Tem a palavra a família Aguiar e os seus amigos. Vamos abrir o "Círculo", com duas alternativas, que proponho: Este "Aguiaríssimo" ou o "blogguiar.blogspot.com"
quarta-feira, 13 de agosto de 2025
LONGE E PERTO DE 1910
I - O movimento feminista português, e o seu paradigma de intervenção
cívica nos “fora” do "congressismo", tem sido, no âmbito das
iniciativas da AEMM, por várias vezes, alvo de especial atenção. O
mesmo se pode dizer do associativismo feminino nas comunidades da
emigração. Todavia objectivo principal de tais reflexões não foi o de
avaliar a projecção do
feminismo português na nossa diáspora, o maior ou menor relacionamento
entre diferentes formas de organização para a defesa dos direitos e
interesses das mulheres dentro e fora do país, e as suas similitudes e
diferenças. Propomos esta abordagem, numa visão comparativa de
realidades não necessariamente coincidentes no tempo, na busca dos
traços persistentes da acção das mulheres portuguesas, em diversas
épocas e espaços geográficos.
O movimento feminista e republicano do começo de novecentos não teve
um grande impacto directo e imediato nas comunidades do estrangeiro,
nem mesmo generalizadamente nas colónias de África e do Oriente -
embora em algumas cidades, caso de Luanda ou de São Paulo, hajaregisto
de actividades da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e da
Associação de Propaganda Feminista (APF). Uma investigação aprofundada
do pensamento e acção de emigrantes de ambos os sexos, neste período,
está praticamente por fazer e pode vir a revelar novos dados, mas, de
momento, tanto quanto sabemos é que as intervenções que
ficaram na história devem-se a mulheres que foram parte do movimento
em Lisboa, ou noutros pontos do País – eram, pois, como que
representantes suas fora de fronteiras e não membros de organizações
locais autónomas. É o caso, em 1910, de Domingas Lazary do Amaral em
Angola, de Ana de Castro Osório, fundadora da “Liga” e da APF no
Brasil, - onde residiu, entre 1911 e 1914, acompanhando o marido, o
escritor e jornalista Paulino de Figueiredo, que fora nomeado cônsul
de São Paulo - .ou mais tarde, em Luanda, de Adelaide Cabete, a
primeira presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas.. E
de algumas outras das suas companheiras, que viveram e o exílio ou
queescreveram em prestigiados jornais estrangeiros.
É particularmente interessante o caso de Ana de Castro Osório, que de
S Paulo influenciava, decisivamente o discurso da recém criada APF, e
colaborava no seu jornal (“A Semeadora”), publicado ao longo de 3 anos
e meio – um dos periódicos mais preponderantes entre os que defendiam
os direitos das Mulheres. A Empresa de Propaganda Feminista e de
Defesa dos Direitos das Mulheres, que o financiava, era detida em 40%
por accionistas de São Paulo, contando ainda, no Brasil, com
accionistas da Amazónia (Manaus) ao Rio Grande do Sul, assim como
deAngola, Moçambique, Cabo Verde, Índia, EUA (Oackland, Brooklyn). De
um
total de 64, 14 eram homens, entre eles, Magalhães Lima e o juiz João
Baptista Osório, pai de Ana.
