sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

UM PAÍS INVARIAVELMENTE AO CENTRO in DEFESA DE ESPINHO jan 2022

2022 - UM PAÍS INVARIAVELMENTE AO CENTRO 1 - Voto por dever e por gosto. Já fiz, várias vezes, centenas de quilómetros para votar. Em 1975, era assistente da Faculdade de Direito, com residência obrigatória em Coimbra, e encontrava-me em Lisboa. Fui e voltei no meu carro, por estrada quase deserta e, depois, esperei horas, por esse momento empolgante, numa fila interminável, de gente compenetrada e silente, como quem aguarda num templo o início de uma cerimónia religiosa. A taxa de abstenção foi insignificante, o povo estava em luta, usando a arma democrática, por excelência, que é o voto. Estava em causa a Assembleia Constituinte, onde se inaugurou a arquitetura partidária em que assentou, até 30 de janeiro passado, a casa democracia portuguesa, com os quatro partidos que elegeram a maioria dos deputados. Ao fim de 47 anos, o CDS desapareceu do Parlamento e o PCP está reduzido a seis deputados… Pelo contrário, o PS e o PSD resistem, repartem entre si a maioria de 2/3, essencial a revisão constitucional, à aprovação das Leis fundamentais do regime, às reformas estruturais de que o país precisa para ter futuro. Já houve maiorias absolutas do PSD (duas, com Cavaco Silva) e do PS (duas, com José Sócrates e, agora, com António Costa). Uma impressionante constância do voto popular, não obstante o leque de escolha partidária ser, nessa fase de construção da democracia, extremamente alargado, com um acentuado pendor esquerdista (para além dos que sobrevivem num completo anonimato, como o MRPP, os extintos MDP/CDE, UDP, UEDS, MES, PT, OCMLP, PUP, FSP, PRT, PCP-ML, PSR, e POUS entre outros). A autoproclamada direita, como o MIRN de Kaúlza de Arriaga, reduzia-se a pequenos grupos marginais. O CDS de Freitas do Amaral dizia-se "rigorosamente ao centro", (vocação de que, há muito, mais não resta do que o logótipo original) e assumia a tarefa patriótica de converter a direita ao seu programa cristão democrata - feito histórico que lhe é, sem dúvida, reconhecido. Seria, curiosamente, o primeiro partido a apoiar Mário Soares num governo de coligação PS/CDS, e, poucos anos depois, parceiro do PSD de Sá Carneiro na coligação AD, que conquistou a primeira maioria absoluta, em 1980. O PPD apresentara-se, em maio de 1974, ideologicamente na esquerda reformista, com um carismático Sá Carneiro, que já no início da década de setenta, em tempos de ditadura, ousava afirmar-se publicamente “social-democrata à sueca". Mas, quer a maioria dos militantes, quer a maioria dos dirigentes que se seguiram, embora invocando perpetuamente o seu nome, foram resvalando para o centro-direita, e apenas alguns históricos resistem ainda no centro-esquerda. Sá Carneiro tudo tentou para que o PPD fosse aceite na Internacional Socialista, o que só a oposição do PS, (já antes de 1974 membro dessa Internacional), inviabilizou. Para integrar outra família europeia, a Liberal, Sá Carneiro exigiu que adotasse, também, a designação “reformista”. O PSD já abandonou a Internacional “Liberal e Reformista”, mas esta, suponho, mantém o título, por inércia. E para onde foi, no dealbar do novo século, o PSD? Para o PPE, onde hoje convive, não só com o CDS, como com os duvidosos representantes húngaros do partido do Senhor Órban…). Talvez muitos já tenham esquecido