quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

CITAÇÕES MARIA ARCHER

Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias e lágrimas, que os homens, para igual feito, ignoram de todo". "A minha obra tem sido norteada pelo princípio vital de rebater pela escrita o conceito arcaico da inferioridade mental da Mulher "Veste-se para a festa como um guerreiro se prepara para um combate. O seu desejo é vencer em beleza todas as mulheres"(Os aristocratas, pag 46) "As famílias aristocráticas fortalecem a sua fortaleza. Fecham as portas aos tempos modernos, aos novos ricos, aos republicanos, aos ateus, aos pensadores, aos artistas. - tudo e todos que não verguem os joelhos perante as velhas crenças, os velhos usos, as velhas famílias, as velhas instituições"(Os aristocratas) "Não, não, filha. O divórcio na nossa terra é um recurso para a gentinha"(os aristocratas,) "No meu silêncio de criança precoce englobava-se já o fermento da dúvida, ainda hoje apregoada e não demonstrada da inferioridade feminina"(Bato às portas da vida) "Os pais não me diziam cara a cara, mas percebia-se que aplaudiam o casamento sem amor, o casamento ofício feminino, o casamento prostituição" " O meu desejo não me casar e viver do meu trabalho - ser advogada"(Bato às portas da vida) "Ela era apenas uma mulher. Para ser tida e havida como madrinha, bastava-lhe figurar no jantar((Eu e elas,. casamento ribatejano) "Ele é um dos raros homens que me ensina a desculpar o que não compreendo nos homens"(A primeira vítima do Diabo) "Folha arrastada pelo vento era o que podias ser, porque não podias ser coisa nenhuma"(Três Mulheres)Duas das novelas deste livro foram escritas sob o deliberado propósito de contribuir para a revelação da Mulher"(Ida e volta numa caixa de cigarros) "O meu trabalho neste livro, foi quási um de um artista plástico. Moldei a obra sobre um modelo vivo"(Eu e Elas - intróito)
TÓQUIO 2021 AS AURORAS QUE estão por DESCOBRIR 1 - A participação portuguesa nos últimos jogos olímpicos é incensada pela generalidade dos políticos, dos comentadores desportivos, como "a melhor de sempre". Dir-se-ia que marcou a transição para um patamar de desenvolvimento qualitativo. Pura ilusão... Na realidade, continuamos exatamente aonde estávamos antes - na cauda da Europa, em termos de investimento nas diversas modalidades desportivas (menos de metade da média europeia). de formação escolar): A Educação Física é menorizada nos "curricula" escolares, a compatibilização da vida desportiva e académica nas Universidades é descurada. É mínima a prática do exercício físico na infância, na juventude e em todas as idades é mínimo,  como mostram as tabelas de comparação a nível internacional. Em suma, vivemos pouco acima do grau zero, no domínio da cultura desportiva, cuja falta é revelada pelo somatório de todas as referidas e muitas mais deficiências, com inevitável repercussão na "performance" global em alta competição. Mais um deprimente sinal nos foi dado, recentemente, pela despreocupação com que a DGS, o Ministério da Educação, os próprios professores encararam a rotura da prática desportiva durante a pandemia, dentro e fora das escolas, em absoluto  contraste com o alarme provocado pelo encerramento das aulas e a necessidade de recorrer a ensino não presencial...Ora, num balanço final, o que terá feito dano maior? Ter-se-ão perdido mais futuros doutores e engenheiros do que futuros campeões? E provocado mais insucesso escolar ou mais abandono desportivo?Perguntas para as quais não tenho resposta - só uma certeza: o desporto amador, o desporto para todos e até o desporto profissional foram altamente negligenciados e prejudicados. Há no governo um denominado "Secretário de Estado do Desporto", que não se sabe para o que serve, nem o que faz.   2 - A proclamada excecionalidade da participação nacional em Tóquio é relativa aos nossos próprios resultados olímpicos recentes, que, quando positivos, oscilam modestamente entre as duas ou três e estas celebradas quatro medalhas - parcas e limitadas ao atletismo em modalidades individuais, a evidenciar o mérito de cada atleta (e, eventualmente, dos seus clubes), muito mais do que o mérito de um projeto ou estratégia dos poderes públicos. Em boa verdade, na Europa, só estamos à frente de quatro países com populações entre três, seis ou cerca de vinte vezes inferiores à nossa (a Lituânia, com2.794 milhões de habitantes, Chipre com 1, 224.216, o Luxemburgo com 643.196 e Malta com apenas 502, 633). Muito se realçou, igualmente, o caráter "inclusivo" da