sexta-feira, 27 de novembro de 2015

ENTREVISTA CONTACTO

Manuela Aguiar
Foto: Alain Piron
Publicado Quarta-feira, 10 Junho 2015 às 14:27
“O Governo português deve reconstituir a Secretaria de Estado da Emigração” para dar resposta aos problemas dos emigrantes, como os novos casos de exploração de portugueses na construção. A antiga secretária de Estado da Emigração e das Comunidades, Manuela Aguiar, esteve no Luxemburgo e defende que o Governo deve ter uma política virada para os portugueses que emigram, mas também para os que regressam.
Maria Manuela Aguiar esteve quinta-feira em Esch-sur-Alzette, enquanto presidente da Assembleia da Associação Mulher Migrante para acompanhar e coordenar a conferência-debate do maestro António Victorino d’Almeida sobre a “Portugalidade” (ver pág. 20).
À margem da conferência, o CONTACTO confrontou a antiga secretária de Estado da Emigração e das Comunidades (1980-1987) com os novos casos de exploração de portugueses a trabalhar na construção. Um dos últimos casos dá conta de subempreiteiros portugueses que exploram imigrantes portugueses numa obra pública num estaleiro dos Caminhos de Ferro Luxemburgueses, na cidade do Luxemburgo (ver pág. 5).
“É uma história clássica de portugueses explorados pelos próprios portugueses. Nos séculos XIX e XX encontramos muitos casos desses e julgamos que não se repetem, mas quando olhamos para estas situações terríveis são muito iguais às do passado e acontecem em países onde menos se espera, como o Luxemburgo, Noruega, Inglaterra ou Holanda. Este é um dos aspectos para o qual sempre chamei à atenção quando estava no Governo”, recorda Manuela Aguiar, que foi convidada em 1980 pelo primeiro-ministro Francisco Sá Carneiro a integrar o seu executivo.
Depois de ter deixado a Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades, Manuela Aguiar continua a trabalhar com as comunidades portuguesas no estrangeiro. Na Associação Mulher Migrante coordena vários estudos sobre os emigrantes portugueses. Considerada uma das maiores especialistas portuguesas da emigração, critica qualquer governo, mesmo do seu PSD.
“O Governo tem a obrigação constitucional de reorganizar os serviços de emigração, o Governo tem de reconstituir uma máquina de apoio aos portugueses nos países onde estão, para combater estes fenómenos de exploração”, defende Manuela Aguiar.
“Logo a partir de 74, a primeira coisa que os governos provisórios fizeram foi criar uma Secretaria de Estado da Emigração e reorganizar os serviços para servir os portugueses. Mas quando Portugal aderiu à CEE [Comunidade Económica Europeia], achou que a emigração tinha acabado e desmantelou os serviços de emigração. Neste momento, em que temos uma emigração como nos anos 60, temos a obrigação de voltar a ter adidos sociais, que há pouco tempo acabaram, ter pessoas que possam fazer relatórios ao Governo, que possam seguir a situação dessas pessoas exploradas e indicar soluções também para outros casos. Precisamos de novos serviços, à semelhança dos que tivemos, adaptados aos tempos modernos”, propõe Manuela Aguiar.
Para a também antiga deputada eleita pelo círculo da Europa, o Governo português deve também ter uma política virada para os que querem regressar.
“O Governo tem de apoiar os que querem sair, mas também apoiar de todas as formas possíveis os portugueses que querem regressar. Tem de haver uma política de regresso, ainda que não seja um regresso imediato, e chamar as pessoas à medida que for possível. É certo que neste momento são muito mais os que querem sair do que os que querem regressar, mas os governantes têm de adequar os instrumentos, os serviços e os meios institucionais às realidades”, defende Manuela Aguiar, lembrando o “sinal positivo” dado por Pedro Lomba, secretário de Estado do ministro-adjunto, Miguel Poiares Maduro. “Ele apelou ao regresso dos portugueses e é bom que o Governo não tenha apenas o discurso do ’vão embora’”.
Foto: Anouk Antony
    1. MEIO MILHÃO DE PORTUGUESES SAÍRAM NO MANDATO DESTE GOVERNO
Para a dirigente da Associação Mulher Migrante, Portugal está a viver actualmente uma “situação demográfica dramática” e só durante o mandato deste Governo cerca de meio milhão de pessoas já deixaram Portugal. “Há uma emigração como nos anos 60, ainda que mais qualificada e mais dispersa. Estão a sair entre 120 mil a 130 mil pessoas por ano, segundo os números do actual secretário de Estado das Comunidades, José Cesário. Em média dá meio milhão de portugueses durante o mandato deste Governo”, conclui Manuela Aguiar.
Se a política de regresso dos portugueses não for suficiente para “refazer o tecido demográfico de Portugal”, a antiga governante defende a imigração lusófona.
“Os imigrantes podem ser de todos os países de gente de boa vontade, mas acho que seria fantástico que se fizesse dentro do mundo lusófono. Já temos brasileiros cabo-verdianos, angolanos, etc., mas deveríamos reforçar os laços da lusofonia através de imigrações em massa, de preferência imigração altamente qualificada porque estamos a perder jovens altamente qualificados. É um sonho que tenho, mas na prática só podemos fazer isso com o desenvolvimento económico”, sublinha Manuela Aguiar, para quem Portugal é um “país exemplar na política de imigração”.
“Só temos é de saber ensinar os imigrantes a gostar de Portugal. Isso faz-se dando-lhes condições de vida, fazendo-os felizes, iguais, porque um imigrante que se sente bem tratado, bem integrado, com boas condições de trabalho e de convívio é um imigrante que adora o seu país de origem e que adora o seu país de destino”, conclui.
    1. SOUBE 30 ANOS DEPOIS QUE JUNCKER NÃO ERA CONTRA IMIGRAÇÃO PORTUGUESA
Manuela Aguiar foi quem negociou com Jean-Claude Juncker “a cláusula de salvaguarda que o Luxemburgo queria impor à imigração portuguesa” no início da década de 80. Diz que só passados 30 anos é que descobriu que Juncker não era contra essa imposição.
“Foram as primeiras grandes negociações que tive com o Luxemburgo e não foram fáceis. Houve uma imposição do Luxemburgo e da União Europeia e Portugal não pôde fazer nada. Na altura, eu não sabia, mas o Juncker contou depois numa entrevista na Gulbenkian, quase 30 anos depois, que ele era dos que não queriam a cláusula de salvaguarda. Ele queria dar de imediato todos os direitos aos portugueses. Três anos depois ele era primeiro-ministro e acabou com a cláusula de salvaguarda”, conta Manuela Aguiar.
A responsável relembra também o problema do ensino. “A dificuldade do ensino dos filhos dos portugueses em três línguas foi sempre o grande problema que apresentei às autoridades luxemburguesas. A resposta que me davam na altura é a mesma que dão hoje. Continuamos a ter crianças prejudicadas no seu percurso académico por causa disso. O problema não está resolvido”, conclui a antiga secretária de Estado das Comunidades.
Henrique de Burgo








