domingo, 2 de agosto de 2020

Entrevista O meu tempo no LICEU RAINHA SANTA ISABEL

Maria Manuela Aguiar

23:06 (há 0 minutos)
para eu
CV (síntese)
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira
Antiga aluna do Colégio do Sardão (1951/58)  e do Liceu Rainha Santa Isabel (1958/60)
Licenciada pela Universidade de Coimbra, onde completou o curso de Direito com 17 valores, em 1965.
"Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit" da Faculdade de Direito e Ciências Económicas do Instituto Católico de Paris (1970)
Assistente do Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social (1967/74), da Universidade Católica de Lisboa (sociologia),em 1972/72, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Direito Civil), em 1974/76. Assessora do Provedor de Justiça. desde 1976. Docente da Universidade Aberta (Mestrado de Relações Interculturais), de 1990 a 1993..
Cargos Políticos: Secretária de Estado do Trabalho (1978/79); Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas em quatro governos, entre 1980 e 1987;
Deputada à Assembleia da República eleita de 1980 a 2005; primeira mulher Vice.Presidente da Assembleia da República (1987/91); Representante de Portugal na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (1991/2005), onde presidiu, à Delegação Portuguesa, à Comissão das Migrações, Refugiados e Demografia, e a várias subcomissões; Vereadora da Câmara Municipal de Espinho (2005/2011)
 Pertenceu ao Conselho Superior do FCP e recebeu um "Dragão de ouro" (2005). É dirigente e colaboradora de ONG's nos domínios das migrações e da igualdade
Condecorações:  Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique,  Grã- Cruz das Ordens do Cruzeiro do Sul e do Rio Branco (Brasil), Grã.Cruz da Ordem do Império Britânico, entre outras.


ANOS DE FREQUÊNCIA DO LICEU
 - Frequentei o Liceu RSI em 1958/59 e 1959/60, nos meus últimos anos do ensino secundário, o 6º e o 7º, que  então constituíam o "curso complementar do liceu". Foram dois anos apenas, mas decisivos pelo que aprendi na transição para a idade adulta, como jovem, e não só, também  como estudante..


 O QUE REPRESENTOU PARA SI TER FREQUENTADO ESTE ESTABELECIMENTO DE ENSINO
 - A passagem de sete anos de um internato católico e elitista, o Colégio do Sardão, para o ensino público assumiu, no meu caso, para além da mudança em si, um significado muito grande, por se tratar de uma escolha pessoal contra a vontade da família inteira. Uma "ousadia", um desafio! Era aluna de "quadro de honra" num estabelecimento prestigiado pela qualidade pedagógica e pelos resultados globais obtidos, e ninguém parecia admitir que conseguisse manter o mesmo estatuto num liceu, fora daquele mundo fechado e protegido. Não acreditavam em mim e ainda menos acreditavam que pudesse continuar a ter acesso a igual qualidade de aprendizagem. Enganaram-se duplamente...
 Da minha parte, não havia certezas nem temores. Aos 16 anos, queria experimentar e tomar em mãos o meu futuro, com enorme curiosidade face ao desconhecido. Não tinha referências sobre o liceu, chegava, sem contacto prévio com professoras ou colegas, simplesmente, à escola secundária que englobava a área do Marquês de Pombal, onde os pais tinham arrendado um andar. A opção por aquela área não fora feita ao acaso - o prédio ficava a dois passos do Colégio da Paz, pertencente à mesma Ordem religiosa do Sardão. Aí matricularam minha irmã e esperavam persuadir-me a acompanha-la, mais tarde ou mais cedo...   .
 Partia, assim, de um meio onde era positivamente uma veterana, com fama de dinâmica participante nos campos de jogos e nas salas de aulas, deixando, na expressão que se popularizou, em dias recentes, a "zona de conforto" - migrava, embora para perto. geograficamente.

O LICEU MARCOU, DE ALGUMA FORMA  A SUA VIDA?
 Sim, de uma forma evidente e definitiva. Na aventura da descoberta de mim própria naquele novo mundo, acabei por encontrar o que buscava - caminhei pelo meu pé, com a completa responsabilidade pela minha agenda,( pela divisão entre a parte do estudo e a parte lúdica), acentuei o meu interesse por causas sociais, pelo feminismo, por modelos democráticos de progresso, que nos vinham da Europa, da Suécia, em particular. Lembro-me, por exemplo, da minha "cruzada" contra a pena de morte (vesti de luto aquando da execução de Chessman, nos EUA), e de ter trocado a leitura dos romances de George Elliot ou das irmãs Bronte por autores contemporâneos como José Marmelo e Silva, Albert Camus ou Virgil Gheorghiu.   
 As professoras de Filosofia, de História, de Literatura abriram-me  horizontes  em anos cruciais para a formação, como são os 16/18 anos. Vi-me numa comunidade humana coesa e amável. Estávamos em  pleno Estado Novo, seria de esperar clivagens políticas, autoritarismo e outros tiques do regime. Não senti, de perto, nada disso. O à vontade no relacionamento entre alunas e professores era a regra.  Poucas vezes vi a Reitora, figura distante, mas serena. Tanto quanto me apercebi,  deixou sempre  avultar a influência e a personalidade das professoras. Nunca me senti objeto  de rigores disciplinares ou de tentativas de manipulação ideológica, nem mesmo nas aulas de "organização política", onde me iniciei na abordagem ao mundo jurídico, ao Direito Constitucional e Administrativo. Era disciplina de que poucas gostavam e que eu apreciava justamente como antecâmara do curso que escolhera - não sem hesitações.... 

