domingo, 14 de junho de 2020

W40 TIO EDUARDO JOAQUIM DE ASCENSÃO FONSECA REVISTO


W40- EDUARDO JOAQUIM DE ASCENSÃO FONSECA

O "SUPER TIO" - À AVENTURA COM UM SORRISO
Nasceu a 11 de Novembro de 1912, em Rio Tinto.

O incomparável Tio Eduardo, era alguém que não tinha igual (nem parecido!). Tal como o Tio Zé, embora muito diferentes. Claro, podemos encontrar entre eles pontos comuns -  a descontracção natural, a despreocupação com coisas do mundo material, a qualidade e honestidade profissional, e, mais do que profissional,"total"! Uma faceta quase "hippie", em senhores de aspecto conservador, no vestir e no conviver (o Tio Zé, no fim, não... parecia "hippie" mesmo). Ambos eram muito bem-educados, com "maneiras", "sabiam "estar.".  Sempre divertidos, apreciadores de boa cozinha e de festas (o Tio Eduardo era um espantoso dançarino, do tango à valsa). Ambos, portugueses errantes - um como engenheiro de minas, correu o país, de norte a sul, depois, deixou-se tentar por Angola. Primeiro numas minas, em zona de guerra, depois a dirigir a "secção de trânsito" de Luanda, de onde regressou para a reforma, relutantemente, depois da "descolonização". Adorava África - a terra e as pessoas - era popularíssimo entre africanos. O outro, o Tio Zé,  deambulou pelas Américas, de sul a norte, sem vontade de regressar, coleccionando amigos de todas as raças e credos. Aqui termina a análise das inesperadas afinidades entre dois tios míticos. O seu percurso foi diverso, eram amigos de infância e quase não se encontraram, nas últimas décadas das suas vidas.
O Tio Eduardo nasceu e viveu na Casa da Torre, um verdadeiro palácio antigo, com capela repleta de estatuária setscentista, no alto de Rio Tinto, herança da família materna.  A Mãe, Dona Mimi Ascensão, era uma senhora muito viva, pequenina, de olhos azuis, de quem gostávamos muito porque contava anedotas e usava, em conversa, abundantemente, provérbios...
O pai, o Dr. Ernesto Fonseca, foi notário em Gondomar (sucedendo, directamente, a meu bisavô Joaquim Mendes Barboza) e, depois,  no Porto, na Rua Sá da Bandeira. Em jovem,  o Tio Eduardo era um desportista, grande nadador e campeão de remo. Sulcava o rio Douro com o seu barco a remos, em grande estilo e emprestava-o aos amigos -  houve, pelo menos, Licínio, que morreu afogado (o rio não é para principiantes...) e o tio ficou tão chocado que se desfez do barco.
Formou-se, sem grandes pressas. rapaz inteligente,  o ritmo e o"timing" de estudo ou trabalho eram decisão sua. Tudo acontecia na hora certa e sem "stress".
Conheceu a Tia Lola, através dos irmãos, seus colegas. Havia uma diferença de idade, suficiente para, ajudado por um ar prematuramente maduro, já um pouco calvo, passar por tio da menina e lhe fazer, nessa invocada qualidade, visitas na sala do colégio, onde namoravam, discretamente. Um grande romance contrariado pela Avó Maria, a quem desagradava a faceta boémia do namorado. A Tia Lola não desistiu, vencendo incontáveis obstáculos, cinco ou seis anos depois, em 1942, casou com ele - a cerimónia religiosa realizou-se na capela da Casa da Torre e a festa na Vila Maria Três filhos, Ernesto António, "Nestó" (1943), Maria Eduarda, "Docas" (1945) e Maria Alexandra, "Xana", os primos com quem passávamos as férias, em Espinho, ou nas idílicas terras onde os nossos tios moraram, sucessivamente - Paços de Ferreira (onde nasceu a Docas), Arcos de Valdevez (onde o Nestó cobriu as paredes da casa com os seus talentosos desenhos, que só o senhorio não apreciou...), na Freixeda, na Bica, (Bendada, Beira Baixa, perto da Sortelha, essa maravilha arquitectónica), em Cercal do Alentejo...
A "geografia" do trajeto profissional do Tio Eduardo está aqui sintetizada, há muito mais...
 Os anos da reforma foram passados na sua quinta de Rio Tinto, que herdou e, no período instável da "revolução", achou por bem vender a uma ordem religiosa, aí reservando  morada vitalícia para si. Não foi propriamente "viver para o convento", era um colégio para rapazes.  O Tio Eduardo, que sempre gostou de conviver com a juventude e de ensinar, até pôde dar aulas "pro bono"... O pai do "super primo" Nestó, (como lhe chamou a Nónó), era um  "super tio"!

COMENTÁRIOS a partir da data do aniversário, 11 de Novembro.

 FOTOS




























































































































































































































































































































































































































Publicada por em 22:43   

45 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...
Esta última foto do Tio, ao lado do meu pai, foi tirada em Espinho, num dia muito alegre, num daqueles convívios com muita gente da família, todos a falar em grupos vários, ao mesmo tempo... E o Tio olha-nos, com os seus olhos sorridentes... Era mesmo assim!
sexta-feira, 14 novembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Na minha opinião, O Tio Eduardo era bonito, por dentro e por fora. Mas em Africa, os gostos são diferentes. Quando a Docas foi, pela 1ª vez, visitar o Pai a Luanda, a criada, Maria, fez o seguinte comentário, que o encantou : "Como é que um homem tão feio, como o Sr. Engenheiro, conseguiu ter uma filha tão bonita?" Uma história que o visado, com o seu sentido de humor, muito gostava de contar... Escusado será acrescentar que ele era loiro (com pouco cabelo já),de olhos azuis, barbicha branca e uns quilitos a mais. E a Docas era morena, olhos verdes, cabelo negríssimo (como o da Tia Lola). E uma elegância...
sexta-feira, 14 novembro, 2008 
 Docas  disse...
