quinta-feira, 9 de junho de 2022

D E S C E N D Ê N C I A S M A G A Z I N E Artigo está em destaque nas redes sociais: https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:6895650789080010752 https://www.facebook.com/descendenciasmagazine/posts/333167808698035 https://www.instagram.com/p/CZlvVaxsmUZ/?utm_source=ig_web_copy_link

quarta-feira, 1 de junho de 2022

BALBINA

VERSÃO MAIS LONGA 1 - BALBINA MENDES está de volta a Espinho,12 anos depois, na Galeria Amadeo Souza Cardoso, para preencher as longilíneas paredes de um branco neutral e expectante com a miríade de cores e a luz, de que se faz a intensidade da sua narrativa pictórica . Em 10 de julho de 2010, Balbina era uma pintora com um já fulgurante, um percurso artístico de duas décadas, e o Fórum de Arte e Cultura de Espinho, inaugurado a 16 de junho de 2009, dava os primeiros passos na sua trajetória de afirmação. Na verdade, tal como um ser humano, no tempo e na geografia da sua passagem pela terra, os museus e galerias de arte ganham nome e prestígio com a vivência do lugar, com a marca das pessoas que, sucessivamente, convidam para o habitar, cruzando o seu "curriculum" com a deles, numa apropriação desejada e consentida. Balbina cedo entrou na História deste espaço, singular a tantos títulos. Foi a primeira Mulher a ocupá-lo, por inteiro, numa exposição individual e a primeira a trazer, com a temática das `'Máscaras Rituais do Douro e Trás-os Montes", numa pintura de raízes etnológicas e etnográficas, toda a magia de tradições primordiais aflorando, repensadas e dispostas em novos contextos, em telas de grande dimensão e impacto. Nesse verão de 2010, Balbina tornou-se a primeira numa outra vertente, ao abrir um precedente desafiante, promovendo um espetáculo cultural inédito no ato de inauguração: trouxer às Galerias, metamorfoseadas pelas suas telas, as danças dos caretos vindos de Podence. A "Festa dos Rapazes" foi acontecendo por toda a cidade, nas ruas, entre um sem número de passantes que se manifestavam em gestos de aplauso, ou espontaneamente, se juntavam com eles, partilhavam o espírito dos folguedos, que, por fim, contagiou os presentes nos corredores e salões do Museu...Aí, os intérpretes de ritos, mistérios, ritmos nordestinos como que teatralizavam a realidade transfigurada nos quadros, cirandando nas duas galerias que correm, paralelamente, para a panorâmica janela rasgada sobre o mar atlântico... Assombrosa experiência, olharmos os caretos, por minutos, parados frente à sua própria figuração pictoral, vendo-se ao espelho, entre gestos lúdicos de espanto e de contentamento!... No ano seguinte, a 1ª Bienal, com Balbina Mendes presente, antecipou, em cerca de uma década, a memorável exposição de pintura no feminino da iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian, em cujo escopo adivinhamos semelhanças com o que animara o Museu de Espinho. Não era, como é evidente, o de excluir, segundo o sexo, ou o de erguer as barreiras entre dois guetos que se confrontam, mas, pelo contrário, o de uma descoberta e valorização da metade ancestralmente invisível, no sentido do alargamento e universalização das Artes. Já quanto ao modo, estilo, correntes, temáticas, como o "género" se expressa, para uns, ou umas,com uma criatividade própria, para outros, em facetas comuns e indistintas, não há consenso à vista - no domínio das Artes, ou em qualquer outro, das Letras, às Ciências, da Política a uma infinidade de misteres, outrora masculinos. Nas Bienais de Espinho, a organização guardou-se de tomar partido em querelas que prometem alongar-se, reconhecendo, antes de mais, que o masculino avulta, desde sempre e ainda, como "padrão", enquanto o feminino tende a ser visto como "alteridade", e admitindo a tese de que o sucesso das "mulheres-exceção" (as que estão entre os nomes cimeiros da pintura portuguesa na atualidade), não deve deixar no esquecimento a persistente desigualdade que os números, na sua globalidade, friamente denunciam, no que concerne às outras. Em 2011, a partir de uma mostra coletiva de mulheres, em preparação, foi um homem, o Diretor da Museu, Armando Bouçon, quem teve a ideia de lhe dar um caráter recorrente, bienalmente. Acompanhamo-lo na sua citação de Michelle Perrot: "escrever foi difícil. Pintar, esculpir, compor música foi ainda mais difícil", assim como na sua avaliação do estado de