quinta-feira, 27 de agosto de 2015

DUAS REVOLUÇÕES

1 - À distância de apenas quatro anos é irresistível fazer a comparação entre a celebração das revoluções que marcaram o século XX português: a revolução portadora das ilusões de uma mudança de regime, que se estendeu pelos 16 anos da breve 1ª República e a revolução fundadora da República em que estamos há 40 anos, ainda com a expectativa de a continuar, para além da crise actual, traduzida em involução e empobrecimento geral e em degradante dependência do Estado numa Europa dividida e desigual.
O centenário da I República foi objecto de inúmeras organizações, do mundo científico e político, dos “media”, das instituições da sociedade civil, que o tornaram um excelente exemplo do que pode e deve ser feito, sem tombar no elogio nostálgico e ritual - .a permitir um olhar sobre nós, sobre a luta das mulheres e dos movimentos feministas, sobre a questão colonial e religiosa, sobre o fervilhar de ideias e de querelas, sobre o dilatado interregno da ditadura, sobre o 25 de Abril e o agitado início de milénio… Um percurso secular de memórias renascidas.
No confronto entre festejos, os de 2014, pelo menos a nível oficial, parecem destinadas a ficar muito aquém do que justifica a importância da maior revolução do século, pelas suas consequências imediatas e futuras…Desde logo, porque representou o fim de um longo ciclo de 500 anos de construção e desconstrução de um vasto império colonial e ultramarino, que, ao entrar do último quartel do século, ia do Atlântico ao Pacífico, em estado de guerra e de desagregação, contra o sentir comum dos Povos. Um anacronismo, um impasse fatal, resolvido no fim de um ciclo de 50 anos de ditadura, de "silêncio e de medo”. Palavras de Maria Teresa Horta, há dias, numa rádio, onde, como em outros “media”, em universidades, em programas da sociedade civil, 1974 vem sendo tema de debate e rememoração, em fórmulas interessantes de fazer História e advento de História - a partir desse dia simbólico em que o império de desfez, com o anúncio e o começo da descolonização, e o País de refez, ao entrar no processo de retorno à sua origem geografica– antes de mais, no domínio da política, onde pela força do voto, se sagrou a opção europeia, a par da opção pela democracia representativa, uma das várias alternativas, que se confrontaram nas pulsões contraditórias do PREC... Em qualquer caso, de fora desta estreita fronteira europeia, para sempre ficaria a Diáspora, todo um espaço em expansão de lusofonia e de lusofilia. A melhor de todas as heranças do império finito: a dispersão universal da língua, enraizada em culturas e em afectos...
2 - Duas revoluções com sorte diversa...
A revolução de 1910 morreu antes de envelhecer a geração que lhe deu corpo.
Não assim a de 1974, com os jovens capitães que tinham, então, como Fernando Salgueiro Maia, 29 anos, ou pouco mais, e com os políticos, a quem eles abriram os caminhos da livre expressão e da acção concreta, e que eram, igualmente, na sua maioria, gente nova e idealista.
Ficam, todos, a meu ver, bem, na galeria dos notáveis da Pátria. Entregaram à geração seguinte um país mais livre, mais justo e mais democrático do que jamais fora e, também, há que dizê-lo, melhor do que é...
De facto, se perguntarmos hoje: Este é o Portugal que quisemos? Esta é a Europa em que acreditámos? A resposta é: "não!". Duas vezes “não”...
Vivemos, assim, naturalmente, a urgência de recuperar, em simultâneo, o espírito humanista e fraternal da construção europeia, e o sentido libertário e pluralista da revolução de Abril, tal como se projectou na Constituição, em sucessivas revisões, e na cena política nas últimas décadas de novecentos. Ou seja, aceitando que a democracia exige sempre a alternância, o diálogo e o respeito da alteridade.
Por isso me parece que uma das iniciativas não formalmente enquadrada em qualquer programação das comemorações, mas que lhe
veio acrescentar um sinal de esperança - coisa que tanto nos tem faltado - foi o chamado "manifesto dos 74". E não apenas pelas suas propostas, a meu ver, realistas, sobretudo, na compreensão de que não há boas soluções nacionais, sem boas soluções à escala europeia..Não apenas por essas propostas, mas pela comprovação de que há, entre os Portugueses, na sociedade civil, mais vias de entendimento e de compromisso, do que julgam os políticos “institucionais” , aparentemente limitados no horizonte da sua própria inabilidade de dialogar e alcançar resultados no país e na Europa.
Está em causa o futuro de um tempo começado em 74.
Há que o demandar sem medo das ideias e dos projectos dos outros-n
Por exemplo, sem medo de dar, no hemiciclo de São Bento, no próximo dia 25, voz aos militares de Abril, neles personificando a homenagem merecida desta geração à antecedente. À que fez a grande revolução.

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