Não será o suficiente para que se possa falar de movimento feminista
na emigração… A singularidade do processo revolucionário no país fazia
com que fosse irrepetível no estrangeiro. Era difícil, fora dos casos
contados, a aproximação entre portuguesas separadas não só pela
distância, como pelas condições de luta cívica e política. E mais
difícil era ainda a organização das próprias emigrantes num meio
associativo fechado à sua participação – mais fechado certamente do
que a própria sociedade portuguesa. Houve, sobretudo no Brasil desta
época, algumas colectividades de cariz republicano (ou monárquico) que
tiveram vida curta. e não se abriram às mulheres
2 – Sobre o movimento feminista diremos, em síntese, surgiu
tardiamente em Portugal, nas vésperas da revolução republicana, embora
as suas raízes se possam encontrar em muitas e notáveis precursoras de
oitocentos - senhoras de grande cultura, que se afirmavam em salões
literários, nas suas próprias casas, ou na escrita e no jornalismo,
nas artes plásticas... Ou seja, no que de algum modo poderemos
considerar o "espaço privado", ou círculos restritos de vanguardismo,
à margem do comum das mulheres. O que é inteiramente novo no início de
novecentos é precisamente a travessia da fronteira entre o espaço
privado e o público. O
movimento feminista nasce da invasão de um domínio proibido, e surge
de forma súbita e inesperada, em resultado de uma aliança, que o
singulariza face a todos os outras na Europa, entre homens
políticosrepublicanos e mulheres igualmente republicanas e feministas.
Da parte
dos revolucionários há a compreensão da importância das mulheres
noesforço de proselitismo e propaganda de ideais, que partilham. É um
fenómeno fundamentalmente urbano, envolvendo uma elite cultural e uma
mesma família ideológica. Desenvolve-se no contexto da luta aberta ou
clandestina pela mudança de regime, portadora de esperanças de grandes
transformações – de igualdade para todos, sem excluir a
metadefeminina. Na realidade, o florescimento e expansão inicial do
movimento deve-se à pura iniciativa partidária. O primeiro passo é
precisamente uma solicitação dos líderes do PR Bernardino Machado,
António José de Almeida e Magalhães Lima a mulheres do seu círculo de
convívio – algumas das quais acabavam de aderir à Maçonaria, no
sentido de se organizarem no que a que viria a ser a Liga Portuguesa
das Mulheres Republicanas. Corria o ano de 1908. No ano seguinte, a
"Liga", presidida por Ana de Castro Osório, seria formalmente
integrada nas estruturas do PR., não só em Lisboa, mas de norte a sul
do país. Não é um movimento de massas, mas é a maior colectividade
feminina do seu tempo. Todas as que são obra exclusiva das feministas,
incluindo as que foram fundadas pelas mais conhecidas activistas, como
a Associação de Propaganda Feminista (APF) de Ana de Castro Osório e o
Conselho Nacional das Mulheres Portuguesa (CNMP) s, cuja primeira
presidente foi a Dr.ª Adelaide Cabete reúnem um pequeno, embora
notável número de associadas As ligações familiares destas mulheres,
quer as ganham grande notoriedade, quer as relativamente
desconhecidas, a nível nacional ou numa infinidade de cidades e vilas
pequenas é a regra geral…Os apelidos das dirigentes da “Liga” e dos
líderes ou militantes partidários revelam isso mesmo – a luta comum de
famílias inteiras. Ao lado de Ana de Castro Osório está o marido, o
jornalista republicano Paulino de Oliveira, O pai João Baptista
Osório é o juiz que decide favoravelmente a exigência de Carolina
Beatriz Ângelo de se inscrever para votar. A Mãe virá a ser presidente
da APF. Adelaide Cabete deve ao marido, cujo nome adopta, a sua
formatura em medicina e o seu envolvimento cívico. Elzira Dantas
Machado é casada com Bernardino Machado. A filha, Rira Dantas Machado
é também uma destacada dirigente de várias associações feministas…O
mesmo acontecem com aquelas que Fina d’ Armada devolve à nossa memória
– as “Republicanas quase esquecidas” que povoam as páginas do seu
livro com esse título. Como,
entre tantas outras: Maria Clementina de Moura Portugal e das suas 3
filhas, Maria Adelaide, Maria José e Antónia (de Moura Portugal) que,
no seu solar da Beira interior, acolheram escolas para meninas,
reuniões republicanas e até um grande banquete na recepção a Afonso
Costa; as 3 irmãs de Évora, Ana Laura, Cristina e Maria Chaveiro
Calhau (Ana tornou-se, em 1908, aos 16 anos, a primeira mulher do sul
do país a falar num comício – entusiasticamente aplaudida, como sempre
foram as que ousaram a exposição pública em manifestações
republicanas). Em Cantanhede, as feministas da família Cortesão, que
constam da lista
de cidadãos que assinaram a ata da proclamação da República nessa
vila; (Maria Ester, presidente do núcleo da "Liga" era irmã de Jaime
Cortesão e Maria Cortesão Paes, também dirigente da "Liga”, casou com
o activista republicano Avelino de Faria e foi a mãe do cientista
António Lima de Faria...
