quinta-feira, 11 de junho de 2020

W29 AVÔ MANUEL DIAS MOREIRA revisto

29W - MANUEL DIAS MOREIRA


MEU AVÔ E MEU MELHOR AMIGO
O Avô Manuel nasceu a 9 de Outubro de 1892, em Avintes, na casa do Paço, junto ao Areínho.
Uma casa de pedra, as paredes com espessura de um metro, vista soberba sobre o Douro. O muro alto e a própria casa acompanham as curvas da rua do Paço, que não sei se ainda tem por baixo algum vestígio de calçada romana (não esqueçamos que Avintes é terra milenária...). A Mãe, Bisavó Quitéria Francisca Pinto, adorava aquele lugar e aquela casa. A parte mais antiga é muito antiga - talvez do séc. XVI, ou do início do séc. XVII. A mais recente é da segunda metade do séc. XIX e foi construída pelo marido, meu Bisavô João (Dias Moreira). A data encima o portão da entrada principal, hei-de olhar os números com a necessária atenção...
Detenho-me a falar da casa, porque o Avô gostaria, certamente, que eu o fizesse. Era a mim que ele a queria deixar, directamente. E eu tenho procurado conservá-la, por razões sentimentais, embora hoje se tenha tornado evidente que não há a quem a deixar. Apesar da beleza simples, rústica e granítica daquele espaço, totalmente murado, a dar a impressão da mais perfeita privacidade, as jovens gerações não se sentam atraídas pelo campo, ou pelo rio, ou pelo sossego. E não têm nada a ver com o lado paterno da minha família... Os últimos descendentes destes bisavós somos o António Manuel (Soares de Albergaria Reis) e eu. E a filha dele, a trineta única, Chloe Angelica Randle-Reis. Seriam os (meus) naturais" herdeiros" deste património. Se não vivessem, como vivem, longe, no Canadá... O António Manuel (Tó Mané), apesar de ter saído de Portugal com apenas oito anos, sente o apelo do lugar… Mas, com os seus empreendimentos canadianos absorventes, nem tempo tem para férias em Avintes.
Exactamente como eu, este primo do estrangeiro tem um enorme orgulho nos incríveis antepassados da "casa do Paço". Eu aprendi a admirá-los, através das histórias contadas pelo Avô Manuel. O primo, através das mesmos "happenings", relatados pelo pai, pela Avó Francisca (única irmão do meu Avô e pelo Pai, o primo António Reis, que é também um grande contador de histórias.
A Bisavó Quitéria Francisca Pinto era extremamente enérgica, muito pequena e magra. Enormes olhos azuis! Uma memória prodigiosa, e sempre resposta pronta. Senhora de decisões rápidas e sensatas, que o marido respeitava, invariavelmente. E poetisa de versos populares, repentista, o que a tornava imbatível em  "cantigas ao desafio". E, depois, conseguia reproduzir o despique poético, que durara horas,  sem um lapso:"eu disse", "ele disse"... Ou sagas, lendas, lega-lengas, ditos populares. Uma autêntica grande” biblioteca” de literatura oral. Memória prodigiosa, vivacidade… Encantava os três netos, meu pai (filho do Manuel), o António e a Maria Angélica Reis (filhos da Maria Francisca). Eu, infelizmente, tenho dela uma memória nebulosa de menina de 3 anos. Nessa altura, aos 94 anos, a Bisavó continuava lúcida, activa e alegre (até a minha Mãe lhe achava imensa graça!). Morreu, como viveu, serenamente - durante o sono, em casa da Tia Francisca, com quem então morava.
O bisavô era um bom "gigante", com dois metros de altura e uma imagem não caracteristicamente “latina”. Também o meio - irmão, Padre Manuel Pinto da Silva, tinha, para além de bela figura, um porte imponente (era, também altíssimo). Consta que eram, de facto, de ascendência inglesa, ou escocesa, ainda que remota. Ouvi dizer, e é plausível... O avô Manuel não era alto, mas, no estrangeiro, ninguém o julgaria tipicamente português ou mediterrânico… Até meu pai herdou essa aparência nórdica. Não conheci ninguém mais anglófilo do que ele! Antes, durante, e depois da "grande guerra"…. Era fisicamente muito parecido com aquele seu avô do “Paço”, e deram-lhe o mesmo nome: João Dias Moreira.
