segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Homenagem a MARIA ARCHER

- Porque se envolveu a Assoc MM na evocação de Maria Archer, em
sucessivas iniciativas, no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da
Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional da
Mulher, 2012, na cidade de Espinho e, agora, em Lisboa, nesta sessão
que nos reune no Teatro Nacional da Trindade?

Razões não nos faltam para justificar o empenhamento cívico e o
sentido ético com que o fazemos.

Uma primeira tem a ver com o facto de Maria Archer ter sido uma
Portuguesa expatriada, cuja história e cuja obra andam demasiado
esquecida nos nossos dias. Uma grande Portuguesa da Diáspora, que,
desde a sua juventude, passou largos anos em cinco países da
lusofonia, e em 3 continentes, olhando sempre em volta, com uma rara
compreensão das pessoas e das circunstâncias, que soube transpor em dezenas
de escritos de incomensurável valor literário e, também, do maior
interesse etnológico, sociológico e político.

Seria motivo bastante para nos lançar na aventura de partir à
procura desse legado multifacetado e vasto, que guarda tantos ensinamentos e
surpresas. Mas há mais...

2 - Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal,
por saber captar as constantes da natureza humana, ou por se
constituir na memória crítica de um tempo português opressivo e cinzento, e das suas
vicissitudes e anacronismos, revelados em estreitos conceitos e regras
de jogo social e político, que inteligentemente desvenda,com
acutilância, e que põe em causa, sem contemplações. Ninguém como ela
retrata a vida quotidiana de um Portugal estagnado, sem perspectivas
de progresso e modernidade, em que os mais fracos, os mais pobres são
mantidos pela rigidez das estruturas, e as mulheres, em particular,
são dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela
censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação.
Tendo por pano de fundo os estereótipos impostos para o relacionamento de
sexos, a entronização rígida dos papéis dentro da famílias e as consequentes as desigualdades
de género, distâncias e preconceitos sociais, num
doloroso e longo impasse da nossa história colectiva, .Maria Archer
vai dar vida às portuguesas suas contemporâneas, tal como elas foram,
com um realismo, que é, sem dúvida e quer ser, uma busca, uma denúncia
e uma evidência da verdade - doa a quem doer , para que se saiba...
então e no futuro.

3 - Na melhor tradição nacional, Maria Archer, a mais feminista das
escritoras portuguesas, é uma feminista muito feminina, que ousou ser
um ícone de beleza e de e elegância e fazer uma carreira profissional
no jornalismo e nas Letras - coisa tão rara na época - em simultâneo,
fazendo combate pela dignidade e pela afirmação da inteligência e
das capacidades negadas da mulher, e pela sua cidadania.
Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente másculo da cultura portuguesa.
Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...

4 - Na verdade, por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais
do nosso tempo do que do seu tempo - aliás, uma afirmação que se deve
generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX, que
dão rosto à exposição da Câmara Municipal de Espinho há pouco,
inaugurada aqui, nas salas e corredores do Teatro da Trindade.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos
revolucionários e libertários em que estiveram a Liga Republicana das
Mulheres Portuguesas ou o Conselho Nacional Das Mulheres Portuguesas,
mas iria ser uma das poucas que, no período de declínio desses
movimentos e de desaparecimento de uma geração incomparável,
continuou, a seu modo, solitariamente, uma luta incessante contra o
obscurantismo,que condenava a metade feminina de Portugal á
subserviência, à incultura, ao enclausuramento doméstico - que era a face ocultada da "fada do
lar" mitificada ou mistificada pelo Estado Novo.

5 - Maria Archer foi uma inconformista, com uma plena consciência das discriminações e das injustiças, em geral, e, em particular das que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade retrograda e, como diríamos em linguagem actual, "fundamentalista", em que era o próprio regime que impunha a regressão misógena às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, observação e expressividade e por uma cultura de brilhante autodidacta, foi uma arma de no combate político, em que a sua vida e a sua arte se fundem - um combate pela valorização dos valores femininos, pela libertação da mulher, sem a qual não há libertação da sociedade e da nação, como um todo.
Uma Mulher livre num país sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um exílio longo...

