo, mas eu tenho uma experiência de refugiada, de emigrante e de imigrante. Talvez por isso é que me interesse por estas questões e, talvez por isso, consiga entender melhor os problemas que nos afligem, neste momento, em Portugal. Correia de Jesus (Deputado, ex-Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas) […] Ora, uma estrutura consultiva, em meu entender, pela própria natureza das coisas, deve assentar num critério de escolha que diria socioprofissional e não associativo. Não é que as associações não tenham uma importância muito grande e devem estar representadas, porque, na legislação que ao tempo se fez, relativamente a estas estruturas, as associações nunca deixaram de estar representadas. […] O critério socioprofissional deve ser conjugado com o critério associativo, de maneira que o Conselho seja efetivamente representativo das várias correntes e das várias forças que existem no âmbito de cada comunidade. Manuela Aguiar (Deputada, ex-Secretária de estado das Comunidades Portuguesas) Nós nem sempre estivemos de acordo no que respeita a estes mecanismos de representação, antes pelo contrário, não é Dr. Correia de Jesus? Agora estamos de acordo, pelo menos, num ponto que é importante: há que ir ao encontro ou à procura destas duas valências representativas, a associativa e a do sufrágio direto e universal. Sem qualquer delas, o Conselho perde potencialidades. António Pires (Canadá) O 1º Conselho das Comunidades – não sei se estará aqui alguém que se recorde dele - realizado no longínquo ano de 1980, sob a égide da, então, muito dinâmica Secretário de Estado Dr.ª Manuela Aguiar, revestiu-se da maior importância e do maior interesse. [… ]Interessa, caros amigos, citar o preâmbulo do diploma, que é Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de setembro, que instituiu o CCP, onde se pode ler que deveremos ter em conta o equilíbrio de três fatores: a unidade de representação, de que falamos aqui hoje, que permite ao Governo a audiência fácil e oportuna das comunidades; a descentralização da atividade do Conselho, através das Comissões de Comunidade, que, nos diversos países poderiam desenvolver, por si, ações da sua competência ou servir de veículo de transmissão para problemas que as transcendem; e a maleabilidade da constituição e funcionamento das Comissões de Comunidade, que deveriam ser o centro de gravitação da vida associativa local. Este 1º Conselho, se bem se recordam alguns, não foi isento de problemas e dificuldades, desde logo na sessão inaugural. Alguns dos participantes mais pareciam correias de transmissão de certas forças políticas, apostadas em boicotar os trabalhos do Conselho. […] Os trabalhos realizados por temas específicos acabaram por decorrer na melhor ordem e imbuídos do maior interesse […] os primeiros e, também, os atuais membros tinham e têm um papel extraordinariamente importante na inserção harmoniosa dos portugueses e luso-descendentes nas sociedades de acolhimento […] tem sido muito meritório o trabalho dos Conselheiros junto das comunidades, tornando os seus membros conhecidos, de uma maneira geral, pela sua seriedade, pela sua capacidade de trabalho, civismo e respeito. Maria Beatriz Rocha Trindade (Professora catedrática, Membro da Comissão de Peritos do 1º Conselho) Tendo participado em algumas das primeiras reuniões do Conselho das Comunidades, cujas atas estão publicadas e podem ser consultadas, recordo que incluem um tema especialmente dedicado aos descendentes dos emigrantes (e não às “segundas gerações”), quando eram abordadas as múltiplas questões que lhes respeitavam, designadamente relativas ao ensino e ao fomento dos laços de pertença à cultura original.