quarta-feira, 23 de junho de 2021

ESTADO DE CALAMIDADE DE DEMOCRACIA

ESTADO DE CALAMIDADE NA DEMOCRACIA Ainda somos um Estado de Direito? Vivemos longos meses em "estado de emergência", demasiadas vezes renovado, do qual passamos, sem respirar os ventos das liberdades constitucionais, para o chamado "estado de calamidade", que, em bom português, parece coisa pior, mas juridicamente não é. A fundamentação para, deste modo, "suspender" a democracia plena era "salvar vidas" e impedir o colapso dos serviços de saúde. Segundo as nossas autoridades, nenhuma dessas fatalidades é hoje provável. E, aliás, mesmo quando o risco era visível, (e ressurgente, ao sabor de confinamentos radicais e desconfinamentos levianos), as restrições só podiam ser as ajustadas, estritamente, ao objetivo. A fronteira entre o uso e o abuso do poder de cercear a liberdade, os direitos e garantias dos cidadãos assentava na racionalidade das medidas, na adequação dos meios ao escopo, em suma, na procura de uma rigorosa proporção, com ela assegurando a igualdade de tratamento das pessoas e das situações. Apesar de um sem número de exemplos de desnorte e arbitrariedade da parte da DGS e da Ministra da Saúde, os portugueses tudo iam suportando, com infinita paciência. O principal partido da oposição, por seu lado, escusava-se a denunciar erros e omissões, ou a apontar alternativas, e a elite dos nossos constitucionalistas assistia, impávida, à "radicalização" da DGS, sem nela vislumbrar ameaça à democracia. Talvez por melhor conhecer a matéria e melhor distinguir o essencial e o supérfluo no combate à crise pandémica, foi um médico especialista, Adalberto Campos Fernandes, antigo Ministro da Saúde de António Costa, e não um homem de Leis, o que primeiro ouvi a alertar para o desgoverno neste domínio, para a ultrapassagem dos limites de razoabilidade, pondo em cheque o "Estado de Direito", porque o "Estado de Direito" exige a igualdade de tratamento e a justificação dos normativos e ditames, assente numa base científica. Um condicionalismo que as autoridades se mostram incapazes de cumprir. No estado a que chegámos, é crucial, como diz aquele ilustre ex-Ministro, simplificar medidas, que as pessoas compreendam, e sair de uma espiral de contradições - lembremos as contantes e absurdas alterações dos horários de lojas, restaurantes, espetáculos, a inexplicável discriminação de uns setores face a outros, quando não de cidadãos nacionais perante estrangeiros..Na memória dos desmandos do ano louco de 2021 fica uma senhora que foi multada pela polícia por comer uma sanduíche dentro do seu próprio carro, a proibição de beber água no espaço público, de enfeitar janelas, portas ou montras com flores de papel, e de vender vasos de manjerico por altura dos Santos Populares... Por sorte para os responsáveis por tudo isto, o ridículo não mata!... Joana Amaral Dias é outra não jurista que se mostra chocada com a experiência governativa destes últimos meses, dizendo que nem Salazar teve tanto poder de condicionar as vidas dos portugueses. De facto, para além de nos terem confinado, vigiado, vedado o acesso às igrejas, aos funerais, aos cemitérios, aos cafés, aos recintos desportivos, às areias das praias e à vista do mar (em tempo invernoso!), ou aos bancos dos jardins públicos, tentam, sistematicamente, intimidar quem ouse pôr em dúvida a bondade das suas delirantes decisões - o que a senhora DGS fez até na AR, perante os deputados, como se estivesse ainda na antiga Assembleia Nacional... Neste capítulo, nem o Primeiro Ministro, insuspeito democrata, se salva, pois não resiste a zurzir qualquer crítico, como se fosse um inimigo da Pátria.. Anda mal habituado, pela notória falta de oposição política. Porém, afortunadamente, de repente, foi a gente anónima que se fartou de tanto desacerto. A revolução mental do 29 de maio O povo acordou no dia em que mais de 16.000 ingleses foram autorizados a assistir à final da Champions nas bancadas do Dragão, e 500 portugueses proibidos de entrar no Estádio do Jamor, para uma final de râguebi (depois de idêntica interdição ter atingido a final da Taça de Portugal de futebol, em Coimbra). Foi a gota de água... Já acontecera a noite verde e branca, que tumultuou as ruas da capital - prenúncio da viragem, ímpeto de retorno às antigas liberdades. Na esfuziante festa do SCP fora, por sinal, muitíssima mais compacta a multidão, mais numerosos os desacatos, mais violenta a repressão policial, (brigas de bêbados são rituais lisboetas de celebrações de campeonatos, ao contrário do Porto, onde a festa é sempre um São João convivial, que dispensa a vigilância das forças da ordem). O escândalo de Lisboa assumiu, porém, contornos de coisa menor, caseira, benevolentemente olhada, com o próprio Presidente da Câmara a encorajar a festança rija, pretextando ter perdido um email em que a Polícia se manifestava contra. Pela primeira vez, calou-se a voz da DGS, que saiu de cena e deixou o papel de vilão a um solitário Ministro Cabrita. O evento constituiu, em pandemia, um autêntico teste sanitário com desmesurada amostragem (digno de figurar no Guiness), e veio comprovar que o número de internamentos hospitalares não disparou, e menos ainda o de mortes por Covid 19, provocando, contudo, um "super contágio" (para usar a expressão do sportinguista Paulo Portas) e levando a juventude a perder o medo, e a animar a noite dos bairros populares, em confraternizações fora de horas e de regras, à maneira dos "hooligans" ingleses, sem precisar da adrenalina do futebol. E assim o vírus se multiplica, imparavelmente.. A nível interno, parece não haver consequências de maior - apenas se mudam, à pressa, os dogmas da DGS, de modo a não confinar a capital... mas não se mudam, com tanta facilidade, os critérios estabelecidos a nível internacional. A catástrofe abateu.se já sobre o nosso turismo, começando com o governo britânico a banir-nos da sua "lista verde", e podendo vir a ser seguida outros. O Algarve e os emigrantes portugueses do Reino Unido pagam, assim, o preço dos folguedos consentidos em Lisboa! E falta ainda saber se "Champions" agravou, ou não, o "panorama Covid" na região do Porto, após o previsível falhanço da "bolha sanitária" que o governo, com tanta ligeireza, nos prometera.. A verdadeira barreira que isolou os ingleses na Ribeira, na Avenida dos Aliados, na cidade inteira, foi uma "bolha cívica", espontaneamente criada pela população do Porto, que não se misturou com eles, nem participou em bebedeiras e desacatos. Em vão, o "Expresso", jornal sulista e elitista e, de vez em quando, sensacionalista, fazia nas vésperas do jogo, notícia com foto grande e manchete de 1ª página, profetizando "confrontos entre "adeptos ingleses e do FCPorto". No interior, dedicava, quase integralmente, a sua página 5 a uma crónica, cujo título sintetiza bem o conteúdo: "Alerta para confrontos entre "casuals" do FCP e hooligans antissemitas". Na edição seguinte, o