delegação portuguesa, com esse adjetivo querendo significar a presença de estrangeiros naturalizados e de cidadãos de origem africana. Muito me regozijo com o facto de haver nesta modalidade maior abertura para o reconhecimento da dupla nacionalidades e para a atribuição do passaporte português. do que há, por exemplo, no futebol profissional, onde tanta polémica causou a justíssima chamada de Deco e de Pepe à seleção - dois brasileiros natos, que sempre deram provas de excelência desportiva e de dedicação à camisola das quinas(enfim, penso que o mesmo talvez não tivesse acontecido se representassem clubes de Lisboa, como é o caso de Pedro Pablo Pichero, de Nelson Évora, de Jorge Fonseca e como foi o do inesquecível Francis Obikwelo...). Digo-o com todo o apreço pelos clubes que continuam a oferecer, hoje, medalhas e campeões de atletismo ao país, caso do SCP e o SLB, como, noutros tempos, o FCP o conseguiu, com os seus históricos títulosno feminino - o ouro de Aurora Cunha, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro. E saúdo, naturalmente, o fenómeno de preponderância dos afro-portugueses na vanguarda do atletismo nacional, com três em quatro das nossas medalhas de Tóquio, a exceção sendo a do canoísta Fernando Pimenta, com fundas raízes nortenhas em Ponte de Lima, embora. do ponto de vista clubístico, se tenha mudado para sul. E só de Pedro Pichardo se pode afirmar que foi formado no estrangeiro (em Cuba) e se naturalizou já com um brilhantíssimo palmarés. Jorge Fonseca veio de São Tomé para Portugal com 11 anos e Nelson Évora, nascido em Abijan, de pais cabo-verdianos, também muito cedo aqui se integrou. É portuguesa de ascendência angolana, Patrícia Mamona, a única mulher neste glorioso quarteto de campeões, com uma medalha de prata que vale mais do que o ouro. Ela é a pura encarnação do espírito olímpico, da vontade de se transcender a cada novo dia. Teimou em praticar o triplo salto e em atingir o Olimpo numa modalidade para a qual, sendo uma predestinada, lhe faltava, diziam-lhe todos, uma característica física, a altura. Mede apenas 1,66 e, não é demais destacá-lo, e só perdeu para uma gigante de quase dois metros (mais precisamente 1, 92). Há uma outra medalha que Portugal não pode reclamar oficialmente, mas que é um pouco sua. Uma medalha de ouro, de que pouco se falou; a de Júlia Grosso, jogadora de 20 anos (da Universidade do Texas), que apontou, na final, de "penalty", o golo decisivo para fazer da equipa de futebol feminino do Canadá campeã olímpica! 3 - O que motiva, num país de mentalidade tão avessa ao fomento da atividade física, na infância, na escola - que é onde, por todo o lado, se começa - os futuros campeões, rapazes e, igualmente, raparigas, (feito maior numa sociedade ainda tão misógina)? O que leva crianças de minorias étnicas, em quase todos os outros domínios marginalizadas, assim como outras de meios rurais, não menos desprivilegiadas, a superarem horizontes estreitos pela glória desportiva? É uma investigação que está por aprofundar no meio académico... O historial vai.se escrevendo, casuisticamente, por comparação de semelhanças e diferenças de circunstâncias, e precisa de ser bem melhor analisado, melhor contado, sem deixar nenhum nome para trás.Talvez, um dia,possam, todos esses percursos e personalidades figurar num grande museu nacional do desporto (um "hall of fame" português). Até lá, cada terra vai homenageando os seus heróis, como faz Espinho, ao guardar a memória de António Leitão no seu Fórum, Ponte de Lima com o projetado Museu Pimenta, o Porto com o Pavilhão Rosa Mota ou a Madeira na denominação do Aeroporto Cristiano Ronaldo ... Tóquio 2021 deixa-nos, pois, contentes com os atletas, em concreto, com os medalhados, com os que só não o foram por uma questão de má fortuna num momento decisivo, e com os que trouxeram diplomas olímpicos -  indicadores bastante mais numerosos, promissores de qualidade e de potencial, - mas, bem vistas as coisas, globalmente descontentes com  a falta de progresso geral, com o imenso desperdício de génios por achar.Lembremos o exemplo da campeoníssima Aurora Cunha, que, por sinal, nunca foi feliz nas suas várias participações olímpicas, mas ganhou ouro de igual valor em campeonatos da Europa e do Mundo (tricampeã mundial, na década de oitenta) e muitas maratonas importantes, com a camisola azul e branca do FCP ou com a da seleção nacional. A sua biografia, "Uma vida de paixões" é de leitura obrigatória. Aurora Cunha é um exemplo raro e intemporal, na sua trajetória de desportista e de cidadã, defensora dos valores do Desporto. Foi uma menina nascida com talento inato, uma jovem que teve a oportunidade de o cultivar graças a inexcedível energia e coragem, e, com o passar dos anos, cada vez mais é uma  mulher de causas -  o outro nome das suas paixões.  . Sabem como foi descoberta para uma tão fantástica carreira? Por mero acaso, quando à saída da igreja, numa tarde de verão, alguém se lembrou de chamar adolescentes de ambos os sexos, para uma corrida popular, no estádio da terra. Aurora, de saia de malha e sapatos de cabedal, ganhou, destacadamente, à frente dos rapazes, muitos deles equipados a rigor. Tinha 14 anos, era operária fabril e sempre gostara de correr, sozinha, por montes e vales. O Clube Juventude de Ronfe logo ali a convidou para treinar e levar a competições, e, pouco depois, veio o contrato com o FCP. Após a sua primeira grande vitória oficial, o "Mundo Desportivo" de 9 de junho de 1976 escrevia: "Quantas Auroras em potência haverá por esse país fora?" Quase meio século volvido, em Portugal, a pergunta mantém toda a sua pertinência. ----------------------------------------------------- TÓQUIO - OS JOGOS DO NOSSO CONTENTAMENTO DESCONTENTE 1 - A participação portuguesa nos últimos jogos olímpicos é incensada pela generalidade dos políticos e dos comentadores desportivos, como "a melhor de sempre". Dir-se-ia que marcou a transição para um patamar de desenvolvimento qualitativo. Pura ilusão...Na realidade, continuamos na cauda da Europa, em matéria de investimento nas diversas modalidades desportivas (menos de metade da média europeia), de formação escolar e universitária - só no desporto federado se pode verdadeiramente fazer carreira  - de exercício físico em todas as idades. É esta gritante falta de cultura desportiva que, fundamentalmente, determina o medíocre lugar que ocupamos no "ranking" europeu e mundial de alta competição. A proclamada excecionalidade da recente "performance" é relativa aos nossos próprios resultados olímpicos passados, que oscilaram, modestamente, entre as duas ou três e estas celebradas quatro medalhas de 2021 - limitadas ao atletismo, em modalidades individuais, a evidenciar o mérito de cada atleta (e, quando muito, também, dos seus clubes que os apoiam), muito mais do que de um projeto ou estratégia dos poderes públicos. Em boa verdade, na Europa, só estamos à frente de quatro países com populações entre três, seis ou cerca de vinte vezes inferiores à nossa (a Lituânia, com 2.794 milhões de habitantes, Chipre com 1, 224.216, o Luxemburgo com 643.196 e Malta com apenas 502, 633).  2 -Muito se realçou, igualmente, o caráter "inclusivo" da delegação portuguesa, com esse adjetivo querendo significar a presença de estrangeiros naturalizados e de cidadãos de origem africana na nossa delegação. Devemos regozijar-nos com o facto haver neste domínio abertura para o reconhecimento da dupla nacionalidades e para a atribuição do passaporte português, ao contrário do que é corrente no futebol, onde tantapolémica causou a chamada de Deco e de Pepe à seleção. Talvez, porém, o mesmo não tivesse ocorrido se representassem clubes de Lisboa, como é o caso dos atuais atletas Pedro Pablo Pichardo, Nelson Évora, Jorge Fonseca ou do inesquecível Francis Obikwelu. Esta dúvida não é levantada contra esses clubes de Lisboa, cuja influência, a ter sido exercida, o foi por uma "boa causa",  que, aliás, louvo por contribuirem para o sucesso do nosso atletismo, como, noutros tempos, o fez o FCP, com o seu trio "de ouro" feminino - Aurora Cunha, Rosa Mota e Fernanda Ribeiro. Igualmente me parece de saudar o fenómeno da preponderância dos afro-portugueses nesta modalidade, com três em quatro das nossas medalhas de Tóquio, a exceção sendo a do canoísta Fernando Pimenta, com raízes nortenhas em Ponte de Lima. E só de Pedro Pichardo se pode dizer que foi formado no estrangeiro e se naturalizou já com um brilhantíssimo palmarés. Jorge Fonseca veio de São Tomé para Portugal com 11 anos, e Nelson Évora, nascido em Abijan, de pais cabo-verdianos, também muito cedo aqui se integrou. Patrícia Mamona é portuguesa nata, de ascendência angolana. Única mulher neste histórico quarteto de enormes campeões, ganhou uma medalha de prata que vale mais do que o ouro. Ela é a pura encarnação do espírito olímpico, da vontade de se transcender, a cada novo dia. Teimou, desde menina, em praticar o triplo salto e em atingir o Olimpo numa modalidade para a qual, sendo uma predestinada, lhe faltava, diziam-lhe todos, uma característica física: a altura. Mede apenas 1,66 e, note-se, perdeu o ouro para uma gigante de quase dois metros (mais precisamente 1, 92).  