Raro é, pois, encontrar, dentro do movimento feminista desta época,
mulheres que vão contra a tradição da família, que estejam no campo
contrário. Há as que se envolveram no movimento sem apoios nem
obstáculos de um clã de parentes, um grupo em que pontificam as
professoras primárias, como Maria Veleda, ou que são feministas mas
não republicanas - caso de Olga Moraes Sarmento.
Esta constatação em nada diminui os feitos das mulheres na sua acção.
nem a independência e originalidade do seu pensamento - elas, não eles
foram as grandes teorizadoras do feminismo e as grandes protagonistas
da sua defesa concreta dos seus princípios. Mas esta aliança
ideológica e até partidária, veio, sem dúvida, reforçar a consciência
da importância da luta das mulheres como parte de um todo, de um
universo, em que queriam ser iguais, solidariamente. Uma consciência
muito clara de que a libertação das mulheres é também a libertação dos
homens, e que por isso, devem unir-se contra o obscurantismo, contra
os preconceitos e contra os regimes que lhes negam a sua dignidade.
Não há, entre nós, um confronto numa guerra de géneros. Mulheres e
homens devem ser feministas – o verdadeiro feminismo, de que sempre
fala Ana de castro Osório, é assim entendido, é, pura e simplesmente,
como uma vertente do humanismo. Uma das características do feminismo
português é a sua moderação, a sua ausência de radicalismo. Um
feminismo muito feminino, em que elas assumem o seu papel de mães, de
esposas. Não querem disputar o lugar dos homens, querem reclamar o seu
próprio, o que lhes tem sido negado, o seu estatuto de deveres e
direitos da cidadania. Anima-as uma ideia que é verdadeiramente
moderna no seu tempo, e até no nosso, - a da paridade, da igualdade na
diferença. Não querem imitar os homens, querem impor – se com a sua
maneira de ser, de agir e de influir nos destinos comuns. A causa do
feminismo é uma dos aspectos centrais da transformação societal que o
republicanismo anuncia Uma outra características que distingue o
sufragismo em Portugal e
noutros países, para além da recusa do radicalismo e de qualquer forma
de violência, é, como salientei, não ser um fenómeno de massas, mas de
um grupo restrito de mulheres de elevado nível intelectual -
doutrinadoras, jornalistas, escritoras, profissionais que abrem
caminho em sectores até então vedadas ao sexo feminino. As
preocupações sociais, a luta contra todas as injustiças que marcam a
vida dos portugueses, nas quais se engloba a discriminação de género,
é uma constante do seu pensamento.. Muito em especial o combate contra
o analfabetismo e pela generalização do acesso ao ensino, em
particular para as raparigas.