 Viveu com paixões, alegrias, dramas e infortúnios, mas sempre com a filosofia própria dos SÁBIOS. Foi contemplativo, amou a natureza e a sua tolerância, respeito pelos outros, a sua bondade e grandeza de alma, fez que estivesse sempre de bem com ele e os Homens. Atingiu a paz interior por que todos os grandes Homens anseiam. Os filhos e netos tiveram a sorte de ele ter sido o nosso Pai e Avô.
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Docas disse...
Lembro-me de um episódio passado nos Arcos de Valdevez, num dia do meu aniversário - o 4º ou o 5º, não sei, sei que saímos de lá quando eu tinha 5 anos. Estava no café com o meu Pai e um amigo. Eles combinaram uma passeata de automóvel. Eu também queria ir, mas antes fui a casa (fazer chi- chi) e pedi: "Espere por mim. Eu venho já". Voltei ao café e ele já não estava. Tinha partido sem mim. Chorei desalmadamente, no regresso a casa. Achava grande ofensa que ele se esquecesse da filha num dia tão importante! Mas ele era irremediavelmente distraído...
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Docas disse...
Mais outra distracção paterna, que aconteceu, vários anos depois depois. Teria a Xana uns 10 anos. Era verão. Estávamos de férias em Espinho. A Xana foi com o Pai a um café junto do casino, (o Costa Verde?), onde costumávamos jogar damas e dominó. A certa altura ela disse: "Vou à casa de banho". E foi, mas, quando quis sair, a porta encravou. Ninguém a ouvia gritar, porque a dita "casinha" ficava longe, ao fundo de um comprido corredor. O Pai esqueceu-se da menina e voltou para casa sozinho. A Mãe ficou muito aflita, não sabia dela. E ele também não... Alarmada, queria ir à polícia e aos hospitais, mas, como a terra era pacífica, foram esperando. Até que, lá no café, finalmente, um dos empregados passou por perto e ouviu a Xana a bater na porta. Libertou-a prontamente do cativeiro de muitas horas.E ela correu para casa, já de noite, e foi recebida, pela nervosíssima mãe, à bofetada. Nada que magoasse muito, mas muito injusto para uma vítima inocente, de um caso em que o único culpado era um Pai quotidianamente aéreo - a pensar sabe-se lá em quê.
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Maria Manuela disse...
Ainda a Docas não tinha idade para se lembrar de nada, e já coisas parecidas aconteciam com o primogénito, o muito ajuizado Nestó. O Pai saía com o menino,ia até à praia. E voltava sozinho. Logo depois, chegava o Nestó, que atravessava a linha do comboio na R. 7, subindo um quarteirão, até à esquina da R.64! Ouvi contar, e no plural... algumas vezes! Sempre sem más consequências. O menino, esse, queixava-se: "O meu Pai perdeu-me"
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Docas disse...
 Até a minha Mãe foi vítima das suas distracções. Ía ele a fumar, dentro do jeep. Caiu-lhe a cinza nas calças. Sacudiu-a, deixando de olhar a estrada. O jeep foi contra um muro. A mãe, ao lado, bateu não sei aonde e partiu a cana do nariz...
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Docas disse...
 Em 1965, o meu Pai foi para Angola, dirigir umas minas de ferro, situadas em plena zona de guerra. As minas de Mombaça, a 160 km. de Luanda, no caminho de Malange, mais precisamente entre Zenza e Caçolada. Quando aí chegou, não só a área da mina estava protegida por arame farpado, como havia vigilância constante. De noite, inclusive, faziam turnos, com um segurança de lanterna e espingarda, à entrada da palhota que servia de sala de recepção, de refeições, de pagamentos de pessoal, etc. Era uma palhota aberta... O meu Pai, sempre confiante e pragmático,deve ter achado todo aquele dispositivo de segurança inútil, mais "show off" do que garantia eficaz. "Eles", os então chamados terroristas, eram muitos, estavam em toda a parte, obviamente também na mina, e, se quisessem atacar, não havia defesa possível. Por isso, considerava mais inteligente mostrar que, ali, não havia receio, se é que havia risco ( e algum havia, mas não valia a pena receá-lo...). Deu ordem para recolherem as armas, que só eram usadas para caçadas, com ampla e entusiástica participação dos negros, que adoravam o Sr. Engenheiro. Nunca houve o mais pequeno problema de segurança ou desconfiança! Caçavam, sobretudo, de noite uns simpáticos animais, que pareciam corças, embora lhes chamassem outra coisa. A carne era deliciosa. Os pobres bichos eram presa fácil, encandeados pelas luzes do jeep. O meu Pai era, em geral, quem guiava, rodeado pelos nativos, de espingardas na mão. Por isso, é completamente imaginativa a história de uma onça e de um leão,com que ele aparece, em pose dominadora, numa fotografia. O leão, coitado,caiu numa armadilha! Mas, contada assim, a história não tinha graça nenhuma. E o meu Pai tinha a maior graça o contar anedotas, em que se incluía como personagem... O leão entrava nesta categoria de relato, para animar audiências...
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Docas disse...
 É incrível a facilidade com que nos perdemos na "selva". À volta da mina, era tudo ou quase tudo, mata cerrada. Quando ali entrávamos, marcávamos as árvores, para encontrar o caminho de volta... As caçadas eram feitas através das picadas ( e os tais animaizinhos, que eram apanhados em quantidade, chamavam-se "seixas", ou coisa parecida). Na área descoberta da mina, a única casa de pedra e cal era a do meu pai. Um edifício circular, dividido em quatro: dois quartos, um escritório e uma casa de banho. O resto eram palhotas: "palhota - cozinha", "palhota - sala de refeições", "palhota - loja de vendas". Lá perto havia uma pequena aldeia, uma "senzala", onde eram recrutados os trabalhadores da mina.
quinta-feira, 20 novembro, 2008 
Docas disse...
Havia mulheres também. Naquela zona eram independentes, fortes e respeitadas. Trabalhavam a terra e lavavam roupa. Cozinhar e limpar o chão eram tarefas dos homens.A empregada do meu Pai era velha (ou envelhecida...), gorda e simpática. Chamava-se Maria, era divorciada, e com ela só vivia o filho mais novo, o André, de 7 anos. Os outros eram adultos. Foi com ela que se passou a história contada pela Manela, sobre a minha " formosura" e a "fealdade" dele. Mas nada de confusões: a opinião era sincera, porém ela era dedicadíssima ao "Sr. Engº", e quando ele deixou a mina, aceitou ir com ele, como empregada, para Luanda. Levando o pequeno André, naturalmente, de quem nós gostávamos também. Depois ela regressou a Malange. Onde estarão eles hoje?
