segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Homenagem a MARIA ARCHER

- Porque se envolveu a Assoc MM na evocação de Maria Archer, em
sucessivas iniciativas, no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da
Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional da
Mulher, 2012, na cidade de Espinho e, agora, em Lisboa, nesta sessão
que nos reune no Teatro Nacional da Trindade?

Razões não nos faltam para justificar o empenhamento cívico e o
sentido ético com que o fazemos.

Uma primeira tem a ver com o facto de Maria Archer ter sido uma
Portuguesa expatriada, cuja história e cuja obra andam demasiado
esquecida nos nossos dias. Uma grande Portuguesa da Diáspora, que,
desde a sua juventude, passou largos anos em cinco países da
lusofonia, e em 3 continentes, olhando sempre em volta, com uma rara
compreensão das pessoas e das circunstâncias, que soube transpor em dezenas
de escritos de incomensurável valor literário e, também, do maior
interesse etnológico, sociológico e político.

Seria motivo bastante para nos lançar na aventura de partir à
procura desse legado multifacetado e vasto, que guarda tantos ensinamentos e
surpresas. Mas há mais...

2 - Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal,
por saber captar as constantes da natureza humana, ou por se
constituir na memória crítica de um tempo português opressivo e cinzento, e das suas
vicissitudes e anacronismos, revelados em estreitos conceitos e regras
de jogo social e político, que inteligentemente desvenda,com
acutilância, e que põe em causa, sem contemplações. Ninguém como ela
retrata a vida quotidiana de um Portugal estagnado, sem perspectivas
de progresso e modernidade, em que os mais fracos, os mais pobres são
mantidos pela rigidez das estruturas, e as mulheres, em particular,
são dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela
censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação.
Tendo por pano de fundo os estereótipos impostos para o relacionamento de
sexos, a entronização rígida dos papéis dentro da famílias e as consequentes as desigualdades
de género, distâncias e preconceitos sociais, num
doloroso e longo impasse da nossa história colectiva, .Maria Archer
vai dar vida às portuguesas suas contemporâneas, tal como elas foram,
com um realismo, que é, sem dúvida e quer ser, uma busca, uma denúncia
e uma evidência da verdade - doa a quem doer , para que se saiba...
então e no futuro.

3 - Na melhor tradição nacional, Maria Archer, a mais feminista das
escritoras portuguesas, é uma feminista muito feminina, que ousou ser
um ícone de beleza e de e elegância e fazer uma carreira profissional
no jornalismo e nas Letras - coisa tão rara na época - em simultâneo,
fazendo combate pela dignidade e pela afirmação da inteligência e
das capacidades negadas da mulher, e pela sua cidadania.
Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente másculo da cultura portuguesa.
Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...

4 - Na verdade, por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais
do nosso tempo do que do seu tempo - aliás, uma afirmação que se deve
generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX, que
dão rosto à exposição da Câmara Municipal de Espinho há pouco,
inaugurada aqui, nas salas e corredores do Teatro da Trindade.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos
revolucionários e libertários em que estiveram a Liga Republicana das
Mulheres Portuguesas ou o Conselho Nacional Das Mulheres Portuguesas,
mas iria ser uma das poucas que, no período de declínio desses
movimentos e de desaparecimento de uma geração incomparável,
continuou, a seu modo, solitariamente, uma luta incessante contra o
obscurantismo,que condenava a metade feminina de Portugal á
subserviência, à incultura, ao enclausuramento doméstico - que era a face ocultada da "fada do
lar" mitificada ou mistificada pelo Estado Novo.

5 - Maria Archer foi uma inconformista, com uma plena consciência das discriminações e das injustiças, em geral, e, em particular das que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade retrograda e, como diríamos em linguagem actual, "fundamentalista", em que era o próprio regime que impunha a regressão misógena às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, observação e expressividade e por uma cultura de brilhante autodidacta, foi uma arma de no combate político, em que a sua vida e a sua arte se fundem - um combate pela valorização dos valores femininos, pela libertação da mulher, sem a qual não há libertação da sociedade e da nação, como um todo.
Uma Mulher livre num país sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um exílio longo...

6 - Maria Archer é uma grande escritora (ou um grande escritor, como alguns preferem dizer, alargando o campo das comparações possíveis). Pode ser lida como tal.
Mas permite também outras leituras.
Uma leitura sociológica
Ninguém. como ela , escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da 1ª metade do século XX, das famílias, pobres ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" - todos imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
Aurea mediocritas, brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições de um estado velho, que se chamava Estado Novo
Uma leitura feminista
Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem fabricada da "fada do lar", da falsa harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da brandura hipócrita do autoritarismo, no círculo da família como no País.

Sem comentários:

Enviar um comentário