QUAIS AS RECORDAÇÕES MAIS SIGNIFICATIVAS QUE RETÉM?

O meu primeiro contacto com o Liceu foi através da secretaria. Estava muito indecisa entre a alínea de Direito e a de Letras (Germânicas). e mudei três vezes antes do início das aulas. Numa normal repartição pública, aparecer repetidamente a alterar a martícula não me tornaria muito popular. Ali, sim!  A funcionária a quem me dirigia, antes mesmo de eu expor o assunto, com um enorme sorriso cúmplice, exclamava: "Vem mudar de alínea, não é?".
Foi ela a primeira imagem da simpatia e compreensão da nova escola, que me abria as portas. Muitas outras se seguiriam, do primeiro ao último dia.
( devo acrescentar que ainda fiz uma última e final mudança de curso, muito saudada na secretaria -  já com mais de três semanas de aulas decorridas...).
 Nas nostálgicas recordações da adolescência distingo sempre os dois tempos, o do "Sardão" e o do "Rainha Santa". Vivi, também, bons momentos no internato, com estimadas mestras e alegres colegas, mas envolvi-me, não poucas vezes, em conflitos e contestação - do sistema, das suas normas e condicionamentos, sobretudo. Não me dava bem com uma tentacular e rígida regulamentação de cada minuto do dia. Era rebelde em relação a tudo o que julgava errado ou opressivo...
O Liceu foi sinónimo de liberdade, de fácil auto disciplina, como seria, de seguida, a Faculdade de Direito de Coimbra. Todas as expetativas foram excedidas, com  melhores notas, e num clima de perfeita convivialidade.... Liceu e cidade do Porto, o "dois em um", no mundo dos meus sonhos feito realidade! Acabei o curso com 18 valores, o que me valeu o "prémio nacional". Estávamos em 1960, ano das Comemorações do Infante D Henrique (um príncipe nascido na Ribeira), pelo que a distinção me facultou uma viagem ao norte de África, oferecida pelo governo aos jovens premiados, para visitar um roteiro de cidades históricas, como Ceuta, Tânger. e até a Alcácer Kibir, lugar de tragédia e berço do mito sebastianista. 
Nessa época, o Liceu estava instalado numa casa antiga, de bela traça, porém, em bastante mau estado de conservação. Faltavam espaços, salas de aulas, até o ginásio fora sacrificado e, com ele, as aulas de educação física. Eu não tinha transportes diretos para as aulas, pelo que o meu exercício físico quotidiano consistia em fazer uns quilómetros em passo de corrida... Até isso era divertido! O ambiente humano compensava, largamente, a falta de condições materiais. E ali, o ensino público era tão bom ou melhor do que o melhor da esfera privada. Penso sempre nas mestras e nas suas aulas com saudades - em especial, nas fascinantes lições de Filosofia da Dr.ª Assunção Carqueja, que eu nunca queria que acabassem, e as da Dr.ª Adelaide Aleixo, que nos levava consigo, através de milénios da História de povos e civilizações, pela força da sua palavra eloquente. Lembro-me, muito em especial, da primeira das suas aulas a que assisti. O ano letivo começara há já semanas, e eu acabava de trocar o Inglês pela História (ou seja, Letras por Direito...). Tinham-me dito que ela era muito severa e que implicava com quem chegasse, assim, extemporaneamente.  Preparei.me para o pior. A Drª Adelaide falava, nessa manhã, da cultura grega, da estatuária,de arte,  e eu ouvi-a, encantada, ainda que, prudentemente, na última fila... Era a mais idosa das nossas docentes, mas envelhecera bem. Muito bonita, cabelo todo branco, oradora enérgica e carismática. Parecia uma linda e sábia avó!. Como eu era a retardatária, olhou, com desusada frequência, para mim, o que tanto podia ser bom como mau presságio. Na verdade, ali começaria uma verdadeira amizade de  professora/aluna, quase avó/neta, ambas entusiastas das coisas da memória, de feitos e de gentes..  .   
  Amizade fácil de cimentar, também, com as outras professoras e com as companheiras de turma - nada de disputas, de afrontamentos - em longas conversas, sobretudo com a Ana Luísa Janeiro, (com quem fiz um trabalho sobre as Descobertas no período Henriquino), ou com a Adília, que era a mais revolucionária - posição que eu ocupara no internato e perdia para ela.
 Nos exames finais, a Ana Luisa como eu tivemos nota 20 a História. Fiquei encantada por nós, tanto quanro pela Drª Adelaide, a quem muito diretamente devíamos a proeza.
A partir dos anos 60 os estudos, primeiro, e a profissão, depois, levaram-me para longe da minha cidade, do meu liceu e de quase todas as pessoas que tanto me marcaram A exceção foi a Drª Assunção Carqueja, que encontrava, às vezes, em Lisboa, acompanhando o marido, também meu amigo, Sempre jovem e sorridente, nunca se esquecia de me oferecer os esplêndidos livros que escrevia em  prosa ou verso!
Fotografias de grupo, dentro do Liceu, não tenho uma só... Mas convivíamos em outros lugares do Porto, um deles o Palácio de Cristal, os seus belos jardins. Aí foram tiradas as melhores fotos com as minhas colegas - retratos fieis da nossa alegria de viver e conviver.

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