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
ADocas disse...
 A 1ª vez que fui com o meu Pai à mina (até aí tinha estado em Luanda),tive uma recepção que nunca poderei esquecer! Estava eu sentada num cadeirão, a ouvir música num rádio de pilhas e a ler um livro, na "palhota- sala de refeições", quando começou o pagamento dos salários aos mineiros negros, que era feito na mesa. A mesma que servia para tudo, inclusivamente para comermos, do pequeno almoço ao jantar. Eles faziam fila, para receber o dinheiro, um a um. Mas, dessa vez, antes, todos eles vinham fazer-me uma grande vénia, tirando os gorros ou chapéus, e oferecendo-me presentes - o que tinham de melhor, coisas da terra, galinhas, ovos, talvez frutas. Disso não me lembro exactamente. Do gesto, da cortesia, da simpatia, sim!...Sentia-me uma "rainha" em Àfrica, à maneira da Marilú, a colega de colégio da Manuela, que se considerava descendente da Rainha Ginga.
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas disse...
A vida na mina tinha os atractivos do convívio com a natureza (e com os naturais do lugar), e nada mais. Por isso, eu passava a maior parte do tempo em Luanda, onde o Pai ía aos fins de semana. De vez em quando, acompanhava-o no regresso, no jeep, e quase sempre deixava-me conduzir. Eu não tinha carta, nem tinha aprendido a guiar, mas aquilo parecia coisa fácil. A estrada era óptima, nova, alcatroada e seguia em linha recta, sem obstáculos, sem trânsito, sem perigos (lá mais para diante, perto da mina, era zona de guerrilha, mas nunca notámos...).Um dia o Pai deu boleia a um amigo, e ele começou a gabar a minha condução segura. Resposta do Pai: "Acha? Já vai ver." E,no pequeno café de estrada, daí a pouco, disse-me para parar. Assim, de repente, eu dei uma travadela e uma guinada, que quase virava o jeep. E, então, o Pai pergunta ao outro: "O que lhe parece?" Fiquei fula! Afinal ele tinha perfeita consciência de que eu era uma incompetente e aceitava o risco de ir, assim, descansadíssimo, ao meu lado,como quem vai ao lado do Fangio! E eu que pensava,de facto, ser uma perita...
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
O Tio era assim mesmo. Na mina da Freixeda, tinha eu 12 ou 13 anos, deixou-me pegar no volante do jeep, em estrada sinuosa, sem prevenir que o carro tinha uma "folga" enorme, e não respondia ao toque como os carrinhos de feira a que eu estava habituada, desde a mais tenra infância( considerava-me uma artista!). Que susto! Também comigo íamos saindo do caminho, e, naquele caso, pelos montes abaixo. Nem quis mais experiências, apesar daquela ser uma oportunidade única, porque o meu Pai não era do género, antes pelo contrário...
sexta-feira, 21 novembro, 2008

Também me lembro da 1ª vez que o Tio entregou a condução do carro ao Nestó (do carro mesmo, e não só do volante...). Creio que foi já na mina da Bica, mas não tenho a certeza. A estrada era estreita, com curvas, mas não tanto como em Trás os Montes, se bem me lembro. O Nestó passou o teste, com distinção. Foi devagar e muito atento - até suava, de preocupação. Não foi pequeno o percurso: para aí uns 30 ou 40 kms. E ele não teria mais de 12 ou 13 anos, mas já era "responsável". Felizmente, para um carro cheio de passageiros!
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas disse...
O meu Pai foi para Angola em 1964 e eu fui ter com ele, um ano depois, em 1965. Almoçávamos e jantavámos todos os dias num restaurante ao ar livre e frequentado por muitos militares, como é evidente. Quando o meu Pai ia para a mina, eu comia sozinha e era servida por um empregado negro, muito simpático e risonho. Um dia, à noite, um dos militares, o Moreira, seguiu-me no caminho para casa e teve coragem de me abordar respeitosamente e disse: Para nós, seria muito importante termos na nossa mesa uma companhia feminina. Se não se importar convidamo-la a si e seu pai, para a nossa mesa. 
Era um grupo enorme de militares e então, as refeições passaram a ser de grande risota e gargalhadas, com o humor do meu pai, mais de um amigo que tinha sido colega dele no liceu no Porto. Vivia sozinho em Luanda,  vinha juntar-se a nós, todos os dias. Formávamos assim, um grupo enorme e muito divertido.
Mais tarde, o Moreira contou-me, que sempre que chamavam o empregado "pretinho" do restaurante, ele desculpava-se: "Agora não posso, porque tenho de servir a menina, o Sr. Engenheiro quer que eu tome muito bem conta dela, enquanto estiver fora".
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Maria Manuela disse...
A Docas não escreveu, mas contou-me que muitos dos militares se apaixonaram (respeitosamente...) por ela. O Moreira, do qual até há fotografia, um outro chamado Gastão ( ainda mais discreto do que o Moreira...) e mais. De qualquer modo, o que ficou foi esse companheirismo. Davam grandes passeios , de Land Rover. O Tio Eduardo sentia-se como um igual, entre a juventude! Os rapazes estavam em Luanda, onde nada acontecia, então, mas iam regularmente para fora, em operações perigosas. Felizmente, todos escaparam aos tiroteios.
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas disse...
 A casa de meu pai, na mina, era de pedra e cal, dividida em quatro por paredes e o tecto em colmo, ou coisa parecida. À entrada ficava o escritório (só com uma secretária), a seguir o quarto de dormir, que o meu pai mo cedia quando eu ia para a mina. Havia um mosquiteiro em cima da cama, mas cheio de buracos e, por isso, não tinha qualquer utilidade. Curiosamente o meu pai nunca foi mordido por qualquer "bichinho" africano, nem os mosquitos o atacavam. Mistérios!... Mas eu, à noite, era sempre picada - só nas pernas! Um autêntico desespero. Por isso, quando me deitava, levava um garrafão de álcool, que tinha ao lado da cama, para as esfregar durante a noite - sempre aliviava um pouco. Não me podia levantar. O chão ficava cheio de insectos, depois das luzes apagadas, e as paredes com osgas. Um festival nocturno!