6 - Maria Archer é uma grande escritora (ou um grande escritor, como alguns preferem dizer, alargando o campo das comparações possíveis). Pode ser lida como tal.
Mas permite também outras leituras.
Uma leitura sociológica
Ninguém. como ela , escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da 1ª metade do século XX, das famílias, pobres ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" - todos imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
Aurea mediocritas, brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições de um estado velho, que se chamava Estado Novo
Uma leitura feminista
Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem fabricada da "fada do lar", da falsa harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da brandura hipócrita do autoritarismo, no círculo da família como no País.

Encontro de jovens na II Bienal de Espinho

A AEMM nasceu, bem vistas as coisas de uma fundada crença nas imensas virtualidades dos encontros entre gente que gosta de viver com os outros e para os outros. Os extrovertidos, como nós, os portugueses somos! Quando olho a nossa história dos últimos séculos, a das viagens marítimas, que começaram na vontade do Estado de "descobrir" ou achar terras novas, de estabelecer relacionamentos de toda a ordem com povos os mais diversos e, depois, se continuaram nas migrações individuais, gosto de falar de uma aventura de extroversão.´ Uma cultura de convivialidade!
Este encontro, como tantos outros na vida da AEMM, começou na ideia de uma simples visita de um grupo de estudantes da Califórnia à Bienal "Mulheres d'Artes". Claro, é um grupo especial trazido a Portugal por alguém, que para além da sua excecional qualidade como Pedagoga, é a mais dinâmica e a mais comunicativa das Portuguesas da diáspora: a Professora Deolinda Adão!
Uma Bienal de Artes no feminino é, à partida, coisa atrativa, pelo seu carater aparentemente inédito e, do ponto de vista de alguns, controverso também. A merecer uma visita de estudo. E, para a tornar mais interessante e profícua, porque não convidar as Artistas para falarem das suas obras e do da sua perspetiva sobre a Arte e o Género? Ou seja, converter a passagem pela Bienal num diálogo com as Artistas. E, sabendo que num dos átrios do Museu estão expostas quatro belíssimas Caravelas, construídas por alunos da Escola Domingos Capela, porque não pedir, através da Drª Arcelina Santiago, a presença dos seus obreiros, para que o diálogo se alargue numa reunião de gerações? Género e geração - uma simbiose que marcou o primeiro grande encontro realizado pela AEMM, há quase 20 anos. aqui em Espinho
O Museu, a Câmara Municipal, como sempre, abriram-nos as portas, entusiasticamente.
Esta evolução da ideia inicial só foi possível porque, de todas as partes, vieram respostas de imediata adesão: da Vereadora da Cultura Drª Leonor Fonseca, dos responsáveis do Forum de Arte e Cultura de Espinho, das pintoras, escultoras, professores, alunos, associadas da AEMM... Quase de um dia para o outro o acontecimento cresceu à dimensão daqueles que, normalmente exigem semanas e semanas de preparação.
Muito obrigada a todos por esta inesquecível mostra de "extroversão" e "convivialidade".
E por, no final, nos terem dado a certeza de que o encontro se vai continuar em muitos outros, com jovens de Espinho e da Califórnia.