Expresso esqueceu-se de referir o exemplar comportamento dos portistas, tal como o dos espectadores britânicos, que emolduravam o retângulo de jogo na final. Fora do estádio, a história foi outra, semelhante à da Albufeira e mais ajuntamentos algarvios - ou seja, muita cerveja na via pública, nada de máscaras, pequenas escaramuças de fãs bastante ébrios. Quanto a antissemistismo, manifestações de extrema direita e outras pragas anunciadas, felizmente, nada!... Proibir, sem mais, ou permitir, com regras, eis a questão... O que mais chocou os portugueses e desacreditou a autoridade irracional e despótica a que temos estado sujeitos, foi o a discriminação dos portugueses, tratados abaixo de estrangeiros no seu próprio país. Este despertar de consciências, ou sobressalto cívico, foi o que de positivo nos trouxe a aberrante dualidade de critérios, que se sentira, ao longo do ano e de toda a época competitiva, discriminando o desporto ao ar livre, e, em especial, o futebol (profissional, amador - e até o de formação!) se comparado com eventos culturais programados em espaços fechados. A desobediência em massa, e quase sempre pacífica, às regras draconianas em vigor, perante a passividade da polícia, tanto em Lisboa como no Porto, estimulou resistências e gerou novos comportamentos (que têm de passar pela liberdade de movimentos, plasmada em normas simples que já interiorizamos - uso de máscara, distância física, desinfeção das mãos). E deixou uma lição, (mais uma...) aos responsáveis máximos, no plano nacional ou local: não vão pelo caminho mais cómodo de proibir, proibir, proibir... Esse pode ser o último recurso, não deve nunca ser o primeiro! É preciso esclarecer as pessoas e confiar na sua racionalidade, na sua colaboração voluntária. Vejam o que aconteceu no futebol, o setor mais diabolizado pela senhora DGS: dentro dos estádios, a capacidade de organização daqueles clubes, onde foi, a título excecional, permitida a presença do público, revelou-se, invariavelmente, perfeita. O que correu mal, em Lisboa e no Porto, aconteceu fora, desafiando proibições. Do futebol bem podemos extrapolar para outros domínios (que gozam, imerecidamente embora, de melhor reputação). Vejamos o exemplo, as festas populares. Entre a proibição, pura e dura, de Medina e a iniciativa de Rui Moreira, ao criar espaços de diversão, com entradas controladas, não tenho dúvidas em recomendar o paradigma portuense, esperando que possa inspirar não só outros municípios, mas, também, o Terreiro do Paço!

SEM ALTERNATIVA

Maria Manuela Aguiar DE VEZ EM QUANDO SEM ALTERNATIVA 1 – Os grandes homens e as grandes mulheres revelam-se em tempos de crise, pela capacidade em passar do remanso da normalidade à gestão inteligente e eficaz do desconhecido, de catástrofes inimagináveis. Para nossa infelicidade, a pandemia de 2020/21 veio patentear a inexistência de políticos com esse perfil entre os que nos governam – ou desgovernam. O PM e o PR, agora reeleito, não conseguiram “agir”, mas tão só “reagir” à situação, e fizeram de conta que assumiam, não assumindo, as suas responsabilidades no caos em que tentamos sobreviver. Para além deles, no parlamento e nos partidos de oposição não parece haver ninguém com peso e influência na matéria. E os poucos que levantam a voz são, de imediato, intimidados com o labéu de “traidores à pátria”. E, assim, entramos no “inferno português” das chamadas segunda e terceira vagas, que, após breve hiato estival, sucedeu ao ambíguo “milagre português” da primeira vaga – o qual, creio eu, só foi possível graças ao atempado confinamento de março 2020, por iniciativa dos próprios cidadãos, impressionados pela imagens que chegavam de Itália, e contra a teimosa renitência governamental. Por isso, tendo o povo sido incitado a relaxar no verão, com multidões nas praias, e um público apelo à vinda dos turistas ingleses e espanhóis, (sem testes nem controlo à chegada, salvo na Madeira e nos Açores – bendita seja a Autonomia…), e tendo, depois, atravessado o outono, despreocupadamente, e passado o Natal em “shoppings” sobrelotados e festas de família, nos vemos, em janeiro de 2021, no topo da lista negra, em número de mortos pela pandemia (proporcionalmente à população) – perdido que foi, há muito e por completo, o rasto às cadeias de contágio. De bom, avulta o esforço constante dos profissionais de saúde, em cada um dos hospitais, (que até para transferirem doentes das unidades que esgotam recursos, pedem e dão apoios num eixo bilateral). e o de todos aqueles autarcas, que têm sabido estar no terreno, junto dos munícipes. Num programa de televisão a que assisti, recentemente, os presidentes das Câmaras de Gaia (PS), Viseu (PSD) e Loures (PCP) falavam, em tal sintonia, das soluções encontradas face aos ciclópicos problemas trazidos pela Covid, que, se não soubéssemos a sua cor política, era difícil adivinhá-la. Fui sempre regionalista e sinto-me, agora, não direi reforçada nas minhas convicções, porque já eram inabaláveis, mas com mais e melhores argumentos para as defender. Madeira, Açores e muitas autarquias são prova bastante da superior eficácia e sensibilidade destes governos de proximidade, quando comparados com o desnorteado governo da República. 2 – Cronologicamente, o último erro de monta a apontar aos nossos políticos é o da realização das eleições presidenciais, a 24 de janeiro, em plena pandemia! Na véspera, o número de mortos (272) e o de novos casos diários (mais de 15.000), constituíam novos recordes, mas nem isso moderava o entusiasmo de apelar ao voto, por parte de candidatos, governantes, CNE ou comentaristas dos “media” – todos, em uníssono, assegurando que o ato era realizado em condições de perfeita segurança. Quod erat demonstrandum… Com o meu pessimismo de hipocondríaca (caraterística, por acaso, partilhada com o Senhor Presidente da República), logo admiti como muito provável o aumento de contágios e de fatalidades, mormente nos grupos de risco – os velhinhos que a DGS quer sempre cautelosamente confinar, exceto quando está em causa o “superior interesse” de ganhar uma mão cheia de votos. Ora a democracia não morreria, se os mais vulneráveis escolhessem, sem pressões, ficar em casa, ao abrigo da exposição ao vírus e às intempéries, até porque os políticos não trataram de lhes dar, de facto, as condições de um voto seguro e fácil – por correspondência, ou meios digitais. E nem sequer, ao contrário do que acontece em países verdadeiramente preocupados com os seus idosos, (como os EUA, ainda no mandato de Trump, e, agora, no de Biden, a Alemanha da Senhora Merkel, a maioria dos nossos parceiros europeus), os colocaram na primeira linha de vacinação anti-Covid. Só por força de uma alteração de 25.