coisas, que traça no catálogo da 1ª Bienal: "Uma análise correta de toda a história da Arte dá-nos uma perceção muito transparente de como o campo das artes plásticas foi ocupado durante muitos séculos pelo género masculino". Foi. E ainda é? De facto, até um Museu tão sensível e aberto a esta questão pode servir-nos para comprovar, como, no que respeita a mega exposições individuais, se mantém o largo predomínio masculino, enquanto, pelo contrário, nas exposições abertas nos pequenos e graciosos recantos em que o Museu abunda, ou nas exibições coletivas, as mulheres começam a ultrapassar os homens. São, assim, presença crescente, contudo, ainda muito aquém do arrojo, da dimensão da obra que a Galeria Amadeo Souza Cardoso reclama - quase como se estivessem ainda em transição gradual, segura mas lenta, do espaço privado para o público. É um exemplo que podemos, sem grande receio de erro, extrapolar a nível nacional e internacional. Na verdade, foi essa constatação que deu origem e força ao movimento de afirmação da "Arte no feminino", em que uma das líderes de vanguarda, no plano mundial, é Paula Rego. Nas suas próprias palavras: "As minhas pinturas são pinturas feitas por uma artista mulher, As histórias que eu conto são histórias que as mulheres contam. O que é isso de uma arte sem género? Uma arte neutra?". [...] "Há histórias à espera de serem contadas, e que nunca o foram antes, Tem a ver com aquilo em que jamais se tocou - as experiências de mulheres". Um discurso com que este particular domínio se insere na nova vaga feminista do último quartel do século XX, mas que não tem, necessariamente, uma interpretação unívoca. Qualquer que seja a área considerada, a da expressão artística, como a da intervenção cívica e política - aquela em que, durante uma vida inteira me movi - o enfoque esencial, capaz de reunir correntes que vão em diferente direções, será o de querer, como Gisele Breitling: "uma nova e verdadeira universalidade em que o feminino assuma o seu lugar de direito e o masculino as suas verdadeiras proporções". 2 - Balbina Mendes tem, a meu ver, contribuído, poderosamente, para que as mulheres portuguesas assumam, na vida cultural do país, o seu "lugar de direito". Fá- lo, ocupando, simplesmente, esse lugar, com força anímica e talento de sobra, sem em nada se julgar discriminada, sem se sentir diferente, isto é, do lado de de lá de uma linha de fronteira... É um caso a seguir, no campo, que se vai alargando, das exceções à regra. Mulheres que, à partida, se sentem consideradas como iguais, e cuja atitude de despreocupação com disparidades de género, contém, implícita, a exigência desse tratamento igualitário! .À margem do discurso reivindicativo, alcançaram, por si, as metas que o movimento se propõe. E será que a proclamação dogmática da especificidade de género, pode, no limite, paradoxalmente, dar azo `persistência de formas larvadas de discriminação?. É uma pergunta pertinente. A "arte com género" de que fala Paula Rego, pode, ou não, abaixo do patamar do génio a que ela subiu, transformar-se "de per si" não em sinal vanguardista de contracultura, mas em âncora de estereótipos de género, conotando o feminino com características convencionais que são, afinal, uma menos valia? O ponto de interrogação vale para qualquer setor... Recordo o crítico literário João Gaspar Simões, que, ao elogiar a força imanente da prosa de Maria Archer, o realismo puro e duro com que ela aborda temáticas ousadas, a qualificava não apenas como uma grande escritora, mas como"um grande escritor"... E não é verdade que às poetisas consagradas, como Sophia, ou Ana Luísa Amaral, ainda hoje preferimos chamar poetas? Ambíguo cumprimento, a que subjaz a conceção da masculinidade intrínseca do cânone... Certo é que para esta escola de pensamento, Balbina é uma das mulheres que merece o cumprimento, ainda que não se reveja na categoria "nobre" de "um grande pintor". A sua arte não procura rivalizar com quem quer que seja, nem obedece a ditames ou limitações de qualquer natureza, numa trajetória ascensional de inovação, das temáticas, da estética e policromia, do ensaio de técnicas ou da fusão de materiais... É genuína e livremente Ela, transpondo para a pintura a experiência dos muitos mundos que a sua vivência atravessa e o seu olhar penetra. É original e inconfundível. Se me é permitida uma