Todavia, até agora, nenhum descendente se compara, em visão empresarial, ao primeiro JDM. Foi, por gosto, por vocação, um grande lavrador, receptivo a novas tecnologias, à mecanização possível da agricultura e da vinicultura. Mentalidade moderna, rara nesse sector e nessa época, recorria a crédito bancário, tinha crédito... Pragmático e seguro de si. Eficaz. Honestíssimo. Firmava negócios com um aperto de mão… Tornou-se uma lenda viva na terra, ao comprar, ao longo dos tempos, 99 propriedades (nem todas muito grandes, mas, de qualquer modo, muitas e, no conjunto, significativas). Quando o Tó Mané começou a investir, no Canadá - em vez de aceitar ser um alto quadro de empresa - disse :"quero recuperar a iniciativa empresarial, que anda perdida nesta família há três gerações". Espero bem que ele demonstre, em outros domínio, o tal talento ancestral. Inteligência, tenacidade e qualificações não lhe faltam! Em outras áreas, já fez coisas extraordinárias, de que falarei, em breve...
O Avô Manuel não era fadado para o mundo dos negócios - nem na agricultura, nem em qualquer outra terreno. A sua ambição era formar-se em Direito, na Universidade de Coimbra. Para ser Juiz, conservador de registos ou notário, como foi o seu melhor amigo de infância e juventude. O pai opôs-se. Não tinha outro sucessor, mas não o converteu aos seus projectos. O filho arrendou as terras a caseiros, logo que as herdou...
Era muito mais dotado para a música, o teatro, e o desporto, também. Como considerava, avisadamente, tinha mais perfil para uma carreira jurídica, como o notariado, ou a magistratura…
Tocava, tal como o sobrinho António, música popular ou  "clássica" de ouvido. Era exímio em jogos tradicionais. Foi actor amador e, suponho, mais tarde, director do "Grupo Mérito Avintense". Recordar-me que, no seu funeral, o caixão foi coberto com a bandeira do "Grupo Mérito". Ele teria gostado! No teatro (ou nas salas de cinema) passou momentos óptimos da sua vida…  Fui eu a maior beneficiária dessa sua paixão, a companhia predilecta nas tardes de cinema. Desde os 6, 7 anos anos, antes mesmo de ler, fluentemente, já ia com ele ver musicais, operetas e "westerns".
O meu Avô Manuel era um sonhador! Um homem de honra, de uma honestidade escrupulosa, aprendida com os pais. A sensibilidade artística e a imaginação foram herança materna. 
A excessiva confiança na seriedade dos outros, veio a dar-lhe problemas na única aventura empresarial que se envolveu, uma sociedade em que era o “sócio capitalista”. O” sócio trabalhador” fez um enorme desfalque e sumiu, com o dinheiro, para a Africa profunda, de onde não houve mais notícia dele…O Avô, para além do prejuízo, que não foi pequeno, sofreu uma depressão nervosa, de que recuperou, para sempre, menos confiante no futuro e nos homens... Reforçada saiu  a sua convicção de que uma boa formação académica é muito mais importante do que muito dinheiro. Disse-me, vezes sem conta, em contextos variados, frases deste género: “Prefiro dar-te um curso, a possibilidade de uma carreira, do que deixar-te uma grande fortuna”. Eu ser aluna de “quadro de honra” no colégio,”prémio nacional” no 7º ano do liceu (no “Rainha Santa Isabel”) e o ter tirado, facilmente, o curso de Direito, na bendita Universidade de Coimbra, encheu-o de alegria.
É curioso que o filho de um empresário agrícola lavrador  tivesse a perfeita consciência da importância da educação formal, da cultura e das artes. O filho e as netas frequentaram, por vontade sua, os melhores Colégios internos, o famoso Colégio dos Carvalhos para para ele, o não menos elitista Colégio do Sardão para as meninas.