Continuando a descrever a "mansão": no outro lado, havia outro quarto com um divã, onde o meu pai dormia, quando eu lá estava e, do outro lado, ficava a casa-de-banho equipada (sanita, lavatório) e um duche, com estrado de madeira. Numa noite, ao jantar, falaram que tinha aparecido numa das palhotas, uma centopeia gigante, perigosa por ser muito venenosa. Eu fiquei assustada e, por coincidência, no dia seguinte, ao tomar o meu duche, vejo um bichinho muito preto a caminhar para junto do meu pé. Imaginei logo, a tal centopeia gigante... Visto o roupão e corro para fora de casa a gritar que estava uma centopeia gigante na casa-de-banho.
Imediatamente fui socorrida por um negro que depois me trouxe o tal "bichinho" pendurado num pau, a rir: "Minina", isto é um mil-
-pés, não tem qualquer perigo - é inofensivo!
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas disse...
Quando cheguei à mina, havia uma linda horta junto a um riacho, com muitos legumes viçosos, que era o orgulho do meu pai. Sempre que vinha a Portugal, levava sementes para mandar cultivar na sua horta. É uma terra muito fértil - tudo cresce, sem grande trabalho, ou preocupações...
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas disse...
 O meu Pai acabou por deixar a mina, com um relatório sobre a inviabilidade da exploração. Não sei o que andaram a fazer lá os engenheiros e geólogos que o antecederam .Ou eram incompetentes ou mantiveram o logro para manter um bom emprego. Na verdade, havia relativamente perto uma mina rentável, com extração de minério de ferro, que pertencia a uma empresa estrangeira. Segundo o Pai, com as grandes chuvadas africanas, parte do minério "viajou" para aquela zona e ficou depositado à superfície. Uma concentração grande, mas ilusória...Quando escavaram, não havia minério local... Não se percebe o que andaram a analisar os ditos peritos. Na melhor das hipóteses, análises muito, muito"superficiais". Certo é que os seus estudos estavam errados. O meu Pai deu a informação honesta e retirou-se. Parece que o Banco proprietário não queria acreditar. Entregou o caso à "Mineira de Lobito". Andaram ainda uns meses a laborar, até que confirmaram, plenamente as conclusões do Engº Eduardo Fonseca...
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas  disse...
Não sei bem a data em que o meu Pai saíu da mina. Foi antes do meu regresso a Portugal em 1968 - talvez em 66. Arrendou uma casa em Luanda, já não muito longe do limite da cidade. Dali era fácil irmos ao mercado do muceque, onde gostávamos de fazer compras. Havia montinhos de produtos , fruta, vegetais, vendidos por pretas, sentadas no chão poeirento,com os seus vestidos e turbantes garridos, a fumar cigarros, de vez em quando com a parte acesa dentro da boca. Coisa misteriosa. Mais tarde, haviam de me explicar que era para aumentarem a sua duração. O Pai arranjou novo emprego, de imediato, na secção de trânsito e viação da Câmara de Luanda. Entretanto, apareceram por lá a minha Mãe e a Xana. Viajaram em 1ª classe, no célebre navio Infante D. Henrique, e sobre essa maravilhosa viagem, com festas deslumbrantes, todos os dias, muito há a contar, mas não agora. Nessa altura, o Pai estava sem carro. Andávamos de táxi, para todo o lado. Uma noite, íamos as 3 atrás e o Pai ao lado do motorista. Deu-se conta de que o tracejado estava, naquela zona, completamente errado e comentou com o taxista: " Já viu que isto foi feito por um grande parvo, que não sabe o que anda a fazer? Se seguirmos a linha,como está indicado, vamos cair, a direito, na baía! O motorista concordava, entusiasticamente, e nós, as três, ríamos à gargalhada, com a autocrítica do responsável. A conversa sobre o tema , num crescendo de insultos ao chefe da secção de trânsito, durou o resto do percurso. E, nos dias seguintes, deu para ele contar a história, e rir a bom rir, com todos os amigos.
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Na minha opinião, o Tio Eduardo não tinha grandes colaboradores, lá na secção de trânsito...E talvez esse não fosse o seu trabalho preferido. Vendo bem, nas décadas anteriores, as explorações mineiras, de variados minérios, foram sempre a sua opção. E, nesse campo, nunca conseguiu produzir histórias divertidas para contar. No trânsito de Luanda, houve a que a Docas referiu, e uma outra não menos hilariante, que fez as delícias do Tio Eduardo. Na reorganização da rede viária de uma terra dos arredores, salvo erro, Vila Amélia (ou Elisa, ou outro qualquer bonito nome feminino ), alguma coisa correu mal. Era fácil entrar, mas não sair. Uma espécie de labirinto. Tenho disso experiências concretas, por exemplo, em Braga. Até ao centro da cidade, até ao Bom Jesus, é tudo evidente. Para sair,  não... Voltemos, então, à tal "Vila" angolana, nos anos 60, depois do esforço de simpliticação do seu mapa de ruas e ruelas, becos e travessas, que estava provocando a maior celeuma. Alguns jornalistas convidaram o Tio a acompanha-los numa visita guiada à urbe problemática. Elefoi, sem hesitação. Em pleno centro, entregaram-lhe a condução do carro e abandonaram-no. Seguiram-se horas de paciente busca da saída, que só foi encontrada tarde e com ajuda externa...Os jornalistas publicaram a notícia, em tom jocoso. Mas quem mais se divertiu foi, claro, o Tio Eduardo. Comprou muitos exemplares, fez o recorte, e mandou para a família e amigos em Portugal. Eu fui uma das destinatárias da notícia. Tinha sentido de humor, e o sentido lúdico da vida, e uma atitude de rejeição absoluta da infalíbilidade humana..
sexta-feira, 21 novembro, 2008 
Docas disse...
A Vila Amélia não era nos arredores de Luanda. Era uma urbanização dentro da cidade.
sábado, 22 novembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
O Nestó rectifica: Não é Vila Amélia. É Vila Alice. Ainda se chama assim.
sábado, 22 novembro, 2008 
Docas disse...
Em Luanda o círculo de amizades do meu Pai começou a crescer. Com funcionários que trabalhavam com ele na Câmara, como um desenhador negro, por sinal, lindíssimo, o Paixão , que teria uns 30 anos e um outro negro, já mais velho, o Sr. Gama. Costumava dizer que preferia conviver com eles do que com brancos, que se julgavam superiores, só por serem brancos, e eram uns estúpidos snobs. E, de facto, a maioria dos seus muitos amigos eram negros. Chamavam-lhe "o pai branco". Com o Sr. Gama e família ia almoçar e jantar frequentemente e em casa deles passava as festas, o Natal. Foi padrinho de uma filha deles, a quem pôs o nome de Eduarda. E até lhe chamavam Docas! Com o Paixão andava nas "farras", com um grande grupo de gente jovem, pretos e mulatos, que enchiam mesas compridas nos restaurantes, e iam, depois, para as discotecas ou para os musseques, dançar música africana, em que era exímio. Quando lá voltei, em Maio de 1974, ele tinha comprado um Austin "mini", e conduzia também um mini jeep, aberto, pertencente ao Estado. Às vezes, eu acompanhava-o às discotecas, mas, a certa altura, sentia-me cansada, ele dava-me a chave do mini e eu voltava cedo para casa, enquanto ele aguentava até de madrugada.
sábado, 22 novembro, 2008 
Docas disse...