outra adjetivação, direi que tão carismática é a obra quanto a Autora... Uma admirável contadora de histórias, de vários tempos, do tempo presente a tornar-se passado, ou do passado no movimento e nas significações que o trouxeram até nós, em memórias, rituais, crenças, que se reinventam no convívio com a natureza e as pessoas, figuradas em toda a sua magia e em todo o seu mistério. No percurso narrativo de Balbina, para mim, no princípio era o rio... porque a conheci na exposição em que nos oferecia a história do Douro, deslizando entre margens, da nascente até à foz, incorporado na beleza encantatória de paisagens, onde as gentes apenas se pressentiam, sem se verem... . Reencontrei, depois, Balbina em novo e surpreendente ciclo temático, na exposição das Máscaras Rituais do Douro e Trás os Montes, em que os homens se faziam presentes, mas ainda sem se verem... O início de um tropo narrativo em torno da máscara, incursão etnográfica, num entrelaçamento telúrico de emoções e saberes, reinventados na tela, em explosões de cor... Voltando a uma visão feminista, que não sendo a da Artista, me é aqui permitida, noto a esplêndida audácia com que se apodera, para a eternizar em arte, da tradição masculina damáscara, símbolo por excelência, da superioridade e camaradagem de sexo, da festa e do cerimonial rigorosamente interditos à mulher... É já um prenúncio da força subversiva e libertária da sua aventura artística. E, logo depois, vai ultrapassar uma última fronteira, no momento em que a fragmentação ou transparência da máscara põe a descoberto... o rosto feminino, numa definitiva rutura pela transgressão, que Paula Rego saudaria com " o gozo pela inversão e desalojar da ordem estabelecida",.. Por isso, Balbina Mendes poderia estar, se quisesse, entre as maiores referências do movimento emancipatório de contracultura feminina nas Artes, como a emblemática Paula sobre quem Ana Gabriela Macedo (U Minho) escreve: [...] ela questiona continuamente os chamados "corolários naturais" da diferença de sexos, bem assim como a suposta "ordem natural das coisas", que se traduz na passividade, dependência e submissão, desmistificando o discurso estético e desmascarando o seu papel eminentemente ideológico e as relações do poder, que aí se encontram camufladas [...]. Nesta mostra intitulada "Segunda pele" o tropo narrativo da Pintora, não nos revela, antes adensa o segredo dos jogos entre a face desocultada e as suas máscaras, mas revela-a, definitivamente, como assombrosa retratista, do rosto e das suas metamorfoses, do tangível e do intangível. Confirma o seu incessante questionamento sobre o ser, as suas mutações e a sua aparência. É, agora, também, na literatura que busca inspiração, glosando em linguagem pictórica o mote Pessoano. As respostas que encontra na tela, serão sempre fonte de novas interrogações, no diálogo encetado com a literatura... Como diz Maria Anderson "Qualquer pessoa ficciona a sua própria identidade, Não nos ficcionamos sempre da mesma maneira. Vamos mudando o guião.... Ou Maria Velho da Costa: "Quem sou? Talvez seja quem vou sendo..." A pessoa, as personae Quo vadis, Balbina Mendes? Para onde nos levará, no seu ímpeto de transcender limites, a grande cultora de mistérios e emoções, no seu diálogo com a literatura e com a vida, na sua cada vez mais acabada e fascinante mensagem visual??. in DEFESA DE ESPINHO O LUGAR DAS MULHERES NAS ARTES A propósito do retorno de Balbina ao FACE 1 - Em 2010, quando Balbina Mendes veio a Espinho, pela primeira vez, o FACE, inaugurado a 16 de junho de 2009, dava os primeiros passos na que poderemos considerar o seu percurso de afirmação. De facto, os museus, as galerias de arte ganham nome e prestígio com a vivência do lugar, com a marca das pessoas que, sucessivamente, convidam para o habitar, cruzando o seu "curriculum” com o deles, numa apropriação desejada e consentida. Balbina entrou na história das Galerias do FACE como a primeira Mulher a ocupá-las numa exposição individual, e a primeira a surpreender e a mobilizar largas audiências com as suas espantosas 'Máscaras Rituais do Douro e Trás os Montes" - uma pintura de matriz etnológica, que recuperava arquétipos primordiais emergindo, interpretados e recriados em toda a sua magia, nas telas de grande dimensão e impacto. Nesse julho de 2010, ela foi também precursora numa outra vertente, ao