quarta-feira, 8 de novembro de 2023

CINEMA EM SALA DE ESPETÁCULO - MORTE ANUNCIADA? 1 – Não nasci em Espinho, mas, tudo somado, aqui passei a maior parte de uma já longa existência. Foi escolha bem pensada e individual, embora seguindo uma tradição que é já de três gerações. Avós paternos e pais aqui quiseram gozar a reforma, como eu faço agora. Nos meus tempos de infância e juventude, Espinho era, para mim, sinónimo de lazer e de liberdade. E, na verdade, apesar de termos mudado muito, tanto eu como cidade, esta continua a sê-lo…. Tenho uma paixão pelo oceano de correntes fortes e águas frias, pelo “nosso mar”. Ainda por cima, se há coisa que evoluiu pela positiva é precisamente… o mar! Os paredões criaram, em frente à emblemática rua 19, uma autêntica piscina natural, onde é, agora, mais seguro e confortável nadar, sempre com surfistas ao largo. E a bonita piscina, inaugurada quando eu mal sabia andar, está como nova, e a marginal bem cuidada, do Rio Largo a Silvalde. Vão crescendo zonas de esplanada, restaurantes, cafés… Cafés que, todavia, não fazem esquecer os antigos, os da Avenida, os palcos perdidos de tertúlias memoráveis, e a própria movida de gente elegante no seu vaivém sob palmeiras majestosas… Esse Espinho da nossa nostalgia não volta mais. Mais vale valorizar o que é, talvez, ainda possível. O cinema, por exemplo. 2 - De entre todas as atrações que a vila, (e, depois, a cidade) de Espinho nos punha ao dispor, a mais extraordinária era, certamente, o cinema! Nem o Porto, com tantas e tão boas salas de espetáculos, se superiorizava, pois aqui o Teatro São Pedro e o Cine Teatro do Grande Casino de Espinho ofereciam-nos sessenta filmes por mês, graças á política de renovação diária da programação variada nas suas esplêndidas instalações! No início do mês, cumpríamos o ritual de ir às bilheteiras do São Pedro e do Casino pedir o programa quinzenal ou mensal e logo anotávamos os imperdíveis. Muitas vezes, dois bons filmes coincidiam no mesmo dia e lá íamos a um à tarde e a outro. À tarde, deixavam-nos ir sozinhas, á noite, não, mas os pais raramente estavam indisponíveis para nos levarem com eles. Éramos uma família de cinéfilos. Foi com meu avô Manuel que me “viciei”, desde cedo, em cinema. Lembro-me bem de ir pela sua mão, com cinco ou seis anos, a um Batalha recém-inaugurado. Via e gostava de tudo – comédias, dramas, operetas, “westerns” … tudo exceto filmes infantis. Guardei alguns desses programas, em papel de variadas cores – azul ou rosa pálido, verde, laranja… - e com notas sobre cada filme. As notas são pura propaganda, à época eficaz – hoje hilariante. Do São Pedro, encontrei um programa de agosto de 1962 e outro de setembro de 1981. Com duas décadas de diferença, nada se alterara, nem o estilo redatorial, nem o horário das sessões (3,30 da tarde e 9,45 da noite). Porém, talvez por acaso, contudo, o nível da programação não é semelhante, com 62 a ganhar em qualidade com filmes como “Esplendor na relva”, “Rocco e os seus irmãos”, “O Desconhecido do Norte Expresso” (do “genial Hitchcock”, diz a nota), “O Rosto” (do “mestre Ingmar Bergman” não se esquecem de salientar), “A quimera do Ouro” (“com o incomparável e genial Charlot”) e, em “cinemascope”, em grande ecrã, “A Colina da Saudade, “Topaze”, “Austerlitz”. Os realizadores, com a exceção de Hitchcock e de Bergman são omitidos (até Chaplin é apenas destacado como ator da sua obra prima!). Na primeira linha estão sempre os atores (Audrey Hepburn, a deliciosa “Boneca de luxo”, ou Vittorio de Sica em “O inimigo de minha mulher” e “O mundo dos milagres”). Coisa compreensível, pois era, sobretudo, as grandes estrelas que chamavam as multidões. Naquele agosto a minha assiduidade no S Pedro terá sido uma constante. Não assim em setembro de 81, com “Django”, “Mais forte que Bruce Lee” e similares… Mas certamente terei visto, na muito musculada seleção, Stuart Granger em “O grande atirador”, Sean Connery em “007 Só se vive duas vezes” e Steve Mc Queen em “Tom Horn”. Quanto ao Casino, de 1 a 10 de setembro de 1968, talvez não tenha perdido o anunciado “filme dos três óscares” com James Gardner, Eva Marie Saint e Yves Montand (“Grande Prémio”) e o Mr Solo (“em ação, Implacável! Atrevido! Eletrizante”, segundo o anúncio) 3 – Espinho é hoje, praticamente, uma cidade sem cinema! O São Pedro foi demolido sem piedade, na meia década de oitenta, e a moderna sala com que o Município garantia a sua continuidade, poucos anos depois, vendida a uma dessas novas religiões… E o Casino, que possui uma das mais belas e confortáveis salas de cinema do país, fechou portas. Finito – aparentemente, sem protestos de ninguém. Resta, hoje, o imponente salão do novo “Centro Multimeios”, que, porém, na melhor das hipóteses, propicia aos espinhenses, um filme por semana - quatro por mês! Mas nem isso nos assegura, porque os hiatos na programação são frequentes e, note-se, vistos como coisa normal. As prioridades são outras, a última prioridade é o cinema… que parece querer limitar-se aos festivais – Cinanima, FEST. e cineclube. Neste dezembro de 2022, o “FEST -cineclube de Espinho” exibiu, no Auditório do Casino seis filmes (nos dias 3, 7, 10, 14, 17 e 19). Foi muito mais do que o Multimeios. É de saudar e louvar, sem sombra de dúvida. Tal como os Festivais, que mantêm Espinho no mapa- Mas isso não pode compensar a falta de regularidade e de variedade da oferta, que são os fatores fundamentais de uma política cultural capaz de fomentar o gosto pela frequência das salas de espetáculos, a resistência ao declínio das, que parece fatal, das audiências. Eu estou entre os que não acreditam nessa fatalidade! E não vou longe buscar paradigmas inspiradores. Não penso nos “shoppings”, com a sua multiplicidade de salas, que, finda a pandemia, vão recuperando o seu público. Não são exemplo para a nossa cidade, que, neste campo, não vai além de supermercados (todos do ramo alimentar). Mas há, aqui bem perto, no centro do Porto paradigmas admiráveis, que apostam em salas de dimensão modesta, perfeitamente ao alcance de Espinho – o Trindade e, agora, neste final de 2022, o mítico Batalha ressuscitado. O futuro do Batalha está apenas a dar os primeiros passos. É cedo para celebrar o seu sucesso. Não assim o Trindade, que, com duas pequenas salas (excelentes!), prossegue, há anos, uma programação de qualidade. E em quantidade! Hoje, 5ª feira, 29 de dezembro, em diferentes horários, nas duas salas, há sete filmes em exibição: “Os Fabelmans” de Spielberg, os portugueses “O Natal de Bruno Aleixo”, e “Lobo e cão”, um filme premiado em Veneza, “Ossos e tudo”, a comédia “Ruído branco”, a evocação da Imperatriz Sissi em “Corsage” e o thrillher sul-coreano “decisão de partir”. Eu gosto muito de ir ao Trindade, mas confesso que gostaria ainda mais de ver algumas dessas longas metragens, aqui, em Espinho. E nem peço sete por dia. Em 2023, apenas um ou dois.

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