Da segunda vez que fui para Luanda, voltei a encontrar a Marilú. Eu e o meu Pai iamos frequentemente a casa dela, sempre cheia de amigos africanos, boa comida e muita dança. Era muito divertido. Lá conheci um pintor, Carlos Ferreira, tio dela, que também era muito boémio. Um dia disse-lhe que tinha curiosidade de conhecer um cabaré,  onde nunca tinha estado. Ele, claro, conhecia vários - era a pessoa indicada. Combinámos, com a condição de também ir o meu Pai, por quem ele tinha muita simpatia. Depois de corrermos alguns bares, por fim, "aterramos na "Cova da Onça" - acho que o nome diz tudo!
Também se dançava, mas a certa altura, achou que não era correcto o meu Pai ficar sózinho na mesa, enquanto ele dançava comigo. Naturalmente, convidou uma "acompanhante" ou "menina" para a nossa mesa. Estavamos os três muito descontraídos, como se estivessemos habituados a estas situações. O meu Pai dançava, então, com ela (por acaso tinha um pé engessado, o que não a impedia de dançar)e, evidentemente, a conversa não era própria para menores. Só no fim, quando veio a conta, eu tive de fazer qualquer observação ao meu Pai e disse: Óh! Pai... Ela ficou com os olhos arregalados: "Ando há muito tempo nesta vida, mas semelhante coisa nunca me tinha acontecido!".
E assim, ficou satisfeita a minha curiosidade de conhecer um cabaré, com o meu Pai ao lado.
sábado, 22 novembro, 2008 
Docas disse...
Dessa segunda vez em que estive em Luanda, o Pai já lá tinha também a sua própria família. O Nestó, depois de acabar o serviço militar, ficou em Angola. Conheceu a Zè, na TAP, onde ambos trabalhavam. Casaram em 1970, e a Maria João nasceu em Julho de 1971. Era a primeira neta! O meu Pai tinha muito carinho por ela. Dava com ela grandes passeios, levava-a para casa muitas vezes. Convivia muito com a família da Zé. Os três, Nestó, Zé e Mª João vieram definitivamente para Portugal no verão de 1974. Estive, por isso, com eles lá apenas alguns meses. Enquanto durante a guerra colonial Luanda vivia em paz e sossego, nós andávamos na rua , noite e dia, em perfeita segurança, depois da revolução do 25 de Abril o ambiente piorou muitíssimo. Com a situação geográfica da casa, próxima de um musseque, ficávamos a ver, da nossa varanda, a guerra aberta entre opositores, com a nossa tropa à mistura: parecia fogo de artifício, mas era fogo de verdade. As granadas faziam estremecer a casa. Via,em frente, a uns metros de distância, os soldados a avançar, rastejando, sob tiroteio, para ir tentar impôr a ordem. Isto acontecia sempre à noite. O pai, nervoso, passava o tempo a comer bolachas... Um dia, ao fim da tarde, cheguei da praia e deparei com um grupo de brancos, moradores do meu prédio, em grande alvoroço. Contaram-me que facções do MPLA, UNITA e os do Holden Roberto, (outra sigla, de que já me esqueci...), se tinham envolvido em distúrbios, ali mesmo! Eu não fiquei impressionada, porque, na altura, já estava tudo pacificado e tranquilo, como se nada tivesse acontecido. Mas, dentro do apartamento, no quarto do meu Pai (felizmente ausente), o vidro da janela tinha um buraco - não estava estilhaçado... - e, no chão encontrei a bala, que guardei, para recordação. Sorte ter ido à praia, por acaso, sozinha. Ia muitas vezes com o Pai, que gostava imenso de mar (a praia da ilha, que era perto). Em janeiro de 1975, viemos os dois para Portugal - o Pai de férias, com intenção de voltar. Trouxe apenas uma mala com roupa. Deixou o carro e o apartamento, com as mobílias e as coisas pessoais. Continuou a pagar a renda durante dois anos, sempre com a esperança de que houvesse condições para o regresso. Mas não houve... Náo há dúvida: adorava a Àfrica, a terra e a gente.
sábado, 22 novembro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Enquanto o Tio Eduardo esteve em Angola (por mais de uma década, como aqui está documentado, pelos relatos vivos e sintéticos da Docas, que, além de pintora, se está a revelar como "escritora"), nós perdemos contacto com ele. Não totalmente, é claro. Ele não era de escrever cartas - quando muito no Natal, ou em ocasiões excepcionais, como o meu casamento, ou aquando do "episódio" cómico da sua dificuldade de encontrar a saída de "Vila Alice", que ele nos contou, como já disse, enviando, em anexo, recorte do jornal ou revista. As visitas que foi tendo, limitaram-se à Mulher e filhos. Eu falhei todas as férias que, com ele e os primos, poderia ter passado nas minas e em Luanda, como nos velhos tempos dos Arcos, da Freixeda, da Bica, ou do Cercal, pela simples e única razão de ter medo de viajar de avião, sobretudo através dos oceanos. Convites insistentes não me faltaram...Foi uma estupidez! Perdi oportunidades irrepetíveis, numa Angola que, para o bem ou para o mal, não existe mais. Isto é,verdadeiramente, os últimos dias coloniais, com tantas contradições e fermentação de explosões futuras, que até no textos da Docas, sem preocupações políticas de espécie alguma, se adivinham ...Nas férias em Portugal, ele visitava-nos sempre, em Espinho, uma terra de que gostava- terra de boas memórias, também para ele. A sua última fotografia conhecida, que aproveitamos para ícone de abertura do "blog", foi tirada aqui em casa, já ele estava a viver em Rio Tinto. Também ia, de passeio, a Lisboa, de vez em quando, e ficava, naturalmente, no meu apartamento da Av. Uruguai. Ofereceu-me algumas bonitas peças de artesanato angolano, como uma máscara colorida, de madeira, que ainda hoje lá está no meu escritório. E que me lembra essas simpáticas visitas, de um Tio sempre bem disposto e sorridente. Tenho, igualmente, um dente de elefante, esplendidamente trabalhado com os símbolos da bandeira portuguesa, que a Docas me ofereceu (em nome dos dois), pelo meu casamento, em 1965.
domingo, 23 novembro, 2008 
Docas disse...
