quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

IRRITAÇÕES E INDIGNAÇÕES 1 - Fui buscar o título "Irritações"a um programa de televisão muito divertido, que costumo ver, à sexta.feira, porque tinha planeado falar daquilo que, em dias ainda recentes, mais me exasperou... Mas, à medida que alinhava uns tópicos, constatava como alguns me despertavam sentimentos mais fortes, na medida em que, na minha ótica, iam muito além da mera incoerência ou estupidez toleráveis. E acrescentei uma outra palavra, mais forte – indignações! Um plural vasto.. Tive de deixar de fora muitas "indignações" que poderão dar azo a futuros comentários. Para começar brandamente e prosseguir em crescendo, direi que me irritaram as pré-campanhas eleitorais, sobretudo, as de Costa, Rio e Rangel (Ventura pertence ao capítulo das indignações permanentes, Chicão é demasiadamente desinteressante e os outros líderes partidários deixam-me indiferente). Costa (de quem pessoalmente gosto por ser feminista e aberto à aceitação de refugiados e imigrantes, causas em que colaborámos num já distante passado parlamentar), desaguizou-se com os parceiros da defunta geringonça, viu o orçamento chumbado por eles e o governo derrubado e quer, agora, apresentar-se a eleições com a mesma estratégia, o mesmo orçamento, o mesmo programa, os mesmos "compagnons de route"! E, ainda por cima, (nova irritação!), depois de ter proclamado, repetidamente, durante seis anos, que preferia a queda do governo à sua possível manutenção com a ajuda do PSD, mudou de opinião, num ápice, e veio confidenciar ao País que esse eventual apoio da “direita” ascendeu às alturas de uma admissível, embora indesejada e improvável, alternativa…Mas porquê? O que justifica o volte-face? Mistério... Rio tem vindo a ser um provocador de não menor irritação. Prosélito da sua própria badalada honestidade política e coerência, enreda-se, no dia a dia, em objetivas contradições –tal como criticar, só agora, o processo de resposta à pandemia, a que assistiu passiva ou silenciosamente, quando não lhe deu expressa concordância, tornando-se conivente com todas as medidas, muitas delas incongruentes, ora excessivas, ora levianamente laxistas de Graça Freitas e da sua “entourage” de burocratas da saúde, durante cerca de dois anos de confinamentos de duvidosa eficácia e desconfinamentos apressados (oscilando, sempre, entre o oito e o oitenta). Desfiar, tarde e a más horas, um rosário de críticas, em tom de pura propaganda eleitoral, não se pode considerar nem convincente, nem dignificante da imagem da política e dos políticos. Também me irrita bastante o seu despropositado uso da língua alemã, quando lhe faltam não tanto as palavras em português, como os argumentos (qualquer que seja o idioma falado). Um snobismo provinciano, que tem tido, ao longo dos anos, manifestações ainda piores, nomeadamente a sua sanha contra o futebol, desporto do povo, a par de uma (estimável, ainda que elitista) paixão pelas corridas de automóvel. Em Rangel, (militante social-democrata que, tal como Rio, conheço superficialmente), irrita-me a estratégia anti-Costa, embora “tipo Costa”. Ambos são “negacionistas” de acordos ao centro ( ou de Bloco Central), que, como se tem visto, redundam em alianças contra natura, deslocando o arco da governação muito para a direita, no caso do PSD, e muito para a esquerda, no do PS. E, com isso, o país se torna ingovernável ou mal governado, incapaz de empreender as reformas de fundo de que precisamos para sair do patamar mais baixo da União Europeia. Poucos são, como é evidente, os que sonham com governos de "Bloco Central", como o que existiu em 1983/85, numa conjuntura irrepetível. O que muitos, como eu, desejam é o entendimento daqueles que, em Portugal, partilham uma visão do Estado de Direito, da Democracia, da Europa, da NATO... Ou seja, a larga "maioria constitucional", que vem do tempo de Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Mota Pinto, de partidos moderados, não revolucionários, que o povo português sufragou, e continua a sufragar, em cerca de 80%. Apesar do seu aparente "anti socialismo primário", votarei em Rangel nas eleições internas do partido. Estou cansada das bizarrias de Rio, uma das quais é a recusa, completamente imprópria de um democrata, de comparecer a debates com o adversário. E considero Rangel um centrista, que, se for imprescindível, mais depressa se aproximará do PS do que do Chega. Não esqueço que Ventura nasceu e desabrochou no seio da “facção passista” do PSD, que apoia este candidato à liderança, mas não o confundo com eles, É um político inteligente e cosmopolita demais para navegar nas mesmas águas - o Parlamento Europeu apura a sensibilidade democrática neste domínio... Acredito que não vai “descentrar” o partido, pelo contrário, manterá o equilíbrio entre uma direita mais ruidosa e uma esquerda, que ainda existe, ou resiste, e onde me situo (social-democrata "à sueca", como Sá Carneiro). 