FUNDAÇÃO AFRO LUSITANA

A Fundação Afro Lusitana foi um projeto pioneiro, inspirado por António Vilar, nos anos que se seguiram ao processo de descolonização, sinal de um tempo promissor de igualdade e democracia. Hoje, pode ser um precioso instrumento de diálogo e cooperação entre povos que tem, para além de um longo passado, um infinito futuro para viver em comum. Facto novo é, agora, o recrudescer de movimentos migratórias nos dois sentidos, de Portugal para a Africa lusófona e vice versa - para além das antigas e recentes comunidades de imigrantes cabo-verdianos entre nós, os portugueses procuram Cabo Verde, Moçambique, e, em grande número, Angola para trabalhar e investir. De um modo geral, a circulação de pessoas e bens, os empreendimentos e intercâmbios intensificam-se, um pouco por todo o lado, em cinco continentes, no imenso espaço geográfico, cultural, económico da lusofonia.
Este é mais o nosso mundo do que qualquer outro daqueles a que pertencemos, em razão de diferentes afinidades, ou, simplesmente, interesses e contingências.
Este é o mundo da nossa família mais próxima e natural, a da língua, a da história multissecular- família dispersa na distância, que as migrações têm o poder de reunir em insubstituíveis laços fraternais, libertos de ditâmes políticos ou de vínculos de dominação. Acredito que a sociedade civil pode, assim, aprofundar um paradigma de convivialidade, e, com ele, influenciar o melhor relacionamento das instituições públicas e dos governos entre si
A CPLP só ganha em ser, primeiramente, uma comunidade de povos, para ser, depois, uma verdadeira comunidade de países, dinâmica e atuante. E a Fundação facilmente se enquadra na construção da primeira, visando a estruturação da segunda, como força de paz, de tolerância e de bem-querer, num novo século tão carente destes valores civilizacionais.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