EMIGRAÇÃO novos destinos no espaço da lusofonia

1 - A emigração portuguesa distingue-se de todas as outras, na Europa e, porventura, no mundo, pelo seu carácter persistente e pela dispersão universal. E ainda por uma extraordinária propensão associativa, a par de uma tradição de convivialidade com outros povos e costumes – duas coisas nem sempre fáceis de harmonizar - e que explicam uma grande capacidade individual e coletiva de integração e, consequentemente de sucesso. Sucesso comum (talvez possamos ousar dizer, a regra geral, com as suas exceções…). Até daqueles de quem menos se esperaria – por exemplo, dos que partiram “a salto”, em meados do século passado e que Eduardo Lourenço, três décadas depois, em jeito de balanço, qualificou como “uma geração de triunfadores".
A emigração é, neste sentido lato da palavra, um fenómeno, cujo início remonta à época da "Expansão", mas que se prolongou para além do seu tempo histórico, e do seu âmbito geográfico. Cerca de um terço da nossa população tem vivido, desde então, fora das fronteiras europeias do País. E não certamente apenas pelo gosto das viagens e do movimento, mas por causas mais prosaicas e constrangedoras. – atraso económico, desigualdade social, pobreza…Um êxodo infindável, não todavia uniforme, antes em ciclos que se encadeiam –princípio, meio, fim …E recomeço…
Estamos agora em pleno recomeço de ciclo – quem diria há três ou quatro anos apenas? É, de todos, o mais imprevisto, o mais dececionante…porque sobrevém depois de ter sido oficialmente anunciado o fim dos tempos da emigração portuguesa… De facto, pouco depois da adesão à CEE, num discurso ufanista, que , em boa verdade nem sequer tinha total ajustamento à realidade, Portugal, era apresentado como um novo país de imigração, que tinha deixado de ser um velho país de emigração.
Uma forma de significar que nos colocávamos no restrito clube europeu dos mais prósperos e dos ricos. Numa Europa de solidariedade e de coesão que já não existe... Aquele Portugal também não,,,
Agora, com com um governo que tem por meta empobrecer o país, destruindo irremediavelmente as classes médias, o único escape é partir, outra vez, talvez para sempre...
1 -Fala.se da nova emigração, jovem e qualificada (enfim, o que nos faltava ainda, o "brain.drain").
Mas a fuga à pobreza é bem mais abrangente - vão todos, os mais e os menos qualificados, os mais e menos jovens, os homens (os tradicionais protagonistas do processo) e as mulheres, agora em pé de igualdade (na emigração mais qualificada, acrescente-se, que não , por exemplo, na temporária, em que o sexo masculino predomina, como dantes, largamente).
Um parêntesis, para salientar esta tendência para sobrevalorizar o que é inédito, mesmo quando coexiste com o que vem de trás. O mesmo aconteceu quendo da transição das migrações transoceânicas para aa europeias, em meados de novecentos. Olha-se a França, como o novo Brasil e é certo que foi um polo de atração maioritário, mas esquece-se a emigração em massa, através do Atlântico, para a Venezuela e para o Canadá, igualmente nos anos 50 e 60... Assim como a que havia ainda, mais limitadamente embora, para os EUA, para a África do Sul ou para a Austrália
Coexistência de destinos próximos e longínquos que, curiosamente, podemos constatar hoje em dia, com as centenas de milhares de portugueses que procuram e encontram trabalho não só na Europa , mas no Brasil e em Angola.