ª hora, os maiores de 80 anos, que residem “em liberdade” (isto é, os que não cumprem autênticas penas de prisão em lares de idosos), serão, ao que parece, requalificados na lista de precedência de vacinação. (De fora fica, estranhamente, a faixa etária dos 70/79 anos). Em suma, estas eleições deveriam ter sido adiadas, em outubro ou novembro, quando as cadeias de contágio já cresciam assustadoramente, pela via de uma revisão – relâmpago de um artigo da Constituição na Assembleia da República. Em alternativa, poder-se-ia ter previsto, no texto constitucional, a faculdade do voto por correspondência, (de que já há experiência no nosso sistema eleitoral), e até do voto eletrónico, que é o futuro. Segundo a sondagem do “Expresso”, na véspera das eleições, ainda 57% dos portugueses queria o adiamento, contra uma minoria de 37%. Um povo bem mais avisado do que os seus representantes eleitos! Na verdade, só o adiamento do processo e (ou) a votação postal teriam garantido o voto a todos os cidadãos, nomeadamente os emigrantes e os que, por razões de saúde, ou de confinamento profilático, a partir do dia 14 de janeiro, viram, na prática, denegado esse direito. O PR soube lembrá-los como desculpa para a elevada abstenção, mas não contribuiu “ex ante”, para que fossem criadas efetivas condições de sufrágio universal. Uma palavra de especial agradecimento é devida aos milhares de portugueses que permaneceram por mais de doze horas nas mesas de voto, arriscando voluntariamente a sua saúde, apesar de todas as precauções certamente tomadas. 3 – O desenlace eleitoral não trouxe surpresas de maior. O Porto acompanhou o resto do país, muito embora, com Ana Gomes mais destacada à frente de Ventura e o portuense Mayan Gonçalves com votação superior à da sua própria média nacional. Ventura foi, em alguns “media” estrangeiros, chamado o “Trump português”. Talvez goste da comparação e não podem negar-se algumas similitudes de caráter, de pensamento e de estilo arruaceiro… Ambos atraem o eleitorado do “país profundo”, interior, menos letrado e menos desenvolvido, e, saliente-se, masculino – é sabido que, nos EUA, Trump ganhou na metade masculina, e Biden venceu, largamente, no país, graças às mulheres de todas as raças e idades. Em Portugal, Marcelo estará em Belém por mais cinco anos, sem polémicas nem contestação. É de outra ordem a dúvida que ficou no ar: em que medida podem estes resultados ser extrapolados para as próximas eleições legislativas? Uma sondagem da Universidade Católica, feita à boca das urnas, veio dar-nos uma primeira ideia sobre a redistribuição dos sufrágios de Marcelo (que colheu de todas as esquerdas à direita democrática), e os reequilíbrios partidários que se adivinham: um PS (com 35%), um PSD (com 23%), ambos em perda, mas continuando a dominar o largo “centrão” do espectro político. À esquerda e à direita, porém, anuncia-se que nada permanecerá como dantes. A extrema-direita (com 9%) e o centro- direita, do Iniciativa Liberal (com 7%) relegam o CDS/PP para uns residuais 2% – o mesmo que o PAN. O BE consegue segurar 8%, o PCP, derrotado no seu antigo reduto alentejano pelo discurso incendiário de”O Chega”, mantém a posição, (recuperando alguns fiéis tresmalhados) e o “Livre” não vai além de 1%. Que política de alianças permitiria o quadro em que esta sondagem profetiza? Uma nova “geringonça”, não menos instável? Uma (praticamente) impossível reedição do “Bloco Central” de Mário Soares e Mota Pinto? De fora, por força da estatística, e não só, deve ficar o paradigma açoriano… Brada o Ventura que o PSD não pode ser governo sem “O Chega”. Bem pelo contrário: o PSD não pode, a meu ver, nunca, ser governo com “O Chega”! Ganhará, sim, talvez, no plano interno, com ou sem CDS, um novo parceiro possível, ideologicamente distinto, mas decente e democrata – o IL – depois de, a nível internacional, ter pertencido, por largos e bons anos, à Internacional Liberal. No horizonte próximo, este (des)governo não se verá, provavelmente, ameaçado por qualquer alternativa. Não se sabe, porém, se o Presidente andará mais desperto e pronto a “apagar fogos”…

ENTREVISTA DEFESA DE ESPINHO

1 – O Natal está a aproximar-se e a o coronavírus não se vai embora. Tem vivências de outros tempos tão difíceis e delicados? - Estamos a viver nesta quadra do Natal uma realidade de que não existe memória - nem mesmo há um século, durante a "gripe espanhola", no que respeita à mobilidade e paralisia da vida societária. Parece-nos irreal, como se estivéssemos dentro de um filme de ficção científica, não é? E o filme ainda vai a meio, não temos saída para breve e não podemos fazer, a meio, um pequeno intervalo, para conviver à volta de uma mesa. Se o fizéssemos, para gozar o Natal do costume em família alargada, as consequências seriam terríveis. Os responsáveis têm de dizer isto, sem titubear, em vez do discurso facilitista que faz de nós patetas ou crianças grandes - acenando com a miragem de livres celebrações natalícias se nos "portarmos bem" e baixarmos o número de contágios até ao fim da semana anterior. Melhor seria pensar no que vai acontecer na semana ou semanas seguintes, com mais um provável pico de contaminação! É preciso falar claro aos Portugueses, que têm sabido, bem melhor do que as autoridades, tomar as medidas que o bom senso recomenda. Acho que se pode confiar neles, que não é preciso impor as limitações pela força e controle policial, mas que se deve alertar para os perigos. Se me permite, aqui deixo votos de Feliz Natal para todos os espinhenses, este ano vivido mais em espírito do que em abraços... 2 – Ano velho, ano novo! O ano de 2020 será o fantasma de 2021? A pandemia (com maior ou menor dificuldade) será superada? Ou não será assim tão linear… - Infelizmente, já podemos ter uma certeza: uma parte significativa de 2021 será igual a 2020, com máscaras e distanciamento físico. A vacinação em massa é motivo de esperança, se correr pelo melhor. Um "se" complexo... De qualquer modo, como agora todos estamos convertidos em virologistas amadores, eu permito-me avançar a minha previsão: 2021 será dividido a meio, o primeiro semestre igual a este 2020 e o segundo a anunciar a normalização total de 2022! Que bom poder ir a estádios cheios de gente, a lançamento de livros e a exposições, ao cinema Trindade e aos alfarrabistas do Porto, andar sem máscara na rua e sem álcool-gel na carteira, pegar em criancinhas ao colo e viajar para Lisboa, Londres ou Toronto... A "grande vida", a liberdade! 