REINVENTAR A DEMOCRACIA


Reinventar a Democracia

1 - A democracia foi considerada um sistema perfeito, quando excluía a metade feminina da humanidade, e não só na antiga Atenas, mas, universalmente, até às primeiras décadas. do século passado. A luta pelo sufrágio foi longa e em alguns países heróica (a propósito, vale a pena ver, como documentário de época, o filme " As sufragistas"). Uma vez alcançado o voto das mulheres, os progressos foram acontecendo, gradualmente, com ritmos diversos, na caminhada para a meta da igualdade de participação política, facilitada pela (recente) imposição de quotas.
A meu ver, as chamadas leis da paridade só se justificam para eliminar os muros que protegem" cidadelas" de poder masculino. A quota é a fenda na muralha... A estas medidas subjaz, sempre, a ideia de uma igual capacidade dos dois sexos, amplamente demonstrada nas sociedades contemporâneas. São, pois, uma via de procura de um novo equilíbrio de género, potencialmente portador de mais qualidade e competência nas listas compostas pelos partidos, à porta fechada e não um meio de promoção imerecida – que, a existir, deriva de má aplicação de uma boa lei..
2 - O governo paritário de Justin Trudeau - 15 mulheres e 15 homens - acaba de tomar posse no Canadá
Após uma década de domínio conservador, marcado pelas políticas de austeridade e pela obsessão securitária de Stephen Harper, o partido liberal, de esquerda moderada, chegou ao poder, com maioria absoluta, e fez a diferença logo no primeiro dia..
Os imigrantes portugueses do Canadá são maioritariamente liberais - muitos deles não por perfilharem ideologias de esquerda, mas porque sabem, por experiência vivida, que este partido é o grande defensor dos seus direitos, como trabalhadores, como estrangeiros, como cidadãos.
.Justin usa um apelido célebre. É filho de Pierre Trudeau, homem público de primeiro plano no século XX. Fascinante, é o adjetivo com que o definiria, numa só palavra. Bastará acrescentar que no seu funeral, em 1984, estiveram milhões de admiradores anónimos, e, entre os Chefes de Estado, Jimmy Carter e Fidel de Castro.
Justin começou "à Trudeau", levando o mundo a olhar o futuro da própria ideia de democracia, e não, nostalgicamente, o passado do seu nome.
Quando lhe perguntaram o porquê de um governo paritário respondeu, simplesmente: "Porque estamos em 2015". Veio, assim, dizer ao mundo que o equilíbrio de uma representação multifacetada é da essência da democracia. A igualdade de género é, aliás, um de múltiplos equilíbrios conseguidos no seu governo que reflete, como afirmou, orgulhosamente, "a "imagem do Canadá": dois inuites (uma mulher, Jody Wilson-Raybould na pasta da Justiça e Hunter Tootoo nas Pescas ), dois sikhs, uma refugiada muçulmana, um astronauta, um milionário de Toronto (nas Finanças), um antigo atleta em cadeira de rodas, vários ministros de cabelos brancos ao lado de rostos jovens…
A cerimónia de posse foi simbolicamente informal, portas abertas ao povo, e ao som de música aborígene. O "jamais vu".
3 - Em Portugal, teremos, neste ano, previsivelmente, uma sucessão de três governos, dois de Passos, um de Costa. Este último, se vier a existir, consubstancia uma viragem à esquerda, tal como no Canadá. Mas trará também consigo a mais valia democrática de novos equilíbrios, entre eles, o de geração e o de género,"porque estamos em 2015"?