o nome do presidente do PSD que protagonizou essa viragem à direita, a meu ver, errada. Aqui fica o nome: Marcelo Rebelo de Sousa! Note-se, porém, que, nesses tempos primordiais, nem o PS escapou à necessidade de proceder a correções de vulto do seu esquerdismo inicial, abandonando, pouco a pouco, o "slogan "Partido Socialista, Partido Marxista" e tornando-se, com Mário Soares, a grande barreira democrática à ofensiva do PCP de Cunhal e, da extrema.esquerda, e um grande paladino da nossa adesão à CEE. Só o PCP permaneceu imutável, marxista, leninista, eterno saudosista da URSS pré-Gorbatchev e simpatizante da distopia norte-coreana. Por muito simpáticos que nos sejam o Jerónimo de Sousa e os seus jovens heterónimos – e até são! – há que de admitir esta verdade. 2 - Quarenta e sete anos depois, as eleições legislativas não tiveram, nem podiam ter, a mesma força mobilizadora. Foram, contudo, em plena pandemia, com mais de um milhão e meio de portugueses confinados, uma enorme surpresa em termos de participação popular e, mais ainda, de resultados! O mais surpreendido terá sido, porventura, o Presidente da República, único e exclusivo responsável pela dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições antecipadas, que o chumbo do OE não implicava. O Governo fez questão de não se demitir, mostrou-se pronto a apresentar um segundo orçamento e nessa atitude começou a sua vitória - na qual só foi acompanhado, à distância, pelos dois outros únicos beneficiados pela antecipação de eleições, a direita inteligente da Iniciativa Liberal e a abominável extrema-direita do Chega. Perdedores houve muitos - o PSD, o BE, a CDU, o PAN, e o CDS, desaparecido em combate. E, “last but not least”, o Presidente da República, que utilizou, pela derradeira vez, o seu trunfo maior, que é a prerrogativa de dissolver o Parlamento. No nosso sistema político, a autoridade presidencial avulta em situações de instabilidade ou de crise, e foi nesse quadro que até agora alardeou a sua influência, através de uma superabundância de atos e palavras. A partir de 30 de janeiro, o poder deslocou-se de Belém para São Bento. Veremos se, após a inversão de posições entre Marcelo e Costa, o seu relacionamento se mantém como dantes... E veremos se a vitória do PS, alavancada nos fundos da UE que estão para vir, se converte, como desejamos, na vitória do País, na recuperação do seu atraso económico. 3 - Aparentemente, estamos perante uma radical reconfiguração parlamentar, com a hecatombe de algumas formações partidárias e a emergência de outras. Não vejo as coisas assim, recuperando aquela frase célebre de Pinheiro de Azevedo, gritada em situação bem mais dramática: "o povo é sereno!". É mesmo!... António Costa não deverá continuar uma política de adiamento de reformas de fundo, que aconselham, sempre e, em muitos casos, exigem mais do que a maioria absoluta, a maioria de 2/3. Esta maioria foi, desde 1975, dada ao chamado "bloco central'' - PS e PSD. E permanece em 2022, já que ficou praticamente inalterada a expressão dos partidos que se opõem ao modelo de democracia ocidental perfilhado por Mário Soares e Sá Carneiro. Houve apenas uma dança de cadeiras no hemiciclo. Há 12 extremistas que se sentam na bancada da direita e apenas 11 na da esquerda. Ao todo, 23 em 230. Somos um País invariavelmente ao centro!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