3 – A culpa é do vírus ou é das pessoas? - Olhando o que se passou ao longo destes últimos 10 meses, eu diria que há culpas repartidas. Não somos culpados pelo súbito aparecimento do vírus (ao menos fora do país onde nasceu e cresceu), mas sê-lo-emos, em parte, pela sua persistência. Para já, ele está aí. Veio para ficar. Quando erguemos barreiras, não consegue espalhar-se. Quando baixamos a guarda , multiplica-se vertiginosamente. Culpa dos governos, em primeira linha, por terem tomado medidas ziguezagueantes e dado sinais confusos, como aconteceu em toda a Europa, e não só cá, mas também dos cidadãos, quando se descuidam, por cansaço e impaciência. As chamadas "vagas" da pandemia não se devem ao vaivém do vírus (que permanece, sem mutações de vulto), mas à alternância dos "confinamentos" e "desconfinamentos" apressados... Nada justificou a excessiva abertura no verão, porque o número de casos continuava muito alto. 4 – Tem saudades dos contactos com os emigrantes? A diáspora lusa ainda é o que era? É verdade que tenho muitas saudades. Desde o início do meu trabalho na emigração, iniciado há exatamente 40 anos, por dever de ofício, no governo e no parlamento, e continuado, até hoje, em "voluntariado", este foi o primeiro ano em que não pude fazer uma só visita a comunidades da emigração! Ia partir, em março, para participar no Dia Internacional da Mulher, organizado pelo jornal "Luso-presse" de Montreal e tive de cancelar a viagem, no último momento. Vou mantendo contactos em debates e entrevistas por "zoom", "facebook", "skype"... São estas novas tecnologias que nos vão valendo! 5 – O que é “ganhou” enquanto secretária de Estado das Comunidades Portuguesas? E o que é ficou por fazer? - Ganhei uma outra visão do nosso País, da nossa gente, do modo como recria espaços de vivência e cultura nos cinco continentes do mundo. Quando dizemos que somos uma "Nação de comunidades", mais Povo do que território, estamos a fazer o retrato de uma realidade, que anda muito esquecida no nosso dia-a-dia, dentro de fronteiras. Raras vezes olhamos esta dimensão, o que ela nos acrescenta e engrandece. Os emigrantes, pelo contrário, são de uma dedicação e solidariedade sem limites para com a terra de origem, e é por isso que a transportam consigo e a recriam, visivelmente, no meio associativo, em manifestações coletivas ... A Diáspora não é uma estatística. Pouco importa, de facto, a quantidade, a mera soma de portugueses radicados numa determinada cidade ou região, o que mais conta é a capacidade de criar estruturas, instituições, e, através delas, assegurar o convívio, as festas, os rituais, os valores identitários, legados aos mais novos. Uma comunidade em sentido sociológico é isto. Não são números, são sentimentos e gestos concretos. Ficou muito por fazer nas ajudas concretas (os meios foram sempre poucos), na mobilização, no estabelecimento de redes de contacto e convívio entre comunidades que se ergueram por si, sem apoio do Estado... Este ano comemora-se o 40º aniversário da criação do Conselho das Comunidades (um projeto de Sá Carneiro, que me coube executar no seu Governo), que prossegue esse objetivo fundamental - promover o reencontro dos emigrantes entre si e com o País. 6 – Ser “portuga” por esse mundo fora enche a alma e dá alento para quem vai à procura de uma vida melhor? - Sim, dá, quase sempre, uma vida melhor! O sucesso dos que partiram incita os outros, família, vizinhos, a seguirem o seu exemplo. Esta é, em síntese, a história da nossa emigração! Os portugueses, aos milhões, ganharam essa aposta, individualmente, o País ganhou uma inesperada e espantosa componente extra-territorial, para além das esperadas e astronómicas remessas, mas continua na cauda da Europa, ao menos no que respeita a desigualdades, baixos salários, trabalho precário, inferiores expetativas de carreira - desfasamentos que são a causa mais eficaz da expatriação secular, imparável, até hoje... Já tenho dito, e repetido, que a revolução de 74 foi a única verdadeira revolução da Liberdade, aquela que veio , enfim, conceder o direito de emigrar, incondicionalmente, e, todavia, mais de quatro décadas depois, os governos ainda não conseguiram dar aos cidadãos o "direito de não emigrar", ou seja, de viver confortavelmente na sua terra... 7 – Já ninguém parte com uma mala de cartão… E nem todos cantam… - Não sei se estou inteiramente de acordo com a afirmação. De facto, embora o que mais chame a atenção seja a chamada "nova emigração" de jovens altamente qualificados (um autêntico "brain drain", que devia arrepiar os nossos governantes...), a maioria ainda é muito parecida à do passado longínquo, a tal da "mala de cartão", símbolo de pobreza e falta de bagagem académica e profissional. Em muitos casos, é apenas um movimento sazonal, como revelam as estatísticas oficiais. A presente crise vai ter consequências neste setor, mas não é fácil prever quais. Pode, suponho, travar, conjunturalmente, novos movimentos, sobretudo nas migrações de perfil tradicional, mas, depois, vai depender do ritmo de recuperação no nosso e nos outros países. Certo é, sim, que os candidatos mais qualificados, os médicos e enfermeiros que agora faltam no SNS, os engenheiros, ou os cientistas, encontrarão sempre menos obstáculos... 8 – Foi também um privilégio ter sido vereadora da Cultura de Espinho? Cidade que lhe diz tanto e que adotou para viver… - Foi uma experiência surpreendente. E eu gosto de surpresas - das boas surpresas, é claro... Nunca imaginei que o "governo local" revelasse potencialidades, que não ficavam atrás do governo central - mesmo para quem, como eu, vinha de um pelouro com ação "planetária", sem fronteiras. Não esperava encontrar tanta competência e tanto entusiasmo nos meus colaboradores - os melhores que tive, depois de ter estado em funções em cinco governos da República. Fiquei, contudo, com a ideia de que não será nada fácil encontrar funcionários de tanta qualidade humana e profissional em serviços municipais similares, de norte a sul do País... Aqui em Espinho, sei que me saiu a sorte grande! Era um verdadeiro prazer reunir com as chefias e pensar, em conjunto, o desenvolvimento dos programas culturais, dando continuidade ao que vinha de trás (não eliminei nada, era tudo válido e de qualidade) e preparando novos projetos, exigidos, desde logo, pela comemoração do centenário da República. Não tínhamos dinheiro para nada, mas não nos faltavam ideias e boa vontade . É incrível o que se conseguiu levar a cabo nessas condições, em 18 meses... Sentávamo-nos à volta da mesa redonda, o debate fluía, quando chegávamos ao fim, os projetos estavam totalmente reformulados e eram de todos -já nem sabíamos quem tinha proposto o quê... Dramático foi, porém, neste ambiente tão caloroso, a morte da Drª Isabel e, depois, da Drª Beatriz, duas grandes senhoras - inesquecíveis! Desse quarteto admirável, só a Drª Idalina e o Dr Bouçon continuam em plena atividade na Câmara. Naquele belo edifício da antiga conserveira, que eu sonhava ocupar com uma diversidade de núcleos de animação, como um museu do violino (o Engª Capela propunha-se montar ali uma autêntica oficina de "luthier"), um clube de jazz (com um grande nome à frente), um café, com vista para o mar... Falo do que não aconteceu. O que aconteceu é sabido. Gostei particularmente de dar uma contribuição para pôr "nomes às coisas", às Galerias Souza Cardoso, à Biblioteca José Marmelo e Silva... Se tivesse estado na Junta de Freguesia, lá teria sugerido que a bela galeria do 1º andar, se chamasse "Conde de Ferreira". Nada mais justo, pois o edifício foi doado por ele (para a escola primária) à cidade de Espinho... Compreende-se a reconversão dos edifícios a outras finalidades, mas não o esquecimento dos beneméritos, que em Portugal é a regra, não a exceção. 