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Homenagem a MARIA ARCHER

- Porque se envolveu a Assoc MM na evocação de Maria Archer, em
sucessivas iniciativas, no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da
Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional da
Mulher, 2012, na cidade de Espinho e, agora, em Lisboa, nesta sessão
que nos reune no Teatro Nacional da Trindade?

Razões não nos faltam para justificar o empenhamento cívico e o
sentido ético com que o fazemos.

Uma primeira tem a ver com o facto de Maria Archer ter sido uma
Portuguesa expatriada, cuja história e cuja obra andam demasiado
esquecida nos nossos dias. Uma grande Portuguesa da Diáspora, que,
desde a sua juventude, passou largos anos em cinco países da
lusofonia, e em 3 continentes, olhando sempre em volta, com uma rara
compreensão das pessoas e das circunstâncias, que soube transpor em dezenas
de escritos de incomensurável valor literário e, também, do maior
interesse etnológico, sociológico e político.

Seria motivo bastante para nos lançar na aventura de partir à
procura desse legado multifacetado e vasto, que guarda tantos ensinamentos e
surpresas. Mas há mais...

2 - Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal,
por saber captar as constantes da natureza humana, ou por se
constituir na memória crítica de um tempo português opressivo e cinzento, e das suas
vicissitudes e anacronismos, revelados em estreitos conceitos e regras
de jogo social e político, que inteligentemente desvenda,com
acutilância, e que põe em causa, sem contemplações. Ninguém como ela
retrata a vida quotidiana de um Portugal estagnado, sem perspectivas
de progresso e modernidade, em que os mais fracos, os mais pobres são
mantidos pela rigidez das estruturas, e as mulheres, em particular,
são dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela
censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação.
Tendo por pano de fundo os estereótipos impostos para o relacionamento de
sexos, a entronização rígida dos papéis dentro da famílias e as consequentes as desigualdades
de género, distâncias e preconceitos sociais, num
doloroso e longo impasse da nossa história colectiva, .Maria Archer
vai dar vida às portuguesas suas contemporâneas, tal como elas foram,
com um realismo, que é, sem dúvida e quer ser, uma busca, uma denúncia
e uma evidência da verdade - doa a quem doer , para que se saiba...
então e no futuro.

3 - Na melhor tradição nacional, Maria Archer, a mais feminista das
escritoras portuguesas, é uma feminista muito feminina, que ousou ser
um ícone de beleza e de e elegância e fazer uma carreira profissional
no jornalismo e nas Letras - coisa tão rara na época - em simultâneo,
fazendo combate pela dignidade e pela afirmação da inteligência e
das capacidades negadas da mulher, e pela sua cidadania.
Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente másculo da cultura portuguesa.
Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...

4 - Na verdade, por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais
do nosso tempo do que do seu tempo - aliás, uma afirmação que se deve
generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX, que
dão rosto à exposição da Câmara Municipal de Espinho há pouco,
inaugurada aqui, nas salas e corredores do Teatro da Trindade.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos
revolucionários e libertários em que estiveram a Liga Republicana das
Mulheres Portuguesas ou o Conselho Nacional Das Mulheres Portuguesas,
mas iria ser uma das poucas que, no período de declínio desses
movimentos e de desaparecimento de uma geração incomparável,
continuou, a seu modo, solitariamente, uma luta incessante contra o
obscurantismo,que condenava a metade feminina de Portugal á
subserviência, à incultura, ao enclausuramento doméstico - que era a face ocultada da "fada do
lar" mitificada ou mistificada pelo Estado Novo.

5 - Maria Archer foi uma inconformista, com uma plena consciência das discriminações e das injustiças, em geral, e, em particular das que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade retrograda e, como diríamos em linguagem actual, "fundamentalista", em que era o próprio regime que impunha a regressão misógena às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, observação e expressividade e por uma cultura de brilhante autodidacta, foi uma arma de no combate político, em que a sua vida e a sua arte se fundem - um combate pela valorização dos valores femininos, pela libertação da mulher, sem a qual não há libertação da sociedade e da nação, como um todo.
Uma Mulher livre num país sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um exílio longo...