Nunca encontrei, na vida, ninguém com quem me entendesse tão bem, como com o Avô Manuel. (Sei que ele, de mim, diria exactamente o mesmo). Por ele ser um” sonhador”. Por sonhar o meu futuro. Por querer que eu tivesse as oportunidades que ele não teve. Por acreditar mais em mim, do que eu acredito. Por me incentivar a tirar o curso (de preferência, Direito, por sorte, a minha preferência!), a ter profissão, a viajar, a alargar horizontes... Por conversar tanto comigo. Por me ouvir. Por me aceitar como era. Por me admirar tão excessivamente!...Pela minha parte, retribuía a admiração, mas na justa medida do seu merecimento. Se pudesse escolher o avô ideal, escolhia-o, a ele.

Apesar de ser um “bom partido”, apesar dos interesses e costumes da época levarem, quase sempre, a casamentos de conveniência, o Avô teve liberdade total para escolher noiva. Apaixonou-se pela Avó Olívia, ainda ela não tinha 17 anos. Era linda, alta, elegante, discreta e serena, sensata -  tudo menos uma herdeira rica... Casaram alguns meses depois, em 24 de Setembro de 1916.
Um romance de amor, puro e simples. Que teve as "bençãos" da Mãe (ele “venerava” a Mãe!), e sem oposição paterna.
João, meu Pai, nasceu dois anos depois, em 6 de Junho de 1918. Seguiram-se uma menina, a Maria, em 1922, e dois gémeos, o Alberto e o Manuel, em 1923. Infelizmente, os três morreram, ela com pouco mais de um ano, eles com poucos meses. Todos com doenças hepáticas. Imagino o desgosto…O  Joãozinho voltou à condição de filho único... O Avô Manuel, ao contrário da Avó Olívia, desabafava o desgosto infindo em confidências. Sobretudo de Maria falava muitas vezes! Uma criança muito bonita, meiga, com a pele muito branca e os olhos grandes. O Avô era um desses homens invulgares, que não preferem os filhos varões. Julgo que por ser a neta mais velha e a mais parecida com ele, me transformei na sucessora da Maria…(apesar de eu ser feia…coisa que ele não era - mistérios da genética).
 Meu Pai foi aluno do Colégio do Carvalhos durante 11 anos desde a primeira classe até ao último ano do liceu (com um ano de permeio, em que quis ir para o Liceu, chumbou e retornou ao colégio, voluntariamente), Deu-se muito bem por lá! Gostava do ambiente, dos excelentes professores, e dos amigos. Era popular. Óptimo atleta, bom jogador de futebol. Nos estudos, tudo bem, mas melhor em letras, latim, português, inglês… Era poeta repentista, tal qual a Avó Francisca. Preparava-se, aos 18 anos, para fazer o seu curso em Coimbra… Em vez disso, casou, com uma lindíssima jovem de Avintes, a Celina. À pressa, por uma razão, que poderia ter inspirado o autor de “love story”: Ela estava tuberculosa, com curta esperança de vida. Morreu 8 meses depois do faustoso casamento...
Tenho muitas recordações da casa dos meus Avós, na rua 5 de Outubro – era, à direita de quem desce, a caminho do Porto, a última vivenda. Passei lá longas temporadas - cheguei a andar na escola do Magarão um curto trimestre, antes de rumar ao “Sardão”. A Madalena e eu divertíamo-nos com os gatos grandes e peludos (os Titos), e tínhamos muito espaço ao dispor para as brincadeiras. Quando queríamos, saltávamos o muro da quinta contígua, que era de amigos ausentes, e aumentávamos o nosso “território, enormemente.
O Avô Manuel, já o disse, não apreciava o mundo dos negócios. Teve aquele “azar dos Távoras” com o sócio e passou a entregar a gestão a gerentes (uns melhores, outros piores…), como entregava as quintas aos caseiros. A sua evasão, nessa altura, era o cinema, quase todos os dias. Eu gostava de qualquer tema ou género…. Portava-me bem.
