sábado, 1 de agosto de 2020

Política - primeiros passos

A minha 1ª incursão num processo eleitoral aconteceu em Coimbra. Concorri, obviamente "empurrada" pelos colegas do "Conselho de Repúblicas", às eleições para uma "secção feminina", com esse ou outro nome... Sei que, na altura, por inerência dava acesso à direcção da Associação Académica. Perdi, como seria mais ou menos previsível, porque era a lista mais à esquerda e as mulheres, ao contrário dos rapazes, votavam, em regra, mais à direita, na "LIA". Não havia 3ª via. Era a esquerda, com comunistas à mistura, ou direita, na companhia da direita ou extrema direita... Eu, claro, preferia os primeiros.
Mesmo sendo previsível, a derrota convenceu-me que não era fadada para campanhas eleitorais. Só 20 anos depois, me vi, de novo, nesses trabalhos: fui candidata a pela deputada pela emigração, pela coligação AD, com um grandiosa votação de mais de 80%... Foi a 1ª de muitas: encabecei o círculo de "Emigração Fora da Europa", repetidas vezes, sempre com votações excelentes, o da Emigração da Europa, por uma vez (recuperando o 1º lugar para o PSD, conseguindo por pequena margem de votos o que para nós foi uma grande vitória - até porque como Secretária de Estado do sector criava bastantes anti-corpos e porque, para piorar as coisas, metade da direcção da secçã do PSD de Paris tinha aderido às hostes do emergente partido Eanista...).
Recuperei um pouco de auto-estima.
Todavia, o meu 1º cargo político, não foi o de deputada, mas o de Secretária de Estado do Trabalho num governo de independentes - o IV Governo Constitucional, chefiado pelo Prof Mota Pinto. Por isso, quando me perguntam a razão porque escolhi a vida política, respondo que não escolhi, e que, paradoxalmente, me foi dada a oportunidade pela pouco recomendável circunstância de não pertencer a qualquer partido...
Entrei na aventura, que à partida se estimava de curta duração, por não saber dizer "não" aos amigos - e não só o Primeiro Mº era um amigo, como o era também o "vizinho do lado", no Ministério do Trabalho, o João Padrão, um simpático e brilhantíssimo colega de curso, que ocupava a pasta do Emprego. À mistura com o receio de falhar - uma constante desde os bancos da faculdade - havia uma boa dose de curiosidade por conhecer o outro lado da "sociedade civil" - o lado do "poder" (ainda que muito relativo...). A "casa" era conhecida: estava no ministério onde começara o trabalho profissional, cerca de 11 anos antes. Apesar da mudança de regime, a boa qualidade dos funcionários, dos serviços estava intacta. Tudo era familiar - assuntos, problemas e até algumas das caras que via nos corredores - o que facilitava muito. Escolhi os adjuntos dentro da "casa", trouxe para chefe de gabinete um colega do Serviço do Provedor de Justiça (onde ambos eramos assessores, eu na área da segurança social, ele, providencialmente, na área do Direito Administrativo, que ali era bem preciso). Ajudaram-me naqueles tempos de iniciação a um novo ofício - fizemos uma equipa unida nos bons e maus momentos. E destes, houve alguns. Não tanto pelos conflitos sociais, negociações, greves... Houve, por vezes, verdadeiros "braços de ferro", uma requisição civil... mas com o "adversário exterior" podíamos nós bem. O que incomodava era o interno... Foi por vezes complicado o relacionamento entre a equipa do ministro, que vinha do sector privado, com preconceitos contra o público e a minha que era 100% "funcionalismo público" (e do muito bom, que também havia e ainda há, aqui e ali). A competência dos quadros daquele ministério acabou mesmo por o convencer. Pior era o seu chefe de gabinete, que eu tive de "pôr na ordem", porque se julgava superior hierárquico do meu chefe de gabinete e tentava comandá-lo. Eu podia ser "caloira" no Governo, mas intromissões no meu "território" não estava disposta a admitir - e não admiti. O homem era pouco esperto e custou-lhe a perceber que nem mesmo ao ministro eu consentia semelhante comportamento. Fui sempre melhor a defender "os meus" do que a defender-me a mim própria. Eu, sim, tinha de actuar de acordo com orientações do ministro e ou concordava com ele ou me demitia. Não o fiz, porque não houve divergências de fundo - pude ir sempre por onde queria, ou quase sempre. Como disse, o pior foram questões pessoais, de "maneiras"...