6 - Maria Archer é uma grande escritora (ou um grande escritor, como alguns preferem dizer, alargando o campo das comparações possíveis). Pode ser lida como tal.
Mas permite também outras leituras.
Uma leitura sociológica
Ninguém. como ela , escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da 1ª metade do século XX, das famílias, pobres ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" - todos imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
Aurea mediocritas, brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições de um estado velho, que se chamava Estado Novo
Uma leitura feminista
Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem fabricada da "fada do lar", da falsa harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da brandura hipócrita do autoritarismo, no círculo da família como no País.

Encontro de jovens na II Bienal de Espinho

A AEMM nasceu, bem vistas as coisas de uma fundada crença nas imensas virtualidades dos encontros entre gente que gosta de viver com os outros e para os outros. Os extrovertidos, como nós, os portugueses somos! Quando olho a nossa história dos últimos séculos, a das viagens marítimas, que começaram na vontade do Estado de "descobrir" ou achar terras novas, de estabelecer relacionamentos de toda a ordem com povos os mais diversos e, depois, se continuaram nas migrações individuais, gosto de falar de uma aventura de extroversão.´ Uma cultura de convivialidade!
Este encontro, como tantos outros na vida da AEMM, começou na ideia de uma simples visita de um grupo de estudantes da Califórnia à Bienal "Mulheres d'Artes". Claro, é um grupo especial trazido a Portugal por alguém, que para além da sua excecional qualidade como Pedagoga, é a mais dinâmica e a mais comunicativa das Portuguesas da diáspora: a Professora Deolinda Adão!
Uma Bienal de Artes no feminino é, à partida, coisa atrativa, pelo seu carater aparentemente inédito e, do ponto de vista de alguns, controverso também. A merecer uma visita de estudo. E, para a tornar mais interessante e profícua, porque não convidar as Artistas para falarem das suas obras e do da sua perspetiva sobre a Arte e o Género? Ou seja, converter a passagem pela Bienal num diálogo com as Artistas. E, sabendo que num dos átrios do Museu estão expostas quatro belíssimas Caravelas, construídas por alunos da Escola Domingos Capela, porque não pedir, através da Drª Arcelina Santiago, a presença dos seus obreiros, para que o diálogo se alargue numa reunião de gerações? Género e geração - uma simbiose que marcou o primeiro grande encontro realizado pela AEMM, há quase 20 anos. aqui em Espinho
O Museu, a Câmara Municipal, como sempre, abriram-nos as portas, entusiasticamente.
Esta evolução da ideia inicial só foi possível porque, de todas as partes, vieram respostas de imediata adesão: da Vereadora da Cultura Drª Leonor Fonseca, dos responsáveis do Forum de Arte e Cultura de Espinho, das pintoras, escultoras, professores, alunos, associadas da AEMM... Quase de um dia para o outro o acontecimento cresceu à dimensão daqueles que, normalmente exigem semanas e semanas de preparação.
Muito obrigada a todos por esta inesquecível mostra de "extroversão" e "convivialidade".
E por, no final, nos terem dado a certeza de que o encontro se vai continuar em muitos outros, com jovens de Espinho e da Califórnia.

