sexta-feira, 15 de maio de 2015

FRATERNIDADE
Ao me ter sido solicitado escrever algo sobre as actividades de 2014
devo dizer que foi para mim um ano muito dificél.
A minha mulher gravemente doente e continua e eu com um vencimento
reduzido em 50%, desde há 5 anos, que me levou ao fim de 36 anos, 3
meses e 15 dias, a pedir a rescisão de trabalhar para as nossas
Comunidades Portuguesas em nome do Estado Português, MNE.
Que bem me lembro ao chegar à Alemanha em 15 de Outubro de 1966 com 10
anos de idade levado pelo meus entretanto falecidos pais e ali ter
conseguido uma formação profissional como desenhador técnico de
máquinas na Câmara de Comércio e Industria em Dortmund na Renânia
Vestefália,
Aos 15 de Agosto de 1978, após concurso isento na Embaixada de
Portugal em Bona, honra-me, tomei posse em Düsseldorf no nosso
Consulado-Geral de Portugal em Dusseldorfia mas segui de imediato para
Osnabrück como Técnico de Serviço Social. Por nomeação da nossa amiga
e então SECP Dra. Manuela Aguiar cheguei a Berna, à nossa Embaixada,
em 7 de Agosto de 1985 como Delegado de Emigração com a missão de
apoiar e ajudar os nossos compatriotas que na altura eram 24 mil e
hoje mais de 260 mil e momento em que abandono o barco após vários
titulos, Chefe de Serviço Social e Técnico Superior, mas tudo ilusões.
Para o Movimento da Mulher Migrante e não só contribui da forma que
sempre me orientei nos últimos mais de 20 anos como membro da
Maçonaria Regular e concretamente Garante de Amizade entre a Grande
Loja Suíça Alpina e a GLLP/GLRP.
Teria um grande historial a escrever de muitas ou menos razões, até
como ex-deputado do PPD/PSD, Conselheiro Nacional, etc., mas apenas
desejei aqui expressar o meu voto de carinho à Dra. Maria Manuela
Aguiar, uma MULHER que sempre esteve ao lado e não só das nossas
Comunidades Portuguesas no Mundo. Aliás, a MÃE DOS PORTUGUESES NA
DIÁSPORa !!!
CONTINUAREI A DEFENDER AS NOSSAS MULHERES PORTUGUESAS E NÃO SÓ EM TODO
O MUNDO AGORA COM MAIS LIBERDADE !!!

António Dias Costa

MULHERES EM MOVIMENTO 2013

Quando se fala em direitos da cidadania para as mulheres, é comum pensar directamente no sufrágio, na capacidade eleitoral activa e passiva. E, embora este Encontro ponha o enfoque sobre outras formas essenciais de a Mulher se expressar, como igual ao Homem, em diversos domínios, não deixámos de começar pela sua intervenção no mundo, ou, como prefere dizer a Drª Maria Augusta," nos mundos da política".
Afinal foi justamente neste espaço que se desenrolaram as primeiras lutas das nossas avós sufragistas, aqui bem lembradas pela deputada Maria João Ávila, numa excelente introdução que tantas pistas nos dá para o debate
Desde logo com a citação de Abigail Addams, que já em 1776 se dirigia ao Congresso americano nestes termos:
"Se as senhoras não receberem cuidado e atenção especiais, estamos determinadas a fomentar uma revolta e não nos consideraremos obrigadas a cumprir a lei , diante da qual não temos voz ou representação".
Em Portugal, nos inícios do Século XX, Ana de Castro Osório diria praticamente o mesmo:" Não podemos considerar nossa uma República onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar"
O eco longo do mesmo sentimento de injustiça e exclusão, tantos anos depois, era o sinal de que muito poucas tinham sido as mudanças...ou os ganhos!
E, agora, no século XXI, depois de mutações radicais, no que respeita às leis da igualdade, mas perante números de gritante" imparidade" de género no campo da participação concreta, do acesso a cargos políticos, em quase todos os países, a pergunta é: o que fazer, no País e nas comunidades da emigração?
O Deputado Carlos Gonçalves traça o percurso das emigrantes em França, desde a vida de casa ao envolvimento crescente na vida comunitária e, daí, à vida política, onde hoje representam um terço dos chamados "luso-eleitos"-
Nos EUA, pelo contrário, a presença das portuguesas no universo da política é hoje ainda praticamente nula e o Deputado Tony Cabral dá-nos um justificação que confirmará a tese de Carlos Gonçalves sobre a relevância da actividade associativa como via de transição para a actividade política:
"Eu acredito que a explicação é a falta de acesso que as mulheres tiveram nas maiores e mais proeminentes organizações comunitárias luso-americanas e nas empresas. Às vezes, essas mesmas organizações excluem explicitamente as mulheres, por vezes esses grupos dominados por homens simplesmente não fazem com que as mulheres se sintam bem vindas"
Maria do Rosário Loures é um exemplo concreto de passagem do voluntariado associativo à militância política, com a particularidade de ter sido motivada por um homem (o seu ex-marido). O que não me surpreende, pois também eu fui mais motivada a fazer carreira profissional pelos homens do que pelas mulheres da própria família - e o mesmo se diga, depois, da minha ida para o governo e para o parlamento, por insistência de líderes políticos - homens....
A visão comparativa é sempre uma fonte de ensinamentos e aqui poderemos confrontar experiências de vários países e continentes com a nossa, sobretudo a partir da entrada em vigor da Lei da Paridade.
Pelas quotas temos a firme opinião da Deputada Maria João Àvila e da Dr.ª Maria Augusta Santos, autarca no norte de Portugal e contra a da Senhora Dona Maria do Céu Campos, outro excelente exemplo de uma eleita que começou precisamente pela acção social na cidade de Ravensburg, na Alemanha.
Quanto à discordância sobre as vantagens e inconveniente de uma lei que impõe quotas, fica-me a ideia de que a Senhora Dona Maria do Céu mais do que a sua existência questiona a sua verdadeira eficácia, ao declarar: "não concordo com as quotas ou coisa parecida. A mulher tem de ter pleno direito a lugares elegíveis e não a fazer número, colocada em lugares onde muitas vezes não tem qualquer hipótese de obter um mandato, nomeadamente nos parlamentos nacionais".
E logo salienta que "para se entrar na política na Alemanha tem de se ter curriculum, trazer obra e trabalho de voluntariado. 85% das mulheres que exercem cargos na política municipal desempenharam ou continuam a desempenhar trabalho de voluntariado".
Estaremos, com certeza, todos de acordo com a importância de trazer para a política mulheres - e homens - de grande qualidade e com grande dedicação à coisa pública, Mas temos de trazer a debate a questão de saber se um sistema de quotas é ou não compatível com as melhoras escolhas.
E eu creio que há historicamente bons e maus exemplos da sua aplicação. No espaço da UE, a que pertencemos, têm largamente predominado os bons, dos países nórdicos aos do Sul, onde eu destacaria o caso da Espanha. O nosso tem aparentemente funcionado mais e melhor a nível das eleições legislativas e europeias do que a nível local.
A Dr-ª Maria Augusta, que conhece de perto esta realidade local, fala-nos, claramente, de" projectos políticos pessoais", de "formas de gestão/liderança dos partidos". da "adopção de estratégia de organização interna e da selecção e recrutamento, assentes na instrumentalização das suas bases de militância". A sua frontalidade leva-me a recordar José Estevão quando denunciava os pequenos políticos do seu tempo: "o meu programa são os meus amigos. O meu programa é o poder mesmo".
As mulheres são ou não as grandes excluídas dos grupos de "amigos" que mandam em muitas das estruturas partidárias existentes? A imposição da paridade, por força da lei, é ou não um meio eficaz de combater o nepotismo?
É o que proponho que passemos a debater.

domingo, 10 de maio de 2015

NOVA EMIGRAÇÃO, EMIGRAÇÃO VELHA


1 - A nova emigração surgiu, há poucos anos, com o seu ineditismo,
como uma primeira grande saída de quadros (ou de cérebros), de
mulheres e homens em pé de igualdade - coisa inteiramente nova, pois
até então a chamada "feminização" da emigração portuguesa acontecera
quase sempre pelo exercício do direito ao reagrupamento familiar.
É, de algum modo comparável à primeira vaga de imigração do Brasil, no
início do chamado "Cavaquismo". Imigração que nos trouxe, para além do
problema (mais corporativo do que político) dos excelentes dentistas
da Escola brasileira, sem mais problemas,
engenheiros,gestores,informáticos designers, publicitários e outros
profissionais de reconhecida competência... Depois, veio, na segunda
fase, um conjunto bem mais numeroso e heterogéneo de candidatos do
mesmo país.
Era o tempo, logo após a adesão à CEE, em que o governo anunciava o
"fim dos tempos" da nossa emigração e apresentava Portugal como um
País que deixara de ser ponto de partida, para se converter em porto
de chegada de imigrantes. Que melhor símbolo de uma parceria plena no
"clube dos ricos" em que estávamos, e de confiança no futuro, poderia
o discurso político converter em bandeira?
Porém, para essa nossa imigração (da América do sul, da Europa de
leste, da África) as coisas iriam mudar na primeira década deste
século, com uma abrupta interrupção ou retrocesso do vai-vem de
gentes, E, em números bem mais avassaladores, ressurgia a emigração
dos portugueses.
Depois dos 20 anos em que a tese oficial do termo do processo
histórico das migrações portuguesas teve a sua aparência de
ajustamento à realidade (e à crença nofuturo de imparável avanço
económico e social, dentro da UE, do espaço Schengen e da zona Euro),
eis que um volte face vem pôr em causa duas décadas de" ilusão
europeia", e revelar que houvera apenas um mero hiato entre ciclos
migratórios... Aquela Europa já não existe, aquele Portugal, também
não ,(talvez não por uma fatalidade histórica... é verdade, que talvez
pudessem existir ainda, mas não com os protagonistas que tomaram em
mãos o seu destino...)
E nós, retrocedemos 40 anos. à época do último imenso êxodo de fuga à
pobreza, num Portugal, que, antes de tudo, perdeu a esperança.