OTELO in DEFESA DE ESPINHO

SUBITAMENTE,  MEMÓRIAS  DAQUELE DIA DE ABRIL... 1 . Com a morte de Otelo se revive, agora, intensamente, aquele 25 de abril já longínquo, com uma avalanche mediática de depoimentos, noticiários, imagens e entrevistas de época... Assim , de repente, e sem ser por decreto do governo, se iniciaram, verdadeiramente, as comemorações da revolução, que vai fazer o seu cinquentenário daqui a três anos. Para um governo que queria começar com grande antecedência a preparação da efeméride, fez-lhe, prematuramente e por uma triste razão, a vontade o destino... Só Salgueiro Maia, que partiu tão cedo e tão discretamente, (na sua opção de uma vida inteira de servir o País, com honra e sem vã glória), é um símbolo maior do movimento dos capitães, que fez a revolução e abriu caminho à democracia. A ambos estes, então, jovens militares - homens da minha geração, apenas alguns anos mais velhos do que eu... - não faltou a audácia e a coragem de afrontar o Poder e arriscar a vida pela liberdade. Isso lhes devemos, para sempre, como Povo, a eles e a todos os que estiveram juntos nessa grande aventura, tão espantosamente bem sucedida. E não vale dizer, como alguns ainda insistem em fazer-nos crer, que em causa estavam meros interesses corporativos. Não... A democratização do regime, na fase final da operação militar em preparação, era já a prioridade. O que começara com um mero caderno de reivindicações de caráter "sindical" de oficiais de carreira, convertera-se em autêntica luta ideológica de combate à ditadura, para pôr termo a uma guerra colonial, votada à derrota pelos ventos da história. Já não estava em causa a alteração de um diploma que gerara o mal-estar inicial num determinado setor, mas a discussão do programa de um movimento das forças armadas para o derrube do regime anacrónico, seguida da transição para a democracia plena. A solução para o mal-estar coletivo de múltiplosmundos, presos no mesmo impasse, na mesma ditadura. Um fim de ciclo. Um fim do império. A libertação simultânea de um Estado velho e de vários novos Estados, que iriam conhecer sorte muito diversa... Tempo de paz, no fim da transição, para Portugal e para Cabo Verde, que rapidamente se reconstroem, em democracia. Tempo de mais sangrentas guerras para outros países africanos, de invasão e genocídio para Timor-Leste... O que se faz demasiado tarde, tem tudo para correr tragicamente A exceção é do domínio do milagre. Na nossa descolonização, o único milagre foi obra dos cabo-verdianos. 2 - Conto-me entre os que olham com agrado uma comemoração do 25 de abril de 1974, que seja mais do que festas e discursos rituais, centrados num dado momento, desde que um período tão alargado se destine a reflexão e estudos sérios, envolvendo investigação académica, preservação de testemunhos e memórias, chamando interlocutores no universo do antigo império, da lusofonia. Missão ciclópica, diálogo que se adivinha difícil, se ousar afrontar dogmas e preconceitos, se ambicionar um enfoque diacrónico não só sobre este meio século, mas sobre o seu "antes" e o seu "depois". Tarefa que deverá congregar velhas e novas gerações, pôr o acento no intercâmbio de ideias, de solidariedades, sem esquecer as migrações, que neste espaço pluricontinental se continuam, e são verdadeiras pontes transnacionais entre as sociedades dos países a que pertencem.Escolha ideal, indiscutível, a do General Ramalho Eanes para a Presidência das comemorações, porque ninguém, como ele, representa não só o espírito da revolução militar que incorporava um projeto (necessariamente incerto) de democracia, mas a capacidade de viver o projeto no seu conseguimento concreto, com o voto dos portugueses. Nem todos queriam o mesmo, como o PREC mostrou, dia após dia, e, sobretudo, em dias que ficaram gravados no curso da história -  28 de setembro, 11 de março, 25 de novembro... -  em que se inscreveram diferentes conceitos para a palavra democracia...Á partida, decepcionante é a entrega da coordenação do programa de celebrações a um jovem universitário, com notoriedade que lhe vem muito mais dos ecrãs de televisão do que de trabalhos científicos. Na TV, de onde o conheço, me  parece, devo dizê-lo, um moderado e afável comentador, embora não uma fulgurante e carismática personalidade, um Soares, uma Maria Barroso, um Guterres, um António Vitorino -  para me ater só ao quadrante socialista... Às vezes, não é mau partir de baixas expectativas... De qualquer modo, sentir-me-ia bem mais animada com um grande nome das Ciências ou das Letras, à frente de estrutura menos rígida, onerosa e pesada. 3 - Otelo é, por sinal, o exemplo mais do que perfeito para exemplificar a diferença que faz entregar uma missão à pessoa certa ou pessoa errada. No 25 de abril, a coordenação do plano estratégico e da sua operacionalidade, converteu-o em herói nacional. Aí, como o "cérebro" de uma revolução sem sangue, vitoriosa e popular, ganhou o seu lugar num pedestal de fama, de onde ninguém jamais o retirará. E, todavia, não era, de todo, talhado para "o dia seguinte". Ou seja, para nenhuma das altas funções que veio a exercer... Não avanço prognósticos sobre o julgamento final que lhe está reservado na história pátria, mas tenho o meu, subjetivo e naturalmente irrelevante. Para mim, há, para além da sua inconstância ideológica, da sua adesão a todos os excessos revolucionários, que fizeram perigar a implantação da democracia, (tal como eu a entendo), uma surpreendente constância na procura do "bem comum"  e não de proveito pessoal, que me leva olhá-lo benignamente. Desde o PREC, estive sempre do lado contrário da barricada, olhando a sua radicalização, sem nenhuma condescendência no que respeita às suas ações, enquanto figura pública, mas, estranhamente, com bastante complacência em relação ao Homem. É alguém que eu gostava de ter conhecido pessoalmente, cuja voz faz falta na comemoração que se aproxima, cuja partida lamento.   