MARIA BARROSO, Uma Mulher à frente do seu tempo

A maior figura feminina do nosso século XX foi, a meu ver, sem dúvida, Maria Barroso.
Tem o seu lugar na história da democracia, na história do feminismo em Portugal e tem, igualmente, um lugar muito especial no coração do Povo, conquistado, sobretudo, pela forma como as pessoas se sentiram, de facto, representadas por ela como a "primeira" das portuguesas - não a" primeira dama", que só as poderia representar através da legitimidade eletiva do marido, mas alguém que viram justamente, como personagem principal, como exemplo mais notável de inteligência, de cultura e de cidadania da mulher do seu tempo. Alguém que se sentia tão à vontade a receber ou a visitar os mais famosos e os mais poderosos como a relacionar-se fraternalmente com o cidadão comum.
É certo que a imagem popular de Maria Barroso se construiu, não tanto a partir das origens de um admirável percurso de luta revolucionária, um percurso próprio, bem anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, mas sedimentada, sobretudo, durante "os anos de poder" ao lado do Primeiro Ministro e Presidente da República - anos em que conseguiu, como sempre conseguiu, ser ela mesma, numa afetiva cumplicidade com ele, que não escondia as naturais diferenças, a sua absoluta singularidade, independência de espírito e de vida, uma vida que, por isso, nunca ficou na sombra de um grande homem...
Foi no momento em que se despedia de Maria Barroso, surpreso e emocionado, que o País redescobriu - ou descobriu - a inteira dimensão da sua personalidade, o pleno significado de uma longa e variada trajetória, que atravessou diversas épocas e regimes, sempre norteada pela coerência dos valores cívicos e humanistas. Uma infinidade de testemunhos, de comentários, de artigos, de reportagens, de entrevistas, acabaram por nos dar uma ideia mais exata da excecionalidade da sua ação ao longo de mais de sete décadas, até ao seu último dia entre nós, Foi a jovem que ousou querer ser atriz e integrou o elenco do Teatro Dona Maria II e fez da declamação de poemas uma arma pela liberdade. - o que lhe uma cortou uma brilhante carreira artística, e, depois, também, a segunda carreira profissional, a docência, Foi a resistente, que suportou a prisão e o exílio, primeiro, do pai, e, em seguida, do marido e soube ser uma mulher e uma mãe corajosa. Foi a militante socialista, única mulher a falar e a intervir, com a força mobilizadora da palavra em grandes palcos da política, antes e logo depois do 25 de Abril. Deputada na Assembleia da República... Parte ativa no movimento que levou Mário Soares a São Bento e a Belém.
Depois, a sua história retoma um curso a que impõe, por inteiro, prioridades próprias, que não passam pela intervenção nas instituições do Estado e, menos ainda, pela política partidária.É a primeira mulher a presidir à Cruz Vermelha. Torna-se, a nível da sociedade civil, no domínio que escolhe para afirmar os valores humanistas, que gostamos de situar no território comum do socialismo democrático e do fraternalismo cristão, uma individualidade cada vez mais admirada e singularmente consensual. A sua conversão, emotiva e sincera, ao catolicismo, vem naturalmente, reforçar o seu sentido de missão, e acrescentar o número dos seus companheiros de projetos, que, para além de Portugal, encontrou, também, em Roma, na esfera da lusofonia (não esqueçamos, em especial, o seu papel no processo de pacificação em Moçambique), como no universo da Diáspora, que percorreu, presidindo, nas 7 partidas do mundo, aos "Encontros para a Cidadania - a igualdade entre mulheres e homens".(entre 2005 e 2009 - uma parceria com o governo e várias ONG’S, para o arranque das políticas de género e cidadania na emigração, a que, octogenária cheia de vigor e entusiasmo, deu a modernidade do seu pensamento e a força da sua palavra, deixando, como podemos testemunhar todos os que, com ela participámos nessa saga, um horizonte de esperança num novo relacionamento, mais próximo, mais afetivo entre as pessoas, as gerações e o País.
Na visão de Maria Barroso, na sua luta pela dignidade de cada ser humano, não havia favoritos - :portugueses, africanos, timorenses, refugiados, imigrantes, velhos, jovens, mulheres, homens... Não foi por acaso que deu à sua Fundação humanitária a felicíssima denominação de PRO DIGNITATE.
Nesta causa cabem todas as que atualmente constituem desafios maiores no novo milénio - os combates por um mundo sem guerras, sem violência,,sem perseguições políticas e religiosas, sem a miséria provocada por chocantes desníveis de desenvolvimento, de acesso à educação. à livre a expressão da cidadania, ao diálogo sobre um futuro de tolerância e de paz, a partir de uma diversidade de heranças culturais, que se descobrem e aceitam mutuamente. Maria Barroso era um símbolo vivo destes combates. Era e é!
O mais admirável é, assim, um trabalho incessante, concreto, prático, em todas as áreas em que constantemente a solicitavam. Fez de cada dia da sua vida, um dia de labor sem fim, a resolver problemas, a ajudar, com ação imediata, com uma palavra de encorajamento, com um sorriso, com tempo para todos e para tudo...Os compromissos da sua agenda eram quase sempre excessivos, mas Maria Barroso tinha dificuldade em dizer "não" – parte da sua maneira inigualável de estar com ou outros, de corresponder a pedidos, a gestos de amizade.
Por isso, estava sempre em movimento, plenamente envolvida no presente, com uma imensa experiência acumulada, e a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente, porque mantinha o interesse na evolução da sociedade, atenta e interveniente, capaz de agir sempre mais e melhor.
Fez tanto e fez tão bem tudo aquilo que assumia como cumprimento do seu dever, da sua ética, na família, no campo profissional, nas instituições públicas, no puro voluntariado, desde muito jovem – sempre, em crescendo! Maria Barroso merece ser lembrada como uma grande Mulher vanguardista, também, no século XXI
Maria Manuela Aguiar
Agosto 2015-08-30