O que motiva, num país de mentalidade tão avessa ao fomento da atividade física na escola, desde a infância, os futuros campeões, rapazes e, igualmente, raparigas, (feito maior, numa sociedade ainda tão misógina)? O que leva crianças de minorias étnicas, em quase todos os outros setores marginalizadas, a superarem o destino pela glória desportiva? É uma história que se vai fazendo de comparações nas semelhanças e nas diferenças de circunstâncias, e que precisava de ser bem melhor contada e analisada. Talvez, um dia, possam dar origem a museu nacional do desporto...Até lá, cada terra vai homenageando os seus heróis, como Espinho muito bem tem conseguido, guardando a memória de António Leitão.3 - Tóquio 2021 deixa-nos, pois, por um lado, contentes com os atletas, em concreto, os medalhados, os que só não o foram por menos sorte num momento decisivo, os que trouxeram diplomas olímpicos -  bem mais numerosos do que os pódios, e também significativos, como indicadores de qualidade e de potencial para 2024 -  e, por outro lado, descontentes com a falta de progresso geral, com o imenso desperdício de talentos, os que já se perderam e os que estão por encontrar. Quando Aurora Cunha iniciou a sua meteórica carreira, com uma primeira grande vitória nacional, o "Mundo Desportivo", de 9 de junho de 1976, escrevia: "Quantas Auroras em potência haverá neste país?".O caso desta fantástica atleta é paradigmático. Aos 14 anos, a oitava de uma família numerosa de 10 filhos, menina franzina e irrequieta, era operária fabril. Um domingo, à saída da Igreja, depois do Terço das 15.00, alguém se lembrou de animar o fim de tarde com uma corrida popular para rapazes e raparigas, no estádio de Ronfe. Aurora lá foi, com o sua saia de malha domingueira e sapatos de cabedal, e ganhou, destacadamente, à frente de todos os rapazes, alguns deles equipados a rigor. O Clube Juventude de Ronfe logo ali a convidou para treinar e competir, e, pouco depois, viria o contrato com o FCP, o seu clube de coração. E, assim, se súbito, se alargaram os horizontes da menina.fenómeno, que, no meio fundo e fundo, havia de acumular recordes e medalhas de ouro, ser tricampeã mundial e vencedora das mais prestigiadas maratonas. Vale a pena colher, na sua inspiradora autobiografia "Uma vida de paixões", (prefaciada pelos Presidentes Ramalho Eanes e Rebelo de Sousa), os ensinamentos de uma carreira ímpar, que começou tarde e por puro acaso. 45 anos depois, a questão de "O Mundo Desportivo" mantém toda a pertinência. Quantas Auroras estarão por descobrir?

AS LETRAS NA DIÁSPORA HOMENAGEM AO PROF MAYONNE DIAS

HOMENAGEM D' ALÉM MAR ao AO PROF EDUARDO MATONNE DIAS No âmbito dos colóquios organizados pelo Círculo Maria Archer, vimos informar que no próximo dia 10 de julho (sábado), às 18 h (hora de Portugal Continental),  inserida na iniciativa “As Letras na Diáspora”, será realizada uma homenagem ao Professor Eduardo Mayonne Dias (1927-2021), que recentemente nos deixou, silenciando-se uma das mais importantes vozes da Língua Portuguesa na Diáspora Americana. Subordinada ao tema “Homenagem d’Além Mar”, será oradora a Professora Doutora Rosa Simas, da Universidade dos Açores, cuja vida académica ficou indelevelmente marcada por este docente, quando teve o privilégio de ser sua aluna na Universidade da Califórnia, Los Angeles e Santa Bárbara. Considerem-se todas/os convidadas/os através do link: https://us02web.zoom.us/j/7531842887?pwd=VTdDVFRySkgva2wyUXRJekhFSXA2dz09

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Conheci o Mestre António Joaquim no início dos anos 80, durante uma visita a Santa Maria da Feira, já ele era um pintor muito famoso. A sua simplicidade, o feitio comunicativo e, ao mesmo tempo, discreto, cativaram-me desde esse primeiro dia. Era amável, gostava tanto das pessoas como da Natureza e, por isso, as retratava tão maravilhosamente nos seus quadros. Ao longo de anos, não foram muitos os encontros que nos permitiram diferentes percursos - o meu largamente passado em lugares distantes - mas considero um privilégio todos os momentos de convívio animado pela sua inteligência e vivacidade, pelas histórias que contava da sua juventude, quando a vocação que adivinhava em si lhe traçou um outro destino. Admirava-o pela forma improvável, e quase se diria milagrosa, como rompera os limites do círculo em que as circunstâncias de nascimento e profissão pareciam querer