9 – Mas também tem orgulho em ser da dita terra do nabo e das nozes? Ainda lá estão as origens… É verdade que sim. Até nisso me sinto identificada com os emigrantes, no duplo sentimento de pertença à terra de origem, Gondomar (onde morei apenas dez anos, mas onde a família materna remonta, nuns ramos, ao século XVI e, noutros, ao século XVIII), e a Espinho, que foi o meu paraíso de férias, desde a infância, e que escolhi para viver há mais de 45 anos. No verão de 1950, meus pais prolongaram a estadia na pequena casa de férias da Rua 7, que, há muito, pertencia aos meus bisavós, e eu cheguei a frequentar, ao longo do 1º trimestre, a Escola da Rua 23 . 10 – Em Gondomar não andaria tanto... e tanto a pé como em Espinho… Tem rio mas não tem mar. E o mar de Espinho o que é que lhe diz? Em Gondomar, nem sequer tinha o Douro à vista, porque sou do centro de São Cosme... Mas nasci e vivi com os meus Pais em casa da Avó materna, um casarão, cercado de dezenas de árvores, de todas as formas e feitios, e com um extenso terreno nas traseiras, onde podíamos correr e brincar à vontade. Éramos terríveis, trepavamos às árvores, como se estivéssemos na nossa "selva" privativa, saltávamos das janelas do 1º andar, por cima de roseiras altas... Milagrosamente, nunca nos magoamos. Mas confesso que o mar me fazia falta. Era sempre uma alegria vir para Espinho no verão, os mergulhos nas ondas altas da praia azul, a natação na piscina, o vaivém na Avenida, os cinemas (60 filmes por mês, com a programação do S. Pedro e do Casino)... Que saudades! 11 – Sendo uma fervorosa adepta do Futebol Clube do Porto, já alguma vez sentiu uma indómita vontade de descer da bancada do antigo estádio das Antas ou do novo estádio do Dragão para entrar no relvado e mudar o “o jogo” ou rematar à baliza? Como me compreende!... Fui uma fanática do futebol, desde pequena. De todos os desportos, mas mais do futebol e do ciclismo, por sinal, os mais populares. Agora, sou mais do género "treinador de bancada" e, em vez de querer entrar em campo, o que me apetecia era mandar para lá alguns dos "imortais" que não têm sucessor, como Baía na baliza, Gomes nos remates certeiros, ou Deco a jogar e a fazer jogar... Ou, se fosse um pouco mais atrás, Pedroto, depois Pavão, a darem jogo, e Jaburu a marcar golos. Jaburu, brasileiro de Minas Gerais, como Yustrich, era uma espécie de cruzamento entre Hulk e Jardel - mais Hulk, porque corria, velozmente, o campo todo... 12 – Jogava à bola quando era mais nova? Era tecnicista ou era bola para a frente? - A partir da 3ª classe, tornei-me aluna do Colégio do Sardão, que parecia um colégio inglês, cheio de recintos desportivos, ginásio,"court" de ténis, campos de basquete, volei, andebol. Pertenci às equipas de todas as modalidades (embora sem atingir o escalão da Graça Guedes que viria, depois, a ser campeã nacional de voleibol em Espinho). Só o futebol era proibido às meninas, mas eu organizava jogos clandestinos. Uma ve, fui apanhada e chamada à Mestra.Geral, com muito receio de apanhar o castigo máximo. Mas não, com muita graça, a normalmente severa e temida senhora disse-me;" Não é jogo próprio de meninas, mas como eu sei que és uma apaixonada, vou abrir uma exceção: tu podes jogar futebol, as outras não".. Como organizadora dos torneios proibidos, eu escolhia a minha posição de "avançado-centro" e marcava muitos golos, As minhas colegas ainda hoje dizem que era ótima, mas eu sei que não. Muita energia e velocidade,tinha!. Técnica ou visão do jogo em campo, não... Era, como diz, "bola para a frente". Às vezes, até me perdia e saía com bola pelo retângulo fora.. Note: não me limitava a adiantar a bola, saia, eu também, com a bola no pé... No andebol, o nosso treinador, Edgar Tamegão (o único homem, para além dos padres, admitido, em funções naquele colégio de Doroteias) fez um teste para guarda-redes, e mandou-me logo para a baliza. Aí, era surpreendentemente eficaz, tinha nascido para aquilo, mas não gostava nada... Sentia-me "confinada", na minha área. Para além de jogar, também fazia relatos imaginários, que entusiasmavam as minhas companheiras nos recreios. Nesses relatos, o FCP ganhava sempre, com inúmeros golos, tão gritados, que a pretensa locutora ficava rouca... E é tão feminista?! - Continuo igual ao que fui, sempre. Sabe, a minha avó materna, Maria Aguiar, cidadã e paroquiana muito interventiva e influente, mas extremamente conservadora, passava o tempo a interditar atividades: "uma menina não faz isso!". Não trepa às árvores, não joga a bola na rua, não anda pendurada nos elétricos... E eu pensava: "Mas porque não? Sou tão capaz como os primos, em qualquer dessas brincadeiras". Assim nasceu o meu feminismo. Não é nada contra os homens, é contra os preconceitos. Pela igualdade. - 13 – A igualdade do género ainda conversa de treta nos tempos de hoje? - Para mim, é uma causa pela qual vale a pena lutar, num tempo em que não só tantas discriminações permanecem, como até se começa a negar a sua existência, ou, ainda pior, num verdadeiro retrocesso civilizacional, a justificá-las como sendo boas. Esse discurso de uma extrema direita agressiva e brutal, que grassa nos EUA de Trump e em outras partes do mundo, e já chegou cá, ainda em miniatura, constitui a maior ameaça ao futuro da democracia. Hoje, na Europa, o perigo vem da extrema direita. Antifeminismo, racismo e xenofobia andam a par, como se constata pelo discurso dessa extrema-direita. E têm de ser combatidos com as mesmas respostas, com os mesmos valores humanistas. O feminismo, como eu o vejo, é uma componente do humanismo perfeito, não é um machismo ao contrário. Apela ao bom entendimento e solidariedade entre os sexos, como entre nacionais e estrangeiros. Com esta visão das coisas, depressa compreendi os problemas centrais da emigração, porque defender os excluídos, os marginalizados, sejam as mulheres, os estrangeiros ou os negros, é missão da mesma natureza. 14 – A violência doméstica é sinal primitivo ou da sociedade que vive de aparências, silenciosa e inativa quando o problema é dos outros e de quem sofre? - Certamente que é um sinal primitivo, embora subsista em sociedades que se consideram avançadas. É sempre um sinal de cobardia exercer a violência sobre os fisicamente mais fracos. E é um comportamento inqualificável, qualquer forma de descaso ou a condescendência da parte de quem pode e deve intervir - o Poder. Quer se trate de mulheres ou homens, crianças ou velhos. O mais chocante e recente caso, em Portugal, foi o assassinato de Ihor, um indefeso estrangeiro por agentes do SEF. Chocante, o silêncio das autoridades neste caso, e a demissão da Diretora Geral só agora, dez meses depois. Não foi violência doméstica, mas foi um crime infame no interior de uma sala escondida e fechada, como são os espaços em que, quase sempre, se exerce a violência doméstica. 