Maria Manuela Aguiar sobre MARIA ARCHER LX 24 jan 2022

Uma primeira palavra de agradecimento à organização deste colóquio, em especial à Profª Isabel Henriques de Jesus, pelo convite para participar numa grande jornada de reflexão em torno de Maria Archer, no 40º ano da sua morte A celebração de uma efeméride é, por vezes, apenas cumprimento ritual de um calendário, mas também pode ser muito mais, se dela se faz um momento de salvaguarda da memória de figuras ou acontecimentos, um momento de reavaliação do seu papel, do seu significado no tempo presente. Assim sucedeu, por exemplo, na comemoração do 20º ano da convocatória do 1º Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Emigração, de que resultou o reinício ou o verdadeiro início de políticas públicas naquele domínio, ou do centenário da República, em cujo programa de eventos foi dada enorme e bem merecida visibilidade a grande vultos da 1ª vaga do nosso movimento feminista. E assim poderá ser, e espero que seja, com as comemorações do cinquentenário da revolução de Abril, onde haverá lugar ao reencontro com a vida e a obra de grandes mulheres que a Ditadora e o chamado Estado Novo tentaram eliminar dos anais da República, do património imorredouro que é a memória coletiva. .Sei que não há uma ligação direta entre essa aguardada agenda, e a iniciativa que aqui nos convoca, mas atrevo-me a dizer que pressinto nas linhas de investigação voltadas para as escritoras que resistiram às pressões e perseguição do regime ditatorial, de algum modo, uma espontânea decorrência do ambiente criado em torno dessa data marcante, que, no lapso de um século, separa 50 anos de ditadura e 50 anos de democracia. Separa o Portugal em que Maria Archer combateu e Portugal pelo qual incansavelmente se bateu. .. Maria Archer, essa portuguesa admirável, nascida num dia do último janeiro do século XIX, e, contudo, tão atual no pensamento e na mentalidade, que vem agora sendo redescoberta como exemplo inspirador de inconformismo e de coragem Nela vejo, sempre, antes de mais, a cidadã - cidadã de muitas cidades, num percurso repartido pela geografia do universo lusófono, em convívio, curioso e expectante, com as suas culturas e particularidade, empenhada em aprendizagens e partilhas, observadora e interveniente em tão variados domínios, invariavelmente movida por valores humanistas que são ainda hoje os nossos. Um destino de interminável itinerância, desde menina, poderia ter significado inadaptação e desenraizamento - mas não! Sendo quem era, bem pelo contrário, enraizou-a um pouco por todo o lado, com o seu olhar atento sobre a tudo o que era alteridade, fascinada pelo exotismo e pela beleza das pessoas, dos costumes e das paisagens.. Em estadas longas, que perfizeram 14 anos de África, a sua infância e a juventude decorreu numa sucessão de idas e voltas, de Lisboa para Bissau e Bolama, para a Ilha de Moçambique, com os pais, depois, já casada, para a mítica ilha de Ibo com o marido, e após o divórcio, ainda sob teto paterno, para Luanda. Divorciar-se, no ano de 1931, foi um ato de enorme ousadia, com que encerrou um ciclo e começou outro, finalmente livre para transpor a fronteira do espaço privado, onde as jovens da burguesia se deixavam emparedar, em vitalícia dependência como filhas ou esposas, para o espaço público, onde se tornou verdadeiramente Maria Archer . Em 1935, em Luanda, fazia a sua estreia literária com uma obra sobre três mulheres, de seguida, publicava, em Lisboa, "África Selvagem", uma primeira e fulgurante incursão nos domínios da literatura colonial. Era o início da aventura solitária de subsistir pela escrita, como Autora reconhecida pela crítica e pelos leitores, que esgotavam edições e reedições dos seus romances e novelas, e como reputada articulista nas páginas de jornais e revistas de referência. Num breve relance sobre a sua trajetória de