O meu Pai sempre gostou muito de animais e lembro-me do primeiro cão que tivemos na Mina da Freixeda. Era de raça Serra da Estrela e chamava-se "Dragão".
Também me lembro de andarmos pelos campos, a apanhar grilos - o meu Pai conhecia os buracos pequeninos feitos na terra, onde se escondiam e, com uma palhinha, dentro do buraco, fazia cócegas ao grilo e ele saia cá para fora. Depois punha-os na cabeça, ou seja na careca, tapava-os com uma boina preta e assim os levava até casa. Mandou fazer, por um operário da mina, uma casinha de madeira com várias divisões, que foi colocada na parede, ao lado da porta de entrada da casa. Lembro-me do meu Pai dizer que os grilos não podiam estar juntos, senão lutavam até à morte - cada um estava na sua divisão (vários quadradinhos feitos na casa de madeira, tapada com uma rede muito fina). Punha-se em cada divisão um bocado de alface - era a alimentação dos grilos. O seu cantar constante, era lindo!
O Pai também quis domesticar uma cobra, encontrada dentro da mina, que lhe foi dada por um dos mineiros. Ensinou-nos que se devia pegar nela, junto à cabeça. Seria alimentada a ovos e leite e, deste modo domesticada, afeiçoando-se aos seus tratadores (não sei se seria tão seguro como isso). Bem, a cobra andou de mão em mão, até que a Xana ao pegar nela, assustou-se e deixou-a fugir.
Também houve um ouriço cacheiro a passear pelo nosso quintal, mas já não me lembro qual foi o seu fim.
Na Mina da Freixeda, era o senhor Minhoto e o Senhor Capela quem tratavam do nosso jardim, em frente à casa, e da horta, mais ao fundo, com plantação de muitos legumes e árvores de fruta. Tenho ideia de comer pela manhã fresca, uns belíssimos pêssegos apanhados directamente do pessegueiro.
Quando fomos para a Mina da Bica, na Beira Alta, levaram ao meu Pai um lobo ainda bebé, encontrado na serra. Ele alimentou-o, durante alguns dias, a biberão com leite, mas o pequenino não resistiu e morreu. Também quis domesticar uma raposa - essa, fugiu através das tábuas estreitinhas de uma gaiola, onde estava presa - mas vingou-se: foi à capoeira matou e comeu algumas galinhas e só depois desapareceu... Também me parece que uma raposa nunca seria domesticada! Na Mina da Bica, o nosso cão era um rafeiro pequenino - parecia um ursinho - e chamava-se "Neru". Muito esperto e vivo! Que saudades tenho dessa cão!
terça-feira, 24 fevereiro, 2009 
Docas disse...
No Cercal do Alentejo, vivíamos num andar e não numa casa, rodeada de terreno e campo, como tivemos nas Minas da Freixeda e da Bica. Talvez, por esse motivo, o meu Pai optou por ter periquitos. Mandou fazer um móvel, dividido a meio - num dos lados havia um bar e no outro lado foi envidraçado e dentro, vários casais de periquitos. No meio, havia um tronco com galhos e a um canto os utensílios para água e painço. Durante o dia, cantavam, interminavelmente e à noite era necessário tapar o vidro com uma cobertura, para os calar. Sem luz, os periquitos não cantam...
Entretanto, quando foi para Angola, nas Minas de Mombaça, havia a passear por lá um macaquito.
Quando regressou a Portugal, na casa de Rio Tinto, teve um cão que não cheguei a conhecer, mas, pela descrição,  seria muito giro, com um olho cercado de pelo branco e o outro de pelo preto. Na rua muitas pessoas se manifestavam, achando a graça do cão. Até que um dia desapareceu, roubado por alguém... A partir daí, o meu Pai voltou a ter casais de periquitos. Tanto gostava deles, que num casamento para o qual foi convidado, ofereceu aos noivos, uma gaiola com um casal de periquitos.
terça-feira, 24 fevereiro, 2009 
Docas disse...
Nas Minas da Freixeda, o Pai estava a fazer uma colecção de ovos de vários pássaros. Numa caixa grande de papelão, com várias divisões também em papelão, colocava algodão e etiquetas a assinalar a que ave pertencia cada um deles. Dava indicações às crianças da aldeia, qual o ovo de pássaro que queria para a colecção e dava-lhes umas moedas. Os mais raros, valiam mais... e os miúdos andavam todos entusiasmados a subir às árvores. E é curioso: conheciam a que ave pertencia cada um dos ninhos. Isso só é possível, quando se nasce e cresce, à vontade, nos campos e num interior agreste.
Infelizmente, alguns dos ninhos foram destruídos pelos miúdos, no afã de conseguirem os ovos. Lembro-me que todos eles eram diferente - cores lindíssimas (por exemplo, beje com pintas castanhas, cor turquesa, etc. etc.). É a recordação que me ficou dessa colecção. A caixa estava guardada numa estante do quarto dos meus pais e, atrás, arrumada, uma "bomba azul" que servia para pulverizar a casa e matar as moscas. Ora, um dia, em que foi preciso essa chamada "bomba azul", o meu pai subiu a um banco e, a caixa dos ovos desequilibrou-se, caindo-lhe em acima da cabeça, numa grande gemada!
Fim da colecção...
Também me lembro, do meu Pai ter feito uma linda colecção de borboletas - havia muitas a voar no nosso jardim e pelos campos da aldeia!
terça-feira, 24 fevereiro, 2009 
Docas disse...
Eu, o Nestó e a Xana, aprendemos a nadar no Rio Tua, em Frechas. No meio do caminho, ainda dentro do jipe, já nos começávamos a despir. Logo que o carro parava, íamos a correr para dentro do rio - com grande entusiasmo! De início, quando ainda não sabíamos nadar, usavamos debaixo dos braços, uma grande bóia pneumática (a parte de dentro dos pneus do jipe).
terça-feira, 03 março, 2009 
Docas disse...
Quando estivemos na Freixeda, na década de 1950, não havia luz eléctrica. Usávamos candeeiros, o petromax, que tinha uma luz forte. Mas no dia seguinte, ao levantarmo-nos, lembro-me que de ficar de cara preta, desde as narinas até à boca.
Já na Mina da Bica, havia luz eléctrica dos geradores, que só era desligada depois de anoitecer.
Quando o céu estava limpo e muito estrelado, a noite era linda, com o sossego e só os ruídos dos grilos. O meu Pai ensinou-me a ver no céu as estrelas e os nomes de muitas constelações. Nessa altura, aprendi a reconhecer algumas, mas hoje, infelizmente, já não me lembro mais...
terça-feira, 03 março, 2009 
Docas disse...