Numa conjuntura em que Primeiro Ministro não hesita em fazer do
empobrecimento uma meta do seu programa, e em incitar à expatriação
(num gesto rigorosamente supérfluo de quem desconhece a cultura de
expatriação do povo que governa.) a " velha emigração" logo vem,
espontâneamente, somar-se a "velha emigração". Não são só os jovens
que saem,com os seus mestrados e doutoramentos, mas todos os que podem
fugir à crise portuguesa, à destruição da economia e das classes
médias: os mais e menos qualificados, os mais e menos jovens, as
mulheres e os homens .Em proporções variáveis, desmentindo os
estereótipos que vão ocultando a verdade inteira das situações...
Assim, por exemplo, as migrações actuais estão longe da sua imagem de
marca da "paridade", visto que os homens são a quase totalidade das
migrações temporárias, e, mesmo no segmento mais "elitista" da
emigração permanente, a componente feminina é de cerca de metade da
masculina.
O ter, mesmo assim, alcançado visibilidade tão positiva só pode ser
valorizado como um bom sinal, entre tantos de sentido contrário, se
pensarmos que, ao longo dos séculos, a emigração feminina foi sempre
fortemente combatida. A masculina, também, mas menos, porque os
homens, que partiam sós, mandavam para as famílias as remessas com que
o Estado equilibrava as contas externas,uma infinidade de pequenas
poupanças, que cresciam, atingindo números colossaias
Portugal, que vivia largamente à custa deles, olhava as mulheres como
um fator de integração em sociedades estrangeiras, de não retorno dos
homens...e das divisas. Afonso Costa, o professor, com tese de
doutoramento nesta matéria, e o político de primeiro plano, deplorava
(nessas duas vestes, certamente) a saída das mulheres, que tanto se
acentuara no início do século XX, como "uma depreciação do fenómeno
migratório".
Era o espírito do tempo. Não é, obviamente, o do nosso tempo.