escritora, vemo-la por pouco mais de duas décadas, destacar-se nos meios intelectuais de Lisboa, onde se impôs pelo talento literário – como a grande revelação da década de trinta – encantou pela elegância do porte, pela cultura e pela vivacidade do espírito e desafiou os poderes constituídos usando a escrita como arma na luta pelas causas que a moviam. Causas que permanecem, tantas décadas depois, impressionantemente atuais: a criação literária e artística das mulheres como expressão de liberdade e dimensão de cidadania, o feminismo como humanismo, e a aproximação dos povos da lusofonia - ultrapassando a visão eurocêntrica tradicional, herdada da 1ª República, no policentrismo dos seus escritos mais tardios, da que podemos chamar a fase brasileira. . A ditadura assente na repressão das Liberdades e no conservadorismo misógino, não tolerava a subversão da sua ideologia e da sua Ordem e não podia, sobretudo, admitir a transgressão no feminino, que Maria Archer encarnava. Entre nós, ninguém levara tão longe, e tão militantemente, a denúncia pela recriação realista de uma atmosfera social e política do quotidiano num país anacrónico em que as mulheres eram confinadas pelas normas impostas no relacionamento dos sexos, pela educação para a desiguldade e pela censura dos costumes. É esse mundo segregado das mulheres que desoculta - mulheres são sempre as personagens principais nas suas obras... E fá-lo, com o implacável rigor de uma etnóloga por vocação e a arte consumada de manejar a língua, em toda a sua riqueza e plasticidade. Nas suas próprias palavras, "moldava o retrato sobre modelo vivo". Um retrato com muitos rostos, muitos enredos... A Ditadura não gostou do retrato, que desconstruía, pelo ímpeto iconoclasta da sua obra, e pelo seu exemplo de independência , o ideal tipo feminino do salazarismo. E não lhe perdoou. Condenou-a ao ostracismo não só no seu espaço, como no no tempo. Quis, como disse Maria Teresa Horta, "deliberadamente apagá-la da história". Maria Archer foi obrigada a partir para um exílio de 24 anos em São Paulo, de onde regressaria, em 1979, num regresso obscuramente, diminuída na debilidade física irreversível, desaparecida na memória do país, mas, no seu íntimo, confiante no julgamento do futuro. . Esse futuro é agora, somos nós. Estamos hoje aqui, a dizer, com a nossa presença e a nossa palavra, que queremos, deliberadamente, restituí-la à História. O movimento começou nos meios académicos do Brasil, com a plêiade de investigadores, que desde há alguns anos, vem cumprindo essa esperança, no reencontro a sua obra intemporal de escritora e jornalista - e o eco desses passos vem, desde data mais recente, repercutindo em Portugal. Cronista de uma época que, nos seus livros, pode ser estudada, numa perpetiva interdisciplinar, em múltiplas leituras, todas atuais. Protagonista histórica da luta pelo direito de pensar, de falar e de viver livremente em Portugal, pela aproximação dos povos de fala portuguesas, continuadora da 1ª vaga do feminismo português, a que a ditadura pôs termo, com a barreira da censura e da polícia, e antecessora da 2ª vaga, que nasceu e cresceu no declínio do Estado Novo, nas vésperas da revolução, que antecipou com o seu pensamento de mulher moderna – e moderna ainda por padrões atuais. No 40º ano da morte de Maria Archer, queremos celebrar o seu retorno definitivo do exílio, para preencher o lugar a que tem direito na história da literatura, da democracia e do feminismo em Portugal. Maria Archer podia ter sido personagem de um romance de Maria Archer. Falta contar é a história que escreveu dramaticamente com a sua própria vida. Talvez, por altura de outra efeméride, em 2024, nos 125 anos da escritora, haja quem queira e possa dar-lhe e dar-nos essa biografia por presente. Valerá a pena, porque tão singular e extraordinária é a obra como a vida de Maria Archer.