EMIGRAÇÃO novos destinos no espaço da lusofonia

1 - A emigração portuguesa distingue-se de todas as outras, na Europa e, porventura, no mundo, pelo seu carácter persistente e pela dispersão universal. E ainda por uma extraordinária propensão associativa, a par de uma tradição de convivialidade com outros povos e costumes – duas coisas nem sempre fáceis de harmonizar - e que explicam uma grande capacidade individual e coletiva de integração e, consequentemente de sucesso. Sucesso comum (talvez possamos ousar dizer, a regra geral, com as suas exceções…). Até daqueles de quem menos se esperaria – por exemplo, dos que partiram “a salto”, em meados do século passado e que Eduardo Lourenço, três décadas depois, em jeito de balanço, qualificou como “uma geração de triunfadores".
A emigração é, neste sentido lato da palavra, um fenómeno, cujo início remonta à época da "Expansão", mas que se prolongou para além do seu tempo histórico, e do seu âmbito geográfico. Cerca de um terço da nossa população tem vivido, desde então, fora das fronteiras europeias do País. E não certamente apenas pelo gosto das viagens e do movimento, mas por causas mais prosaicas e constrangedoras. – atraso económico, desigualdade social, pobreza…Um êxodo infindável, não todavia uniforme, antes em ciclos que se encadeiam –princípio, meio, fim …E recomeço…
Estamos agora em pleno recomeço de ciclo – quem diria há três ou quatro anos apenas? É, de todos, o mais imprevisto, o mais dececionante…porque sobrevém depois de ter sido oficialmente anunciado o fim dos tempos da emigração portuguesa… De facto, pouco depois da adesão à CEE, num discurso ufanista, que , em boa verdade nem sequer tinha total ajustamento à realidade, Portugal, era apresentado como um novo país de imigração, que tinha deixado de ser um velho país de emigração.
Uma forma de significar que nos colocávamos no restrito clube europeu dos mais prósperos e dos ricos. Numa Europa de solidariedade e de coesão que já não existe... Aquele Portugal também não,,,
Agora, com com um governo que tem por meta empobrecer o país, destruindo irremediavelmente as classes médias, o único escape é partir, outra vez, talvez para sempre...
1 -Fala.se da nova emigração, jovem e qualificada (enfim, o que nos faltava ainda, o "brain.drain").
Mas a fuga à pobreza é bem mais abrangente - vão todos, os mais e os menos qualificados, os mais e menos jovens, os homens (os tradicionais protagonistas do processo) e as mulheres, agora em pé de igualdade (na emigração mais qualificada, acrescente-se, que não , por exemplo, na temporária, em que o sexo masculino predomina, como dantes, largamente).
Um parêntesis, para salientar esta tendência para sobrevalorizar o que é inédito, mesmo quando coexiste com o que vem de trás. O mesmo aconteceu quendo da transição das migrações transoceânicas para aa europeias, em meados de novecentos. Olha-se a França, como o novo Brasil e é certo que foi um polo de atração maioritário, mas esquece-se a emigração em massa, através do Atlântico, para a Venezuela e para o Canadá, igualmente nos anos 50 e 60... Assim como a que havia ainda, mais limitadamente embora, para os EUA, para a África do Sul ou para a Austrália
Coexistência de destinos próximos e longínquos que, curiosamente, podemos constatar hoje em dia, com as centenas de milhares de portugueses que procuram e encontram trabalho não só na Europa , mas no Brasil e em Angola.