2 - O longo ciclo da emigração transoceânica, predominantemente para o
Brasil, em muito menor dimensão para os EUA e outros países
longínquos, estava a terminar em meados do século. Assumira,
realmente, uma faceta familiar,embora quase sempre em duas fases - com
o homem a sair à frente - mas não provocara, como se receava, uma
grande contração das remessas, e servira, (o que ninguém soubera
prever...), para uma transformação qualitativa do movimento
associativo. numa vivência coletiva, de famílias inteiras,que se
reuniam, à volta de projectos culturais - música, teatro, desporto,
recriação de ambientes, festas religiosas ,tradições... Com esta nova
dinâmica se construíram verdadeiras "comunidades portuguesas", no seu
sentido orgânico, institucional - como espaços extra territoriais de
lusofonia.ou, polo menos, de lusofilia. A"Nação dos afectos", na
expressão de Adriano Moreira
A "nova emigração", da segunda metade do século passado,. dirige-se,
pela primeira vez, em massa, para países próximos e é na Europa que se
centram as atenções, com a França a converter-se, aos olhos dos
portugueses, no"novo Brasil"
Como sucederia na " nova emigração" do século XXI, toma-se a parte
(uma parte muito importante, sem dúvida, mas uma parte...) pelo todo.
De facto, a emigração para novos destinos transoceânicos - a
Venezuela, o Canadá - começa precisamente na mesma altura, nas
décadas de 50 e 60, e o movimento continua para os EUA, a África, a
Oceânia... Embora,nestas regiões, há que reconhece-lo, sem a faceta de
fuga clandestina, de aventura dramática que marcou o "salto" através
dos Pirinéus.. O chamado ciclo europeu, (o tal, (que parecia destinado
a ser o último, mas não foi...) acabou. E acabou bem. É a minha
subjectiva opinião. É também a de muitos especialistas deste período,
é a de Eduardo Lourenço, que do seu posto de observação, em Paris, 30
anos depois dos anos do "salto", falava dos viajantes da "mala de
cartão" como uma "geração de triunfadores".
O balanço só pode fazer-se no fim de um ciclo. No princípio de outro
tudo são interrogações...
A nova geração conseguirá os mesmos níveis de satisfação pessoa e
profissional da que a antecedeu - na Europa, no Brasil ,em
Angola, numa dispersão planetária?
Neste novo ciclo, certezas não há... Nem sobre o sucesso individual,
que é função de expectativas mais altas, nem sobre o futuro do
associativismo, das comunidades portuguesas nele fundadas, que vai
depender da capacidade das organizações existentes se abriram à
participação dos grandes excluídos, que têm sido as mulheres e os
jovens. Vai depender fundamentalmente, da vontade destes, da atitude
com que partem : como" desistentes", deixando o país para trás, ou
como" resistentes", levando Portugal com eles..
 EMIGRAÇÃO PORTUGUESA OLHARES SOBRE A AUSÊNCIA: UMA PERSPECTIVA DIACRÓNICA
MARIA MANUELA AGUIAR
RESUMO
A ausência significava, no paradigma “territorialista”tradicional, a ruptura com a sociedade do país e a perda de direitos de cidadania, direitos políticos, sociais e culturais. Os ausentes eram despojados da própria nacionalidade, se adquirissem uma outra. Porém, o carácter automático da recuperação da nacionalidade, em caso de retorno definitivo, indicava que o legislador oitocentista se dava conta da subsistência dos laços de ligação à pátria durante o período de ausência.
Para a progressiva tomada de consciência das formas de vencer o distanciamento físico pela presença dos emigrantes na vida da sociedade portuguesa contribuíram, antes de mais, as remessas, os investimentos, as dádivas para a melhoria das suas terras. Mais tardio foi o reconhecimento de uma outra forma de presença, através da criação, no exterior, de espaços de língua e cultura portuguesa.
A democratização do país, em 1974, veio permitir a transição progressiva para o paradigma "personalista", em que os expatriados gozam de um novo estatuto de direitos, tendencialmente igual aos dos residentes, e as comunidades do estrangeiro são vistas como parte integrante do património cultural da Nação.
INTRODUÇÃO
Abordo neste trabalho a forma como as migrações portuguesa foram vistas, no país - pelo legislador, em primeira linha, mas também por políticos, estudiosos, opinião pública - ao longo do largo período, que cabe no conceito de emigração, em sentido estrito, excluindo o tempo da Expansão, e da colonização, designadamente da colonização do Brasil, muito embora se deva reconhecer a importância do passado distante, de onde vem a tradição de partir para longe, como meio ideal de resolver problemas de sobrevivência, de emprego, de ascensão social, de enriquecimento supostamente fácil... Houve, de facto, uma linha de continuidade nessa tradição multissecular, e na forma como os expatriados se envolveram na vida das sociedades de destino, (parecendo sempre mais ousados e mais solidários, quando fora do um pequeno território, de horizontes limitados...), assim como no modo de se relacionarem com a terra de origem, para ela enviando uma infinidade de pequenas economias, e, mais raramente, mas com formidável impacte, grandes fortunas, com elas ajudando as famílias, o desenvolvimento das comunidades locais e o equilíbrio das finanças públicas.
Assim se compreende que, após a independência do Brasil, os fluxos migratórios espontâneos não tenham sofrido nem desvio nem diminuição, bem pelo contrário. Assim se explica, igualmente, o favorecimento do destino brasileiro, território estrangeiro, em detrimento das colónias de África, por uma corrente da "inteligentzia" portuguesa conhecedora desta harmónica transição do papel de colonizador para o de emigrante.
Ao delimitar aquele período temporal, não deixo de lhe atribuir carácter, até certo ponto, artificial, tanto mais quanto a posição do legislador sobre o excesso dos fluxos de saída se mantém praticamente inalterada. De facto, desde as Ordenações Filipinas até meados do século XX, as manifestações de actividade legislativa, ou o que poderemos chamar políticas de emigração, foram pouco mais do que medidas proibitivas ou limitativas de um movimento, que assumia a feição de um êxodo desmesurado.
Políticas de verdadeira protecção e de reconhecimento dos direitos de cidadania dos expatriados não houve, embora tenha havido preocupação, e, em abundância, estudos, debates, polémicas, chamadas de atenção - inclusivamente no próprio parlamento, com a constituição de duas comissões parlamentares de inquérito no século XIX. As conclusões e os remédios propostos, nomeadamente pela comissão parlamentar em 1872, não foram, porém, levados a cabo... O mesmo se diga de muitas outras propostas, algumas de investigadores ou especialistas neste domínio, que foram também políticos, como Oliveira Martins e Afonso Costa. Muitas das observações e dos projectos, que não conseguiram executar, mantiveram actualidade ou vieram, embora muito tardiamente, na actualidade, a ser contempladas na Lei. Mas em outros aspectos, como será sublinhado, foram "homens do seu tempo" e não conseguiram dar a uma realidade migratória, a formas de “ausência”não fundamentalmente diferentes das que ainda agora conhecemos, o tratamento de que somos capazes na actualidade, no campo do Direito.
Neste trabalho percorreremos vários ciclos da vida da emigração, que mais do que seria expectável, se encadeiam e se aproximam na psicologia das gentes, no seu comportamento face ao país, na organização social do espaço que habitam no estrangeiro, criando o seu próprio "mundo português", dentro de outros mundos em que interagem e se integram, as mais das vezes, bem.
As "situações de facto" em que as múltiplas formas de”presença dos ausentes” se afirmam, multi-secularmente, dentro e fora do país, só se convertem em "situações jurídicas" no nosso tempo - no sentido de gerarem direitos individuais e um novo relacionamento entre Estado e os cidadãos, entre o Estado e as instituições da “sociedade civil”: escassas décadas de rápida transformação das ideias e das leis, que rompem com séculos de denegação jurídica e de descaso político! Um "encontro dos cidadãos com a lei", poderíamos dizer, parafraseando Jean Carbonnier.
O novo "direito dos expatriados", irradia no cerne de uma concepção "personalista", por oposição ao tradicional paradigma "territorialista"e é produto da nossa época - tendo ganho progressivamente terreno no panorama europeu, como se constata na perspectiva de direito comparado, muito embora seja, ainda, sede de particularismos nacionais. O caso português é, com alguns dos seus arcaísmos, combinados com laivos de pioneirismo, certamente merecedor de registo, e oferece aos interessados um campo de observação alargado a séculos de intenso movimento, de mutações, mas também de surpreendentes constantes na vida e na acção dos indivíduos.
Neste ramo emergente do Direito, em via de sólido enraizamento, confrontam-se, ainda, diferentes olhares, visões plurais, no plano nacional e internacional. Tenho a minha - como jurista e como participante, ao longo de um quarto de século, em muitos dos colectivos por onde passou o processo legislativo em Portugal e até, também, a nível europeu, no Conselho da Europa -e com ela escrevo as linhas que se seguem.
I - A EMIGRAÇÃO COMO AUSÊNCIA
«Não nos admiremos. Eram as ideias do tempo.» Affonso Costa
1 - A Ausência, na Sociedade e no Direito
O fenómeno das migrações, sempre multifacetado, envolve componentes muito diversas, em que as formas de ausência e de presença (presença física, mas não só, também afectiva, sentimental, económica, cultural...) se sobrepõem ou se interligam, no plano individual como colectivo, e vão sendo percebidas, ao longo de épocas ou de ciclos, muito diferentemente.
Numa abordagem tradicional, a ausência implica fatalmente uma ruptura, conotada com o abandono ou a desistência de fazer vida e carreira na própria terra. Olhada a emigração por parte de quem fica, assim foi, e em certa medida ainda é, na opinião pública, no juízo do povo e dos vizinhos, assim como em correntes doutrinais mais resistentes a uma nova visão das coisas.
Completamente oposta foi, através dos tempos, a perspectiva, o sentir comum dos próprios emigrantes – aliás, abundantemente expresso em gestos de solidariedade e em directos contributos para o bem-estar das famílias e das comunidades locais, em comportamentos reveladores da ligação à terra de origem, que são uma constante na história da emigração portuguesa dos últimos dois séculos e, a meu ver, até também nos períodos antecedentes. De facto, o móbil de procurar, lá fora, progresso e fortuna e de a repartir com os seus, é compatível com qualquer dos enquadramentos do movimento de expatriação, que conhecemos historicamente - o esforço de colonização empreendido ou incentivado pelo Estado, ou a demanda individual, espontânea, de trabalho no estrangeiro. Autores de diferentes épocas, dão-se conta desta realidade, desde Oliveira Martins, ou Afonso Costa (Costa, 1911:243), até aos nossos contemporâneos Miriam Halpern Pereira ou Joel Serrão (Serrão, 1974: 110).
Mas nem os governantes do Reino, nem, posteriormente os da República e do “Estado Novo”, nem sequer os doutrinadores, em cada um desses períodos, fizeram questão de aventar ou conceder contrapartidas ao contributo dos expatriados, pelo menos no domínio do exercício da cidadania.
O universo jurídico é um mundo formal, aparentemente fechado sobre si próprio, com vocação original para a estabilidade, mas capaz de evolução, nos diversos ramos do Direito, nomeadamente no que respeita às migrações. Constata-se, porém que, entre nós, mudou pouco ao longo de séculos, porque o legislador se limitou a seguir conceitos e preconceitos firmados e não procurou fazer pedagogia ou induzir transformações (objectivo ao seu alcance, mas mais fácil em períodos de mudança radical de regime político e constitucional, como foi o posterior à revolução de 1974, em Portugal - o primeiro, aliás, a tornar-se portador de inovação significativa nas políticas de emigração, ao contrário do que acontecera na transição da Monarquia para a República, e da República para a ditadura).
O peso que os emigrantes iam ganhando na economia do País foi amplamente reconhecido, mas não do ponto de vista jurídico. O nosso ordenamento ignorou, pura e simplesmente, a prevalência dos laços de ligação à terra sobre a força de dissolução atribuída ao afastamento. A saída para o estrangeiro continuou a ser, obstinadamente, vista como um corte com a comunidade nacional, se não mesmo como uma deserção. Por isso, a ausência, ainda que temporária, tinha repercussão imediata na esfera do Direito: total suspensão do exercício de direitos políticos, principal atributo da cidadania e cessação de quaisquer prestações e apoios do Estado, no campo social e cultural- restando uma incipiente protecção consular (cuja insuficiência foi, vezes sem conta, denunciada pelos próprios diplomatas, em ofícios, que podem ser consultados nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros).
O Estado começou por cuidar, fundamentalmente, desde o início da Expansão, de diminuir o caudal imparável dos fluxos migratórios, com medidas proibitivas os restritivas (Serrão, 1974:106). Só mais tarde, já em pleno século XX, sobretudo na segunda metade, se nota a preocupação de, a par do controlo dos movimentos migratórios, assegurar aos emigrantes um apoio centrado no acompanhamento e fiscalização das condições de transporte marítimo - como é sabido, causa de muitas queixas, sofrimentos e fatalidades, que faziam notícia frequente na imprensa. Maria Beatriz Rocha Trindade denomina-as, expressivamente, "políticas de trajecto de ida". De facto, a protecção cessava no fim da viagem transoceânica, ficando os homens, a partir daí, entregues a si próprios, face às dificuldades que quase sempre os esperavam.
Neste contexto sociopolítico, não surpreenderá que, apesar da influência que a emigração teve, e tem, na sociedade portuguesa - com cerca de um terço da população a viver fora do País, desde o século XVI - não haja sido dado tratamento autónomo e sistematizado aos efeitos da ausência dos cidadãos no exterior, onde, em regra, permaneciam com morada conhecida, em contacto com familiares e amigos.