2 – Numa categoria híbrida, metade irritação/metade indignação, incluo o anúncio oficial da “libertação” da pandemia, acompanhado de um rol de medidas de apressado alívio de restrições e de cautelas. Na realidade, nada distinguia esse “dia D”, artificialmente inventado, do dia anterior e do seguinte – não havia chegada em massa, de reforços, de meios decisivos para pôr fim à guerra, que não tem fim à vista, pois o vírus, quer se considere ainda pandémico ou já endémico, anda por aí, à solta …A ideia era alcançar um (efémero) brilharete político, mas teve um efeito psicológico nefasto para o conjunto da população. Trouxe um falso sentimento de segurança, desmobilizou o esforço individual na luta contra o vírus - esforço individual que é, neste momento, a mais inteligente e legítima arma de combate. Com a nossa elevadíssima taxa de vacinação (obrigada, Almirante!), o número de mortos e internados em cuidados intensivos desceu enormemente e parece, por isso, desproporcionado - e, nessa medida, atentatório dos nossos Direitos Constitucionais - voltar às soluções de recolher obrigatório, de restrições à circulação, de encerramento de setores da economia, de comércios, serviços públicos, espetáculos. Temos de nos concentrar, sim, nos cuidados de que cada um de nós é capaz, apelar à consciência dos cidadãos, aconselhar o uso generalizado da máscara, o distanciamento físico. São pequenos incómodos, face àqueles outros remédios radicais, que paralisaram a vida económica, social e cultural do nosso e de tantos outros países, em todo o mundo. Que ninguém mais promova a “libertação” de cautelas e cuidados, como o Governo tão insensatamente fez, para logo desfazer, em clima de ameaças e temores… Estamos cansados de ilusões, inverdades, demagogia. Um exemplo muito"irritante": quem não se lembra de nos garantirem que a escola era segura, que não havia riscos de contágio na faixa etária dos alunos mais pequenos? Agora, está provado o contrário, e até aventam a possibilidade de vacinar as criancinhas, a partir dos cinco anos… 3 – Da minha longa lista de indignações, aqui deixo algumas que particularmente me chocaram, em matéria de Justiça. Penso num recente julgamento de um pedófilo condenado por abuso sexual de uma menina de quatro anos. Circunstância agravante: o criminoso era o próprio pai da vítima. A sentença foi de três anos de pena suspensa. O pedófilo saiu em liberdade! A mesma reação me despertou, há alguns meses, a benigna sanção dos três inspetores do SEF, que assassinaram, no aeroporto de Lisboa, Yhor Homeniuk, cidadão ucraniano, que vinha simplesmente, como tantos milhões de portugueses, ao longo de séculos, procurar trabalho honesto no estrangeiro. Foram apenas nove anos de prisão para Duarte Loga e Luís Silva e sete para Bruno Sousa. É neste contexto que se aguarda o desenrolar e desfecho de um processo, comparativamente menor, de um cidadão que, no final de uma partida de futebol, insultou e agrediu um operador de câmara de televisão, provocando-lhe ligeiras lesões e danificando o material. Ora, segundo os media – trata-se de um incidente muito mediático, é claro… - as penas por esta sucessão de atos delituosos poderão atingir doze anos! Isto é, uma sanção quatro vezes superior à de um ato repugnante de pedofilia parental e bastante mais elevada do que a aplicada numa história trágica e hedionda de tortura e de morte, em nome da autoridade do Estado. (Yhor, como sabemos, esteve dois dias confinado nas instalações/cárcere do SEF, e agonizou durante dez horas, falecendo de lenta asfixia). Quem quer comparar esta barbaridade a uma indesculpável, mas essencialmente impulsiva e disparatada rixa de final de jogo? Passando da indignação à irritação, direi que, para já, pelo menos, um jornalista… A pena de doze anos é ainda apenas uma hipótese mirabolante, mas que essa hipótese possa ser tão naturalmente avançada por um profissional da comunicação social, é, em si, coisa estranha. Que mentalidade é esta, que, no campo da Justiça, impera no nosso Portugal, em fins de 2021?

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