quarta-feira, 8 de novembro de 2023

2000 Brasil 500 anos

BRASIL - uma ÚLTIMA VIAGEM Depois de deixar a VP da AR, raramente fui indicada pelo PSD para integrar delegações parlamentares - não incluindo aqui 13 anos nas delegações institucionais ao Conselho da Europa e UEO. Apenas duas idas ao Brasil, (a primeira para a inauguração de uma estátua em S Paulo, num dia 25 de Abeil, na companhia de vários militares da revolução de 74, a segunda nas festividades do 5º centenário da Descoberta, no ano 2000) e uma missão aos EUA, para defender a independência de Timor, junto da Administração americana, ainda muito pró-Indonésia. Em 2000, coincidi com o Dr. Mário Soares na comitiva do Presidente Sampaio. Foram dias maravilhosos, revi os amigos da nossa comunidade, estive permanentemente entre muita gente interessante, sempre em movimento, de cidade em cidade - Salvador, Porto Seguro, São Paulo, Rio.... De avião ou em deslocações em mini autocarros, muito confortáveis (poucas limousines), em que me sentei ao lado da Secretária de Estado da Cultura, ou do José Lello, Secretário das Comunidades. Com o Zé Lello, de longe a longe, a discussão subia de tom e, para acalmar os ânimos, o Dr Mário Soares chamava-me para me sentar com ele no banco da frente... Já do ponto de vista de uma avaliação das comemorações em si, com a exceção de algumas belas exposições, a nota só pode ser negativa. Em Porto Seguro atingiu-se o ponto alto do baixo nível da agenda comemorativa:uma caravela, "made in Brazil" que devia aportar ali e então, encalhou desastradamente; algures nos arredores, nesse e nos dias seguintes, houve cargas da polícia sobre manifestações de índios, a programação cultural oferecia um "show" próprio para meninos da escola primária, danças de roda, frouxas serenatas nas ruas antigas do belo centro histórico, um concerto numa pequena capelinha apinhada de ilustres personagens... e a assinatura de uma adenda ao Tratado de Igualdade entre Portugueses e Brasileiros, que se limitava a diminuir os prazos para pedir o estatuto de direitos políticos e a coligir documentos pré-existentes. Tudo insignificante face ao significado da efeméride, como Mário Soares haveria de dizer, no ano seguinte, em linguagem contundente, numa audição parlamentar, de que falarei adiante. Todavia, a jornada iria revelar-se decisiva para o futuro do Tratado da Igualdade, acidentalmente, graças a uma conversa tida pelo Dr Soares comigo, no átrio do hotel de Salvador da Bahía, que poderia ter acontecido em qualquer outro lugar e em qualquer outro momento. Estávamos ali, de pé, adiantados em relação à hora de sair, fazendo comentários soltos sobre já não sei sobre o quê. E eu comecei a criticar o facto de Portugal se mostrar incapaz de corresponder aos avanços da Constituição Brasileira, que, doze anos antes, conferira aos imigrantes portugueses, a plenitude de direitos da nacionalidade, sob condição de reciprocidade. A não dação de reciprocidade na Constituição portuguesa suspendia o alargamento do estatuto em vigor, do qual aproveitavam tantos dos nossos compatriotas. Era, no Brasil, uma situação insustentável, um escândalo. Temia-se a qualquer altura a revogação do texto constitucional brasileiro. A hora certa de por fim à polémica era aquela comemoração, que, assim, ganharia "dimensão". O Dr Soares concordava a cem por cento com as minhas diatribes. Logo ali, acordámos um plano para promover em Lisboa, ainda durante o ano de 2000, uma revisão extraordinária da Constituição, (que exigia o voto de 3/5 da Câmara...). O passo seguinte foi reunir na Fundação Soares com deputados dos vários partidos - todos adeptos da "reciprocidade". Infelizmente, não encontrámos abertura da direção das bancadas, a começar no próprio PS, que, em 1997, fora o responsável pelo impasse em que permanecíamos (o PS de Almeida Santos, que foi, nesta questão, obstáculo intransponível, contra uma corrente largamente maioritária, onde se contavam Manuel Alegre, Alberto Martins, Carlos Luiz, Sampaístas, Soaristas...). Tudo parecia perdido... Mas eis que, em 2001, acontece o inesperado, uma revisão constitucional com um ponto único: a criação das condições para Portugal poder aderir ao Tribunal Penal Internacional (TPI). A tentação de acrescentar outros pontos foi irresistível - alargou-se um pouco, mas pouco, o âmbito da revisão extraordinária. Óbviamente, eu tentei, de imediato, introduzir a questão da reciprocidade. A recetividade na direção do grupo parlamentar foi mínima, mas Durão Barroso interveio e não houve mais oposição. Criou-se a habitual Comissão Eventual para a revisão, com uma longa agenda de audições de personalidades. Sugeri ao representante do PSD, Marques Guedes, que incluísse o Dr Soares e ele ficou espantado. "Tem a certeza? Já contactou o Dr Mário Soares?" "Não, não o contactei, porque não é preciso. Tenho a certeza absoluta de que vem aqui defender esta emenda". Claro que tinha... naquela auspiciosa tarde em Salvador, o Dr Soares fora muito claro, nas diligência seguintes, em Lisboa, tamb+em - podia contar com ele em todas as propostas e diligências na matéria. O argumento para chamar o Dr. Soares à audição foi o facto de ter sido ele o Presidente ao tempo da criação da CPLP (e o Estatuto de Igualdade na nossa Constituição não se limitava ao Brasil, alargava-se a todos os países de língua oficial portuguesa). O Dr Soares compareceu na CERC e arrasou o que restava de oposição à emenda, o seu próprio partido, o amigo Almeida Santos, Jaime Gama... Foi tão contundente numa audição pública, cheia de jornalistas, que o representante do PS logo ali se rendeu à evidência do discurso. Declarou, expressamente, o seu apoio à nossa proposta de alteração. Estava finalmente alcançada a reciprocidade! A votação em plenário seria unânime (ou quase - houve uma abstenção, mas genérica, não direcionada à questão brasileira). Terá sido essa a última grande intervenção parlamentar de Mário Soares! Aconselho a sua leitura - é uma obra-prima, em estilo queirosiano!

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