Ele tinha natural preferência por musicais, incluindo alguns deprimentes, como um sobre a vida de Tchaikowsky, seu compositor preferido… Mas geralmente levava-me a comédias e operetas. Quando surgiu o “cinemascópio”  fomos ver “Ohklahoma”,”7 noivas para 7 irmãos” e muitos mais, que eu associo, sobretudo, ao Rivoli). E não perdemos uma série de filmes sobre “Sissi”, com a muito jovem Romy Schneider. O Trindade, o Batalha, o S. João, são aqueles de que tenho mais recordações. Inesquecível uma vez em que forte ventania fez voar o chapéu do Avô, mesmo em frente ao Batalha. Ele deixou-me no passeio e correu atrás do chapéu, mas, quando estava perto de o apanhar , veio um carro veloz,  que o espalmou completamente … Um episódio de filme cómico, antes do filme. Eu ria, às gargalhadas, e ele, resignado, não se zangou comigo.
Éramos bons companheiros! Antes e depois do cinema, a ida ao café com ele ao café (seria o “Leão d’ouro”?), coisa então pouco habitual para senhoras ou meninas. Ele lia “O Comércio do Porto”, eu distraía-me a olhar a praça movimentada. O café era a sua bebida preferida. O de casa era ainda melhor, de lotes que escolhia, numa das loja que dão o seu ambiente pitoresco às ruas estreitas das traseiras do Teatro S. João, onde vezes sem conta fui por sua mão.
Recordo, de igual modo, a compra de rádios - não tão frequente, é claro. O rádio - e a rádio…- imperavam, então, sem concorrência, e, com o seu “ouvido” privilegiado, ele exigia o som perfeito. Normalmente, levava os aparelhos à experiência, por sugestão do próprio vendedor ,até acertar com o ideal! No quarto, o rádio estava sempre ligado, noite e dia. De noite, limitava-se a baixar o som, para o tornar quase inaudível, não querendo perturbar o sono da Avó.
A vida dos dois era tranquila - mas a Avó, sob uma imagem de feminina condescendência, mandava em tudo o que considerasse relevante. Gostava de receber, a casa estava sempre cheia de visitas. O abade de Avintes (o Padre Álvaro, durante muitos anos), as irmãs, outros padres, amigos, como o jovem Dr. Figueiredo, nosso excelente médico, vizinhos… Uma animação! Havia sempre doces, café maravilhoso, feito com água puríssima do poço, o leite das vaquinhas do “Paço”, que o caseiro, Sr. Justino, mandava todos os dias… Sabores que são coisas do passado, definitivamente passado. Tal como o vinho americano, de videiras caseiras e proibidas, que o Avô sabia preparar como ninguém mais… Nos almoços e jantares de festa tudo era bom, o sável do Douro, que lhe ofereciam e ela cozinhava, a preceito, as lampreias… No dia a dia as meninas comiam o que mais gostavam, bifes e batatas fritas - só escolhíamos o corte das batatas: aos palitos ou às rodelas…
O Avô frequentava o Clube Avintense, que, nessa fase, era muito chique. Dava grandes passeios pelos campos. Pela marginal do Douro, com os extensos milheirais, muitos dos quais eram dele… E eu com ele, nessas andanças! Tal como em Espinho, no verão. Nos últimos anos, passámos tardes, à conversa, no “Nosso Café”, sempre na mesma mesa, à janela.
Convenci-os a mudarem-se, para a velha casa da Rua 7, nº 307. Espinho é terra ideal para reformados. A Avó Olívia gostava da casa pequena, que tinha sido comprada pelos pais, como casa de verão. Fizeram algumas obras. O Avô estava no seu “elemento” - o mar, o pôr-do-sol sobre as ondas, os cafés, os cinemas (imenos do que dantes, desde que tinha televisão).
Na minha memória, vejo-o, sobretudo, na mesa do café. À conversa. A partilhar os meus projectos. Quando eram comuns, dizia: ”vamos a ver”, com ar de quem diz:”Deus queira…”. Os últimos já não aconteceram. Um “avc”, e, depois, no seu simpático quarto do hospital de Gaia, uma pneumonia, não nos deram mais tempo.
Tinha perto de 80 anos. Parecia ter 60. Estava óptimo, de aspecto, memória, agilidade. Conservava, intacta, a sua capacidade de sonhar, do vibrar com as vitórias do FCP, com um romance, com uma ária de música...