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

COMUNIDADES PORTUGUESAS, NO PLURAL

Falar de comunidades portuguesas tornou-se, entre nós, uma outra maneira de dizer emigração, num mero sentido estatístico - a comunidade portuguesa de França ronda um milhão de portugueses, a do Canadá meio milhão, etc. etc.. Assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos deixaram o país. Os cerca de cinco milhões dos registos oficiais ficam, certamente, aquém da realidade e poucos são os responsáveis políticos que resistem à tentação de subvalorizar o êxodo, quando este ultrapassa o limite do razoável. Neste aspeto, o atual Secretário de Estado é uma exceção, pois não hesita em apontar para 120.000 novos emigrantes, ano após ano, desde o início da "Crise" (com letra grande…).
Todavia, para a avaliação do fenómeno migratório na sua inteira dimensão, mais importante do que as cifras, é a perceção de um universo cultural em expansão, através de segundas e terceiras gerações. O mais importante é, pois, tomar consciência das infinitas possibilidades de alargar este universo, pelo reforço das ligações a Portugal de novos portugueses, que não saem do país por uma fronteira geográfica, mas entram nas nossas comunidades pela via sua ascendência assumida afetivamente. As famílias, as associações têm tido, neste domínio, o papel essencial, como se constata no paradigma da emigração mais antiga: a da Califórnia, onde, há décadas cessaram significativos surtos migratórios, mas onde mais de um milhão de cidadãos se reconhecem como portugueses ou de origem portuguesa; a do Brasil, em tudo singular, desafiando qualquer tentativa de contabilização, antes de mais, porque muitos dos recém chegados não se registavam nos consulados e, por isso, nas nossas estatísticas nunca existiram….Emigração antiga, imersa numa nação que partilha uma mesma língua e em cuja sociedade se move com à vontade, torna praticamente impossível determinar onde se quebra a cadeia geracional. Podemos contar milhões… Todavia, a superfície bem visível desse "iceberg" lusitano é formada, por aqueles que se integram na vida das instituições portuguesas.
Razão bastante para reafirmarmos que a incerteza dos números não é preocupante quando pensamos a presença no mundo, porque esta se deve muito mais a factores qualitativos do que os quantitativos.As comunidades” (não “a comunidade portuguesa”, quadro estatístico, massa anónima, mas as comunidades muito concretas) existem, como a expressão dessa mais valia qualitativa, que é a organização, a rede de instituições culturais e sociais, que criam e animam um verdadeiro espaço português extra territorial. O que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara nunca, para o encontro com este outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, nas palavras do Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos". Tudo se deve não às correntes migratórias – em si mesmas, agentes de dispersão – mas sim a um poderoso movimento associativo, que se converteu em força de agregação..
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas, algumas monumentais, teria conseguido erguer-se. Bem poderemos parafrasear o Presidente Kennedy, usando o tempo pretérito: “não perguntem o que o País fez por eles, perguntem o que eles fizeram pelo País”.
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. Deve – se, em grande parte, à reconversão de um tradicional êxodo de homens sós em emigração familiar, com a sua metade feminina – ainda pouco visível na direção das maiores instituições, mas determinante no que respeita tanto à integração na sociedade estrangeira, como à corporização das comunidades, neste sentido orgânico, em que as consideramos. Essas instituições foram sempre encontrando lideranças à altura das expetativas, contudo, de há alguns anos a esta parte, vem-se questionando, o seu futuro, pelo envelhecimento dos seus dirigentes, num quadro de “fim dos tempos" da emigração – fim esse muito propagandeado pelos nossos políticos desde à adesão à CEE , como símbolo de desenvolvimento. A pobreza, profetizavam, era coisa do passado...
Ora a pobreza está, agora, de volta a Portugal. O Governo não hesita em levar a cabo, um programa de austeridade seletiva, que pesa, essencialmente, sobre as classes médias, destruindo-as. No generalizado empobrecimento e, sobretudo, no desânimo e na revolta se gera outro ciclo de emigração, descomunal, tremendo, como aquele que há precisamente um século, o Prof. Emygdio da Silva denunciava, falando em “emigração delirante”.
Abalam todos os que podem... qualificados ou não, mais e menos jovens, homens e mulheres (ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente, com ambições profissionais).