A República não trouxe consigo o admirável mundo novo que as
feministas republicanas sonhavam. Uma vez proclamada a República,
rapidamente se tornou evidente que alguns avanços se iriam alcançar -
nas leis de família, na educação feminina, na abertura ao trabalho
profissional, ainda que não no grau e dimensão idealizados - mas que o
sufrágio seria inviabilizado pela maioria dos líderes do PR... Foi,
por isso um tempo de desilusão e de cisões dentro do movimento, antes
de mais entre as que eram mais republicanas do que feministas e
aceitavam o passo que o partido impunha ao progresso nas questões de
género e as que eram mais feministas do que republicanas e
manifestavam abertamente o seu inconformismo, abandonado a Liga e o PR
3 - A revolução, preparada num ambiente tenso de conspiração, nos
bastidores, mas também à luz do dia, no combate cívico pelo acesso ao
ensino e à justiça social, à modernidade, centra-se muito no país, a
partir da capital e, por isso, não tem, como regra, ramificações nas
comunidades da diáspora. Embora no período que se seguiu à revolução,
nos anos de 1912/13, o êxodo migratório fosse o maior de sempre, e
levasse para fora uma proporção crescente de mulheres, não contribuiu
para alterar substancialmente este cenário. Era uma emigração de
massas, fugindo à pobreza do mundo rural, do que um exílio de
aristocratas, fugindo aos ditames do novo regime... Não quero com isto
dizer que anão houvesse alguns ilustres exilados ou que a revolução
não teve algum eco, despertando contraditórias reacções, no interior
das comunidades distantes, no associativismo – nos centros
republicanos e centros monárquicos, então criados, que, porém,
desapareceram, quase todos, com a chegada ao
poder de Getúlio Vargas e o supressão generalizado das organizações de
cariz político. Associativismo em que a presença feminina, por demais
discreta, não tendo mudado o rumo da história… As instituições
tradicionais, ainda hoje, no Brasil, as discriminam, visivelmente…As
respectivas lideranças, notáveis a muitos títulos, não se distinguiram
nunca pela defesa da sua participação igualitária, à maneira de
Magalhães Lima, Bernardino, Teófilo Braga ou Manuel de Arriaga, E
também não houve, fora dos breves períodos em que elas próprias
estiveram emigradas, activistas como Ana de Castro Osório ou Adelaide
Cabete, que, aliás, aí não lograram fazer escola…
No associativismo feminino no estrangeiro, uma primeira diferença é a
completa ausência da componente política - que tão motivadora foi
dentro do país - nas maiores organizações que surgiram, em fins de
oitocentos. Penso nas maiores de todas, criadas por uma trintena de
emigrantes portuguesas, em Oackland, Califórnia – a Sociedade
Portuguesa Rainha Santa Isabel (em 1898) e a União Portuguesa
Protectora do Estado da Califórnia (em 1901) ambas inspiradas no
modelo mutualista. Uma resposta pioneira e ousado à exclusão das
mulheres nas associações fraternalistas constituídas por homens, a
partir de 1868. Quer fosse ou não, muito directamente, essa a intenção
das fundadoras, o certo é que sua acção consubstanciou a melhor a mais
concludente forma de demonstrar a capacidade feminina de gestão
económica e de intervenção social. Para além do objectivo primordial
de prestar “socorros mútuos”, – cuja boa consecução já era, em si, um
feito extraordinário numa época em que às mulheres a lei dos homens
negava até a administração dos seus bens…- participaram activamente na
sociedade local, no auxílio aos mais necessitados, como no apoio a
iniciativas culturais. Essas duas colectividades – e outras houve, de
menor dimensão - ao longo de quase um século, agregaram milhares de
membros, marcaram a vida das nossas comunidades da Califórnia,
combateram preconceitos, dando uma admirável imagem feminina de
liderança e de empreendedorismo. Já nos nossos dias, veio a ser,
inevitavelmente questionada a razão de existir de companhias
seguradoras exclusivamente femininas, e ambas, primeiro a UPPEC,
depois a Sociedade Rainha Santa Isabel, optaram pela fusão com outras
grandes sociedades do mesmo ramo.