Publicada por em 19:43   

13 comentários:

Maria Manuela Aguiar disse...
9 de outubro: o dia de aniversário do Avô. Estive no Porto, a assistir ao lançamento do livro sobre Pinto da Costa, o "Portador de alegrias". Lembrei-me muito dele, o "Avô Portista", que já não viveu os tempos extraordinários das nossas vitórias nacionais e internacionais. Em todos esses momentos é lembrado por mim. A minha alegria é a que ele sentiria. A que eu sinto por ele...E pelo meu Pai, pelo tio David (hoje falei dele ao Fernando Gomes, em quem via, ainda júnior, um futuro "craque" e acertou...), ou pelo tio Serafim e pelo Tónio, meus companheiros de bancada, no estádio das Antas. Graças ao Avô, posso dizer que sou, aos 66 anos,uma portista de 3ªgeração. Se tivesse filhos e netos, é evidente que íamos na 5ªgeração... De qualquer modo, é exacto afirmar que descendo, em linha recta, de portistas, desde a fundação do clube!
quinta-feira, 09 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
 Tenho pena de não ter escrito as histórias que o Avô (que também era meu Padrinho, como lhe chamava) me contou sobre as suas inúmeras vitórias num jogo tradicional, que envolvia dar não sei quantas voltas do sino da Igreja. Coisa que exigia não só força, como habilidade. Da sua força espantosa, fui eu, aos 4 ou 5 anos, beneficiária, num dia em que decidi arrancar, pela descida da rua 5 de outubro (e que descida... mais acentuada não há),sozinha ao volante do carro do meu pai, estacionado em frente à porta da casa. Fiz tudo direito, como o via fazer. O carro começou a andar... E o Avô apercebeu-se do desastre iminente, correu, agarrou o carro pelo lado da janela, providencialmente aberta, e conseguiu fazê-lo parar. É por isso que estou viva, para contar o feito. E ainda me lembro do prazer que tive, ao destravar o carro e ao pôr as mãos no volante, pronta para a "corrida", que o Avô interrompeu. Depois não me lembro de nenhuma  reprimenda. O susto nem deu para me ralhar...
quinta-feira, 09 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
 Sobre as histórias que o Avô contava dos brilharetes da neta predilecta, dizia- me o António, ainda há pouco, em Toronto, que eram intermináveis... e que ele puxava logo pela imaginação, para mudar de assunto! Muito me ri...
quinta-feira, 09 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Maria Manuela Aguiar disse: Dou-me agora conta de que também os tios Alberto e Manuel, que morreram tão pequenos, fariam hoje anos. Nasceram , como o pai, a 9 de Outubro (de 1923). Eram 3 anos mais novos do que a minha mãe , que tem 88.
quinta-feira, 09 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
O Avô Manuel nunca se envolveu em política. Foi um activo "cidadão", em Avintes, participou em associações diversas, e, naturalmente, na paróquia. Era homem religioso, e, politicamente, conservador. Monárquico, mais tarde simpatizante de Salazar (visto como "salvador", depois do caos económico e da "bagunça" política da 1ª República). Um entre muitos portugueses a pensar assim. Das duas avós se pode dizer o mesmo... Não, porém, do meu pai, que era democrata e republicano convicto. No pós guerra assinou o manifesto a pedir eleições livres e esteve em risco de ser "saneado" da função pública. Nenhum pertencia a partidos - nem os mais direitistas à "União Nacional", nem o pai a quaisquer movimentos. Depois de 74, a minha mãe, monárquica, desalinhada, pouco Salazarista, mas muito Marcelista, virou à direita. O pai ficou no mesmo sítio, o que significou a adesão ao PPD. O Avô teria apreciado,como o Pai a minha longa, embora nada espectacular, incursão no mundo da política, que as mulheres da família achavam exercício inútil e desgastante (o senso feminino...). Acho que, por mim,o Avô até teria votado PPD! Mas não esqueço o desgosto e a tristeza com que assistiu, pela tv, ao funeral de Salazar. Eu estava ao lado. Não partilhava o sentimento de perda nacional. É óbvio que, como feminista, fui sempre contra político tão misógino Salazar. De qualquer modo, nem a discutir política o Padrinho e eu nos zangávamos. Foi tema pouco falado entre nós...