A temática da ausência, de que se ocupava, demoradamente, o Código Civil de 1867, era apenas a que configurava o desaparecimento “em parte incerta” (artigos 55º a 96º do Código Civil). A "ausência", nesse sentido, tanto podia verificar-se no contexto da emigração como não, pois, como é óbvio, o facto de uma eventual "evasão" para "parte incerta" no estrangeiro não precludia a aplicação da lei geral...
Mudámos, entrementes, o Código Civil, em consecutivas reformas, de maior ou menor monta, mas ainda hoje não é, em primeira linha, nesse Código, mas na Constituição e em outras leis, como as eleitorais, ou como as que regem o regime de segurança social, de fiscalidade, de serviço militar ou de ensino, que terá de procurar-se a regulamentação dispersa de um "estatuto dos ausentes", composto pelos seus direitos e deveres - que o mesmo é dizer as formas de valoração jurídica da ausência ("hoc sensu"). Acrescente-se também o direito penal, já que a emigração clandestina foi criminalmente sancionada quase até ao termo do chamado “Estado Novo” - questão não despicienda, pois se estima em cerca de um terço do total, através dos vários ciclos migratórios, os que afrontavam as normas proibitivas da saída…
A liberdade de circulação, aclamada ao nível dos princípios, desde o advento da Monarquia Constitucional, era, contudo, de facto, obstaculizada por múltiplos expedientes burocráticos, por regulamentação prevendo taxas e alcavalas, pelo custo desmesurado de passaportes (Costa, 1911:166). E, como já acentuei, só se alcança em Portugal, plenamente, com a Constituição de 1976.
O estatuto dos ausentes era, pois, repito, de sinal negativo, consistindo no esvaziamento de direitos políticos e, em regra, de direitos às prestações do Estado nacional, em todos os sectores, do social ao cultural. A ida para o estrangeiro significava uma verdadeira "capitis diminutio" - o interesse dos indivíduos, mormente o seu direito de emigrar, era subordinado ao interesse público, tal como foi, em concreto, entendido, sem grande contestação, até 1974.
O Direito, na sua marcha para plasmar novas realidades (ou, eventualmente, novas avocações da realidade…) pode ser uma resultante tanto de avanços científicos e doutrinais como de projectos ou propósitos políticos, porventura incutidos pelos media, por grupos, sindicatos, movimentos de cidadãos, correntes de opinião, que se constituem em fonte de inspiração, de influência e poder... No domínio da emigração, foi assim sendo imposta, em cada momento histórico, uma leitura da realidade não necessariamente coincidente com a verdade, tal como viam os seus protagonistas. A distância interposta entre os emigrantes e os centros de decisão política (e legislativa) era a distância geográfica, mas não só: era, também, uma marginalização de ordem social e política, que só foi - ou vai sendo... - superada pela sua capacidade de se fazer ouvir e compreender, levando à progressiva tomada de consciência geral das suas situações e dos problemas...
Políticas de sistemática protecção social e de apoio cultural aos emigrantes, em Portugal como em termos de Direito comparado, são relativamente recentes – coincidindo o seu início, em vários casos, com o termo de trágicos conflitos e provações colectivas - a última grande guerra mundial, a descolonização (em Portugal, tardia mas não menos determinante de uma maior solidariedade social, que directamente beneficiou os expatriados). Uma reviravolta que, no caso português, tivera a sua”pré-história” nas primeiras tímidas medidas de protecção social suscitadas pelo dramatismo de que se revestiu a chamada “emigração a salto” para a França e outros países vizinhos, a partir da década de 60.
2- Do Paradigma“Territorialista" ao "Personalista"
Voltemos ao Código Civil de 1867 para analisar as motivações do multissecular descaso dos poderes públicos pela sorte aos emigrantes.
Não haverá disposições mais reveladoras do modo de ver tradicionalmente o emigrante do que as que regem, uma vez perdida, durante o tempo de estada no estrangeiro, a nacionalidade portuguesa, a sua reaquisição, na hipótese de regresso. A perda automática era determinada pela atribuição de nacionalidade estrangeira - uma cominação que constituía, então, a regra, com uma argumentação que ainda hoje sustenta, em muitos países, a mesma solução: antes de mais, o dever de lealdade ao Estado, visto como "exclusivo" e "individual". Uma partilha de sentimentos e afectos em relação a dois países, ironizam alguns autores, assumia um carácter semelhante à do crime de bigamia: "In this concept, dual nationality is viewed as analogous to bigamy, amounting to a kind of cheeting in both polities" (Aleinikoff e Klusmeyer, 2002:29).
Hoje, a tese contrária pretende basear-se na melhor compreensão da natureza humana, dos fenómenos de integração em sociedades abertas ao interculturalismo (por oposição àquelas que pretendem forçar, directa ou indirectamente, a “assimilação” dos estrangeiros), num quadro global de diluição de conflitos bélicos entre nações dadoras e receptoras de migrantes. Privilegia-se a vontade de dupla pertença, da dupla cidadania, como a mais próxima do ser e querer das pessoas.
Portugal só viria a abolir o princípio da unicidade de nacionalidade em 1981 – não sem controvérsia, dentro e fora do parlamento. Em oitocentos, o Código de Seabra aderia à tese da unicidade – e nada de extraordinário se poderá apontar a tal opção… Extraordinário é, sim, o disposto no seu articulado, no respeitante à reaquisição da nacionalidade: após estipular que "perde a qualidade de cidadão português o que se naturalizar em país estrangeiro" dizia o art.º 22º que "pode, porém, recuperar essa qualidade, regressando ao reino com ânimo de domiciliar-se nele, e declarando-o assim perante a municipalidade do lugar, que elegeu para domicílio". O artigo seguinte, sobre os efeitos da recuperação da nacionalidade, não dá a esta reaquisição, eficácia retroactiva: "[...] as pessoas só podem aproveitar desse direito desde o dia da sua reabilitação".
A denegação da retroactividade sublinha, de algum modo, o carácter de ruptura irreparável da ausência, pelo tempo em que perdura. Mas o legislador mostra perfilhar a concepção dos especialistas na matéria que só viam vantagem numa emigração se ida e volta, com a reinserção dos homens (ainda que num prazo dilatado pela necessidade de atingirem os seus objectivos económicos). Por isso, os emigrantes não se "desnacionalizam", em definitivo, e em caso de retorno uma simples manifestação da vontade os reinvestia no pleno exercício dos seus direitos de nacionais, sem o que o Estado tivesse meios de se lhes opor!
Note-se que, então, mais combatida ainda do que a emigração desmesurada, era a que se destinasse, com toda a probabilidade, a integração definitiva no estrangeiro. Boa emigração, útil para os protagonistas e para o Estado só a temporária... - temporária, ainda que de muito longa duração, num entendimento diverso do que hoje damos ao conceito.
Aqui residia, a meu ver, a verdadeira “ratio” da norma que facultava a reaquisição da nacionalidade por livre decisão individual. Estranhável é que se tenha perdido tão pertinente visão global do ciclo migratório, e, com ela, o intuito de facilitar a reintegração na comunidade de origem, ao adoptar, em posteriores leis da nacionalidade, solução menos "acolhedora", menos liberal, menos eficaz. Na verdade, todas as leis seguintes vieram impor, para além de uma complexa e quase sempre morosa tramitação burocrática, o "direito de oposição" do Estado à recuperação da nacionalidade. Poder discricionário que foi mantido na chamada "lei da dupla cidadania", embora não no texto da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro, que previa a reaquisição por “mera declaração do interessado", sem mais exigências, mas pela via regulamentar, que operou uma interpretação restritiva da norma, mantida por mais de duas décadas.
A admissão incondicional do pedido de recuperação da nacionalidade só veio a ser imposta (ou reposta, para os que defendem que a Lei de 81 foi descaracterizada em sede de regulamentação...) pela Lei Orgânica nº 1/2004 de 15 de Janeiro.
É de referir que houve, anteriormente, uma tentativa infrutífera de repristinar, parcialmente, a regra de recuperação automática da nacionalidade sancionada no Código Civil de 1867 –alargando-a às situações de permanência no estrangeiro, para tal dando à mera inscrição consular o mesmo efeito da declaração produzida, em caso de regresso, pelo emigrante oitocentista, perante as autoridades locais. (Aguiar, 1999: 156). Refiro-me ao Projecto de Lei nº 140/VIII que, apesar de não ter alcançado vencimento, constituiu um exemplo incomum de procura de uma solução para o futuro claramente inspirada na originalidade de velhos preceitos jurídicos.
Em 2004, encerra-se o último capítulo deste processo, que aglutinou não só políticos, mas “activistas” do que veio a considerar-se uma causa maior nas comunidades portuguesas de todo o mundo: não só é derrogado o“direito de oposição” estatal, como é garantida a retroacção dos efeitos da livre reaquisição da nacionalidade, por mera declaração de vontade. O cidadão é, doravante, o decisor único da sua pertença nacional, independentemente do lugar ou país de residência.
Um parêntesis, para olhar o que acontece na Europa, onde, neste campo, subsiste a divisão, no plano doutrinal e nos ordenamentos jurídicos internos – decorrente de experiências migratórias, antigas ou recentes, muito diversas – ou da sua falta. Uns são, ou foram, grandes países de origem de correntes migratórias. Outros são, essencialmente, destino desses movimentos… A nível do Conselho da Europa, a polémica prolongou-se por décadas, devido à inflexibilidade de blocos antagónicos, formados pelos Estados membros, que se afrontavam, mostrando pouco disponibilidade para negociar concessões… A Convenção de 5 de Maio de 1963 sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla, só veio a ser revogada, em 1997, pela Convenção Europeia sobre a Nacionalidade. Todavia, perante a irredutibilidade de alguns desses membros – nomeadamente a Alemanha, a generalidade dos países nórdicos, e não só… - o Conselho da Europa não foi além de uma posição de neutralidade na matéria.
Também não há consenso europeu na defesa do reconhecimento de um estatuto de direitos dos emigrantes, como mencionaremos adiante. No caso português, esse reconhecimento tem suporte constitucional, não só no que respeita à liberdade de circulação (art.º 44º), como em relação a novos direitos, que se englobam no "Direito dos Expatriados", uma construção jurídica em marcha, integrando "normas constitucionais, legais e regulamentares de direito interno e regras de direito internacional, tratados, convenções e princípios gerais de direito", como Barbosa de Melo teorizou no colóquio da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) sobre "Os laços entre os europeus residentes no estrangeiro com os seus países de origem", realizado em 1997. No relatório da APCE baseado sobre os estudos preliminares, os debates e conclusões do colóquio, este Direito emergente foi considerado a resultante de um processo evolutivo centrado no cidadão e na possibilidade do seu relacionamento com o Estado em novos moldes: " the emerging law of expatriates has citizens interests at heart and not directly the interests of states" (Aguiar and Guirado, 1999).
Os cidadãos vêem reconhecidos os direitos inerentes à qualidade de nacionais, independentemente da sua residência no estrangeiro – e, através deles, se impõe ao Estado a reestruturação das suas instituições e das suas leis, para que correspondam à dimensão humana do Nação e não apenas a uma organização de base territorial.
Segundo Bacelar de Gouveia, a nossa Constituição ensaia, desde 1976, gradualmente, a transição do paradigma "territorialista" para um paradigma "personalista” ou “nacionalista”. Caminhamos, assim, nem sempre em linha recta, para a "desterritorialização" dos direitos dos emigrantes (um neologismo muito utilizado, em qualquer da línguas oficiais, nas actas do colóquio e do relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, acima referidos).
A Lei Fundamental portuguesa denuncia pulsões contraditórias entre a vontade de aumentar os direitos de participação de todos os cidadãos, e a de "dar menos direitos a quem está fora do território, porque não contribui para os impostos..." , como reconheceu o constitucionalista na audição parlamentar organizado pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, para examinar e reequacionar os chamados "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", (Gouveia, 2004:61).
Hoje, já não se discute a possibilidade teórica do exercício de direitos políticos a partir do estrangeiro, mas a sua denegação ou consagração, mais ou menos alargada traduz-se, “de jure constituto”, em variadas formas de concretização. Entre elas se conta a adopção de meios específicos de representação de migrantes.
Um dos precursores do estabelecimento de tais meios, Emygdio da Silva, que chegou a propô-los, no começo do século XX, como sucedâneo para outras modalidades, então utópicas, de participação eleitoral de emigrantes, não precisaria de repetir agora o seu cauteloso comentário sobre a ousada proposta de um autor italiano, seu contemporâneo: "[…]sem pretendermos erigir em sistema as fantasias de um deputado italiano que, na Revista Económica Internacional aventava a ideia de que ao parlamento do seu país viessem representantes das colónias italianas em países estrangeiros [...]" (Silva, 1917: 211).
Na verdade, as "fantasias" há muito se erigiram em sistema, no Direito em vigor em muitos Estados – incluindo em Portugal e Espanha, ainda que, em outros países, nomeadamente do norte da Europa, se mantenha o apego ao dogma da "territorialidade" -tal como no século XIX o teorizava Locke. Podemos, pois, também nesta questão, nesta "vexata questio", constatar a existência de uma Europa plural, dividida em muitas e diferentes sensibilidades no terreno das políticas migratórias...