confina-lo, para dar amplos horizontes ao génio inato de artista que, ao longo da vida, se aperfeiçoou em estudo e evolução constantes. Em todas as idades - porque o seu espírito nunca envelheceu - foi, sempre capaz de nos surpreender pela originalidade, pela ousadia da recriação da realidade em incessante procura da Beleza, que capta em cada traço, nas cores e sombras de uma paisagem, na perspetiva nova de uma cidade, onde tantas vezes andamos sem a ver assim, numa velha porta, que, num toque de magia, restitui a tanta vida que por ali correu, no permanente vaivém de passagens, apelando à nossa imaginação, sem revelar o seu mistério. Não sei dizer o que mais me encanta - se a obra, se o pintor. Na verdade, ele está, inteiro, no mundo de arte que nos legou, tão intrinsecamente luminoso como a sua própria personalidade. António Joaquim irradiava simpatia, era espontâneo, amigo e generoso - qualidades de que deu prova, quando num encontro ocasional, durante uma sua exposição na cidade do Porto, o desafiei a fazer uma retrospetiva de décadas de pintura na inauguração das galerias geminadas do Museu de Espinho. Disse-me imediatamente que sim. Foi um evento histórico! Até aí, só uma das galerias estava aberta a eventos, invariavelmente, pouco concorridos. Recuperada a dimensão do plano de arquitetura originária, o amplíssimo espaço agradou plenamente ao Mestre, que não hesitou em organizar a grande mostra num curto espaço de tempo (para tal sendo, em boa hora, adiada uma outra, que chegara a estar prevista). Que sucesso! Da Feira, do Porto, e de outros pontos do país chegaram visitantes, em número que jamais se havia visto, dia após dia, nesses meses de setembro e outubro de 2010... Inesquecível, para todos os que puderam contemplar, como escrevi na altura, "aquelas paredes longas, transfiguradas em deslumbrante mural de obras primas". E eu tive, então, o raro privilégio de poder recomeçar a visita, quotidianamente, em diálogo continuado, não só com as telas, mas também com o Autor ali presente, aprofundando laços de respeito e de afeto que se converteram, depois que partiu, numa imensa Saudade.
IRRITAÇÕES E INDIGNAÇÕES 1 - Fui buscar o título "Irritações"a um programa de televisão muito divertido, que costumo ver, à sexta.feira, porque tinha planeado falar daquilo que, em dias ainda recentes, mais me exasperou... Mas, à medida que alinhava uns tópicos, constatava como alguns me despertavam sentimentos mais fortes, na medida em que, na minha ótica, iam muito além da mera incoerência ou estupidez toleráveis. E acrescentei uma outra palavra, mais forte – indignações! Um plural vasto.. Tive de deixar de fora muitas "indignações" que poderão dar azo a futuros comentários. Para começar brandamente e prosseguir em crescendo, direi que me irritaram as pré-campanhas eleitorais, sobretudo, as de Costa, Rio e Rangel (Ventura pertence ao capítulo das indignações permanentes, Chicão é demasiadamente desinteressante e os outros líderes partidários deixam-me indiferente). Costa (de quem pessoalmente gosto por ser feminista e aberto à aceitação de refugiados e imigrantes, causas em que colaborámos num já distante passado parlamentar), desaguizou-se com os parceiros da defunta geringonça, viu o orçamento chumbado por eles e o governo derrubado e quer, agora, apresentar-se a eleições com a mesma estratégia, o mesmo orçamento, o mesmo programa, os mesmos "compagnons de route"! E, ainda por cima, (nova irritação!), depois de ter proclamado, repetidamente, durante seis anos, que preferia a queda do governo à sua possível manutenção com a ajuda do PSD, mudou de opinião, num ápice, e veio confidenciar ao País que esse eventual apoio da “direita” ascendeu às alturas de uma admissível, embora indesejada e improvável, alternativa…Mas porquê? O que justifica o volte-face? Mistério... Rio tem vindo a ser um provocador de não menor irritação. Prosélito da sua própria badalada honestidade política e coerência, enreda-se, no dia a dia, em objetivas contradições –tal como criticar, só agora, o processo de resposta à pandemia, a que assistiu passiva ou silenciosamente, quando não lhe deu expressa concordância, tornando-se conivente com todas as medidas, muitas delas incongruentes, ora excessivas, ora levianamente laxistas de Graça Freitas e da sua “entourage” de burocratas da saúde, durante cerca de dois anos de confinamentos de duvidosa eficácia e desconfinamentos apressados (oscilando, sempre, entre o oito e o oitenta). Desfiar, tarde e a más horas, um rosário de críticas, em tom de pura propaganda