Norberto de Abreu sobre MARIA ARCHER - Porto 22 jan

Boa tarde, senhoras e senhores.... Falar em público nunca foi fácil para mim, é por isso que pintar e transmitir através da tela é meu meio de expressão ideal... No entanto, tentarei brevemente explicar meu trabalho, especificamente no Retrato de Maria Archer. Senti uma grande empatia por esta senhora das letras e sua luta pela igualdade de gênero, Liberdade e Democracia em um mundo que minimizava as mulheres. Essa mulher lutadora, que emigrou e se exilou para defender suas firmes convicções de livre pensamento, numa época em que a mulher era considerada mais um bem na vida do homem, tocou muito fortemente meu ser criador... Sempre na minha carreira artística, a mulher foi, é e será, um ponto relevante das minhas composições, do meu trabalho, porque nela também reflito a admiração que sinto pela minha Mãe, pelas minhas tias emigrantes e lutadoras, na Venezuela. onde eu nasci. Admiro também sua imagem e figura, seu porte digno, seu olhar inteligente e sedutor, como uma heroína de cinema... Queria ser cúmplice da sua luta, porque também como ela, tive de emigrar do país onde nasci, para reencontrar as minhas origens, as minhas verdadeiras raízes, Portugal. Fiz uma viagem pelas imagens de Maria Archer para poder pintá-la com verdade, com respeito e fazer justiça à sua beleza. Pinto sobre folhas de ouro, e com cores acrílicas, brinco com os volumes, misturo e quebro a forma tradicional, para tornar sinuosas as margens da obra... não há limites... e a figura emerge em um retrato. Um escorço torna a mão da Senhora visivelmente distorcida, com a sua luva preta de cetim e o seu sumptuoso vestido...rodeada pelos títulos das suas obras e pelos nomes dos países visitados...fazendo um belo fado pintado. Tem sido uma honra poder pintar este retrato e sentir às vezes que de pincelada em pincelada, ela falou comigo sobre suas viagens e suas experiências... OBRIGADO Norberto D'Abreu

Constância Néry sobre MARIA ARCHER - Porto 22 de janeiro

Fico a pensar na incrível mulher portuguesa, Maria Archer, na sua brilhante imagem. Sinto-a como um presente que o destino reservou para o Brasil. Enquanto viveu no Brasil, a escritora, poetisa, analista e corajosa defensora dos movimentos realizados pelas mulheres contribuiu, entre outras muitas vertentes, como colunista do importante Jornal O Estado de São Paulo. Pisou o mesmo asfalto que nós pisamos na infância, na juventude e sempre. Passou pelas portas, janelas e esquinas da Av. São João, Ipiranga e das ruas dos jardins Paulista, Europa e América entre outros espaços. Esteve presente, a opinar, nos eventos dos estudantes das Faculdades de São Paulo, como a nossa famosa São Francisco que abrigou a Une da década de 1950 - antes e depois. Aos sábados ou domingos, respirou o ar do maravilhoso Parque Ibirapuera, (esse que mostro na tela) não sem antes entregar seu sopro inteligente, que entrou na alma de cada raiz, cada folha, fruto ou flor do rico jardim daquele que é considerado um dos mais belos parques urbanos do mundo. Maria Archer viveu ali, no meu país, a contemplar a Igreja da Sé, a Avenida Paulista, a Augusta e o Teatro Municipal. Constancia Nèry - 14/01/202