Os casamentos realizados na Freixeda, eram muito curiosos. Os meus pais, várias vezes, foram convidados para padrinhos. Talvez por terem mais posses, e prestígio na aldeia - toda a gente daquela zona, nessa época, era muito pobre. Quando a mina encerrou, a maior parte dos homens emigrou para França, tendo regressado muitos anos depois.
Mas os casamentos eram sempre festejados o melhor que podiam. À saída da igreja, os noivos iam debaixo de um arco feito de um galho de árvore, enfeitado com fitas coloridas e objectos de ouro e os padrinhos à frente, também debaixo de outro arco, do mesmo modo, enfeitado. Fora da igreja, à porta, estavam várias raparigas e, no fim, rapazes, assim distribuídos: punha-se uma rapariga de cada lado, com uma fita de seda esticada, a travar a passagem e só a deixavam cair, depois do padrinho dar uma moeda a cada uma delas e, assim, sucessivamente. As fitas eram de várias cores, até que, no fim, repetia-se a situação com os rapazes, só que estes, travavam a passagem, com paus. Após todos terem desimpedido a passagem dos noivos e dos padrinhos, a troco de uma "moedita", por fim, o meu Pai metia a mão nos bolsos e atirava ao ar as moedas que restavam. Os miúdos iam todos, a correr, apanhar as moedas caídas no chão. Depois disso, realizava-se a boda, sempre com muito arroz doce enfeitado com canela, que eu adorava.
terça-feira, 03 março, 2009 
Docas disse...
As distâncias entre as aldeias ou os campos, por vezes, eram grandes. As deslocações eram feitas a pé, de burro, ou numa carroça de bois. Não havia automóveis e o único carro que existia na Freixeda era o jipe da mina. Quando íamos a Frechas, ou a Mirandela, o meu Pai, se encontrava alguém no caminho, a pé, perguntava-lhe se queria uma boleia. Uma dia, deu boleia a um homem já idoso, que subiu para o jipe na parte de trás. Via-se que era a primeira vez que andava de carro - não sabia onde havia de se segurar e, então, nas curvas, desequilibrava-se e, nós estávamos sempre a ver quando ele caía, e a nossa vontade de rir era muita. Até que o meu Pai lhe disse: Quando chegar ao sítio onde querer sair, avise-me. Num dos cruzamentos com um caminhito, o homem começou: Ouou, ouou, ouou... Era a única frase que conhecia para fazer parar os animais (burro ou bois) e, achou que com os carros seria igual. O meu Pai percebeu e perguntou-lhe: É aqui que quer sair? É sim, senhor - respondeu o homem!
Quando ele saiu, escusado será dizer, que nós (eu, Nestó e Xana) ainda crianças, nos fartamos de rir. E são estas coisas, que me fazem lembrar como tivemos uma infância feliz, para sempre gravada na memória!
terça-feira, 03 março, 2009 
Docas disse...
O nosso Pai participava em muitas brincadeiras com os filhos. Na Freixeda, organizava corridas de sacos, connosco e alguns miúdos da aldeia. Todos dentro de sacos de serapilheira, num percurso à volta da casa. O vencedor da prova, tinha direito a uma moeda para comprar rebuçados. Normalmente, eu era a vencedora - embora de início ficasse para trás dos outros concorrentes - dava pequeninos passos, pacientemente, para não cair. Ora, todas as outras crianças, na excitação de ficar em 1º lugar, corriam tanto, que tropeçavam, caiam, perdendo um tempo precioso a levantarem-se de novo e continuarem a prova. E perdiam...
Outra das lembranças é da a poda no nosso jardim. Ficava à frente da casa, muito bem tratado pelo Sr. Minhoto - com com diversos tipos de flores - entre muitas outras, lembro que havia muita gipsofila e amores-perfeitos. Em casa, não faltavam jarras sempre floridas. Ao fundo do jardim, num plano mais baixo, ficava ficava a horta, de onde se tirava, diariamente, legumes frescos.
Eu gostava de podar, com o meu  Pai - a poda era tão divertida, que acabada a tarefa, as árvores do jardim ficavam completamente despidas. A minha Mãe quando aparecia à porta e via aquele espectáculo, deitava as mãos à cabeça, e reclamava - Ó meu Deus, como ficou o jardim!...
Quando lá voltei, ao fim de 50 anos, no jardim existia só um pinheiro.
quinta-feira, 12 março, 2009 
Docas disse...
Quando a Manuela e a Lecas estiveram na Freixeda, na minha comunhão, conjunta como Nestó - onde eu recitei, na Igreja, uns versos feitos pelo tio João - depois da festa, a tia Mariazinha, tio João, Manuela e Lecas, ficaram de férias, em nossa casa, por algum tempo. Foi uma alegria - as nossas brincadeiras, a ida ao rio Tua, o correr livremente pelos campos, os passeios no jipe, etc. A Manuela e a Lecas, ficavam muito surpreendidas e animadas quando o meu Pai se perdia no trajecto e, num cruzamento, nos perguntava: Qual dos caminhos tomo, viro à direita, ou è esquerda? E nós divertidos, gritavamos à sorte, direita ou esquerda e o meu Pai, sereno, dizia: OVamos ver onde este caminho nos levará e onde iremos parar! Para a Manuela e Madalena, tanta descontração era novidade. Normalmente, nestas situações, os adultos ficam muito preocupados...
quinta-feira, 12 março, 2009 
Docas disse...
Há 50 anos atrás não havia pronto-a-vestir, havia costureiras e modistas. Na Mina da Bica, um dia, a minha Mãe levou tecido de popeline branca, a uma costureira, para fazer várias cuecas para o meu Pai - para modelo, entregou-lhe uma já usada e que, por acaso, tinha um remendo. Quando ficaram prontas e a minha Mãe as foi buscar, reparou que todas as cuecas novas também tinham um remendo! E parecia ter a forma de coração! Que gozo! Que risota!
quinta-feira, 12 março, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
OH,que férias essas! Aprendi a nadar no rio Tua. Visitei, por dentro, a tenebrosa mina, cheia de escadas de madeira, em equilíbrio precário. Saltei de enormes palheiros abaixo, 3 ou 4 metros abaixo... Havia muitos, por trás da casa dos tios, a única de pedra e cal. Era melhor do a feira popular! Visitei as casas térreas da gente da aldeia - muito pobres e, eles, todos, muito cordiais.
Corremos por montes e vales, sem ver viv'alma por perto. Fizemos gincanas no jeep, por caminhos desertos... Era como se o mundo fosse todo nosso.