eleitoral, não se pode considerar nem convincente, nem dignificante da imagem da política e dos políticos. Também me irrita bastante o seu despropositado uso da língua alemã, quando lhe faltam não tanto as palavras em português, como os argumentos (qualquer que seja o idioma falado). Um snobismo provinciano, que tem tido, ao longo dos anos, manifestações ainda piores, nomeadamente a sua sanha contra o futebol, desporto do povo, a par de uma (estimável, ainda que elitista) paixão pelas corridas de automóvel. Em Rangel, (militante social-democrata que, tal como Rio, conheço superficialmente), irrita-me a estratégia anti-Costa, embora “tipo Costa”. Ambos são “negacionistas” de acordos ao centro ( ou de Bloco Central), que, como se tem visto, redundam em alianças contra natura, deslocando o arco da governação muito para a direita, no caso do PSD, e muito para a esquerda, no do PS. E, com isso, o país se torna ingovernável ou mal governado, incapaz de empreender as reformas de fundo de que precisamos para sair do patamar mais baixo da União Europeia. Poucos são, como é evidente, os que sonham com governos de "Bloco Central", como o que existiu em 1983/85, numa conjuntura irrepetível. O que muitos, como eu, desejam é o entendimento daqueles que, em Portugal, partilham uma visão do Estado de Direito, da Democracia, da Europa, da NATO... Ou seja, a larga "maioria constitucional", que vem do tempo de Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Mota Pinto, de partidos moderados, não revolucionários, que o povo português sufragou, e continua a sufragar, em cerca de 80%. Apesar do seu aparente "anti socialismo primário", votarei em Rangel nas eleições internas do partido. Estou cansada das bizarrias de Rio, uma das quais é a recusa, completamente imprópria de um democrata, de comparecer a debates com o adversário. E considero Rangel um centrista, que, se for imprescindível, mais depressa se aproximará do PS do que do Chega. Não esqueço que Ventura nasceu e desabrochou no seio da “facção passista” do PSD, que apoia este candidato à liderança, mas não o confundo com eles, É um político inteligente e cosmopolita demais para navegar nas mesmas águas - o Parlamento Europeu apura a sensibilidade democrática neste domínio... Acredito que não vai “descentrar” o partido, pelo contrário, manterá o equilíbrio entre uma direita mais ruidosa e uma esquerda, que ainda existe, ou resiste, e onde me situo (social-democrata "à sueca", como Sá Carneiro). 2 – Numa categoria híbrida, metade irritação/metade indignação, incluo o anúncio oficial da “libertação” da pandemia, acompanhado de um rol de medidas de apressado alívio de restrições e de cautelas. Na realidade, nada distinguia esse “dia D”, artificialmente inventado, do dia anterior e do seguinte – não havia chegada em massa, de reforços, de meios decisivos para pôr fim à guerra, que não tem fim à vista, pois o vírus, quer se considere ainda pandémico ou já endémico, anda por aí, à solta …A ideia era alcançar um (efémero) brilharete político, mas teve um efeito psicológico nefasto para o conjunto da população. Trouxe um falso sentimento de segurança, desmobilizou o esforço individual na luta contra o vírus - esforço individual que é, neste momento, a mais inteligente e legítima arma de combate. Com a nossa elevadíssima taxa de vacinação (obrigada, Almirante!), o número de mortos e internados em cuidados intensivos desceu enormemente e parece, por isso, desproporcionado - e, nessa medida, atentatório dos nossos Direitos Constitucionais - voltar às soluções de recolher obrigatório, de restrições à circulação, de encerramento de setores da economia, de comércios, serviços públicos, espetáculos. Temos de nos concentrar, sim, nos cuidados de que cada um de nós é capaz, apelar à consciência dos cidadãos, aconselhar o uso generalizado da máscara, o distanciamento físico. São pequenos incómodos, face àqueles outros remédios radicais, que paralisaram a vida económica, social e cultural do nosso e de tantos outros países, em todo o mundo. Que ninguém mais promova a “libertação” de cautelas e cuidados, como o Governo tão insensatamente fez, para logo desfazer, em clima de ameaças e temores… Estamos cansados de ilusões, inverdades, demagogia. Um exemplo muito"irritante": quem não se lembra de nos garantirem que a escola era segura, que não havia riscos de contágio na faixa etária dos alunos mais pequenos? Agora, está provado o contrário, e até aventam a possibilidade de vacinar as criancinhas, a partir dos cinco anos… 3 – Da minha