15 – A política faz parte da sua vida, ou a sua vida é que faz parte da política? - Vou mais pela primeira, no sentido de que a política pode e deve fazer parte da vida de todos nós - a política enquanto atividade cívica, exercício da cidadania... Tenho uma especial admiração pelos que se envolvem na sua comunidade, quer através de partidos, quer pelo trabalho nas instituições da chamada sociedade civil - dirigentes associativos, bombeiros, voluntários das mais diversas formas de solidariedade, seja na emigração, seja dentro do País. 16 – Era uma deputada respeitada por todas as bancadas na Assembleia da República, fosse à direita, ao centro ou à esquerda. E também havia “fait-divers” e momentos de convivência com outros quadrantes partidários? - Fui educada assim, na minha família, onde sempre conviveram os opostos, primeiro monárquicos e republicanos, depois, democratas e salazaristas, anglófilos e germanófilos durante a guerra, filiados ou simpatizantes de vários partidos, após o 25 de Abril. Depois, estudei em Coimbra, onde era normal a convivência entre colegas de esquerda e direita. Eu tinha quadrante ideológico, era Social democrata "à sueca", como Sá Carneiro, e PPD, desde 74, mas independente, sem filiação partidária. E foi isso que, paradoxalmente, em 1978, me levou a um governo de "independentes", chefiado pelo Doutor Mota Pinto. Por isso, depois de aderir ao PSD, em 1980, mantive, esontaneamente, esse tipo de comportamento, quer no governo, quer na Assembleia da República. Sei que não era muito comum, por exemplo, ser mais amiga de Miguel Urbano Rodrigues, do PCP, ou de Carlos Luíz, do PS-emigração, de Paulo Portas e Anacoreta Correia, do CDS, ou de Natália, do PRD, do que da maioria dos colegas de bancada. No hemiciclo de São Bento, em 1981, os meus primeiros debates foram com um especialista de emigração do PCP, Custódio Gingão, que era extremamente aguerrido. Eu respondia no mesmo tom e os nossos despiques eram tremendos! Até que um dia me lembrei de lhe agradecer, a meio de uma intervenção, dizendo que ele me estava a ajudar imenso no meu "tirocínio parlamentar". Era verdade... A partir daí, ficamos amigos, as discordâncias de fundo mantiveram-se, é óbvio, mas o tom esmoreceu bastante, de parte a parte... Histórias não faltam, falta-me o tempo para as contar... 17 – O filme “Snu” trouxe-lhe gratas recordações? - Vi-o mais do que uma vez, na sala de cinema e, depois, na televisão, Como filme é "assim-assim", não fica na história do cinema português, mas a intenção foi boa, é uma merecida homenagem a Snu, bem interpretada por uma excelente atriz e bem retratada (tanto quanto sei, só estive com ela em encontros breves). Já o Dr. Sá Carneiro é, no capítulo político, sem culpas para o ator, muito mal apresentado... Homem firme, capaz de rupturas, como se sabe, reagia, invariavelmente, como mandava uma esmerada educação: sem levantar a voz, com um perfeito controle de si, em qualquer situação. O tom podia ser frio e cortante, mas era, sobretudo, muito civilizado. Ver no ecrã um Sá Carneiro aos gritos, ou a bater com as portas, é inverossímil, é um disparate! Dele é, assim, dada uma imagem completamente distorcida, e ao gosto dos seus maiores inimigos. Estranhei que ninguém do PSD oficial o dissesse. 18 – Para além de Sá Carneiro, também nutria simpatia pessoal por Mário Soares e por Mota Pinto… E era uma das “mães” de Paulo Portas… Sim, e, para completar o quadro, pode acrescentar o General Ramalho Eanes. Sei que todos estes grandes políticos, que tanto admiro, não se admiravam, necessariamente, entre si... Todos democratas, mas trilhando caminhos diferentes, com diferentes programas, estratégias e "timings" para atingir o mesmo fim - frequentemente, em oposição frontal, uns aos outros. Sá Carneiro tinha mais o sentido da urgência, queria uma democracia "à europeia", no imediato, acreditava na capacidade do Povo para a viver livremente, sem a tutela militar do "Conselho da Revolução". O General Eanes, como Presidente, estava à frente do Estado, das Forças Armadas e do Conselho da Revolução, cuja ação via como fundamental na construção progressiva da arquitetura democrática. Estive convictamente com Sá Carneiro e considero que a História lhe deu razão, porque o Povo estava preparado para a democracia, então tanto como hoje... Mas a História, quatro décadas depois, também mostra o General Eanes como um Português exemplar, que, afinal, queria tudo para o País, não para ele próprio. Não agia com um projeto de poder pessoal. Tivemos muita sorte com a qualidade destes "pais fundadores" da nossa democracia (não esquecendo Freitas do Amaral e Amaro da Costa, no quadrante da democracia cristã, centrista e soidária). Já não há políticos com essa estatura! E talvez nunca mais haja tantos, num mesmo cenário temporal. Foi um autêntico "milagre português". Pessoalmente, sentia por Sá Carneiro verdadeira fascinação, considerava Mota Pinto um homem de inteligência fulgurante e de uma imensa generosidade, e Mário Soares um político perfeito. E todos, incluindo o General, tinham uma virtude, para mim muito importante: o sentido de humor! Muito pessoal, em cambiantes muito diversos, mas no mesmo grau elevadíssimo! Com todos mantive um relacionamento amigo e tão descontraído quanto possível, tratando-se de altas figuras da Pátria e sendo todos mais velhos do que eu... Paulo Portas é outro caso, no sentido de que não é um pai, mas sim um filho, muito precoce, da democracia. Conheci-o, em reuniões do PSD, com 14 ou 15 anos, e logo o achei-o um rapaz super inteligente, vivíssimo, encantador. Não era a única das militantes do partido a pensar assim, e, por isso e, quando fui apresentada à Mãe, a Drª Helena Sacadura, não fiquei admirada com essa frase tão divertida: "Sei muito bem quem é. É uma das mães do Paulo!". Tal como o filho, é encantadora. 20 – Qual era o presente que gostaria de receber no Natal? No Natal confesso que prefiro dar presentes a recebê-los. Este ano, espero oferecer a toda a família e a alguns amigos um livro que está a ser ultimado na gráfica - um blogue, com histórias soltas de várias gerações de Aguiares. Um blogue transposto da internet para o papel... 21 – Figuras nacionais que mais admirou e/ou admira? E estrangeiras? No campo político, as personalidades estrangeiras que mais me marcaram foram John Kennedy, Mandela, Trudeau (o pai do atual). Mais recentemente, Hillary Clinton... Portugueses, os que conheci de perto e de que já falei. Fora da política, onde é mais fácil encontrar grandes mulheres, Agustina, Amália, Natália Correia, Maria Barroso (que foi política também, mas não só). E as nossas feministas de novecentos, como Ana de Castro Osório, Maria Archer, Maria Lamas e as "sufragettes" inglesas, lideradas por Mrs Pankhurst (que nunca conseguiu ser eleita deputada, mas tem a sua estátua em frente ao Parlamento mais famoso da Europa). 