Uma segunda divergência de posicionamento face à religião separa o
movimento feminista português e o movimento fraternalista feminino
português da Califórnia O primeiro, sobretudo o que se enquadra na
“Liga” e no Partido Republicano, é profundamente anti clerical,
porque acredita que as portuguesas só podem libertar-se lutando contra
a influência reaccionária da igreja do seu tempo, enquanto o segundo
nasce dentro de uma paróquia católica, assim transformada em espaço da
sua emancipação (é certamente esse o caso da SPRSI, que emanou de uma
sociedade de “altar”…).A questão religiosa foi, de tal modo central,
na mundivisão da “Liga Republicana”, que constituiu factor
determinante da primeira dissidência, protagonizada por Ana de Castro
Osório e algumas das principais líderes sufragistas, que fundaram, em
1911, a APF, aberta a todos os credos, apartidária e
internacionalista, tal como o seria o CNMP (são estas as duas maiores
organizações sufragistas portuguesas, a APF com vida efémera, embora
influente, o CNMP, com um percurso mais longo, começado em 1914 e
terminado em 1947, abruptamente, pela ditadura)
As maiores associações femininas da segunda metade de novecentos –a
Sociedade de Beneficência das Damas Portuguesas, de Caracas, a Liga da
Mulher Portuguesa da África do Sul, a Associação Mulher Migrante
Portuguesa da Argentina distinguem-se por uma vontade de intervenção
cívica, de solidariedade que também encontramos entre as feministas
(todas as suas organizações, incluindo as sufragistas, têm ligação a
iniciativas sociais e assistenciais), mas não pelo carácter
reivindicativo de direitos da Mulher – quer na sociedade em geral,
quer na sua comunidade, onde as não vemos a reclamar para si ou para o
seu género, uma participação igualitária nas instituições tradicionais
de perfil masculino (o que equivaleria à exigência do sufrágio “circa”
1910...).. A via de um associativismo próprio, separado, parece ter
representado não tanto uma reacção de combate frontal à exclusão no
associativismo misto, como uma opção para evitar qualquer confronto ou
reclamação desse tipo.
Falo de colectividades, não de figuras individuais porque algumas
portuguesas houve, que defenderam os direitos das mulheres como sua
causa primeira, todavia fazendo do seu campo de luta mais a própria
sociedade portuguesa ou a estrangeira em que se movia à vontade, do
modo mais cosmopolita, do que o interior de uma comunidade fechada de emigração…
É o caso das feministas Ana Osório, Adelaide Cabete cujo curto
percurso de expatriadas já mencionei, ou das escritoras e jornalistas
no exílio Maria Archer e Maria Lamas, que a AEMM tem lembrado em
recentes congressos e colóquios, assim como da actriz Ruth Escobar, a
primeira mulher eleita para a Assembleia Legislativa do Estado de São
Paulo, ou da Dr.ª Manuela Santos, a primeira mulher Secretária de
Estado no Rio de Janeiro... E muitas outras – agindo, em geral, fora
do centro de gravidade comunitário…E a verdade é que a questão de
género, de participação igualitária nas comunidades da emigração tem
sido suscitada não tanto do seu interior, como de fora, do país…O 1º
Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo foi, de
facto, convocado pelo governo português em 1985, ainda que a pedido de
algumas dessas “mulheres-excepção”, e contou com muitas das que se
haviam notabilizado, até então, naqueles dois domínios. Já no século
XXI os “Encontros para a Cidadania (2205-2009), que tiveram como
presidente de honra a drª Maria Barroso, e os congressos mundiais de
2011 e 2013 foram promovidos por ONG’s como a AEMM – com sede em
Lisboa – em parceria com a Secretaria de Estado das Comunidades
Portuguesas.
O 1º Encontro mundial foi, há já quase 30 anos, uma ocasião única de
olhar uma obra maior do que a sua aparência, levada a cabo por
protagonistas quase sempre de perfil discreto, as mais das vezes de
ideologia conservadora, que, contudo, cumpriram o ideal feminista de
demonstrar o seu valor pelo trabalho, pela acção concreta. Uma
asserção inspirada na leitura de Ana de Castro Osório, que considerava
feminista “muita gente que se horroriza ou escandaliza com tal
palavra”
4 – Muito embora, à primeira vista, sejam mais evidentes as diferenças
do que as similitudes entre as correntes de intervenção feminina sobre
as quais reflectimos, acabamos por encontrar bastantes e algumas
inesperadas constantes na acção colectiva de mulheres portuguesas,
dentro e fora de fronteiras, ao longo de cerca de um século, pontuado
por duas revoluções, que lhes abriram horizontes.