Entrei em campeonatos de apanhar magotes de moscas, à mão. Dez, quinze, sei lá. Estava um calor propício. Elas pousavam, descansadas, sonolentas e eram tantíssimas...
Aqueles tios, aqueles primos pareciam saídos de um filme de aventuras, em tom de comédia. Maravilha!
quinta-feira, 12 março, 2009 
Nestó disse...
Na Freixeda, quando tínhamos mais ou menos 10 anos, brincavamos em grupos, que incluíam rapazes e raparigas, onde naturalmente estavam as minhas irmãs. Elas eram as filhas do Sr Engº, muito mimadas e chatas. Andavam sempre com bonecas, que a família lhes oferecia, e faziam grande choradeira quando as bonecas eram objecto de algum tratamento menos delicado ou menos atencioso. Havia bonecas por todo o lado...
Um dia, decidimos que era altura de pôr ordem na mesa e de acabar com tanta mariquice. Dissemos : temos de fazer um julgamento para detectar quais as bonecas mais mariquinhas e zás!! se for caso disso condenamo-las à morte. Nem mais nem menos... Todos concordamos!!
E foram julgadas, num domingo de manhã porque não tínhamos escola, e podíamos reunir um quorum maior. O largo junto à entrada de uma galeria das minas encheu-se de uma multidão ululante ..a pedir sangue.
E foram julgadas, imparcialmente!! Algumas bonecas, sobretudo as mais bonitinhas em que não podíamos sequer tocar, foram condenadas à morte por decapitação... A sentença foi cumprida com recurso às vagonetas que serviam para transportar o minério do interior da galeria, por uma linha que tinha uma ligeira inclinação de dentro da galeria para o exterior. A vagoneta que ia executar a decapitação era empurrada até um ponto alto e esperava aí a ordem para que a soltassem. Cá fora, já havia gritos a choros lancinantes. Mas não havia nada a fazer.. A condenada era colocada no chão com o pescoço em cima do carril.. Solenemente, era dada ordem aos carrascos, no interior da galeria, para soltarem a vagoneta. Muito lentamente...a dita começava a deslocar-se em direcção às condenadas. Por entre grande gritaria de desespero por parte das minhas irmãs e grande alegria sanguinária por parte dos restantes.
A vagoneta iam ganhando velocidade, por ali abaixo, até que desembocava no exterior, também ela decidida a acabar rapidamente com "aquilo". E acabava... cabeça para um lado e corpo para o outro. Zás... como tínhamos imaginado!!
E seguia-se a boneca seguinte ..
sábado, 14 março, 2009 
Docas disse...
O meu Pai gostava muito de ir a Moura, a casa dos sogros da Xana, onde ele e o Sr, Noronha (pai do Carlos) comiam do bom e do melhor. Um dias comeram quantidades astronómicas de sardinhas, à competição. Não me lembro, de quem ganhou.
Ia com eles passar as férias, no mês de Agosto, ao Algarve, a Vila Real de Sto. António. Uma vez, foi até lá, de comboio com a Maria João, teria ela uns 14 anos. Fomos esperá-los à estação. O meu Pai, chegou todo vestido de branco - sapatos, calças e camisa. Sobre a viagem, a Maria João comentou: todo o tempo o Avô dormiu e ressonou. E como alguém lhe disse que dando estalidos com a língua, se consegue que as pessoas parem de ressonar, experimentou, constantemente, e garantiu que resultou mesmo...
Nessas férias, davam passeios até Espanha, ali mesmo na fronteira, aproveitando para comprar coisas mais baratas. Os verdadeiros "contrabandistas", que traziam electrodomésticos de toda a espécie, passaram na guarda sem problemas. O meu Pai, de calção e camisa branca, avançou com um grande saco de viagem, onde só trazia uns frascos de água de colónia, destinados a ofertas. Foi o único que, certamente, por dar nas vistas, teve de se sujeitar ao controle e a pagar direitos alfandegários sobre as ninharias.
quinta-feira, 19 março, 2009 
Docas disse...
Nessas mesmas férias, regressou de carro, com a Xana e o Carlos e as netas. Em Évora, um jeep de militares abalroou o carro , de tal forma que acabaria na sucata. Felizmente, como o carro da Xana estava parado, o choque não feriu ninguém. Todos estavam nervosíssimos, menos o Pai, que só falava em arranjar comida (moscas!) para um camaleão, que tinha comprado para oferecer a um amigo de Rio Tinto... O Carlos ficou irritadíssimo, não aceitava que ele estivesse tão desinteressado ou descontraído com o acidente e, ainda por cima, a querer, apenas, caçar moscas.
Mas ele tinha toda a razão. Quanto ao desastre, já não havia nada a fazer, e o camaleão, com a inesperada demora. estava em risco de vida. Salvou-se o bicho no meio daquela aventura, mas não durou muito em Rio Tinto...
quinta-feira, 19 março, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Este ano, durante a noite de 11 de Novembro sonhei com o Tio Eduardo! Não precisamente num aniversário. Mas era ele, sentado num banco, ao ar livre, com aquele aspecto calmo e descontraído de quem espera, sem pressas.
Um jeito muito seu. Não me recordo do contexto nem da sequência. Devia ter escrito imediatamente o guião do sonho. Faço-o, às vezes. Desta vez, não fiz. De qualquer modo, o resto da acção já não tinha a ver com o Tio, e era coisa totalmente desconexa.
quinta-feira, 19 novembro, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
O Tio Eduardo manteve sempre o seu espírito jovem e a  "joie de vivre"- até ao último dia. Pouco antes, foi operado à próstata na Ordem de S Francisco. O meu pai tinha feito a mesma cirurgia, algum tempo antes no Hospital de Espinho, e entusiasmou.o a ir em frente, sem mais hesitações.
A operação, em si, correu bem. As visitas que recebeu foram numerosas. Recordo-me de o ouvir dizer qualquer coisa como isto: "Nunca pensei ter tantos amigos, ser tão popular!" Ainda bem que lhe demos essa impressão, porque correspondia à verdade! Regressou a casa em Rio Tinto, sentindo-se bem. Morreu subitamente na manhã do dia seguinte. De ataque cardíaco.
quinta-feira, 19 novembro, 2009 
uiar disse...
Quem o acompanhou mais, nesse período de internamento hospitalar, foi a Tia Lola. Sempre impetuosa e surpreendente, veio de Lisboa valer ao ex-marido. Feita enfermeira. Capitaneava as hostes de apoio, com grande alarido e energia, provocando no doente "mixed feelings".
Ficou célebre a frase, dita depois de ela se retirar, quando o paciente já estava recuperado: "A Dona Lola é muito chata, mas faz muita falta"
quinta-feira, 19 novembro, 2009 

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