longa lista de indignações, aqui deixo algumas que particularmente me chocaram, em matéria de Justiça. Penso num recente julgamento de um pedófilo condenado por abuso sexual de uma menina de quatro anos. Circunstância agravante: o criminoso era o próprio pai da vítima. A sentença foi de três anos de pena suspensa. O pedófilo saiu em liberdade! A mesma reação me despertou, há alguns meses, a benigna sanção dos três inspetores do SEF, que assassinaram, no aeroporto de Lisboa, Yhor Homeniuk, cidadão ucraniano, que vinha simplesmente, como tantos milhões de portugueses, ao longo de séculos, procurar trabalho honesto no estrangeiro. Foram apenas nove anos de prisão para Duarte Loga e Luís Silva e sete para Bruno Sousa. É neste contexto que se aguarda o desenrolar e desfecho de um processo, comparativamente menor, de um cidadão que, no final de uma partida de futebol, insultou e agrediu um operador de câmara de televisão, provocando-lhe ligeiras lesões e danificando o material. Ora, segundo os media – trata-se de um incidente muito mediático, é claro… - as penas por esta sucessão de atos delituosos poderão atingir doze anos! Isto é, uma sanção quatro vezes superior à de um ato repugnante de pedofilia parental e bastante mais elevada do que a aplicada numa história trágica e hedionda de tortura e de morte, em nome da autoridade do Estado. (Yhor, como sabemos, esteve dois dias confinado nas instalações/cárcere do SEF, e agonizou durante dez horas, falecendo de lenta asfixia). Quem quer comparar esta barbaridade a uma indesculpável, mas essencialmente impulsiva e disparatada rixa de final de jogo? Passando da indignação à irritação, direi que, para já, pelo menos, um jornalista… A pena de doze anos é ainda apenas uma hipótese mirabolante, mas que essa hipótese possa ser tão naturalmente avançada por um profissional da comunicação social, é, em si, coisa estranha. Que mentalidade é esta, que, no campo da Justiça, impera no nosso Portugal, em fins de 2021?

MENSAGEM DE NATAL in Defesa de Espinho dez 2021

O TESTE DO NATAL 1 - O Natal de 2021 vai ficar na memória como aquele em que milhões de familiares ofereceram, uns aos outros, um presente que não terá faltado em nenhuma casa portuguesa - o cuidado e a solidariedade de um teste anti-Covid! As longas filas para compras de última hora, desta vez, não aconteceram tanto nos centros comerciais como nas farmácias de bairro... Quatro ou cinco horas de espera à porta da botica constituíram ritual que chegou aos telejornais (nada de surpreendente num país, onde conseguem fazer intermináveis reportagens a propósito seja do que for, de uma banalidade simétrica em todos os canais, à mesma hora). Não me lembro de em algum momento terem particularmente assinalado o que me parece ser a perfeita singularidade deste gesto, milhões de vezes repetido: a preocupação altruísta, porque o teste é quase sempre feito mais a pensar na família e nos amigos do que na própria pessoa - assim é, muito em especial, no caso dos jovens na sua relação com os idosos. A cadeia geracional ganha visibilidade numa girândola de afetos, no reencontro feliz, preparado com alguns sacrifícios e não apenas com o que aquilo que o dinheiro pode facilmente comprar numa loja, entre o cintilar das luzes e o som da música. E assim, por vias travessas, nesta atitude de responsabilidade e civismo no vai-vém de uma perturbante peste dos tempos modernos, se redescobre, de algum modo, o significado, que andava um pouco perdido, do Natal cristão. A celebração do Natal há muito se tornou apenas festa da família, de cada família, no seu círculo estreito. E esse enfoque lúdico, com a tradição dos presentes, há muito divorciada da saga dos Reis Magos, da condição do nascimento de Jesus e do seu destino na Terra, levou o Natal muito para além das fronteiras do cristianismo. Os tons de ouro e de prata cruzam-se com o vermelho vivo nas montras das lojas e nos enfeites das ruas, sejam as de Espinho, de Paris, de Nova Iorque, ou as de Tóquio. A árvore de Natal, a música, os reclames, os postais de Boas Festas, na forma digital ou física, de papel colorido, são iguais em quase todo o mundo. O papel de embrulho dos presentes, também, e até os presentes - os que os amigos trocam entre si, os que as empresas oferecem aos colaboradores e clientes, os que as crianças pedem aos pais (creio que já não ao Menino Jesus - ou cada vez menos...), a partir de catálogos e de anúncios de TV... 2 - A mensagem de Natal do Primeiro-Ministro, obsessivamente centrada na Covid 19, foi coisa para