Serão elas e eles a solução para a segunda vida do associativismo e das comunidades da Diáspora, num maior equilíbrio de género e geração, inovando, modernizando? É a grande questão, para a qual não há que esperar resposta: há que busca-la! Este é o tempo ideal para equacionar políticas e tomar medidas que possam influenciar respostas afirmativas.
EMIGRAÇÃO E DIÁSPORA NAS VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO
Em 1973/74 terminava, com o impacto do chamado ?choque petrolífero" na economia europeia e mundial, o que fora o maior êxodo da história da nossa emigração. A Revolução, que abria, finalmente, as fronteiras à saída e retorno dos Portugueses, acontecia quando a Europa nos fechava as portas de entrada. A Europa, novo destino das nossas migrações na segunda metade do século XX, a par de outros ?novos destinos? transoceânicos, que não só a opinião pública, mas também, estranhamente, reputados académicos costumam subvalorizar . Na verdade, o Canadá, a Venezuela , e, numa escala menor, mas significativa, vários países de África - sobretudo a África do Sul, mas também outros - e a Austrália acolheram um número de emigrantes equivalente ao da Europa inteira.
As causas, essas, foram as de sempre -. puramente económicas para a grande massa anónima, para alguns outros a atracção do estrangeiro, a valorização pessoal, ou razões ideológicas e políticas, em tempo de guerra colonial.
A emigração,como aventura, a emigração como protesto...
"No proteste, emigre" diz-se, com humor, numa pequena placa que me ofereceram há anos em Caracas. Uma boa síntese de muitas tomadas de decisão, em que formas de conformismo e inconformismo se confundíam?
Mas, quaisquer que fossem as motivações da itinerância dos portugueses, no ponto de chegada era sempre enorme a sua propensão associativa, superior à que existia no país, e, igualmente, superior à que se registava em outros grupos étnicos, que com eles conviviam, por esse mundo fora.
Solidariedade e companheirismo levavam à proliferação de organizações, que se substituiamm ao Estado na missão de dar informação e apoio, de ensinar a língua, de manter as tradições - clubes, centros culturais, sociedades beneficentes... O associativismo esteve presente desde a primeira hora, sozinho no terreno. A atitude de completo descaso dos governos de Portugal face aos emigrantes e a essas organizações apenas começou a mudar, depois que se radicaram, em massa, em países próximos. O esboço das primeiras políticas de apoio social (na Europa, quase exclusivamente...) pouco antecede a revolução de Abril.
Foi da sociedade civil, de dentro do próprio País, que veio a primeira exigência de uma política cultural para toda a Diáspora, para o imenso património material e imaterial que as migrações haviam criado e que os governos teimavam em ignorar.
Falo dos dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa realizados em Setembro de 1964 e em Julho de 1967, uma iniciativa do Prof Adriano Moreira, que foi quem, na qualidade de Presidente da Sociedade de Geografia, convocou para os encontros os representantes das maiores instituições das comunidades, os especialistas e os participantes de múltiplas formas de ser português, lusófono, lusófilo...As actas dos Congressos, em seis densos volumes, são um precioso repositório de informação, dão nos um retrato de época, tanto dos movimentos migratórios (objecto de atenção generalizada), como da Diáspora (a que raros faziam alusão). São um retrato de Portugal em corpo inteiro, que permanece, em larga medida, actual (ou não fosse a Diáspora essencialmente permanência, sob pena de deixar ser Diáspora...).
A União das Comunidades de Cultura Portuguesa e a Academia Internacional de Cultura Portuguesa foram os instrumentos saídos dos Congressos para a institucionalização de um forte e pioneiro movimento de vivência da cultura portuguesa no seu "habitat" universal - movimento interrompido, oportunidade perdida nos meandros da pequena política, durante o "marcelismo".
Depois do 25 de Abril, surgiria o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) que era, na sua primeira fase, um órgão consultivo do Governo, de origem associativa. No preâmbulo da lei que institui o CCP não se faz referência expressa à "União" da década de 60, mas está lá, na mesma linha de pensamento, o apelo a uma intervenção da sociedade civil, capaz de chamar o Governo ao diálogo, liderando o processo... Isso tem sido, de vez em quando, anunciado mas não cumprido com vocação de grandeza, à dimensão da Diáspora .
. O paradigma de Adriano Moreira, o grande precursor, continua, assim, à espera de protagonistas.