22 – Quais são os livros preferidos? E os autores que mais aprecia ou quem melhor se identifica? - Tenho muita dificuldade em responder a esta questão, porque não há, para mim, uma predileção por um género literário que exclua os outros... Gosto de biografias e autobiografias, políticas ou não (li há pouco a de Woody Allen, vou começar a de Obama, sobre a sua presidência, e tenho em lista de espera a de Virginia Woolf, 1927/41). Também sou fã de livros policiais - Agatha Christie, Ruth Rendell, Sara Paretsky e outras -falo, assim, no feminino, porque é uma área hoje, surpreendentemente, dominada pelas mulheres... E de romancistas, os do passado, mais Eça do que Camilo, mais Marmelo e Silva do que Vergílio Ferreira, e os mais recentes, como Mário Cláudio ou a incomparável Agustina. Brasileiros como Luís Montello e Érico Veríssimo, e os da língua inglesa, a minha língua estrangeira favorita. São tantos! Ultimamente, ando entretida a ler Alice Munro, Julian Barnes, Philip Roth... Desde que abriu a Bertrand em Espinho, tenho os cantos da casa cheia de livros novos, em fila, à espera de vez... Comprar também é um prazer! 23 – E quais são os filmes da sua vida? E ainda vai ao cinema, mas sem pipocas… - A minha geração, como a dos meus pais e avós, ainda tem a paixão pelo cinema (e sem pipocas ...). Sou, aqui em Espinho, uma das pessoas mais assíduas nas sessões da tarde do Multimeios. Para dar uma resposta breve, direi que vejo tudo, só evito ficção científica e terror. Tenho muitos"filmes da minha vida"... de Orson Welles, de Ingmar Bergman, da "Nouvelle Vague" da minha juventude, Godard, Truffaut, Agnès Varda... Italianos, também. Revi agora, há pouco, os de Fellini na televisão. Mas o meu género preferido é, definitivamente, a comédia e o realizador Woody Allen... 24 – Quem é ou foi (ou é) o melhor treinador e o melhor futebolista? - Esta é uma pergunta de resposta mais fácil no que respeita a treinador do que a jogadores. Treinador: Yustrich! Venceu o primeiro campeonato da minha vida, em 1956, contra tudo e contra todos, e ficou para sempre no coração dos portistas dessa geração. Eu estava nas Antas, com o meu Pai (éramos ambos sócios), no jogo final e decisivo contra a Académica, que "pôs o autocarro em frente da baliza"! Tinha quase 14 anos... Sofri muitos desgostos, na fase anterior a Pinto da Costa. Jogadores fantásticos, são tantos! Se tenho de indicar um , só pode ser o DECO, o nosso Maradona. Genial

A BOLHA CÍVICA QUE SALVOU O PORTO

A "BOLHA SANITÁRIA" ESPONTÂNEA QUE SALVOU O PORTO Estado de calamidade na democracia Este extraordinário país que é o nosso, não pára de nos surpreender, em tempos de pandemia - ora somos os melhores, ora os piores da Europa (ou do mundo), sem perceber exatamente como nos desviamos, num instante, do caminho virtuoso ou, como, depois de bater no fundo, conseguimos recuperar tão depressa. Uma espécie de "montanha russa" que sobe e desce vertiginosamente, sob impulso de forças misteriosas... Longos meses vivemos em "estado de emergência", demasiadas vezes renovado, transitando, sem respirar os ventos das liberdades constitucionais, para o chamado "estado de calamidade", que em bom português parece coisa pior, mas juridicamente não é. A fundamentação para, deste modo, "suspender" a democracia plena era "salvar vidas" e impedir o colapso dos serviços de saúde. Diziam-nos, até há pouco, autoridades políticas, sanitárias, científicas (e outras que a Covid 19 revelou), que nenhuma dessas fatalidades era doravante provável. Porém, com a emergência de novas variantes e um razoável, ainda que insuficiente, ritmo de vacinação, já alguns políticos ou especialistas começam a vacilar.... O risco ressurge, a espaços, no vaivém de confinamentos radicais e desconfinamentos levianos, e, com ele as restrições, muitas delas sem qualquer lógica ou rigor, o que tem um tremendo significado, em termos juríco-constitucionais e democráticos. A fronteira entre o uso e o abuso do poder de cercear liberdades, direitos e garantias dos cidadãos é delimitada pela racionalidade das medidas, pela procura de uma rigorosa proporção, que assegure a igualdade de tratamento das pessoas e das situações. Apesar de um sem número de exemplos de desnorte e arbitrariedade, em especial da parte da DGS e da Ministra da Saúde, os portugueses tudo foram suportando, com infinita paciência. O principal partido da oposição, por seu lado, escusou-se a denunciar erros e omissões, ou a apontar alternativas, e a elite dos nossos constitucionalistas assistiu, impávida e muda, à "radicalização" da DGS, sem nela vislumbrar ameaça à qualidade da democracia. Talvez por melhor conhecer a matéria, e melhor distinguir o essencial e o supérfluo no combate à crise Covid, foi um médico, académico e especialista de saúde pública, Adalberto Campos Fernandes, antigo Ministro da Saúde de António Costa, e não um homem de Leis, o que primeiro ouvi a alertar para o desgoverno, a ultrapassar a tal fronteira de razoabilidade, e, por isso, a colocar em questão o "Estado de Direito".... Na verdade, exige este a justificação dos normativos e ditames, em bases científica, racional, pragmática, que as autoridades se têm mostrado incapazes de aduzir. No ponto a que chegámos, é crucial, como disse o ilustre ex-Ministro, simplificar medidas, que as pessoas compreendam, e sair de uma espiral de constradições - lembremos as contantes e absurdas alterações dos horários de lojas, restaurantes, espetáculos, discriminação de uns setores face a outros, e até de cidadãos nacionais perante estrangeiros. Vimo-nos emparedados, vigiados, com acesso vedado a igrejas, funerais, cemitérios, areias da praia e vistas de mar (mesmo em dias invernosos), passeios de carro, cafés, recintos desportivos... Na memória das curiosidades do ano louco de 2021 fica o caso de uma senhora multada pela polícia por comer uma sanduíche dentro do seu próprio carro, a proibição de beber água no espaço público, de enfeitar janelas ou montras de lojas e restaurantes, com flores de papel, e de vender vasos de manjerico na véspera do S João (aconteceu em 2020, este ano parece-me que a proibição da festa-convívio, já não se estende a inertes objetos decorativos...). Por sorte para os responsáveis por este "policiamento de costumes, símbolos e imagens", o ridículo não mata! A revolução mental de maio de 2021 A gota de água que despertou no povo a consciência da discriminação inconstitucional e aberrante foi a realização da final da "Champions" no Dragão, com uma assistência de mais de 16.000 ingleses na precisa altura em que 500 portugueses eram proibidos de entrar no Estádio do Jamor, para uma final de râguebi, depois de idêntica interdição ter atingido a disputa da Taça de Portugal de futebol, em Coimbra. Os prenúncios de viragem, contudo, já vinham de trás. Podem datar-se, com precisão, na noite verde e branca, que tumultuou as ruas da capital, em pleno gozo da liberdade de estar ludicamente, à