II - EMIGRAÇÃO -FORMAS MÚLTPLAS DE PRESENÇA
"[...] Que ideia nos fazemos nós de Portugal: Somos o povo sediado no chão europeu, demarcado pelos nossos maiores, ou o povo que deve ser tomado e considerado independentemente do território que ocupa em cada tempo?”
António Barbosa de Melo
1 - No Interior do País
A constatação das manifestações de presença, ou de pertença, dos expatriados foi irrompendo, cedo, despertada pelos "influxos financeiros" provocados pelos "fluxos migratórios" para o estrangeiro, relação de causa e efeito, crescentemente valorizada, nos meios políticos ou académicos, como na sociedade em geral - para o que contribuíam, sobremaneira, as características do nosso “emigrante tipo”, o seu modo de se integrar num outro país, sem perda de ligação ao seu. Porquê? Antes de mais, porque a emigração portuguesa envolvia, numa primeira fase, quase exclusivamente homens, que partiam sós, mas com o objectivo de executar um plano familiar de melhoria de vida. A primeira modalidade de cumprimento desse projecto era o envio maciço de remessas: para as famílias a garantia de escapar à faixa larga de miséria ou de pobreza, para o Estado uma inesgotável fonte de divisas, indispensável ao equilíbrio das contas externas.
No primeiro quartel do século XX, Fernando Emygdio da Silva escrevia: "... É da emigração de miséria que a Pátria tira, depois, o ouro com que salda a conta da sua desorientação económica e dos desperdícios financeiros. É da miséria que vem a nossa maior riqueza: do pária nostálgico e atavicamente aventureiro... é que vem o ouro [...] não se esquecem de nos enriquecer com as remessas, que ainda ali não representam um excesso, mas, a maior parte das vezes, a privação, ao menos nos primeiros anos." (Silva, 1917:107).
Oliveira Martins, Afonso Costa, Anselmo de Andrade, Artur Bello, Vieira da Rocha, Egmydio da Silva são alguns dos autores que, nas suas estimativas, nos traçam os gráficos da enorme dependência nacional face ao prodigioso volume de remessas da emigração (Silva, 1917: 105).
Estas prestações, tábua de salvação da economia portuguesa, configuram, assim, o modo mais antigo e mais reverenciado de os emigrantes aqui estarem presentes, não estando... E vão condicionar as políticas de emigração familiar, impondo fortes restrições à saída de mulheres e de menores, combatida em toda a medida do possível. O legislador tem em insignes juristas incondicional suporte. Afonso Costa qualifica o êxodo de mulheres como "[…] uma depreciação do fenómeno migratório […]", porque: "[…] é quando a família do emigrante fica na Pátria, que ele envia mais regularmente as suas economias" (Costa, 1913: 182). Na mesma linha de pensamento, Emygdío da Silva, para quem o crescente número de mulheres expatriadas, que, se verifica entre 1906 e 1913 (127% de aumento) "é uma constatação tremenda". Com idêntica justificação:"[…]perigo de desnacionalização e cessação de remessas[…]” (Silva, 1917: 132).
Vão os Homens, chegam as divisas, com as quais, de muito longe, imprimem marcas no território, influenciam a modernização de costumes, o consumo, o comércio, os transportes... Constroem ou reconstroem as casas, que, pelo seu porte, pelo gosto arquitectónico, inspirado em modelos estrangeiros se distinguem na paisagem rural ou na malha urbana, dando origem a críticas ambíguas ou díspares, a reacções de admiração, de mimetismo, de emulação, de inveja... Em qualquer caso, com elas conseguem testemunhar a "libertação" da pobreza antiga e escrever na pedra das moradias (no cimento, no azulejo, no ferro...) uma história de sucesso individual, que, em si, é, porventura, a manifestação de presença subjectivamente mais desejada. "Pour ces immigrés de première génération, il importe, surtout de rester portugais en France, mais encore plus de réussir le projet d’émigration qui leur permette de s’affirmer au Portugal comme ayant eu une réussite exemplaire […]". " La réussite du projet n'est envisagée et n'a de sens que si elle est reconnue et donc traduite en réalisation - le plus souvent la construction d’une maison dans la communauté villageoise d'origine. […]" (Cunha, 1988:61).
As migrações podem mudar de rumo, de continente, de estatuto económico, que nem por isso há descontinuidade na predominância deste investimento em casas, quintas, terras que têm valor, quase sempre, sentimental, afectivo, para além do valor de mercado...
Dos palácios, palacetes, casarões de”brasileiros" do século XIX e inícios de novecentos (Rocha Trindade, 2008: 143), passamos às vivendas modernas de "franceses", "venezuelanos" e outros, de diversas proveniências geográficas, que, desde 60 e 70, proliferam em todas as regiões de forte emigração - edificações de raiz ou modificação de fachadas e arranjos estruturais ou de pormenor, com benfeitorias e traços ostensivamente "estrangeirados" . Como que a dizer que a aventura pelo mundo fora valeu a pena. Nada de muito diverso do que ocorre, por exemplo, em Cabo Verde ou na vizinha Galiza (Mora: 2oo8:284).
Outra forma de sublinhar o sucesso da aventura migratória e de o partilhar, quaisquer que sejam as motivações subjacentes - da legítima vontade de afirmação à solidariedade mais desinteressada e genuína - é a construção de obras de beneficência, a contribuição para instituições locais, o impulso dado ao melhoramento das condições de vida nas suas terras. Há uma tradição de generosidade, que teve um ponto alto, com as grandes fortunas do Brasil, e que se continua, à medida das posses de cada um, em cada novo ciclo migratório.
2 – Nas Comunidades do Exterior
Se a presença dos emigrados através do bem-fazer nas terras de origem era bem conhecida dos conterrâneos, já não o era a vivência na sociedade de destino. A sua "descoberta" foi publicitada pelos primeiros estudiosos, que tiveram o privilégio de visitar as instituições fundadas pelos portugueses na “Diáspora”. Afinal, proclamavam eles, os emigrantes levavam consigo Portugal- não o deixavam, simplesmente, para trás...
Mas não foram muitos – e não terão chegado a fazer escola…- os especialistas da emigração que, no princípio do século passado, reconheceram a existência dessa rede de organizações e deram testemunho do seu significado: Afonso Costa, Emygdio Silva são algumas das excepções à regra.
Afonso Costa iescrevia: "... além disso, formaram-se colónias portuguesas em São Francisco, Oackland, em New Bedford e Providence, Boston e Brooklin, tendo com principal fonte da emigração os Açores". E caracterizava a sua agregação nestes termos: "As colónias portuguesas resistem, têm individualidade, mantêm o nome, a língua, os usos portugueses", acrescentando que a formação das "colónias": "[...] torna a emigração útil para a Pátria, perdendo o carácter de abandono da Pátria".
É uma verdade, que intuiu antes de muitos na sua época: o "abandono da terra" cessa pela integração numa a "colónia" ou "comunidade" de vivência portuguesa.
Por seu lado, Emygdio da Silva salientava "o sentimento associativo geral" entre os colonos portugueses do Brasil e chegava a uma conclusão, que pode, certamente, ser subscrita hoje em dia: "[…] a generosidade é a mais alta tradição da colónia portuguesa". (Silva, 1917: 278). Deixou-nos, também, uma relação circunstanciada das associações mais importantes, algumas das quais permanecem com esse estatuto: a Caixa de Socorros Mútuos Dom Pedro V, o Gabinete de Leitura, o Clube Ginástico Português, no Rio de Janeiro, a Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Centro Português em Santos, os Gabinetes de Leitura de Salvador e de Recife e outras notáveis instituições de Belém, Belo Horizonte, Manaus, São Luís de Maranhão, Curitiba…
Todavia, não creio que ambos estes grandes conhecedores das comunidades oriundas da emigração, na sua época - e muito menos quaisquer outros... - tenham tido plena consciência de que estavam perante formações capazes de sobrevivência para além do fim dos tempos da emigração (isto é, da primeira geração de emigrantes). E, ainda por cima, alicerçadas na emigração familiar que queriam evitar a todo o custo: a que não tinha regresso, e, por isso, se considerava votada à fatal "desnacionalização".
Estavam, evidentemente, certos quanto ao decréscimo de retornos no quadro da emigração familiar, mas não, como agora sabemos, no que respeita à capacidade de resistência à "dissolução cultural" das comunidades formadas por terceiras e quartas gerações de portugueses, que, por exemplo, na Califórnia - um destino de não regresso, por excelência - continuam a falar a língua e a manter vivos costumes e rituais religiosos trazidos por antepassados. Esta outra insuspeitada forma de presença - a das comunidades organizadas, a que as mulheres e os jovens deram densidade e futuro - só veio a ser plenamente reconhecida e a influenciar as políticas de emigração, nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Sobretudo a partir da criação, em 1980, do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), um órgão representativo das organizações dos portugueses do estrangeiro, destinado a ser o interlocutor privilegiado do governo na definição e execução das políticas culturais e sociais, uma "[…] instituição medianeira entre a sociedade civil e o Estado" (Aguiar, 1986:83).
III - POLÍTICAS DE REENCONTRO
«Portugal é mais uma cultura do que uma organização rígida».Francisco Sá Carneiro
1 - A Representação das Comunidades da Diáspora
O reconhecimento da pertença dos emigrantes a uma Nação populacional ou "Nação de Comunidades", é coisa recente. Julgo que poderemos situar o ponto de viragem, nesta visão abrangente de nós mesmos, no I Congresso das Comunidades Portuguesas, realizado pela Sociedade de Geografia, em Setembro de 1964, a que se seguiu, dois anos depois, um segundo Congresso. Em muitas das intervenções aí registadas fica bem patente, o reconhecimento da inclusão dos expatriados no todo nacional. Numa frase lapidar, Gonçalves Cerejeira proclamava essa nova vontade de abrangência: “Onde está um português, aí está Portugal! “. Adriano Moreira, por seu lado, esclarecia que “a emigração não significa, de algum modo, o repúdio da condição originária de português. O portuguesismo é o património comum dos portugueses das sete partidas do mundo” (Moreira, 1981:345).
As comunicações encontram-se publicadas na revista da Academia Internacional da Língua Portuguesa, incluindo aquela em que Adriano Moreira fala de Portugal, "Nação peregrina" (Moreira, 1973: 57). Uma expressão muito glosada e que viria a inspirar novas designações parra a mesma ideia da diáspora portuguesa – tais como o "Portugal maior" de Vitorino Magalhães Godinho ou a "nação de comunidades" de Francisco Sá Carneiro - um novo "olhar", uma nova concepção de nós .
Na audição parlamentar de 2004 sobre a temática da representação dos "ausentes", a que aludimos, Adriano Moreira (o principal impulsionador destes Congressos, na qualidade de presidente da Sociedade de Geografia) foi convidado a traçar o quadro de preparação dessas iniciativas e seus objectivos. Segundo ele: "A ideia traduziu-se numa espécie de sistematização do que era a presença de Portugal no mundo, do ponto de vista das comunidades. Utilizamos uns conceitos operacionais que as arrumavam em três espécies". A primeira era composta pelos emigrantes de 1ª geração, a segunda pelos seus descendentes, que mantinham ligação às raízes, a terceira pelas comunidades filiadas na cultura portuguesa - obra também dos emigrantes, que "[…] aculturavam os povos por onde passavam". (Audição 2004:100).
Pelo empreendimento, inédito em Portugal, pela consciência da existência de um património histórico, que havia que preservar e potenciar, pela estratégia de criação de uma base institucional, para prosseguir esse projecto (com a criação da União das Comunidades - que teve efémera duração - e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa), os dois Congressos da Sociedade de Geografia são precursores das políticas ditas "de reencontro", empreendidas a partir do final da década seguinte.
O primeiro "Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas", depois de 1974, foi, como historiou o deputado Carlos Luiz, organizado, a partir de 1979, por uma Comissão que integrava elementos do Conselho da Revolução, sob a presidência de Vitor Alves, com o apoio do Presidente Ramalho Eanes (Audição 2004:36), mas viria a ser adiado para Junho de 1981 e levado a cabo por uma segunda comissão organizadora, presidida por Rosado Fernandes, um nome indicado pelo Governo. Se não foi efectivamente pioneiro, foi, de qualquer modo, o primeiro realizado sob a égide do Estado, com a presença de portugueses dos cinco continentes mundo, dirigentes das instituições em que se estrutura o espaço universal da cultura portuguesa, alguns dos quais haviam já respondido à chamada da Sociedade de Geografia, na década de 60 e integravam o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), cuja reunião fundadora se havia realizado dois meses antes, em Abril.
Criado em 1980, como dissemos, este órgão consultivo de representação das comunidades, era eleito no interior do movimento associativo, cuja capacidade de agregação e autenticidade se pretendia potenciar. Na óptica governamental, "[…] para garantia dessa autenticidade se baseou o processo de eleição dos representantes nas associações, que são a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro" (Aguiar, 1986:84). Do preâmbulo da Lei nº 373/80, resulta claramente a intenção de aproveitar a capacidade, o empenho, a autoridade moral de quem tem obra feita, respeitando a independência das instituições perante o Estado e face ao próprio "CCP", enquanto instituição pública: "O Conselho " […] de modo algum pretende substituir-se aos movimentos preexistentes, pois se pressupõe ser condição de êxito deste projecto a vitalidade e capacidade de afirmação das próprias associações."