DUAS REVOLUÇÕES

1 - À distância de apenas quatro anos é irresistível fazer a comparação entre a celebração das revoluções que marcaram o século XX português: a revolução portadora das ilusões de uma mudança de regime, que se estendeu pelos 16 anos da breve 1ª República e a revolução fundadora da República em que estamos há 40 anos, ainda com a expectativa de a continuar, para além da crise actual, traduzida em involução e empobrecimento geral e em degradante dependência do Estado numa Europa dividida e desigual.
O centenário da I República foi objecto de inúmeras organizações, do mundo científico e político, dos “media”, das instituições da sociedade civil, que o tornaram um excelente exemplo do que pode e deve ser feito, sem tombar no elogio nostálgico e ritual - .a permitir um olhar sobre nós, sobre a luta das mulheres e dos movimentos feministas, sobre a questão colonial e religiosa, sobre o fervilhar de ideias e de querelas, sobre o dilatado interregno da ditadura, sobre o 25 de Abril e o agitado início de milénio… Um percurso secular de memórias renascidas.
No confronto entre festejos, os de 2014, pelo menos a nível oficial, parecem destinadas a ficar muito aquém do que justifica a importância da maior revolução do século, pelas suas consequências imediatas e futuras…Desde logo, porque representou o fim de um longo ciclo de 500 anos de construção e desconstrução de um vasto império colonial e ultramarino, que, ao entrar do último quartel do século, ia do Atlântico ao Pacífico, em estado de guerra e de desagregação, contra o sentir comum dos Povos. Um anacronismo, um impasse fatal, resolvido no fim de um ciclo de 50 anos de ditadura, de "silêncio e de medo”. Palavras de Maria Teresa Horta, há dias, numa rádio, onde, como em outros “media”, em universidades, em programas da sociedade civil, 1974 vem sendo tema de debate e rememoração, em fórmulas interessantes de fazer História e advento de História - a partir desse dia simbólico em que o império de desfez, com o anúncio e o começo da descolonização, e o País de refez, ao entrar no processo de retorno à sua origem geografica– antes de mais, no domínio da política, onde pela força do voto, se sagrou a opção europeia, a par da opção pela democracia representativa, uma das várias alternativas, que se confrontaram nas pulsões contraditórias do PREC... Em qualquer caso, de fora desta estreita fronteira europeia, para sempre ficaria a Diáspora, todo um espaço em expansão de lusofonia e de lusofilia. A melhor de todas as heranças do império finito: a dispersão universal da língua, enraizada em culturas e em afectos...
2 - Duas revoluções com sorte diversa...
A revolução de 1910 morreu antes de envelhecer a geração que lhe deu corpo.
Não assim a de 1974, com os jovens capitães que tinham, então, como Fernando Salgueiro Maia, 29 anos, ou pouco mais, e com os políticos, a quem eles abriram os caminhos da livre expressão e da acção concreta, e que eram, igualmente, na sua maioria, gente nova e idealista.
Ficam, todos, a meu ver, bem, na galeria dos notáveis da Pátria. Entregaram à geração seguinte um país mais livre, mais justo e mais democrático do que jamais fora e, também, há que dizê-lo, melhor do que é...
De facto, se perguntarmos hoje: Este é o Portugal que quisemos? Esta é a Europa em que acreditámos? A resposta é: "não!". Duas vezes “não”...
Vivemos, assim, naturalmente, a urgência de recuperar, em simultâneo, o espírito humanista e fraternal da construção europeia, e o sentido libertário e pluralista da revolução de Abril, tal como se projectou na Constituição, em sucessivas revisões, e na cena política nas últimas décadas de novecentos. Ou seja, aceitando que a democracia exige sempre a alternância, o diálogo e o respeito da alteridade.
Por isso me parece que uma das iniciativas não formalmente enquadrada em qualquer programação das comemorações, mas que lhe
veio acrescentar um sinal de esperança - coisa que tanto nos tem faltado - foi o chamado "manifesto dos 74". E não apenas pelas suas propostas, a meu ver, realistas, sobretudo, na compreensão de que não há boas soluções nacionais, sem boas soluções à escala europeia..Não apenas por essas propostas, mas pela comprovação de que há, entre os Portugueses, na sociedade civil, mais vias de entendimento e de compromisso, do que julgam os políticos “institucionais” , aparentemente limitados no horizonte da sua própria inabilidade de dialogar e alcançar resultados no país e na Europa.
Está em causa o futuro de um tempo começado em 74.
Há que o demandar sem medo das ideias e dos projectos dos outros-n
Por exemplo, sem medo de dar, no hemiciclo de São Bento, no próximo dia 25, voz aos militares de Abril, neles personificando a homenagem merecida desta geração à antecedente. À que fez a grande revolução.