Comemorações de Maria ARCHER in AS ARTES ENTRE AS LETRAS

No próximo dia 23 de janeiro completam-se quarenta anos sobre a morte de Maria Archer. É uma data que será comemorada, no Porto, pelo Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer, ao longo do ano, com uma programação de atividades focada nas múltiplas facetas da sua vastíssima obra, e na sua vida, repartida no espaço da lusofonia, num constante cirandar entre realidades culturais de que se tornaria intérprete e mensageira privilegiada. A sessão de abertura terá lugar no sábado, dia 22, na Galeria da Biodiversidade – Centro de Ciência Viva, às 16.00, com uma conferência de Deolinda Adão (Universidade de Berkeley) sobre “Sussurros de vozes no silêncio – o caso de Maria Archer”. Segue-se a inauguração de uma exposição de pintura, comissariada por Ester de Sousa e Sá, em que os artistas são convidados a falar da sua relação com Maria Archer, tal como a expressam nas sua telas A 22 de fevereiro, o Instituto de Línguas Comparadas Margarida Losa e o Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer, (com uma Comissão Organizadora de que fazem parte Marinela de Freitas, Lurdes Gonçalves, Nassalete Miranda e eu própria), convocam uma audiência internacional de interessados para um colóquio "on line" de homenagem a Maria Archer, que reúne investigadores portugueses e estrangeiros dedicados ao estudo da obra de mulheres portuguesas que se destacaram no panorama das Letras e Artes e nos movimentos proto feministas e feministas, de finais do século XVIII aos nossos dias. Com o título, "Maria Archer e outras Mulheres de Referência e (Ir) reverência", se pretende sublinhar o que, para além da diversidade de épocas, lugares e contextos sócio-culturais, todas têm em comum, o talento, a lucidez, o inconformismo. Durante o primeiro trimestre deste ano, no lugar e no período de abertura ao público da Exposição em homenageia Maria Archer, entre 22 de janeiro e 31 de março, está previsto um ciclo de colóquios presenciais, com regularidade quinzenal subordinado ao tema " Mulheres que irromperam no mundo dos homens". Na incerteza que a crise pandémica traz ao nosso quotidiano, não está ainda fechada a planificação do ano, que, assim, continua aberta a novas propostas e sugestões à volta das grandes causas de Maria Archer: a criação literária e artística das mulheres como expressão de liberdade e dimensão de cidadania ,a compreensão da alteridade, a aproximação dos povos da lusofonia, no trânsito da dominação colonial num novo espaço policêntrico, o feminismo como humanismo, as fronteiras mutáveis do feminino e a desocultação do seu lugar na História. Maria Archer viveu num presente de que ela já era o futuro. Foi incompreendida, perseguida pelo regime, exilada, e, mais ainda como escreveu Maria Teresa Horta "deliberadamente apagada da História". No ocaso de uma brilhante e singular trajetória, que a doença encurtou, já não encontrava ânimo para combater o esquecimento a que fora sentenciada, mas acreditava que tempos vindouros lhe fariam justiça. Primeiro nos meios académicos do Brasil, agora também já em Portugal, uma plêiade de investigadores veio dar-lhe razão e cumprir a sua esperança. A comemoração desta efeméride, no Porto, em Lisboa, em São Paulo, e um pouco por todo o lado, é, afinal, uma etapa do caminho de retorno. Quarenta anos após a sua partida, Maria Archer está de volta, para ficar na História das Letras e do jornalismo, da literatura colonial, da democracia, pela qual se bateu na primeira linha de intervenção, e do feminismo, cujo bandeira empunhou, entre tão poucas outras mulheres, em meio século de ditadura e obscurantismo. Os portugueses vão descobrir que tão fascinante é a obra como a vida de Maria Archer

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

CITAÇÕES MARIA ARCHER

Saibam quantos fazem coro no desprestígio da obra literária das mulheres que os nossos livros são momentos heróicos. Custam-nos coragem, e angústias e lágrimas, que os homens, para igual feito, ignoram de todo". "A minha obra tem sido norteada pelo princípio vital de rebater pela escrita o conceito arcaico da inferioridade mental da Mulher "Veste-se para a festa como um guerreiro se prepara para um combate. O seu desejo é vencer em beleza todas as mulheres"(Os aristocratas, pag 46) "As famílias aristocráticas fortalecem a sua fortaleza. Fecham as portas aos tempos modernos, aos novos ricos, aos republicanos, aos ateus, aos pensadores, aos artistas. - tudo e todos que não verguem os joelhos perante as velhas crenças, os velhos usos, as velhas famílias, as velhas instituições"(Os aristocratas) "Não, não, filha. O divórcio na nossa terra é um recurso para a gentinha"(os aristocratas,) "No meu silêncio de criança precoce englobava-se já o fermento da dúvida, ainda hoje apregoada e não demonstrada da inferioridade feminina"(Bato às portas da vida) "Os pais não me diziam cara a cara, mas percebia-se que aplaudiam o casamento sem amor, o casamento ofício feminino, o casamento prostituição" " O meu desejo não me casar e viver do meu trabalho - ser advogada"(Bato às portas da vida) "Ela era apenas uma mulher. Para ser tida e havida como madrinha, bastava-lhe figurar no jantar((Eu e elas,. casamento ribatejano) "Ele é um dos raros homens que me ensina a desculpar o que não compreendo nos homens"(A primeira vítima do Diabo) "Folha arrastada pelo vento era o que podias ser, porque não podias ser coisa nenhuma"(Três Mulheres)Duas das novelas deste livro foram escritas sob o deliberado propósito de contribuir para a revelação da Mulher"(Ida e volta numa caixa de cigarros) "O meu trabalho neste livro, foi quási um de um artista plástico. Moldei a obra sobre um modelo vivo"(Eu e Elas - intróito)