Eis apenas algumas das mais evidentes.
Enquadramento no grupo familiar
A congregação de famílias inteiras numa luta por causas mais vastas,
em que a participação política feminina era pressuposto fundamental da
mudança revolucionária, terá constituído, ao tempo, uma originalidade
do movimento feminista e republicano, mas o certo é vamos encontrar,
com frequência, o mesmo tipo de envolvimento no movimento associativo
das comunidades ao logo do século passado, sobretudo na segunda
metade. As mulheres ao lado dos maridos, dos líderes das instituições,
colaborando, com eles, formal ou informalmente, mais ou menos na
sombra – cada vez menos na sombra naquelas em que se foi consolidando
o estatuto da mulher do presidente como “primeira-dama” (nas “casas
regionais” do RJ, exactamente com esse título). Mas talvez o mais
interessante seja verificar que, quando são elas a organizar-se, a
“entrar em cena, a recíproca também é verdadeira - é normal que os
maridos serem os seus primeiros apoiantes . No passado, como
actualmente, são infindáveis os casos que podemos citar – lembrarei
apenas algumas das mais proeminentes líderes, que estiveram no 1º
Encontro mundial em 85 e os seus maridos e aliados: Natália Dutra e
Ramiro Dutra, ele, académico e conselheiro do CCP, ela presidente de
uma sociedade de beneficência; Maria Alice Ribeiro, indissociável do
António Ribeiro, na direcção do mais antigo jornal da comunidade de
Toronto, o “Correio Português”( Natália e Maria Alice foram as autoras
da ideia do “Encontro”): Benvinda Maria e o Comendador Marques Mendes,
ambos à frente do “Portugal em Foco” do Rio de Janeiro e de constantes
iniciativas da comunidade; Manuela da Luz Chaplin – advogada dos
emigrantes, conselheira do CCP, escritora, presidente de múltiplas
associações, sempre secundada, no seu infindo vaivém de meritórias
acções, pelo Charles Chaplin, britânico tranquilo, que falava um
impecável português…
Uma visão abrangente das questões de género e das questões sociais
À aceitação geral da presença feminina, quando ela, contra os cânones
de uma tradição misógina, surgiu onde nunca tinha sido permitida – nos
palcos dos comícios, ou dos salões associativos, não será alheio o
facto de elas não estarem a lutar em causa própria, mas em causa comum
- na propaganda republicana, saudada com invariável entusiasmo por
multidões de homens., assim como na organização dos rituais festivos
ou das escolas de português.... Os clubes puramente recreativos, do
tipo do café ou do bar da aldeia, redutos masculinos, transformam-se
em agentes de agregação e de cultura popular portuguesa com a chegada
das mulheres, da juventude, de famílias inteiras, ou seja, com as
festas e a comida portuguesa, o folclore, o teatro, o desporto. Uma
evolução que foi bem delineada em muitas das intervenções do
1ºEncontro Mundial, em Viana do castelo, onde se fez, ou refez, pela
voz das mulheres, numa primeira audição oficial, a autêntica história
do associativismo, com um enfoque essencial no todo, no colectivo,
mais do que naquela parte que elas próprias constituíam. Desse
discurso ressaltava, claramente a consciência de que o progresso se
conseguiria com o grupo e para o grupo – a família, a comunidade, a
sociedade. Uma intenção de melhoria das condições sociais, e não só
individuais (ou de género)., que já encontráramos nas republicanas do
início de novecentos A mesma ausência de radicalismo, de confronto com
o outro sexo … A mesma compreensão de que a libertação da mulher se
realiza em simultâneo com a libertação do homem…. Uma procura da
paridade, muito antes de a palavra tomar o seu sentido actual!
Entre o conservadorismo e o vanguardismo
A procura de um equilíbrio – entre mulheres e homens, entre a vida
familiar e o trabalho profissional, entre velhos costumes e novas
ideias – foi apanágio da primeira vaga do feminismo nacional,
claramente expresso no discurso como na praxis.