promover no ato de inauguração um memorável espetáculo de danças dos caretos de Podence, que trouxeram o exotismo da "festa dos rapazes" às ruas de Espinho e, depois, aos corredores e salões do Museu. No ano seguinte, com a Bienal, "Mulheres d' Artes", em que Balbina esteve presente, o Museu de Espinho antecipou, em cerca de uma década, a marcante exposição de pintura no feminino providenciada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Em ambas as iniciativas, a de Espinho e a de Lisboa, adivinhamos o mesmo escopo - não, como é evidente, o de "excluir, segundo o sexo", mas o de valorizar a metade ancestralmente invisível, no sentido do alargamento e universalização das Artes. Já quanto à complexa questão do modo como o "género" se exprime, (com caraterísticas próprias ou comuns e indistintas), a organização da 1ª Bienal guardou-se de tomar partido, reconhecendo, sim, por um ado, que o masculino avulta, desde tempos imemoriais e ainda hoje como "padrão", enquanto o feminino é "alteridade", e, por outro, a ideia de que o sucesso das "mulheres-exceção" não deve deixar no esquecimento a persistente desigualdade da maioria, que as estatísticas, na fria linguagem dos números, denunciam. No catálogo da 1ª Bienal, o Dr. Armando Bouçon, Diretor do Museu, a quem se ficou a dever a proposta de a realizar, escrevia: "Uma análise correta de toda a história da Arte dá-nos uma perceção muito transparente de como o campo das artes plásticas foi ocupado durante muitos séculos pelo género masculino". Foi. E não continuará a ser? 2 - Até um Museu que fez história, em Portugal, com quatro históricas bienais de Arte no feminino (entre 2011-2017) pode servir-nos para mostrar como, ao nível de mega exposições individuais, se mantém, nas suas Galerias, o predomínio masculino, enquanto nas coletivas, ou nas exibidas, mais modestamente, em pequenos recantos do Fórum, as mulheres já ultrapassam os homens, numa trajetória positiva, mas como se estivessem, ainda, em transição gradual do espaço privado para o público… É um exemplo que poderemos extrapolar, em outras áreas, a nível nacional e até internacional. Na verdade, essa constatação terá estado na origem do movimento pela Arte no feminino, que teve, e tem, em Paula Rego uma das suas líderes mais insignes e mais ativas. Nas suas próprias palavras: "As minhas pinturas são pinturas feitas por uma artista mulher. As histórias que eu conto são histórias que as mulheres contam. O que é isso de uma arte sem género? Uma arte neutra?". [...] "Há histórias à espera de serem contadas, e que nunca o foram antes. Têm a ver com aquilo em que jamais se tocou-as experiências de mulheres". Um discurso com que a nova vaga feminista do último quartel do século XX incorporou o plano da expressão artística na globalidade da sua luta - discurso que, diga-se, neste como em qualquer outro campo, é tudo menos pacífico. Mais consensual será, certamente, a exortação de Gisele Breitling em favor de "uma nova e verdadeira universalidade em que o feminino assuma o seu lugar de direito e o masculino as suas verdadeiras proporções". 3 - Balbina Mendes tem contribuído, poderosamente, para que as mulheres portuguesas assumam, na vida cultural e artística do nosso país, o seu "lugar de direito". Fá-lo, ocupando, simplesmente, o lugar, com ânimo e talento de sobra, sem em nada se julgar discriminada. É um caso exemplar, entre grandes artistas, cuja atitude de despreocupação com disparidades de género, contém implícita a exigência do tratamento igualitário. À margem de uma teorização reivindicativa, alcança as metas que esta se propõe, com isso abrindo caminho a outras mulheres, destruindo preconceitos de género, pela força do seu traço, pela singularidade de temáticas e de técnicas.... Embora, como velha militante da igualdade, desde os bancos da escola, não me situe exatamente nesta linha, tenho de reconhecer a sua eficácia, assim como, também, de admitir os riscos da defesa "à outrance" da "arte com género" em que Paula Rego acredita. O que, sendo, no seu patamar de genialidade, sinal vanguardista de "contracultura", pode, a outros níveis, redundar em novos estereótipos do feminino, que, em sociedades patriarcais, são, fatalmente, menos valia. Por essa razão, num outro domínio, o literário, reservamos o feminino” poetisa” para o comum das mulheres, mas chamamos "poetas" a uma