MARIA BARROSO, Uma Mulher à frente do seu tempo

A maior figura feminina do nosso século XX foi, a meu ver, sem dúvida, Maria Barroso.
Tem o seu lugar na história da democracia, na história do feminismo em Portugal e tem, igualmente, um lugar muito especial no coração do Povo, conquistado, sobretudo, pela forma como as pessoas se sentiram, de facto, representadas por ela como a "primeira" das portuguesas - não a" primeira dama", que só as poderia representar através da legitimidade eletiva do marido, mas alguém que viram justamente, como personagem principal, como exemplo mais notável de inteligência, de cultura e de cidadania da mulher do seu tempo. Alguém que se sentia tão à vontade a receber ou a visitar os mais famosos e os mais poderosos como a relacionar-se fraternalmente com o cidadão comum.
É certo que a imagem popular de Maria Barroso se construiu, não tanto a partir das origens de um admirável percurso de luta revolucionária, um percurso próprio, bem anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, mas sedimentada, sobretudo, durante "os anos de poder" ao lado do Primeiro Ministro e Presidente da República - anos em que conseguiu, como sempre conseguiu, ser ela mesma, numa afetiva cumplicidade com ele, que não escondia as naturais diferenças, a sua absoluta singularidade, independência de espírito e de vida, uma vida que, por isso, nunca ficou na sombra de um grande homem...
Foi no momento em que se despedia de Maria Barroso, surpreso e emocionado, que o País redescobriu - ou descobriu - a inteira dimensão da sua personalidade, o pleno significado de uma longa e variada trajetória, que atravessou diversas épocas e regimes, sempre norteada pela coerência dos valores cívicos e humanistas. Uma infinidade de testemunhos, de comentários, de artigos, de reportagens, de entrevistas, acabaram por nos dar uma ideia mais exata da excecionalidade da sua ação ao longo de mais de sete décadas, até ao seu último dia entre nós, Foi a jovem que ousou querer ser atriz e integrou o elenco do Teatro Dona Maria II e fez da declamação de poemas uma arma pela liberdade. - o que lhe uma cortou uma brilhante carreira artística, e, depois, também, a segunda carreira profissional, a docência, Foi a resistente, que suportou a prisão e o exílio, primeiro, do pai, e, em seguida, do marido e soube ser uma mulher e uma mãe corajosa. Foi a militante socialista, única mulher a falar e a intervir, com a força mobilizadora da palavra em grandes palcos da política, antes e logo depois do 25 de Abril. Deputada na Assembleia da República... Parte ativa no movimento que levou Mário Soares a São Bento e a Belém.
Depois, a sua história retoma um curso a que impõe, por inteiro, prioridades próprias, que não passam pela intervenção nas instituições do Estado e, menos ainda, pela política partidária.É a primeira mulher a presidir à Cruz Vermelha. Torna-se, a nível da sociedade civil, no domínio que escolhe para afirmar os valores humanistas, que gostamos de situar no território comum do socialismo democrático e do fraternalismo cristão, uma individualidade cada vez mais admirada e singularmente consensual. A sua conversão, emotiva e sincera, ao catolicismo, vem naturalmente, reforçar o seu sentido de missão, e acrescentar o número dos seus companheiros de projetos, que, para além de Portugal, encontrou, também, em Roma, na esfera da lusofonia (não esqueçamos, em especial, o seu papel no processo de pacificação em Moçambique), como no universo da Diáspora, que percorreu, presidindo, nas 7 partidas do mundo, aos "Encontros para a Cidadania - a igualdade entre mulheres e homens".(entre 2005 e 2009 - uma parceria com o governo e várias ONG’S, para o arranque das políticas de género e cidadania na emigração, a que, octogenária cheia de vigor e entusiasmo, deu a modernidade do seu pensamento e a força da sua palavra, deixando, como podemos testemunhar todos os que, com ela participámos nessa saga, um horizonte de esperança num novo relacionamento, mais próximo, mais afetivo entre as pessoas, as gerações e o País.
Na visão de Maria Barroso, na sua luta pela dignidade de cada ser humano, não havia favoritos - :portugueses, africanos, timorenses, refugiados, imigrantes, velhos, jovens, mulheres, homens... Não foi por acaso que deu à sua Fundação humanitária a felicíssima denominação de PRO DIGNITATE.
Nesta causa cabem todas as que atualmente constituem desafios maiores no novo milénio - os combates por um mundo sem guerras, sem violência,,sem perseguições políticas e religiosas, sem a miséria provocada por chocantes desníveis de desenvolvimento, de acesso à educação. à livre a expressão da cidadania, ao diálogo sobre um futuro de tolerância e de paz, a partir de uma diversidade de heranças culturais, que se descobrem e aceitam mutuamente. Maria Barroso era um símbolo vivo destes combates. Era e é!
O mais admirável é, assim, um trabalho incessante, concreto, prático, em todas as áreas em que constantemente a solicitavam. Fez de cada dia da sua vida, um dia de labor sem fim, a resolver problemas, a ajudar, com ação imediata, com uma palavra de encorajamento, com um sorriso, com tempo para todos e para tudo...Os compromissos da sua agenda eram quase sempre excessivos, mas Maria Barroso tinha dificuldade em dizer "não" – parte da sua maneira inigualável de estar com ou outros, de corresponder a pedidos, a gestos de amizade.
Por isso, estava sempre em movimento, plenamente envolvida no presente, com uma imensa experiência acumulada, e a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente, porque mantinha o interesse na evolução da sociedade, atenta e interveniente, capaz de agir sempre mais e melhor.
Fez tanto e fez tão bem tudo aquilo que assumia como cumprimento do seu dever, da sua ética, na família, no campo profissional, nas instituições públicas, no puro voluntariado, desde muito jovem – sempre, em crescendo! Maria Barroso merece ser lembrada como uma grande Mulher vanguardista, também, no século XXI
Maria Manuela Aguiar
Agosto 2015-08-30