sexta-feira, 10 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
Sobre as fotos: a 1ª não tem data certa, mas é obviamente a mais antiga, que se conhece, tirada, talvez, em 1910. As seguintes são da época do casamento,  já "trintão". Aquela em que o casal se retrata com o filho João, é de 1918 ou início de 1919. A de Pai e filho, de boina colegial, do começo da década de 30. Avô e neta Manuela posam juntos no ano de 1943 (parecidos,não?). Em 1950 e tal, uma foto de BI ampliada. Na década de 60, à porta da casa de praia, em Espinho, no inverno. E a última é, também, da Rua 7, em Espinho, no dia 9 de Outubro de 1971. Tinha estado a festejar com a mulher, a irmã Francisca, a sobrinha Maria Angélica e a neta Manuela - pela última vez. Ninguém diria! Nessa última imagem, parece olhar a distância, pensativo, como tantas vezes acontecia...Mas sem maus preságios.
domingo, 12 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...
E faltou uma referência: à foto de casamento da neta, em 14- 8- 1965.
domingo, 12 outubro, 2008 
Maria Manuela Aguiar disse...

O Avô era, como o Pai e eu, um grande frequentador das mesas de café. No Porto, sempre que passo ao que resta dos cafés da Praça da Batalha, imaginar um senhor de meia idade e uma neta pequena, em infindáveis conversas.
E, em Espinho, o mesmo acontecia, enquanto o "Nosso Café" manteve, à mostra, mesmo depois de fechar portas, as suas mesas redondas, de uma cor verde pálido... A sua mesa habitual, à janela, a terceira, à esquerda da porta principal, face ao "Palácio" (onde eu ía com a Mãe, mas não com ele - teria senhoras a mais, a fazer renda, para seu gosto...).
Já depois do AVC, lembro-me de lhe dizer que tinha de se pôr bom, para voltar ao "Nosso Café", onde eu ía, de seguida. Olhava para mim, com uma tristeza, uma nostalgia!... Mas creio não ter pressentido que nunca mais teria esse prazer.
Um ou dois dias depois, foi internado num quarto particular do Hospital de Gaia, cujo director era o Dr. Figueiredo.
Acompanhei-o, quando foi na ambulância dos Bombeiros Voluntários Espinhenses, muito imóvel, com ar sereno, resignado. Já no Hospital, à chegada, estive a falar de política com o Dr. Figueiredo, mas o Avô não participou na conversa. Foi internado, porque era difícil tratá-lo, em casa. Para além da Avó, que era frágil, só havia a criada Arminda, uma desajeitada. Terá estado ali, em Gaia, num quarto confortável, umas duas semanas. E, quase o tempo todo, bem disposto e até mesmo feliz! Com inúmeras visitas. Para além da família, uma boa parte da população de Avintes! Em terras pequenas, as notícias correm depressa. Caso da do seu internamento. Admirei-me de ele ter tantos, tantos amigos. Era uma personalidade querida, na sua terra! Foram, afinal, visitas de despedida... Mas ninguém o adivinhava. Tínhamos esperança de que melhorasse, pois não lhe faltava ânimo. A pneumonia, não o AVC, é que lhe foi fatal. Tinha 81 anos e esperança de uma longevidade igual à de sua mãe (94 anos). Aparentava menos 20...!
terça-feira, 21 julho, 2009 
 Docas disse...
Para além do futebol, o Avô, o Padrinho (era mesmo o meu Padrinho, mas não o da Lecas, que também o tratava por esse título), gostava muito de hóquei em patins. Ouvíamos os relatos juntos, no famoso rádio do seu quarto, como se estivessemos no recinto desportivo, comentando e festejando, quando era caso disso. Se era à noite, ele estava já deitado e tinha um tique engraçado, que eu também partilho: cobria-se completamente com a roupa da cama, mas punha de fora o pé direito, que agitava, de vez em quando.