Sophia, ou a uma Ana Luísa Amaral... E, precisamente por isso, o crítico João Gaspar Simões, elogiando a força imanente da prosa de Maria Archer, o realismo puro e duro com que abordava as problemáticas mais ousadas, a qualificava como "um grande escritor". Ambíguo cumprimento, a que subjaz a conceção da masculinidade intrínseca do cânone! Balbina não o apreciaria, mas é uma das mulheres a quem se poderia, nessa lógica, aplicar. A sua obra é original, audaciosa, inovadora, (nos temas, na estética, policromia, fusão de materiais...). Transpõe para a pintura a experiência dos muitos mundos que a sua vivência atravessa e o seu olhar penetra, numa vontade constante de transcendência. Conheci-a na exposição em que nos contava a história do Douro, o “seu” rio, correndo entre margens, da nascente até à foz, incorporado na beleza encantatória de paisagens. Reencontrei-a no ciclo temático sobre as máscaras rituais, incursão telúrica à infância em terras de Miranda, em que se entrelaçam emoções e saberes, reinventados na tela, em explosões de cor... Numa "leitura feminista”, é de notar a naturalidade com que se apoderou, para a transfigurar em arte, da tradição masculina da máscara, símbolo da superioridade e camaradagem de sexo, em cerimoniais rigorosamente proibidos à mulher... Um sinal da força subversiva e libertária da sua aventura artística. Com o passo seguinte, ultrapassa uma última fronteira, na fase em que a fragmentação ou transparência da máscara deixa o rosto a descoberto... o rosto feminino! É a definitiva rutura do interdito, que Paula Rego saudaria com o seu "gozo pela inversão e desalojar da ordem estabelecida"... Na mostra agora aberta ao público nas Galeria Amadeo Souza-.Cardoso, intitulada "Segunda pele", o tropo narrativo de Balbina não nos revela, antes adensa o mistério dos jogos entre a face desocultada e as suas máscaras, mas revela-a como assombrosa retratista do rosto e confirma o seu incessante questionamento sobre o ser, a aparência, o tangível e o intangível. Para o que vai encontrar inspiração na heteronímia Pessoana, glosando em linguagem pictórica um mote literário. O resultado é, pura e simplesmente, fantástico! A não perder, até 28 de maio, em mais este capítulo do roteiro do FACE e da vida cultural que Espinho nos propicia. Maria Manuela Aguiar .
O PORTO É UMA NAÇÃO! Na era de Jorge Nuno Pinto da Costa 1 - Há um FCP antes e outro depois de Pinto da Costa. Como portista de nascença, prestes a fazer 80 anos, posso dizer que vivi 40 com cada um deles... O FCP que vai da minha infância à meia idade era um dos clubes grandes de um país pequeno no mundo do futebol, mas raramente ganhava um campeonato e não pensava em altos voos internacionais. Tinha eu já uns 13 ou 14 anos quando, pela primeira vez na minha vida, em 1956, vi o Porto ser campeão nacional - o Porto de Dorival Knipel, brasileiro de origem alemã, oriundo de Minas Gerais. O mítico Yustrich! Quanto à Seleção Nacional, digamos que o seu forte, por essa altura, eram as chamadas "vitórias morais". A exceção, que confirma a regra, foi um 3º lugar no Mundial de 1966, sob o comando de um outro famoso treinador brasileiro Otto Glória. Os escolhidos de Otto Glória (que receberam a honrosa designação de "Magriços", ou não fosse a fase final do torneio disputada na Inglaterra...) exemplificam bem a profunda desigualdade Norte/Sul, que se vivia no antigo regime: Dos 23 convocados, 19 eram do sul (mais exatamente,18 de Lisboa, a capital do Império, e um dos arredores, de Setúbal) e só 4 eram do norte (3 do FCP e 1 do Leixões). Na realidade, o fosso era ainda maior, pois desse quarteto nortenho, composto pelo guarda-redes Américo, por Custódio Pinto e Festa, do FCP, e por Manuel Duarte do Leixões, apenas o defesa Festa era titular. Para os mais jovens, há que dizer que, nessa remota era, não havia substituições de jogadores durante os noventa minutos, nem sequer por lesão, e que poucas alterações se registavam no onze base de qualquer equipa, durante uma época inteira. Mas havia mais e pior! Todos os cargos das instâncias dirigentes do futebol português eram, exclusivamente, repartidos entre os clubes dominantes da capital (Sporting, Benfica e Belenenses), que temos de considerar decisores e juízes em causa própria, com fama e proveito, dentro e fora do campo. Lisboa tratava as colónias e a "província", da mesma