[…] Relativamente à criação de Conselhos das Regiões Autónomas, e sendo um prazer ouvir aqui os representantes dessas Regiões, peço-lhes, todavia, desculpas por não concordar com a sua proposta. Tal significaria uma partilha das competências institucionais do atual Conselho das Comunidades: no plano externo, resultaria uma imagem de divisão das próprias responsabilidades nacionais, em relação aos emigrantes portugueses, nos diferentes países onde residem[…] Lembro, com saudade, os primeiros Conselhos realizados em Lisboa, em Vila da Feira, em Porto Santo, e os dois Delegados históricos das regiões, Virgílio Teixeira e Duarte Mendes, que desempenhavam de forma visível e empenhada os interesses das correspondentes comunidades […] Correia de Jesus (Deputado, ex. Secretário de Estado das comunidades Portuguesas) [....] Foi a Constituição que entendeu que a individualidade geográfica, estratégica e cultural que justificava a criação de duas Regiões autónomas do Estado português. E, por conseguinte, tudo aquilo que existe, ao nível das Regiões Autónomas, não é mais que uma decorrência da consagração constitucional desse estatuto próprio. […]. Maria do Céu Cunha Rego (antiga colaboradora do CCP, ex-Secretária de Estado da Igualdade)) Quando se contaram experiências nesta área, ficou claro o modo como cada Estado vê os seus cidadãos e cidadãs no estrangeiro. Também se evidencia, quando se compara, qual foi a história de cada país e como é que foi a história da democracia nesse país. […] quando comparamos as experiências, comparamos também o tipo de contrato social entre cada Estado e os seus nacionais no estrangeiro. […] portanto, quanto a mim, estes mecanismos de representação interessam na perspetiva das pessoas, a nível do poder individual, a nível do poder do grupo, e, também, a nível do poder do Estado[U1] de origem, designadamente das suas relações exteriores. Daí a importância da dimensão das Comunidades ter também que ser vista nesta perspetiva política. […]. Por isso, penso e espero que que qualquer eventual aprofundamento deste modelo, do modelo português, resultante desta atuação, só aconteça à luz da modernidade, numa perspetiva atualista e tendo em conta três pontos: o sentido da cidadania, da solidariedade e da democracia. Rita Gomes (antiga Secretária do CCP e ex-Presidente do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas) Assisti, de facto, ao começo do Conselho das Comunidades. E agora, após todos os anos da sua existência, constato e considero normal as dificuldades, que são referidas na presente situação […]As questões de natureza política estiveram, sempre, subjacentes, e é com elas que temos de viver, e muito bem, em democracia.[…] E quero aqui dizer que, na verdade, a experiência do então Conselho das Comunidades, e as várias sessões do mesmo, em que participamos, deram-nos uma luz consideravelmente positiva para podermos defender nos referidos fóruns (internacionais) os nossos compatriotas. E essa experiência foi, também, muito útil para outros trabalhos, nomeadamente em negociações, a nível bilateral e multilateral. Houve um enriquecimento que os Conselheiros, com a sua vo, e o seu conhecimento, trouxeram junto de nós e que nós utilizamos em trabalho diversos […]. Jaime Gama (Deputado, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros e presidente do CCP) […] esta feliz iniciativa permitiu fazer uma reflexão sobre a forma como Portugal está a ver os problemas da proteção externa dos seus emigrantes e os órgãos que está a construir, para esse efeito, e, ao mesmo tempo, comparar esse modelo com outras experiências europeias e não europeias. […]. Estamos a viver uma fase em que as nossas estruturas nacionais, quer de proteção dos nossos emigrantes fora, quer de acolhimento, têm um grande valor e devem ser aperfeiçoadas. ] Mas estamos, ao mesmo tempo, a assistir, do ponto de vista da União Europeia, à criação de políticas e até de estruturas que vão necessariamente ter consequências nessas áreas. […]. Se todos os países da União Europeia têm Conselhos dos seus emigrantes no exterior, faz sentido que se coordenem a nível europeu para poderem ser interlocutores da Comissão, do Conselho e do próprio Parlamento Europeu. Não fará sentido até que um organismo representativo dos Conselhos de Comunidades de cada país da União Europeia, um organismo coordenador não possa ter assento no Conselho Económico e Social para ser um parceiro institucionalizado.