Outra semelhança, essa seguramente genética, era uma pequena (muito pequena) falha de cabelo, à direita, ali onde o cabelo acaba e o pescoço começa. Foi o barbeiro de Avintes, um dia em que lá fui acertar a minha curta cabeleira, que descobriu essa coincidência. Coisa sem importância, mas o Avô ficou contentíssimo!
quarta-feira, 22 julho, 2009 
Docas disse...
Estou na conta google da Docas, e esqueci-me de assinalar o anonimato. Obviamente o comentário anterior é meu...
Por falar nos amigos de Avintes: Quando terminei o meu curso de Direito, com uma nota que entusiasmou o Padrinho, ele queria dar uma grande festa, e convidar metade da terra para assistir. E eu achei que não valia a pena, que era um desperdício de dinheiros, e dissuadi-o. Como me arrependo! Ele teria tido tanto gosto nisso (para mim seria chato, mas suportável).  São estas coisas que a juventude não entende. Tem dificuldade em se pôr na pele dos outros.
A experiência da vida, torna-nos muito mais sábios e sensíveis aos sentimentos dos outros. O meu curso era, para ele, uma realização "pessoal". O curso que ele tinha sonhado tirar!.
E a partilha dessa alegria com os amigos era uma forma de assinalar um verdadeiro marco na sua vida - na dele, também, e não só na minha, como, então considerei.
quarta-feira, 22 julho, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Às vezes, uma coisa trivial do nosso quotidiano transporta-nos, de repente ao quotidiano do passado, com uma saudade imensa. Foi o caso, há dias, de uma simples sopa de cebola, feita pela Olívia. É, talvez, não sei bem, a minha sopa preferida - está de, qualquer modo, no "top"... A sopa de dieta do Avô Manuel, depois que os negócios do Porto correram mal (o desfalque do sócio-ladrão, que fugiu para África...), deixando como sequela uma úlcera de estômago. Da úlcera há muito se curara, gostava, sim,  daquela sopa... O café, que tomava, em quantidade, não se compagina com aquela maleita...
Ainda hoje uma sopa de cebola, me transporta, nostalgicamente, à sala de jantar da casa de Avintes, com a sua mesa comprida, o relógio de pé alto e o grande louceiro e o aparador de vinhático...
domingo, 13 setembro, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Noutro dia, vi, na feira de Espinho, pela primeira vez, a anunciar ou prenunciar o fim do verão, um 1º vendedor de castanhas assadas.
Não comprei, para prolongar a sensação de estar de férias, antes da rentrée. Mas lembrei-me de Avintes ... e das nogueiras - não de castanhas, mas de nozes, de que também gosto muito. Depois de colhidas, e retiradas dos "ouriços" ficavam a secar, nas lojas da casa, em quantidades astronómicas. Será que as vendiam? Possivelmente. Ou davam aos amigo? Ou as duas coisas... Para nós abundavam.
Um ano, já eu era crescida, talvez até formada, um dos homens, que faziam a apanha, caiu de uma das nogueiras. Foi uma comoção! Nada de muito grave, teve de ir para o hospital e houve problemas com o seguro, que ajudei a resolver.
Bem aflito estava o Avô - facto raro. E eu a acalmá-lo!
domingo, 13 setembro, 2009 
Maria Manuela Aguiar disse...
Também me lembro de ter ido a Tribunal de Trabalho defendê-lo, numa acção interposta por um ex-empregado - despedido. Ganhei o caso!
Tive de pedir uma toga emprestada, como sempre fiz - nunca cheguei a precisar de comprar a minha. Os casos foram poucos. A minha vida era outra. 
O Avô não queria sentar-se no "banco dos réus" e o Juiz dispensou-o. Engraçado preconceito. Por mim, não me importaria muito... Ele ficou no fundo da sala, entre a assistência. Saímos os dois, vitoriosos, felizes e contentes.
Lembro-me de tudo, claramente, da sala de audiências, do edifício - para os lados de Cedofeita - mas quanto a pormenores do caso, nada!...
domingo, 13 setembro, 2009 

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