maneira, ou, pelo menos, com a mesma sobranceria - na política, nas áreas económicas, no desporto, etc, etc, etc... Em suma, Lisboa (ou o seu sinónimo "Terreiro do Paço"), era o Poder absoluto, autocrático! A capital mandava, sem preocupação de equilíbrio, sem controle, sem oposição (a que havia, mais tarde ou mais cedo, acabava nas prisões ou no exílio...). A Revolução de 1974 trouxe aos Portugueses a Liberdade, deu-lhe direitos de cidadania proclamados na letra da Constituição e das Leis. Os progressos, não foram, porém, alcançados, a idêntico ritmo ou velocidade, por todo o lado. Não basta declarar a igualdade, é sempre preciso sempre saber conquistá-la contra o "status quo", contra interesses instalados. E em nenhum setor foi mais e melhor conseguida do que no futebol. Não porque fosse mais fácil, mas porque houve quem fizesse a revolução fática, no terreno: Jorge Nuno Pinto da Costa. 2 - Sem prévia revolução democrática não teria havido Pinto da Costa, com o seu inigualável currículo de vitórias, em termos planetários, e sem Pinto da Costa não teria havido revolução no futebol português! Com a sua visão e liderança, ele alcandorou o FCP ao topo do mundo do Desporto (do Desporto-Rei) e, por natural repercussão, levou o País, anos depois, a um protagonismo crescente. Portugal, os Portugueses!. Os nossos Mourinhos.... os Decos, os Ronaldos, os Pepes.. .as equipas técnicas, os gestores, os agentes das estrelas... os dirigentes federativos,... o reconhecimento que nos entregou a (sempre impecável) organização de grandes competições internacionais... O que era, antes do 25 de Abril, uma absoluta impossibilidade, e, depois do 25 de Abril, extremamente improvável, aconteceu. Não estou com isto a dizer que esta extraordinária evolução se deve diretamente ao Presidente do FCP, mas não tenho dúvida de que deriva da dinâmica por ele criada, de uma verdadeira "regionalização" no futebol nacional. Ou seja, a partilha ou o equilíbrio de poder de "fazer coisas", de progredir, de ser uma bandeira do País em qualquer ponto geográfico, de acordo somente com a capacidade de empreendimento, o querer, o mérito dos cidadãos e das suas coletividades. Pinto da Costa foi eleito presidente do FCP há 40 anos, em 23 de abril de 1982, exatamente oito anos depois da Revolução (um ano, por sinal, tão importante no futebol como na política, pois foi o da primeira Revisão Constitucional, que consagrou a democracia plena, com a extinção do Conselho da Revolução...). O clube tinha ganho, até então, meia dúzia de campeonatos... Este ano festejou o seu 30º título de campeão! Cumpriu, ao longo das últimas quatro décadas, o nosso sonho de sermos os melhores do País. E foi muito, muito mais longe, ao cumprir o projeto de Pinto da Costa, aquele que, para nós, era pura utopia: tornar o FCP campeão da Europa e campeão do mundo! Por duas vezes. Sete títulos internacionais só em futebol sénior! E, ele próprio, como presidente de clube, mais titulado do mundo, um recordista insaciável, à espera de mais e mais vitórias no futuro... O seu fabuloso legado inclui ainda um Estádio e um Pavilhão desportivo, que são duas obras de arte arquitetónicas, e um Museu como não há outro igual - o mais visitado da cidade, um seu autêntico "ex-libris. 3 - No 40º ano do mandato de Pinto da Costa é tempo de lhe dizer: obrigada! Não apenas como portista, mas como portuense e portuguesa, porque considero que tem um lugar na História do País e não só estritamente na História do futebol português e universal. O seu feito maior, que o leva a transcender as fronteiras do desporto é ter mostrado, de uma forma muito concreta, a Portugal, (porventura o Estado mais centralizado da Europa!), quanto a macrocefalia da capital, ao criar uns "mais iguais do que os outros", é inimiga fatal do progresso. E como, quando alguém a consegue afrontar e abrir caminho à ascensão dos melhores, toda a sociedade ascende com eles. Nenhum político conseguiu, ainda, seguir-lhe o exemplo. O centralismo continua a asfixiar as energias e as potencialidades de um país mal gerido. E, assim continuando, não há solução para os nossos males. Meio século após a democratização, e quase quatro décadas após a adesão à CEE/UE, Portugal permanece "na cauda da Europa". É urgente, a todos os níveis do País, em todos os setores, a Revolução que Pinto da Costa fez no campo do Desporto