Curiosamente, o estilo "impaciente" (e também muito fontal e corajoso) de Eusébio Marques de Carvalho (igualmente "estreante" em lides governativa...) acabou por me influenciar bastante. Como ele, dei por mim a tomar decisões rapidas, a promover mudanças sem medo das reacções e a exigir execução pronta. Foi fácil, porque as pessoas corrresponderam! Tive muita sorte...
O Governo Mota Pinto, foi o primeiro governo "não socialista" depois da revolução de 74. O ter combatido pelo seu programa, o ter resistido às pressões da rua (como então se dizia) o ter conseguido "governar", ainda que apenas durante 9 meses, foi mais importante do que parece para a história da democracia em Portugal - porque não há democracia sem alternativa, sem a possibilidade concreta e concretizada de viragem. Sá Carneiro haveria de salientar esta faceta, no discurso de tomada de posse, reivindicando o título de 1º governo de alternativa saído do sufrágio popular. O que era exacto, já que o de Mota Pinto não resultava directamente de sufrágio, mas de nomeação presidencial. Mas eu acredito que sem a experiência vivida ("ver para crer"...) que representou a acção governativa de Mota Pinto, a maioria do povo português não teria dado a vitória à AD, em fins de 1979...
Muitos dos independente da área social-democrata (que era a do Primeiro ministro Mota Pinto e, naturalmente, a de quase toda a sua equipa), acabariam por integrar o executivo da AD e por se filiar no PSD. Eu fui um caso entre tantos outros (a única mulher, claro e que, por isso, seria também a primeira militante do PSD num Governo da República).
Não conhecia pessoalmente Sá Carneiro até ao dia em que me convidou para ser a Secretária de Estado da Emigração, numa tarde do início de Janeiro de 1980.
A conversa foi divertidíssima. Senti-me tão à vontade, que falei com ele como quem fala com velhos amigos (com Mota Pinto ou com Rui Machete, por exemplo). Sá Carneiro estava "bem-dispostíssimo"! A certa altura, chamou ao gabinete o MNE Freitas do Amaral, com quem eu viria a trabalhar directamente, mas mesmo a três, o tom do diálogo não sofreu grande alteração - mais parecia uma tertúlia!
Saí pela porta a dizer "Senhor 1º Mº. por si faço tudo: vou de escadote colar o seu poster nas paredes. Vou de balde e pá pintar AD nas ruas. Tudo, menos ser Secretária de Estado!
Deu-me o prazo de 24 horas, para decidir. Pedi, acto contínuo, conselho ao Doutor Mota Pinto pelo telefone (estava em Coimbra, não havia outra hipótese) e fui jantar com Rui Machete, que tinha sido responsável pela mesma Secretaria de Estado, por uns meses, antes de se tornar Ministro dos Assuntos Sociais (em cujo gabinete colaborei, e do qual saí, por sua sugestão, para assessora do SPJ. Ambos, mais a Branca Amaral, sua cunhada e minha colega no SPJ, me incitaram a aceitar. Aceitei, não sem repetir ao Dr SC que não me considerava à altura do cargo. Ele respondeu-me que não me preocupasse, porque assumia, por inteiro, a responsabilidade, pela sua escolha.
Acho que se apercebeu que eu "queria e não queria" envolver-me naquelas funções, que estava genuinamente insegura e deu-me um grande acompanhamento nas duas ou três primeiras semanas. Foi extraordinário! Telefonava-me para me dar informação sobre casos concretos de emigração, para me dizer como esta ou aquela das minhas iniciativas tinha resultado bem... Pretextos para me dar ânimo - e dava!
Gastou comigo, alguém que não conhecia previamente, muito do seu tempo de primeiro-ministro, até ter a certeza de que eu seguia caminho perfeitamente segura... Um Sá carneiro bem diferente do que preferem traçar para a história... Um líder singularíssimo, não só, mas também pela forma como estava atento a tudo e a todos... E verdadeiramente empenhado em levar o país para patamares mais altos.

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