Um discurso, forte, moderno, incisivo, que ecoou na praça pública e
ficou perpetuado nos seus escritos, porém feito por senhoras na
aparência iguais às outras senhoras do mesmo elevado estrato social,
nos seus gestos distintos, no respeito pela ortodoxia do traje (que
nos recorda a severa crítica de Adelaide Cabete às jovens que
procuravam imitar os homens, usando colarinho e gravata e fumando
cigarros… Contraste que nos dá um retrato de corpo e alma, destas
portuguesas, que bordavam as bandeiras republicanas pelas mãos, com
que queriam também votar, escrever, trabalhar para o futuro da
democracia…
Esta é mais uma faceta intemporal, presente ainda mas organizações
femininas, ou mesmo, mais latamente, na actuação da generalidade das
portuguesas activas nas comunidades da emigração, São mães de família,
que assumem dedicadamente esse papel, até mesmo, numa intervenção
pública, em muitos casos, determinada pela preocupação com a
escolarização e a formação dos filhos e dos filhos. Do século passado
ficou a memória de feministas que eram professoras, pedagogas,
escritoras de literatura infantil, protectoras de obras dirigidas à
infância desvalida. Essa preocupação persiste ainda hoje. Há poucos
anos, numa sessão comemorativa do dia internacional da Mulher, a 8 de
Março, pela Federação das Associações Portuguesas de França, eu pude
constatá-lo, ao descobrir que todas as presidentes de órgãos sociais,
ali presentes, reconheciam ter aceite o encargo para garantir aos
filhos o ensino da língua na associação…
A Libertação da Mulher pela educação e pelo trabalho
O sufrágio feminino, foi uma promessa eleitoral do PR que ficou sempre
por cumprir. Mal a República foi proclamada e o PR ascendeu ao poder,
tornou-se evidente que receava o voto conservador das mulheres. Em vão
as principais dirigentes da Liga tentaram ultrapassar o impasse com
uma solução de compromisso, reclamando, de imediato, o voto apenas
para as que tinham instrução bastante para tomar uma decisão livre e
consciente - livre da influência clerical e, por isso, progressista.
Questão religiosa, questão partidária que provocou a primeira cisão na
Liga Republicana, com a saída das sufragistas. Ficaram as que, como
Maria Veleda, aceitavam a conveniente tese partidária de que primeiro
era preciso libertar a mulher pela via fundamental da educação, para
que, num segundo tempo, pudesse aceder ao “minus” que consideravam a
igualdade de direitos políticos.
Mas a rendição das mais notáveis sufragistas à ideia de condicionar o
voto em função do nível de educação é bem reveladora da importância
que davam à força emancipadora do saber, à expressão cultural da
cidadania.
A luta pela educação, e, através dela, pela entrada ao mundo do
trabalho profissional, foi preocupação central das mulheres nesse
início de novecentos, constituindo o máximo denominador comum no
interior do movimento feminista.
E o mesmo se pode dizer quando se olham as prioridades das mulheres no
associativismo de hoje, no feminino, ou no que se quer paritário...
A emigração foi, aliás, para uma maioria delas, mesmo para as que
vinham de meios rurais ou operários, e não tinham curriculum
académico, um caminho de emancipação pelo trabalho, pela abertura a
sociedades multiculturais, onde tiveram capacidade de se integrar e
progredir…
Um percurso que cumpre as esperanças das feministas no futuro das
mulheres. Feministas, sem se reconhecerem como tal, no sentido em que
o definia. Ana de Castro Osório - o “feminismo” como um humanismo,
como a vontade de “humanizar a humanidade”.
Se um combate centrado exclusivamente nos direitos da mulher, na
injustiça da sua situação, com mais agressividade e menos altruísmo,
teria sido mais eficaz é coisa que não saberemos nunca. Sabemos, sim,
que a mesma via foi seguida, na emigração, por gerações sucessivas
portuguesas, até nossos dias…
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