esquecer. Ou talvez não... Se a temática da pandemia vier a ser dominante no discurso de campanha eleitoral das legislativas, como é previsível, poderemos dizer, que a apagada tristeza da comunicação natalícia foi, afinal, o hábil lançamento de uma campanha, a colocar, em alternativa, "nós ou o caos". Curiosamente, nas eleições autárquicas, o Primeiro Ministro andou de terra em terra a anunciar o próximo advento da "bazuca" europeia, prometendo mundos e fundos aos candidatos do seu partido. Agora, pelo Natal, em vésperas de legislativas, adota a tão contrastante estratégia de falar de combates (ao vírus), agitando. Nem parece ser, mas é o mesmo político que, há apenas algumas semanas, proclamou o "dia da libertação" pandémica e levantou medidas restritivas de direitos e liberdades, que agora reintroduz em dose reforçada... e com o despropósito e irracionalidade, a que a DGS, desde o início nos habituou. Um exemplo: estamos todos lembrados do critério do distanciamento. Primeiro era um metro, mais tarde, dois metros, com x pessoas por metro quadrado. Nos estádios, ao fim de muitos meses, uma escassa percentagem da lotação total, que se foi alargando até aos 50% até que o dia da libertação permitiu "casa cheia". Concomitantemente, o "certificado de vacinação" dava livre acesso aos estádios e aos espetáculos que movem multidões. Agora, tudo mudou, e, mais uma vez, sem razão aparente - a vacinação, mesmo com 3ª dose, tornou-se, para este nobre fim, irrelevante e, em seu lugar, fica o "teste certificado",obrigatório: o antigénio, com validade de 48h, prestes, ao que consta, a ser reduzida a 24h (e depois se verá...talvez 12h , ou menos) e o PCR, válido por 72 h - para já. O cúmulo dos cúmulos é ser exigido um destes testes para uma ida ao cinema! Onde, antes do "dia da libertação", o problema se solucionava com simples restrições de lotação, deixando cadeiras ou filas de intervalo, agora não - a sala pode encher, porque todos estão testados, logo, supostamente, "covid free"... É uma certeza política, não científica. No tempo em que a Senhora DGS era anti - máscaras, alegava, que, entre as suas imperfeições, se contava o facto de darem uma "falsa sensação de segurança" . Não era, como se sabe, verdade no que respeita à proteção assegurada pela máscara, mas é-o, sem dúvida, quando aplicado aos testes, que são falíveis, sobretudo os de antigénio. Pelo menos os negativos - ou porque o infetado tem ainda uma baixa carga viral, ou porque veio a sofrer o contágio nas horas seguintes...E nesse estado vão conviver, muito mais despreocupadamente do que se não estivessem testados. Voltando à temática do teste obrigatório para ir ao cinema, direi que é o perfeito exemplo de uma medida nociva e insensata. Priva os cidadãos de um bem cultural a que têm direito e prejudica, gravemente, as salas de espetáculos, que ainda resistem à crise, ignorando o contexto atual em que, na sua maioria, funcionam - sobretudo as que não servem cartuxos de pipocas. É o caso daqueles que mais frequento: o Multimeios de Espinho e o Trindade, no Porto. À entrada, antes de comprar o bilhete, pergunto sempre quantas pessoas estão na sala e só concretizo a compra se tiver baixa ocupação. (não por causa da Ómicron, ou dos conselhos da DGS, mas por minha própria iniciativa, desde o início desta praga). Até hoje, tive de desistir... Aqui em Espinho, raramente estão mais de dez pessoas num espaço com capacidade para 280! Ora, havendo, em geral, tão escassa assistência, os limites impostos não eram atingidos, pelo que ficavam salvaguardados tanto os interesses do negócio, como a saúde dos espectadores. A que propósito mudar o bom critério, que valeu anteriormente? Quem estará disponível para gastar mais horas na fila de espera dos testes do que no espetáculo que pode sempre ver mais tarde? Um filme não é um "happening" único e irrepetível como um jogo de futebol ou um concerto musical... Estes ziguezagues não ajudam a manter a credibilidade que resta à DGS". Não dá para esquecer que, primeiramente, nos dizia não haver contágios nas escolas e agora, para convencer os pais a vacinar as criancinhas, já coloca as escolas no "ranking" dos maiores focos de contágio". Ao lado das discotecas...Estranhamente fora da lista de perigo continua tudo o que é da responsabilidade direta do Estado - caso dos transportes públicos... Por favor, deixem-nos, ao menos, ir ao cinema, para esquecer desgraças... No dia de Natal, seguindo o conselho de Isabel II, fiquei em casa a ver um filme antigo. Gostei, mas não é a mesma coisa..