É na real autonomia da "sociedade civil" face ao Estado, trazendo ao "forum" de debate os seus próprios projectos, assim como no enfoque dado à força organizacional das comunidades, que este Conselho - ao contrário dos que mais tarde o haviam de continuar, em moldes distintos, à margem do centro de gravitação associativa - estava próximo do escopo e das preocupações metodológicas do movimento precursor de sessenta, como se evidencia nas palavras de Adriano Moreira, referindo-se aos congressos que dinamizou: "Qual foi o método que utilizamos? Foi partir em primeiro lugar da capacidade dessas associações e, por isso, o nosso ponto de referência foram as associações, sobretudo do Brasil, que era sempre o maior campo de observação" (Audição: 2004:63).
A "União" projectada na década de 60, poderia, creio, ter dotado o movimento associativo das comunidades do estrangeiro de uma estrutura federativa, semelhante á que, de há muito, existe na maioria dos países europeus de emigração. Mas, como vimos, foi uma experiência logo interrompida. O CCP da década de 80 visava colmatar essa lacuna, e, do mesmo passo, dar início a um novo ciclo nas políticas para as comunidades portuguesas, como ressaltava do discurso oficial (Aguiar, 2009:259). Mas também não atingiria esse objectivo primordial. O órgão consultivo foi perdendo a sua centralidade e capacidade de interlocução, por falta de consulta e audição governamental e acabaria substituído por um novo "Conselho", que integrava um complexo conjunto de colégios eleitorais e que nunca funcionou plenamente.
Em 1996, o CCP foi reactivado, numa terceira configuração, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal. O distanciamento do mundo associativo, acrescido da ambiguidade da sua própria natureza dual (órgão representativo, eleito directamente pelos emigrantes, órgão consultivo do governo...) não tem facilitado a interacção com o governo, a administração pública e os media nacionais, que o “Conselho” só conseguiu na sua primeira fase (Aguiar, 2009:260).
É, em qualquer caso, o órgão de manifestação da "presença" dos expatriados, por excelência. Poderá, dar-lhes, a meu ver, com mais meios e mais audição, como reclamam os Conselheiros, a voz e visibilidade que os emigrantes ambicionam ter no país (e não têm tido).
Assim o julgou, também, a Subcomissão das Comunidades Portuguesas, que, por decisão unânime dos seus membros, promoveu duas sucessivas audições para reflexão sobre os modelos que melhor serviriam o futuro da instituição: o primeiro, em 2003, orientado para a procura de inspiração em soluções de direito comparado e na experiência de vida de órgãos semelhantes existentes na Suíça, em França, Itália, Espanha e Grécia; o segundo, a que fizemos várias menções, em 2004, para a avaliar a eventual "constitucionalização" do órgão, conferindo-lhe um carácter quase senatorial.
Constitucionalistas como Barbosa de Melo e Bacelar de Gouveia, assim como Adriano Moreira, intervieram no debate. Para Barbosa de Melo, a consagração da existência e das competências do CCP no texto da Constituição Portuguesa pode ser uma vantagem: Constitucionalizar, sim, “mas constitucionalizar como órgão do Estado português e não como órgão de Governo ou como órgão da Assembleia da República. Do que se trata aqui é de um instrumento para o exercício dos direitos fundamentais e constitucionais dos nossos compatriotas emigrados perante o Estado no seu conjunto". (Audição 2004:33).
Aberto à aceitação de uma emenda constitucional, mas recomendando prudência, Bacelar de Gouveia, acompanha essa posição: "É preciso não nos entusiasmarmos em demasia com a ideia da constitucionalização. Há muitas constitucionalizações e não só uma [...]" (Audição, 2004: 63).
Outro tanto se poderia dizer do CCP, independentemente da sua entrada no "santuário" que a Lei fundamental configuraria, colocando-o fora do alcance do poder discricionário dos governos.
2 - Novos Direitos dos Expatriados
A igualdade de direitos dos expatriados face aos residentes é hoje um reivindicação generalizada, ao menos nos países de "diáspora" - uma reivindicação para a qual o CCP foi, aliás, um instrumento de primeiro plano.
Na sua plenitude, a igualdade está longe de ser alcançada em Portugal. Faz parte do ideário de alguns partidos políticos, mas não, nos mesmos termos, nas de outros. Por isso, desde 1974, se tem caminhado, a par e passo, numa incessante busca de equilíbrios e de consensos, na Constituição e nas leis, para a afirmação gradual, progressiva de um estatuto de novos direitos culturais, sociais e políticos. O "estatuto dos expatriados".
Direitos Culturais
O Estado, assume, no Capítulo III, art.º 74 da Constituição, a incumbência de " assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa", mas incumpre largamente esse dever - e mais em determinados quadrantes geográficos do que noutros... Mais nas comunidades transoceânicas do que na Europa, a levantar a suspeita de que se vem privilegiando a emigração temporária, ou de retorno, como é (ou se pensava que fosse...) a do nosso continente. Por outras palavras: a língua é ensinada, sobretudo, na perspectiva do apoio à reinserção dos jovens de 2ªgeração e negligenciada como instrumento de preservação das comunidades de cultura portuguesa no mundo, nos destinos transoceânicos, da América do Norte à Oceânia, com algumas excepções (como Macau, Maputo e, em certa medida, a República da África do Sul).
Se a nível dos cidadãos não há igualdade de tratamento, nesta área estratégica, o mesmo acontece no plano institucional. O mundo associativo ao qual fizemos referências, tendo embora finalidades semelhantes ao que lhe serve de modelo em Portugal, deve-se inteiramente à iniciativa privada, apesar de prosseguir, em simultâneo, o escopo adicional de alargar o espaço da presença portuguesa, universalmente. Dentro de fronteiras poucas ONG's atingiriam os seus objectivos sem a robusta componente do apoio estatal, a ponto de se falar a seu respeito, frequentemente, de "subsídio -dependência". Fora do País, pelo contrário, a verdade é que nenhum centro social e cultural, grande ou pequeno, nenhum clube ou sociedade beneficente existiriam, se tivessem esperado por verbas do erário público para se constituir... Mesmo quando algum apoio acabaram por receber, no conjunto, ele foi, e é, diminuto.
Direitos sociais
Ao contrário do que acontece no domínio cultural, a Constituição não faz, no capítulo II, dedicado aos "Direitos e Deveres Sociais", qualquer expressa referência aos emigrantes.
É certo que o art.º 63, no seu nº 1º, determina: "Todos têm direito à segurança social", tal como o art.º 74, no seu nº 1º,assegura: "Todos têm direito à educação e cultura". Todavia, neste outro capítulo, "todos" já são apenas todos os que residem no território... Uma das várias contradições flagrantes da nossa Lei Fundamental, no que às consequências da ausência do território respeita.
Tradicionalmente, como é sabido, o Estado quase se limitava a apoiar o repatriamento dos seus nacionais, em situações de extrema miséria. Um gesto de solidariedade que não configurava um direito, e ainda hoje se não encontra regulamentado como tal, apesar de ter sido, aprovado, na generalidade, um diploma que não chegou a ser apreciado na especialidade, nem objecto de votação final global. (Aguiar, 2006:68).
Em anos recentes, pelo menos desde a década de 80, a Secretaria de Estado da Emigração concedia apoios pontuais em outras situações de necessidade, através dos seus serviços no estrangeiro, mas só em 1999 o Governo instituiu o Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC). Uma prestação de montante variável, de país para país, atribuída, com restrições, e longe de ser o equivalente de pensões não contributivas ou de mínimos de rendimento, tal como são garantidos dentro de fronteiras...
Em Direito comparado, há, actualmente, exemplos de sistemas de assistência na doença e na velhice, nomeadamente em países de emigração semelhante à nossa, como a Espanha ou a Itália - o que aumenta o sentimento de abandono de que os portugueses mais pobres se queixam, sobretudo em sociedades onde coexistem com emigrantes europeus melhor protegidos pelos Estados nacionais (caso do Brasil e da América de língua espanhola).
Direitos Políticos
O restabelecimento da democracia em 1974, veio dar aos emigrantes, pela primeira vez, direitos de participação na vida pública: inicialmente, apenas o de elegerem quatro deputados, em dois círculos eleitorais próprios - uma excepção ao princípio constitucional da proporcionalidade, pelo método de Hondt .
Com a adesão à CEE, na qualidade de cidadãos europeus, ganharam o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu, embora só desde 2004 esse direito tenha sido alargado aos que vivem fora do espaço da União Europeia (Aguiar, 2006:85).
Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1997 para conseguirem o direito de voto na eleição do Presidente da República, após décadas de luta, que o CCP encabeçou. O sufrágio foi-lhes, porém, concedido com restrições. Têm capacidade eleitoral passiva apenas aqueles que comprovem, nos termos do nº 2º do art.º 121, "laços de ligação efectiva à comunidade nacional".
Limitações cerceiam, igualmente, a participação dos emigrantes em "referenda" nacionais, admitida apenas quando "recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". O entendimento sobre a qualificação da matéria que especificamente "também" lhes respeita nunca foi pacífica – mostra a lição da experiência ser questão em que os partidos, a começar pelos dois maiores, costumam divergir, obstaculizando a participação.
Para além da diversidade de universos eleitorais - para legislativas, para os "referenda" e para as presidenciais - há ainda a dualidade de modos de votação, visto que nas legislativas os emigrantes votam por correspondência, nas presidenciais e europeias, por sufrágio presencial. (Machado, 2009:41). Da participação nas eleições locais e autonómicas - que é facultada nos países europeus, dos quais nos sentimos próximos pela geografia e pela história das migrações – estão ainda excluídos, por força do texto constitucional.
Ao contrário do que acontece com as prestações sociais e com a extensão da rede de ensino, que acarretam custos substanciais, a concessão do voto não, pelo que as restrições estabelecidas resultam, obviamente, de falta de vontade ou consenso política, consequência de uma visão estreita da "comunidade política nacional" . Tem sido quase sempre difícil o consenso nesta matéria entre os dois partidos do "chamado "bloco central", PS e PSD, que, por si só, perfazem a maioria qualificada de dois terços, exigida para qualquer alteração constitucional ou para a aprovação de leis orgânicas, como são as eleitorais.
A divisão e o dissenso estendem-se, aliás, ao interior dos partidos. No que respeita ao alargamento do sufrágio, é o caso do PS. No PSD, aparentemente mais unido na reivindicação de igualdade de direitos políticos para todos os portugueses, podem apontar-se, por exemplo, mudanças radicais na forma de conceber a representação dos emigrantes no Conselho das Comunidades.
Os expatriados têm fundadas razões de queixa de um sistema que prima pela falta de unidade e coerência e não lhes assegura o pleno exercício dos direitos de cidadania.
CONCLUSÃO
"Le Portugal est maintenant un petit pays de 90.000 kilométres carré, plus les iles atlantiques. Cependent, il est beaucoup plus que cela et il essaye de s’organiser comme nation en un petit territoire mais avec un peuple immense, dispersé sur tous les continents [...]"
Francisco de Sá Carneiro, Primeiro- Ministro, discursando perante a APCE em 21 de Abril de 1980
A emigração portuguesa mudou desde os seus primórdios, mudou, mesmo que consideremos, apenas, a que aconteceu, em vários ciclos, no século passado, mas mudou certamente menos do que as leis, o discurso político ou a opinião pública sobre a sua natureza e sobre os efeitos jurídicos que esta deve determinar.
Olhares, discursos (no plural...) distintos sobre uma realidade migratória, que mantém muitos traços comuns: a realidade da saída de homens e mulheres - estas hoje, cada vez mais, em pé de igualdade - que abandonam o território por razões económicas e em massa (contra todas as expectativas geradas no período que se seguiu ao ingresso de Portugal na CEE); a existência de uma vasta rede de organizações de solidariedade e de fins culturais que decorrem da vivência colectiva no estrangeiro, em "comunidades"; a manutenção de relações de toda a ordem como país de origem, incluindo o envio de poupanças ainda vultosas.
No entanto, essas remessas, completamente ofuscadas pelos "fundos comunitários" deixaram de estar no centro das atenções, de ter o mesmo peso sociológico. Outros aspectos da emigração passaram, e não só por isso, a ser mais valorizados - caso da dimensão humana da"diáspora" e do reconhecimento património cultural, construído e preservado em muitos países do mundo, nas comunidades oriundas da emigração.
Em termos de estatuto jurídico, os emigrantes viram, desde 1974, respeitado e, desde 1976, consagrado constitucionalmente, o direito de livre circulação, e passaram a beneficiar de políticas de protecção extensivas a todo o ciclo migratório, da partida à estada no estrangeiro e ao regresso (ainda que não necessariamente executadas em termos ideais, e com os meios suficientes…). O princípio da igualdade entre todos os cidadãos, independentemente da residência é hoje aceite, embora dele se não tirem todas as possíveis consequências.
Está, assim, consumada a adesão ao "paradigma personalista" - na tipologia de Bacelar de Gouveia . Nele cabem tanto políticas mais orientadas para a visão atomística do cidadão, com o seu estatuto de direitos face ao Estado, como as que privilegiam, também, a cooperação e a parceria institucional com as comunidades organizadas, dotadas de identidade e de coesão, criadoras de património cultural e formadas por um movimento associativo, capaz de reivindicação e de afirmação de formas próprias de presença portuguesa no mundo.
Fevereiro, 2010
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LEMBRANDO O DOUTOR SARDOEIRA PINTO