vontade como dantes, no espaço público. Na esfuziante festa do SCP foi muitíssimo mais compacta a multidão de adetos portugueses, do que a dos britânicos no Porto... mais numerosos, também, os desacatos, e mais violenta a repressão policial - brigas de bêbados, é sabido, são rituais lisboetas de celebração de campeonatos, ao contrário da tradição portuense de festejar vitórias em ambiente de São João convivial, que dispensa a vigilância das forças da ordem. Com este gigantesco ensaio de "desconfinamento total" se inaugurou, sem sombra de dúvida, a já chamada 4ª vaga pandémica. Os responsáveis pelo surto aí desencadeado foram, em primeira linha, o Presidente da Câmara de Lisboa, a incontornável DGS a a Ministra que é suposto tutelá-la (difícil é, de facto, saber quem tutela quem...). Porém, os três têm conseguido, com a cumplicidade dos "media" da capital, (sobretudo das televisões), rodear de cúmplice silêncio a sua ação ou omissão no evento de consequências catastróficas, deixando no terreno a arcar com culpas, pelo menos neste caso alheias, o badalado Ministro Cabrita e a polícia. Do acontecido nessa noite só poderão ser inocentados os adeptos sportinguistas, acima de 100.000, que andaram irmanados em cânticos e abraços, pelas ruas, até às 4.00 da madrugada, porque a isso foram encorajados pela agenda autorizada de festejos, que incluiu ecrã gigante para fãs às portas de Alvalade e passeio do autocarro dos campeões por avenidas pejadas de "manifestantes" ( na sua esmagadora maioria muito pacíficos) até às 4.00 da madrugada. O escândalo de Lisboa foi desvalorizado, de mediato, na narrativa oficial e assumiu contornos de coisa menor, caseira, olhada benevolentemente... sem por isso deixar de ser a origem de um "super contágio" (para usar a expressão do sportinguista Paulo Portas), potenciado, nos dias e semanas seguintes por uma juventude à solta, na noite dos bairros populares, já sem qualquer ligação à adrenalina do futebol. A desgraça logo se abateu sobre o turismo, começando com o governo britânico a banir-nos da sua "lista verde". O Algarve e os emigrantes portugueses do Reino Unido foram os primeiros a pagar, assim, o preço dos folguedos consentidos pela DGS e pela edilidade de Lisboa, contra o avisado parecer da polícia. Vem agora, a Srª Merkl chamar a si o julgamento de mais um retrocesso português, atribuindo culpas à UEFA a aos ingleses, como se a final da Champions o tivesse desencadeado. Engana-se a ilustre senhora- ou foi enganada pelas manchetes que, cá dentro, fizeram opinião! Deveria, antes de discursar, ter estudado a cronologia e o mapa geográfico da pandemia nacional. "Facta": o agravamento deu-se logo na segunda metade de maio, não em junho, e com epicentro em Lisboa, a 300 quilómetros do local de ajuntamento de adeptos ingleses. No Porto, onde realmente estiveram, não deixaram rasto da variante nepalesa!... Aqui, a norte, os números não subiram após o 29 de maio, e, decorrido um mês, continuamos a ser a zona que, no continente, melhor resiste à mutação Delta, largamente predominante a sul. É de lá, onde não houve "Champions", que vai, fatalmente, estender-se ao país inteiro! Alguém deveria informar dos factos a chanceler alemã, iludida pela "portofobia" que grassa a sul, e, quicá, levada pela sua própria anglofobia. Assim se somam fobias, preconceitos e demagogia política, que não é exclusiva dos nossos Costas e dos nossos Rios.... Concedo que o Porto foi colocado em risco pelo governo, com o absoluto falhanço da "bolha sanitária", com tanta ligeireza, prometida à cidade. Mas o milagre aconteceu e a cidade não foi contaminada. Não se tratou de milagre divino. O Porto foi salvo pelos portuenses, pela "a bolha cívica" que souberam manter, (sem precisar de conselhos das doutoras Merkl, Freitas e Temido) isolando os ingleses na Ribeira, na Avenida dos Aliados, na inteira urbe - não se misturando com eles, não participando em bebedeiras e desacatos. Em vão, o "Expresso", jornal sulista e elitista e, de vez em quando, sensacionalista, fizera nas vésperas do jogo, notícia com foto grande e manchete de 1ª página, profetizando "confrontos entre "adeptos ingleses e do FC Porto". No interior, dedicara, quase integralmente, a sua página 5 a uma crónica, cujo título sintetiza bem o conteúdo: "Alerta para confrontos entre "casuals" do FCP e hooligans antissemitas". Na edição seguinte, o prestigiado semanário esqueceu-se de referir o admirável comportamento dos portistas e dos portuenses, tal como o dos espectadores britânicos, que emolduraram o retângulo de jogo na grandiosa final. Fora do estádio, a história foi diferente, semelhante à da Albufeira e outros destinos turísticos algarvios - ou seja, muita cerveja consumida na via pública, nada de máscaras, pequenas escaramuças de fãs embriagados. Quanto a antissemistismo, manifestações de extrema direita, rivalidades clubísticas luso-britânicas e outras pragas profetizadas, nada, nada mesmo!... Só ingleses, na sua maioria tranquilos e encantados com a bela cidade e o fantástico feito desportivo. Em suma: chegaram juntos, e juntos partiram, levando consigo o vírus nepalês. Escreveu-se direito por linhas tortas e a maior vitória foi a do Porto, graças ao civismo da sua gente! Proibir, sem mais, ou permitir, com regras, eis a questão... O que mais chocou os portugueses, e desacreditou irremediavelmente, a autoridade irracional e despótica a que temos estado sujeitos, foi o a discriminação dos portugueses, tratados abaixo de estrangeiros no seu próprio país. Um despertar de consciências, um sobressalto cívico, provocado pela dualidade de critérios, que se sentira, ao longo do ano e de toda a época competitiva, discriminando o desporto ao ar livre, e, em especial, o futebol (profissional, amador ,e até o de formação!) em comparação com eventos culturais programados em espaços fechados. A desobediência em massa às regras draconianas postas em vigor, perante a passividade da polícia, tanto em Lisboa como no Porto, estimulou resistências, fomentou a desobediência - tanto ao que é regulamentação excessiva, como ao que é legítimo exigir (uso de máscara e distanciamento físico qb) - neste último aspeto, infelizmente.... E, assim, a lição que fica deste mês de maio 2021, em Portugal, não vem da "guerra fria" de alemães contra ingleses, ou da "guerra sul-norte", com o futebol em fundo, mas do falhanço do "proibir, proibir, proibir", em vez de esclarecer as pessoas, e organizar competentemente a abertura de zonas convívio e lazer (como vai fazendo Rui Moreira...). A Champions foi a prova provada desta verdade elementar! È nteressante que os melhores exemplos tenham vindo do futebol, (o setor mais diabolizado pela DGS): dentro dos estádios, sempre que a título excecional, foi permitida a presença do público, tudo se passou, invariavelmente, na perfeição! O que correu mal, em Lisboa e no Porto, com portugueses ou com ingleses, ocorreu fora, desafiando, impunemente, proibições.