quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Conheci o Mestre António Joaquim no início dos anos 80, durante uma visita a Santa Maria da Feira, já ele era um pintor muito famoso. A sua simplicidade, o feitio comunicativo e, ao mesmo tempo, discreto, cativaram-me desde esse primeiro dia. Era amável, gostava tanto das pessoas como da Natureza e, por isso, as retratava tão maravilhosamente nos seus quadros. Ao longo de anos, não foram muitos os encontros que nos permitiram diferentes percursos - o meu largamente passado em lugares distantes - mas considero um privilégio todos os momentos de convívio animado pela sua inteligência e vivacidade, pelas histórias que contava da sua juventude, quando a vocação que adivinhava em si lhe traçou um outro destino. Admirava-o pela forma improvável, e quase se diria milagrosa, como rompera os limites do círculo em que as circunstâncias de nascimento e profissão pareciam querer confina-lo, para dar amplos horizontes ao génio inato de artista que, ao longo da vida, se aperfeiçoou em estudo e evolução constantes. Em todas as idades - porque o seu espírito nunca envelheceu - foi, sempre capaz de nos surpreender pela originalidade, pela ousadia da recriação da realidade em incessante procura da Beleza, que capta em cada traço, nas cores e sombras de uma paisagem, na perspetiva nova de uma cidade, onde tantas vezes andamos sem a ver assim, numa velha porta, que, num toque de magia, restitui a tanta vida que por ali correu, no permanente vaivém de passagens, apelando à nossa imaginação, sem revelar o seu mistério. Não sei dizer o que mais me encanta - se a obra, se o pintor. Na verdade, ele está, inteiro, no mundo de arte que nos legou, tão intrinsecamente luminoso como a sua própria personalidade. António Joaquim irradiava simpatia, era espontâneo, amigo e generoso - qualidades de que deu prova, quando num encontro ocasional, durante uma sua exposição na cidade do Porto, o desafiei a fazer uma retrospetiva de décadas de pintura na inauguração das galerias geminadas do Museu de Espinho. Disse-me imediatamente que sim. Foi um evento histórico! Até aí, só uma das galerias estava aberta a eventos, invariavelmente, pouco concorridos. Recuperada a dimensão do plano de arquitetura originária, o amplíssimo espaço agradou plenamente ao Mestre, que não hesitou em organizar a grande mostra num curto espaço de tempo (para tal sendo, em boa hora, adiada uma outra, que chegara a estar prevista). Que sucesso! Da Feira, do Porto, e de outros pontos do país chegaram visitantes, em número que jamais se havia visto, dia após dia, nesses meses de setembro e outubro de 2010... Inesquecível, para todos os que puderam contemplar, como escrevi na altura, "aquelas paredes longas, transfiguradas em deslumbrante mural de obras primas". E eu tive, então, o raro privilégio de poder recomeçar a visita, quotidianamente, em diálogo continuado, não só com as telas, mas também com o Autor ali presente, aprofundando laços de respeito e de afeto que se converteram, depois que partiu, numa imensa Saudade.

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