segunda-feira, 31 de agosto de 2015

MARIA BARROSO, Uma Mulher à frente do seu tempo

A maior figura feminina do nosso século XX foi, a meu ver, sem dúvida, Maria Barroso.
Tem o seu lugar na história da democracia, na história do feminismo em Portugal e tem, igualmente, um lugar muito especial no coração do Povo, conquistado, sobretudo, pela forma como as pessoas se sentiram, de facto, representadas por ela como a "primeira" das portuguesas - não a" primeira dama", que só as poderia representar através da legitimidade eletiva do marido, mas alguém que viram justamente, como personagem principal, como exemplo mais notável de inteligência, de cultura e de cidadania da mulher do seu tempo. Alguém que se sentia tão à vontade a receber ou a visitar os mais famosos e os mais poderosos como a relacionar-se fraternalmente com o cidadão comum.
É certo que a imagem popular de Maria Barroso se construiu, não tanto a partir das origens de um admirável percurso de luta revolucionária, um percurso próprio, bem anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, mas sedimentada, sobretudo, durante "os anos de poder" ao lado do Primeiro Ministro e Presidente da República - anos em que conseguiu, como sempre conseguiu, ser ela mesma, numa afetiva cumplicidade com ele, que não escondia as naturais diferenças, a sua absoluta singularidade, independência de espírito e de vida, uma vida que, por isso, nunca ficou na sombra de um grande homem...
Foi no momento em que se despedia de Maria Barroso, surpreso e emocionado, que o País redescobriu - ou descobriu - a inteira dimensão da sua personalidade, o pleno significado de uma longa e variada trajetória, que atravessou diversas épocas e regimes, sempre norteada pela coerência dos valores cívicos e humanistas. Uma infinidade de testemunhos, de comentários, de artigos, de reportagens, de entrevistas, acabaram por nos dar uma ideia mais exata da excecionalidade da sua ação ao longo de mais de sete décadas, até ao seu último dia entre nós, Foi a jovem que ousou querer ser atriz e integrou o elenco do Teatro Dona Maria II e fez da declamação de poemas uma arma pela liberdade. - o que lhe uma cortou uma brilhante carreira artística, e, depois, também, a segunda carreira profissional, a docência, Foi a resistente, que suportou a prisão e o exílio, primeiro, do pai, e, em seguida, do marido e soube ser uma mulher e uma mãe corajosa. Foi a militante socialista, única mulher a falar e a intervir, com a força mobilizadora da palavra em grandes palcos da política, antes e logo depois do 25 de Abril. Deputada na Assembleia da República... Parte ativa no movimento que levou Mário Soares a São Bento e a Belém.
Depois, a sua história retoma um curso a que impõe, por inteiro, prioridades próprias, que não passam pela intervenção nas instituições do Estado e, menos ainda, pela política partidária.É a primeira mulher a presidir à Cruz Vermelha. Torna-se, a nível da sociedade civil, no domínio que escolhe para afirmar os valores humanistas, que gostamos de situar no território comum do socialismo democrático e do fraternalismo cristão, uma individualidade cada vez mais admirada e singularmente consensual. A sua conversão, emotiva e sincera, ao catolicismo, vem naturalmente, reforçar o seu sentido de missão, e acrescentar o número dos seus companheiros de projetos, que, para além de Portugal, encontrou, também, em Roma, na esfera da lusofonia (não esqueçamos, em especial, o seu papel no processo de pacificação em Moçambique), como no universo da Diáspora, que percorreu, presidindo, nas 7 partidas do mundo, aos "Encontros para a Cidadania - a igualdade entre mulheres e homens".(entre 2005 e 2009 - uma parceria com o governo e várias ONG’S, para o arranque das políticas de género e cidadania na emigração, a que, octogenária cheia de vigor e entusiasmo, deu a modernidade do seu pensamento e a força da sua palavra, deixando, como podemos testemunhar todos os que, com ela participámos nessa saga, um horizonte de esperança num novo relacionamento, mais próximo, mais afetivo entre as pessoas, as gerações e o País.
Na visão de Maria Barroso, na sua luta pela dignidade de cada ser humano, não havia favoritos - :portugueses, africanos, timorenses, refugiados, imigrantes, velhos, jovens, mulheres, homens... Não foi por acaso que deu à sua Fundação humanitária a felicíssima denominação de PRO DIGNITATE.
Nesta causa cabem todas as que atualmente constituem desafios maiores no novo milénio - os combates por um mundo sem guerras, sem violência,,sem perseguições políticas e religiosas, sem a miséria provocada por chocantes desníveis de desenvolvimento, de acesso à educação. à livre a expressão da cidadania, ao diálogo sobre um futuro de tolerância e de paz, a partir de uma diversidade de heranças culturais, que se descobrem e aceitam mutuamente. Maria Barroso era um símbolo vivo destes combates. Era e é!
O mais admirável é, assim, um trabalho incessante, concreto, prático, em todas as áreas em que constantemente a solicitavam. Fez de cada dia da sua vida, um dia de labor sem fim, a resolver problemas, a ajudar, com ação imediata, com uma palavra de encorajamento, com um sorriso, com tempo para todos e para tudo...Os compromissos da sua agenda eram quase sempre excessivos, mas Maria Barroso tinha dificuldade em dizer "não" – parte da sua maneira inigualável de estar com ou outros, de corresponder a pedidos, a gestos de amizade.
Por isso, estava sempre em movimento, plenamente envolvida no presente, com uma imensa experiência acumulada, e a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente, porque mantinha o interesse na evolução da sociedade, atenta e interveniente, capaz de agir sempre mais e melhor.
Fez tanto e fez tão bem tudo aquilo que assumia como cumprimento do seu dever, da sua ética, na família, no campo profissional, nas instituições públicas, no puro voluntariado, desde muito jovem – sempre, em crescendo! Maria Barroso merece ser lembrada como uma grande Mulher vanguardista, também, no século XXI
Maria Manuela Aguiar
Agosto 2015-08-30

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