PREFÁCIO

O Dr. Fernando Sardoeira Pinto pertence a uma estirpe rara de homens do desporto que são também, homens de cultura e homens de carácter. E é, para além disso, um nortenho e portuense, dos que citam Sofia de Mello Breyner para evocar a "pátria dentro da pátria", um "dragão de causas", símbolo do espírito inquebrantável do FC Porto, voz dos seus adeptos, que se sentem, como me sinto, esplendidamente representados por ele.

Presidente da Assembleia Geral do FC do Porto a partir de 1982, desde o primeiro mandato de Jorge Nuno Pinto da Costa, é, com o amigo e aliado de sempre, artífice da aventura que levou à transformação de um clube regional, ou de " província", como era depreciativamente chamado, para o clube de renome universal, que deu ao País títulos europeus e mundiais de futebol, jamais alcançados pela própria selecção nacional.

Aventura colectiva que começou por aproveitar os ventos de mudança do Portugal democrático para repor a verdade das capacidades e dos talentos de quem era secundarizado pela força de um centralismo implacável, imposto pelo regime, que da política extravasava para todos os domínios, como era o caso particular do futebol.

A ascensão do FC Porto deve-se, antes de mais, a estes dirigentes que trouxeram a democracia e a igualdade de oportunidades para o terreno de jogo, permitindo, num segundo momento, aos próprios atletas e às equipas técnicas colherem a glória e os louros da uma superioridade real.

Os “senhores” do velho sistema renderam-se a um fenómeno, que julgavam transitório, vendo azuis e brancos somarem, ano após ano, troféus a nível nacional e internacional. Todavia, quando a excelência portista principiou a dar mostras de se ter convertido em organização sólida e realidade perene, perdida a esperança de vencer, em campo, com armas iguais, eis que começam a desenhar estratégias que passam por outros campos e outras armas!

Este livro faz, em português de mestre, em palavras que fluem com a simplicidade, a precisão, a vivacidade, características de grandes jornalistas, a crónica de um tempo do futebol profissional português, o início do século XXI, marcado e manchado pelas tentativas de abater o gigante em que convertera, fulgurantemente, o FCPorto, decapitando-o da liderança do Presidente Pinto da Costa - à falta de meios legítimos para atingir o mesmo escopo...

A relação minuciosa dos factos e a clara explanação das razões subjacentes, constituem, assim, um contributo mais do Dr. Sardoeira Pinto para a causa da justiça, e um subsídio precioso para a reconstituição de um período deplorável da justiça - ou injustiça - portuguesa, dos processos que dão título à publicação.

 Acções e recursos que se arrastaram pelos tribunais de várias instâncias, incluindo as desportivas, no país e na Europa, e cujo eco ultrapassou fronteiras, com foros de escândalo, deliberadamente provocado ou instigado para a pura e simples destruição desportiva e moral de um competidor, de outra forma invencível.

Os processos dos "apitos", e, bem assim, outros episódios e casos de época, que ajudam à sua descodificação e plena compreensão, são aqui escalpelizados e sistematizados, com nomes, datas e lugares, tomadas de posição e decisões, actos, omissões, contradições, intrigas, mentiras – tudo descrito ao pormenor, num precioso e abrangente registo, que faltava, para memória futura.

Mas, para além da cronologia dos factos, da elucidação dos argumentos, de natureza eminentemente jurídica, do manancial de informação de toda a ordem, de sapientes comentários e reflexões, a narração ganha densidade humana e societal ao retratar, num impressionante fresco, figuras e figurantes, com as suas interacções e comportamentos insólitos, geradores de um clima de irresponsabilidade e insânia, em que vimos decair instituições do mundo do desporto e do próprio “Estado de Direito”. Na expressão do Autor, foi a “caixa de Pandora” que se abriu… Consequência dessa ânsia incontida de retornar ao passado, de interferir, deslocando o centro de excelência do futebol português do seu ponto norte para a antiga “sede geográfica do poder”, artificialmente criada ou, mais exactamente, recriada.

Temos vindo a considerar as questões de fundo, que, assim ordenadas e explanadas, são uma mais-valia extraordinária, para que os vindouros não esqueçam nem tolerem a recorrência da viciação do “fair-play”. Mas não podemos deixar sem uma referência a originalidade da forma e da metodologia, que igualmente recomendam a leitura desta obra.

A singularidade do fio condutor da narrativa é a procura de resposta à indagação de um jornalista sobre qual fora o melhor momento da vida do Autor. Fiel a si próprio, quer dar uma resposta verdadeira, pensada, definitiva. E, logo nas primeiras páginas, parte em demanda da memória de acontecimentos felizes, numa fascinante "viagem interior", conduzida pelo olhar sobre um mundo de emoções e de vivências, que quer partilhar connosco, e em que revela muito de si, dos seus valores éticos, dos seus afectos e paixões, entre elas, a "pátria dentro da pátria" e o clube do coração.

Será que vai surpreender os leitores ao incluir no número extremamente selectivo dos melhores momentos da sua vida o epílogo dos processos dos "apitos finais, dourados... e outros mais"?

Sem antecipar o desfecho final, direi que acompanho, com imensa alegria, o Dr. Sardoeira Pinto, na rememoração dos momentos em que se fez justiça a um grande clube e a um grande homem, garantindo o lugar do campeão nacional na “Champions League” e recolocando o Presidente Pinto da Costa na rota do futuro do FC Porto.

Este é, tenho a certeza, o livro que todos os adeptos portistas queriam ver escrito e que todos os autênticos desportistas vão gostar de ler.

 
Maria Manuela Aguiar

31.03-2010

Sobre o CCP - um texto de 2009...


1 - O CCP é um órgão consultivo do Governo, em matéria de emigração - e, mais do que isso, é também um órgão representativo dos portugueses do estrangeiro. Este carácter de representação - que , numa fase inicial, se centrava no movimento associativo e agora tem cariz mais amplo, embora porventura mais difuso... - valoriza substancialmente o significado da própria audição. Instituído pelo Decreto-lei nº 373/80 de 12 de Setembro em 1980, com início de actividade efectiva em Abril de 1981, é o segundo mais antigo da Europa, depois do francês, o "Conséil Supérieur des Français de l' Étranger", que surgiu após a segunda Grande Guerra, e tinha a particularidade de escolher os representantes da emigração ao Senado , ou seja, os "Senadores da Diáspora.".
Embora não vá tão longe nenhum dos organismos que, a partir da década de 80, em vários países da Europa, nele encontraram uma fonte de inspiração, a todos me parece que subjaz o a finalidade de os transformar em sucedâneos de Câmaras ou Assembleias de Emigrantes. Em França, uma o antigo "Conséil" é agora designado "Assemblée".
Em Portugal, a ideia de integrar o CCP numa segunda Câmara, se ela vier a existir, ou, pelo menos, de o "constitucionalizar", isto é, de lhe dar expressa consagração no texto da Constituição (colocando a sua existência acima do livre arbítrio ou da boa vontade de Governos e de governantes...), é defendida por muitos Conselheiros, e chegou a ser objecto de dois colóquios parlamentares, promovidos pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, à qual presidi, nos anos 2003 e 2004, (o último dos quais com a participação dos eminentes juristas e constitucionalistas Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia).
O CCP tem um historial interessante, sobretudo no período em que vamos considerá-lo: o momento do seu nascimento, visto não como o mera expressão de um legislador omnipotente, mas como acto de criação colectiva de uma instituição nova e original, num diálogo entre parceiros, o Governo e os porta-vozes do movimento associativo.
Não quer isto dizer que tenha tido vida fácil e um percurso sempre ascensional, porque não teve - bem pelo contrário. Resistiu a inúmeros bloqueios e longos hiatos de funcionamento efectivo, afrontamentos com o Governo , ou entre os seus próprios membros, processos e recursos judiciais, anulação de actos eleitorais para os órgãos de cúpula... Em boa verdade, talvez não devamos, sequer, falar de um único "Conselho", mas de vários, ou , melhor, de várias "vidas" de uma mesma instituição. Ao longo de quase três décadas, só o nome não sofreu alteração…
Entre 1981 e 1987, inclusive, o 1º CCP "fez-se, "e fez-se com as pessoas, ganhou, com elas, um lugar central no debate das políticas para as migrações, manteve um funcionamento activo e regular, salvo a não convocatória da sua reunião ordinária (mundial), em 1982, por um novo Secretário de Estado, que deixou o cargo pouco depois.
Todavia, a partir de 1988 e até 1995, durante dois governos maioritários, o CCP entra no seu mais prolongado "eclipse" - uma "não existência". Desactivado, de facto, desde 88, é descaracterizado,"de jure", no início da década de 90, por uma lei aprovada na Assembleia da República, cuja complexidade e dificuldade de implementação - intencional ou não... - o deixa completamente paralisado.
O CCP ressurgiu, na sua terceira vida em 1996, através de uma proposta de lei do Governo, que a Assembleia da República – coisa rara… - recebeu e tratou, de forma exemplarmente expedita. Primeiro, em três ou quatro dias de intenso labor, num pequeno "grupo de trabalho", formado pelos deputados da emigração e outros deputados da Comissão de Negócios Estrangeiros, conhecedores da realidade das migrações portuguesas, e da importância de renascimento do conselho, prioridade à qual alguns sacrificaram discordâncias de monta sobre o normativo. Seguiu-se um imediato agendamento do debate e votação em plenário, e , em 1997, as eleições e a reunião mundial - 10 anos depois da que encerrou a primeira fase deste mecanismo de representação específica de emigrantes...
Uma das mutações qualitativas do novo sistema é a eleição dos conselheiros por sufrágio directo e universal de todos os cidadãos inscritos nos consulados. O Conselho emerge de uma nova fonte de legitimidade, aparentemente mais “democrática”, mas rompe com a sua matriz associativa, a força e autonomia que daí lhe advinha e passa a excluir os líderes associativo que já não tenham nacionalidade portuguesa, os "luso-descendentes". A tal óbice souberam responder os italianos com um sistema misto, como eu própria, ao tempo, propus - numa fórmula diversa, prevendo dois colégios eleitorais, o de sufrágio universal, a par de outro, de cariz interassociativo .

