quarta-feira, 8 de novembro de 2023

O MEU PRIMEIRO EMPREGO - "AU PAIR" IN LONDON

Ainda não tinha feito 16 anos e já era vista como jovem cosmopolita. Tinha ido sozinha a Paris e Londres...Hoje, para obter o mesmo reconhecimento, uma rapariga precisa de ir sozinha para Bali ou Machu Picchu, como a minha jovem prima Francisca…. Por acaso, na viagem de ida, à última hora, arranjei compan viajei com a Margarida Losa, colega de Liceu. Os nossos pais ficaram no cais da partida, a belíssima estação de São Bento, a acenar um “adeus”, como se fossemos para muito longe. Paramos, primeiro em Paris, passámos uns dias no modesto “Grand Hotel St Michel” (que foi a morada de exílio de Maria Lamas), mas, à chegada a Londres, logo nos separaram diferentes empregos sazonais (“au pair”): ela como dama de companhia de excêntricas velhinhas inglesas, eu como “nanny” das duas meninas de um abastado casal de judeus ortodoxos. Tive sorte, fui com eles para férias nas praias sem areia de Brighton e Hove, durante dois meses. O marido e pai, que era simpático e bem-humorado, simples no trato, (não parecia um importante associado de uma grande firma de advogados...), apercebeu-se da pobreza do meu vocabulário e incentivou-me a ler Agatha Christie e W Somerset Maugham, cujo inglês era tão esplêndido, quanto acessível. Comecei por “The body in the library e não parei mais. O casal depressa terá também constatado a minha patente inexperiência, quer em trabalhos domésticos, quer na lide com crianças, mas foram sempre compreensivos e amáveis e as meninas (de cinco e dois anos), surpreendentemente, gostavam do meu estilo único. Apreciavam o exotismo da portuguesa – uma “nanny” como nunca se vira. Tu cá, tu lá, e, ao mesmo tempo, exigente. Quando fazia uma ameaça, era a valer: "Lilian, se não comeres a sopa, não te levo ao mar, ficas toda a manhã a brincar na areia". Habituada à cedência dos adultos às suas súplicas, ela deixava o prato da sopa a meio e, depois, ficava mesmo de castigo. Moral da história: passou a obedecer-me. Nunca tinha acontecido anteriormente,e, por certo, não voltou a acontecer... Fiquei a gostar muito de judeus, desde esse verão distante. Um verão esplendorosamente quente, dir-se-ia mediterrânico, e permeado de curiosíssimos episódios, (que, porém, não cabem nesta breve nota). Gratificante foi, sobretudo, mostrarem-se sempre prontos a elogiar os aspetos positivos da minha "performance", no conjunto tão desajeitada. Assim aconteceu, por exemplo, num fim de tarde, em que passeávamos as duas, Mrs Balin e eu, ela empurrando a cadeirinha de Ruth, eu dando a mão à maior, que facilmente fugia, se pudesse. Lilian, a temível – muito parecida comigo quando era da idade dela, sempre em movimento, e a fazer perguntas. Nesse dia, a certa altura, decidiu pedir colo à mamã, que acedeu imediatamente (acedia a tudo). Mas eu logo sugeri: “A Lilian é tão pesada. Porque não a senta na cadeirinha e leva a mais pequena ao colo?”. Assim fez, claro, não parando de me elogiar: “How clever, of you, Manuela!” (pronunciando o “u” como “iu”). Também o Sr Balin foi muitíssimo simpático no meu maior falhanço, um caso em que praticamente lhe esburaquei uma camisa. Sem querer, evidentemente... Nunca tinha usado um ferro de engomar na minha vida e fiquei interiormente aflita quando me pediu que lhe passasse a ferro duas finíssimas camisas brancas, mas não fraquejei. Nessa manhã, enquanto eles foram passear com as meninas e eu levei horas a executar a minha ingrata incumbência. Devagar, devagarinho, para não enrugar o material. A primeira camisa saiu ilesa das minhas mãos. Na segunda, sentia-me mais confiante, descontraí-me, a ponto de me permitir uma escapadela da atenção, em modo de "day dreaming". Por um fatal momento, parei o movimento de vaivèm do ferro, que deixou no branco imaculado a sua impressão digital em castanho escuro, a esgaçar o tecido. Um horror! Coloquei cada camisa aberta sobre as costas de uma cadeira. Vistas de frente, tarefa cumprida a preceito, colarinhos e tudo... Quando o Mr Balin entrou na sala, olhou, satisfeito, e felicitou-me exuberantemente. "Oh, não - respondi eu - fui desastrada. Tem de ver a parte de trás... E ele foi ver, e disse: "Não tem importância nenhuma! Eu nunca tiro o casaco no escritório". Gente boa! Foram impecáveis - nem sequer me pediram para desempenhar as tarefas mais assustadoras, como mudar as fraldas à pequena Ruth … As crianças dormiam no meu quarto, mas quando essa intervenção se revelava necessária, eu ia chamar um deles para a executar. Marido ou mulher, tanto fazia, eram ambos muito competentes.

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