·2 -Após traçar, desta forma abreviadíssima, a linha de evolução do Conselho até à actualidade, retorno à sua génese, à fase primordial - a mais esquecida, mas, sem dúvida, a mais exuberantemente criativa.
O “Conselho” começou por ser uma promessa eleitoral, um parágrafo inscrito no programa da AD (Aliança Democrática), coligação, que se apresentou a sufrágio em 1979, venceu e formou governo. Havia que dar cumprimento à promessa. Secretária de Estado do pelouro, coube-me a tarefa de promover a sua execução. Nunca soube quem a tinha formulado, e ainda hoje nem sequer sei a qual dos partidos se deve... . Sendo de autor desconhecido, não estávamos limitados pelo seu subjectivo propósito, nem por quaisquer directrizes. Não havia sequer figurino estrangeiro à nossa medida - apenas o francês, que correspondia a um contexto migratório e a uma inserção no sistema político-constitucional muito diversa. Era, numa democracia ainda tão recente, mas já rica de experiências de intervenção política e social, a primeira tentativa de avançar para formas de participação democrática extensivas à emigração portuguesa: um "forum" de audição, uma instância de co-participação dos Portugueses do estrangeiro nas políticas que lhes eram dirigidas. Com a liberdade de procurar e experimentar o” modus faciendi” de um projecto nacional de reencontro das comunidades entre si e com o país.
O CCP foi, desde o seu início, visto como um verdadeiro "laboratório", onde, em conjunto, se procuravam as melhores fórmulas para enquadrar situações ou atingir metas, e, em simultâneo, para dar corpo e alma, a um molde organizacional de suporte. Não havia ideias feitas, mas a fazer, não havia uma tradição a seguir, mas a criar, não havia uma lei acabada, mas um texto provisório, a repensar...
Falo do decreto-lei aprovado, a 1 de Abril de 1980, em Conselho de Ministros. Fora preterida a via parlamentar, por ser, previsivelmente, muito mais morosa. Erro de cálculo - o Presidente da República reteve o diploma durante cerca de 5 longos meses, com um dos chamados "vetos de bolso" .
De qualquer modo, mais do que discutir um perfil de “Conselho” com os representantes da “Nação” - quase sempre tão alheados das questões da emigração nacional – o que se pretendia era mesmo “consultar” os próprios emigrantes. .
Assim, de entre as secções organizadas para a condução dos trabalhos na primeira reunião mundial, uma destina-se, expressamente, à revisão do referido decreto-lei, e não por sugestão dos conselheiros, mas por iniciativa do Governo.
Secção para os assuntos jurídicos, que perdurou como a favorita dos conselheiros mais intervenientes, sendo, naturalmente , como era de esperar no Portugal de então (com as ideologias e as divergências partidárias muito “à flor da pele”), a mais polémica. Mas, apesar disso, chegou, muitas vezes a convergências substanciais , por exemplo, sobre:
a sua orgânica - com a proposta de uma comissão permanente, prontamente implementada, como instância de coordenação e gestão;
- a implementação das recomendações dirigidas aos vários departamentos da administração pública, pela via de uma “comissão interministerial”. A "Comissão" veio a ser constituída em 1987, e tinha, como "recomendado", entre outros deveres e competências, o encargo de preparar as respostas ao CCP, sector por sector, reunindo, obrigatoriamente, para esse fim, antes da reunião mundial deste Órgão.
-a reformulação pontual da lei do CCP para permitir, com base legal, a sua “regionalização” com a convocatória periódica de reuniões restritas dos representantes de cada uma das grandes regiões do mundo - Europa, África e Oceânia, América do Norte, América do Sul. Era o patamar que entendiam faltar, entre o conselho mundial e os "conselhos de país” - cuja composição, repartição geográfica, regulamento e planos de acção e actividades as estruturas locais decidiam com perfeita autonomia.
-a elaboração de um ambicioso anteprojecto de reformulação global do CCP, que o Governo, adoptou, como seu, apresentando-o, como Proposta de Lei, à Assembleia da República, em 1986.
Aí se previa já a eleição por sufrágio universal, a par da eleição por um colégio interassociativo semelhante ao existente, que não foi posto em causa.

E porquê este ênfase no associativismo?
A meu ver, porque se reconhecia, o seu papel absolutamente fundamental na organização e desenvolvimento das comunidades, na sua capacidade de preservar a língua, a cultura, os modos de estar e tradições nacionais, aliás, sem prejuízo de promover, como na nossa emigração é bem claro, a integração dos seus membros na sociedade de acolhimento.
E, no caso português, organizações que, efectivamente, ao longo de séculos, se substituíram ao papel e aos deveres de Governos sem políticas culturais ou sociais de apoio aos cidadãos e às suas comunidades. Organizações que hoje se mostram aliados capazes de potenciar e completar a acção de qualquer governo, nestes domínios - coisa ainda rigorosamente imprescindível...
A propensão associativa dos portugueses no estrangeiro é enorme e a dimensão da sua obra extraordinária. Tudo erguido e preservado sem contributo do Estado. As comunidades, neste sentido orgânico, sociológico, em que falamos, são 100% sociedade civil - razão de sobra para que o Governo, numa relação de parceria, se guarde de qualquer tentação de interferência, respeitando, sempre, os projectos próprios dessas entidades, e das comunidades como um todo.
Foi esta a filosofia que presidiu ao diálogo e cooperação, "entre iguais", encetados no CCP.

O associativismo português no mundo, quando comparado com o de outros povos migrantes da Europa - italianos, polacos, franceses, alemães, suíços, belgas... - só fica a perder num aspecto: a capacidade de se unificar em federações internacionais. É esplêndido, mas não ultrapassa as fronteiras de cada país. Fenómeno para o qual não encontro explicação.
Historicamente, a única tentativa de agregar numa "União" representantes da Diáspora de todos os continentes aconteceu nos anos 60 e foi uma iniciativa inteligente e brilhantemente desenvolvida a partir de Lisboa, pela Sociedade de Geografia, presidida pelo Prof. Adriano Moreira.
O legislador do CCP deixava claro, logo no preâmbulo do Decreto-Lei nº 373/80, que não pretendendo impor orientações ao movimento associativo, lhe oferecia este organismo como "plataforma de encontro" de conhecimento mútuo, de trabalho - aos seus líderes, a nível mundial. Objectivo conseguido, em dúvida, enquanto o Conselho teve natureza associativa.
O mesmo se não pode dizer de outra das tónicas do legislação de 1980, que visava acentuar a vertente cultural, a preservação dos laços com comunidades antigas . A dinâmica do CCP foi no outro sentido, inclinando-o sempre mais para a problemática da emigração recente. E foi feita a sua vontade…
Aceites foram, também, muitas das recomendações substantivas deste órgão consultivo (e amplamente consultado…), nomeadamente em matéria de ensino, medidas de protecção social, reestruturação de serviço no estrangeiro, apoio ao regresso e reinserção ou intercâmbio de jovens, como mostra uma publicação dos serviços da emigração sobre o estado das recomendações do CCP entre 1981 e 1985.
Os primeiros Encontros Mundiais de Jornalistas (1981) e de "Mulheres Migrantes no Associativismo e no Jornalismo" ficam a dever-se, inteiramente, a recomendações do CCP.
Outra prática precursora, então encetada: a apresentação, para conhecimento e debate, do orçamento da Secretaria de Estado destinada a acções junto das comunidades, e as modalidades de colaboração oferecidas no "Programa Cultural", que era decalcado nas recorrentes solicitações do mundo associativo.
Não vou comparar, aqui e agora, os dois Conselhos, o de novecentos e o do século XXI, mas esse é um exercício que vivamente recomendo.
Do primeiro direi, a finalizar, que foi, simplesmente o que quis ser, a aventura de "inventar" e sedimentar uma instituição bem portuguesa e original, na qual os membros eleitos imprimiram as marcas do seu pensamento e das suas próprias aspirações.
RESUMO
O Conselho das Comunidades Portuguesas de 1980 foi, historicamente, a primeira experiência de audição e diálogo institucional, entre o governo português, a sua emigração e a sua diáspora.
Era um órgão consultivo do governo, constituído por representantes eleitos no mundo associativo, apelando à força e ao papel central que as associações têm na construção e preservação das comunidades de emigrantes.
Sendo uma experiência inteiramente nova, teve de fazer o seu próprio caminho, conhecendo rupturas, hiatos de funcionamento e mudanças radicais de feição e natureza, nas décadas seguintes.

Maria Manuela Aguiar

Jurista

Ex-Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas