quinta-feira, 27 de agosto de 2015

LIBERDADE DE EMIGRAR


Ao longo de séculos, o direito a emigrar - ou mesmo, apenas , a atravessar fronteiras, com um projecto próprio, ainda que de curto prazo - foi fortemente condicionado e, em certas épocas, em muitos casos, mesmo proibido. Mais ainda para as mulheres, que, até para acompanharem os maridos, por muito influentes que fossem os cargos por eles ocupados na administração do Império, só raramente conseguiam a necessária autorização régia...
As primeiras políticas de emigração foram, assim, como reconhecem os especialistas nesta área, simples medidas restritivas de um êxodo quase sempre visto como desmesurado. Das Ordenações Filipinas à Constituição de 1976, podemos dizer que não houve, nunca, autêntica liberdade de circulação. Rodeava-se a saída dos cidadãos de uma série de obstáculos (vigilância policial, licenças, custo exorbitante de passaportes...) ou de facilidades, de acordo com as conveniências do Estado. Prevalecia o interesse colectivo, tal como o interpretavam os poderes constituidos. O direito individual à aventura da emigração não existia, e não era sequer alvo de contestação doutrinal, salvo por alguns raros precursores da modernidade dos direitos humanos fundamentais.
Eram, pois, de outra ordem, do foro interno dos Governos, os dois problemas maiores com que se confrontavam: o primeiro, a sua própria incapacidade de proceder a uma avaliação cabal de todas as consequências positivas e negativas da expatriação voluntária e maciça; o segundo, a incapacidade de deter os portugueses na sua determinação de abalar, a bem ou a mal (clandestinamente).
Reportando-se a tempos recentes, aos das migrações em sentido estrito, findo o ciclo (ou ciclos) de colonização, Miriam Halpern Pereira fala em "ambiguidade" das políticas repressivas - uma palavra que é possivelmente a mais ajustada à compreensão de uma aparente inabilidade de dar execução à longa lista de leis e regulamentos limitativos. É de admitir que o laxismo se devesse, realmente, à indecisão entre conter excessos e aproveitar os benefícios em que se traduziam, de imediato - a diminuição dos níveis de desemprego ou sub-emprego e de pobreza, as remessas que equilibravam as contas externas... Na dúvida, sopesando prós e contras, mantinha-se a lei, mas não a força da lei... Não admira que a emigração clandestina, consentida na prática, como que ignorada, sem o ser, representasse cerca de um terço da totalidade. Sinal de que os cidadãos ganhavam quase sempre a partida... Lembremos, por exemplo, a tentativa estatal de desviar as correntes migratórias do Brasil para as colónias de África, sobretudo o Reino Unido separa Angola, logo que desuniu e se proclamou independente. Foi uma primeira tentativa falhada de fazer de Angola “um novo Brasil” - frase que haveria de se popularizar no século seguinte, na primavera marcelista, a propósito de uma segunda tentativa de reorientar o destino das maiores vagas de migratórias da nossa história (em números que só agora estarão em vias de ser ultrapassados).
Foi precisa a revolução de 1974 para reconhecer aos Portugueses, entre as outras liberdades, a liberdade de emigrar. Ao estabelecer o primado da decisão individual de partir ou regressar, constituiu, "de jure" e de facto, a grande ruptura de uma linha de continuidade das políticas que, durante cinco séculos, resistira à mudança dos tempos, das estratégias de colonização, dos destinos geográficos, das Constituições e, até, dos regimes - na transição da Monarquia tradicional para a Monarquia constitucional, desta para a República, e da República para a ditadura do chamado “Estado Novo" (não abordamos aqui a emergência, em meados do século passado, das primeiras medidas de protecção dos emigrantes durante a viagem e, numa segunda fase, de apoio social e cultural, aliás, em estado embrionário...).
O 25 de Abril de 1974 marca, assim, o início de uma era inteiramente nova, que se legitima nos valores humanistas da cidadania. Este é certamente um dos domínios em que a revolução melhor foi cumprida e merece ser comemorada, fazendo a sua história de quatro décadas.

MULHERES EM MOVIMENTO 2013 O meu depoimento




1 - UMA FAMÍLIA ESTIMULANTE


Sou feminista desde que me lembro de ter opiniões sobre o assunto...

Comecei cedo, com 5 ou 6 anos, e para isso muito contribuiram as Avós,
especialmente a Avó materna Maria (Aguiar), uma verdadeira matriarca,
que ficou viúva, com 7 filhos, aos 36 anos e se tornou líder não só na
sua casa, como na sua terra. Pertencia à Obra das Mães, às
organizações da paróquia, às associações culturais. Era uma senhora
muito bonita, muito inteligente e muito conservadora. Em nome das boas
maneiras e do recato feminino, que tanto prezava, apesar da sua
respeitável proeminência, dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não
fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos
eléctricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu sabia que
gozava do estatuto de neta favorita e gostava imenso da Avó, mas não
seguia esses seus conselhos.

O plural: "as meninas", levava-me a reagir. Achava que devia mostrar
que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso" e
partia para o demonstrar no dia a dia. Era, pois, uma feminista
praticante, com uma emergente consciência da existência das questões
de género ...

Curiosamente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram fãs das minhas proezas
desportivas, tanto como das escolares. Sempre me incentivaram a
estudar e preparar o futuro profissional. Nunca o

paradigma da "dona de casa" esteve nos meus horizontes, ou nos seus.
Pelo contrário: punham em mim, a meu ver, excessivas expectativas....
E assim, graças a eles,o meu feminismo esteve "ab initio" na linha de
pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não
conhecesse sequer o seu nome (como aquele personagem que fazia prosa
sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados - muitos, incluindo
numerosos tios e primos, e, mais tarde, os meus professores da

Faculdade de Direito de Coimbra.

Tive uma infância divertida e feliz, numa família unida e convivial,
apesar de politicamente dividida. Uma tradição que vinha de trás -
houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e
republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos
(como eram os meus Pais). A política estava bem presente, em acesas
discussões sem fim, mas nunca ninguém se zangava. Consideravam os
outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas
opiniões. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à
idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a
quem não pensa.como eu. E, possivelmente, também o gosto pela
argumentação, pela entusiástica defesa de pontos de vista, uma
sensibilidade a formas de injustiça como as assimetrias regionais, o
despertar para um saudável regionalismo nortenho, a par da paixão pelo
Porto (e pelo FCP)...

Outra forum de "convívio e debate" determinante foi a escola - dois
anos na pública, sete anos de Colégio do Sardão (um internato de
religiosas Doroteias). Costumo comparar o colégio a um quartel
elegante, onde prestei uma espécie de "serviço militar obrigatório".
Não foi, de facto, uma opção voluntária, mas, com a excelência do
ensino e, sobretudo, das estruturas desportivas, ginásio, campos de
jogos, parques e largos espaços de recreio, posso dizer que lá passei
muitos bons momentos. Organizava competições desportivas (incluindo
futebol clandestino), dirigia peças de teatro, escrevia crónicas e
romances que partilhava com as colegas, dava largas à imaginação e à
energia. Uma dessas crónicas, que pretendia fazer humor à custa da
instituição, suas regra e poderes constituidos foi apreendida, e quase
provocou uma expulsão mesmo nas vésperas do exame do antigo 5º ano.
Não seria a primeira da família a passar por isso, mas escapei,
suponho que com a interferência do capelão e de algumas das Madres,
que me compreendiam e me achavam graça... Mas eu quis mudar para o
Liceu Rainha Santa Isabel, no Porto, contra a vontade do Pai, que me
vaticinava toda a espécie de retrocessos escolares, que tinham
desabado sobre ele, quando depois de 10 anos de Colégio dos Carvalhos
se viu "à solta" no Rodrigues de Freitas. A história não se repetiu,
pelo contrário. Bati todos os recordes pessoais no exame de 7º ano e
ganhei, pelo bem-amado Liceu, o prémio nacional.

De qualquer modo, foi no Sardão que vivi a minha primeira batalha
política - ou político-sindical. E um "enclausuramento" que me fazia
apreciar mais os fins de semana e as férias de verão em Espinho, como
espaço e tempo de liberdade...

Frequentava com o Pai o estádio das Antas, com os Pais e o Avô os
cinemas e teatros e, também, os cafés do Porto, coisa invulgar na
época para o sexo feminino, de qualquer idade...


COIMBRA ANOS 60


Em Coimbra, era também à mesa dos café que estudava, que convivia e
bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade
portuguesa de 60. ..

No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia
encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que
eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto,
que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.

Eu falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código
de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada,
que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente
2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a
revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia
ganhando base doutrinal na social-democracia sueca.

O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 - e
ainda hoje não está suficientemente...

Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade.
Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse
pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a
escolhas profissionais assentes (assistente de um Centro de Estudos
Sociais, assessora do Provedor de Justiça).

Sempre sonhei com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me
vedada por ser mulher Queria ser advogada, uma espécie de Perry Mason
portuguesa. Era no terreno jurídico que queria competir, não no da
política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um
corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens.
No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há
excelentes advogadas e juristas, mas, das 12, na política só eu, e
acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se
distinguiram em Governos da República - Daniel Proença de Carvalho,
Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão... Ou que
são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a
Política, como Gomes Canotilho ou Manuel Porto, ou com as Letras, como
Mário Claudio ou José Carlos Vasconcelos...

Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno
trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas,
para uma qualquer comissão, cujo nome nem recordo - só sei que dava
acesso à direcção da Associação Académica - perdi num colégio
eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das
meninas era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e
covenci-me de que não estava mesmo nada vocacionada para tais
andanças...


3 - A FORÇA DO IMPREVISTO


Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos
políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para
assistente de sociologia na Universidade Católica que veio da parte de
um professor que não conhecia, o Doutor Àlvaro Melo e Sousa ( um amigo
comum indicou-lhe o meu nome, na altura em que acabava de regressar de
Pari, com uns certificados na matéria). Foi preciso ele insistir, mas
acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse facto tornou mais
fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo
Correia, para a recém.criada Faculdade de Economia em Coimbra da qual
ele era o director. Confesso que nem sabia da abertura efectiva dessa
Faculdade... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu
achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da
minha parte. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse na véspera do 25 de
Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da
Educação do 1ª Governo Provisório e, pouco depois, um novo encontro
com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar
Correia, em pleno pátio da universidade, à sombra da torre, levou-me
para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali ao lado, na
Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu
aceitei tão depressa, que ele até julgou que eu julgava que ele
estava a brincar. Não era o caso, era mesmo questão de feitio. Decido
assim muitas vezes no que exclusivamente me respeita. E ali e então
não havia que pensar duas vezes!...

Guardo boas memórias de todas as passagens pela docência, mas aquela
tinha um significado muito especial - o convite chegava com atraso,
mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres estavam
barradas do ofício - tinha havido uma, não existia impedimento legal,
mas a prática era essa, Mudara entretanto, mas, por sinal, não me
lembro de nenhuma colega - só homens e, quase todos, óptimos colegas,
como o Fernado Nogueira ou o Cordeiro Tavares, Dez anos mais jovens do
que eu, o que me ajudou a rejuvenescer. Fui assistente de dois
insígnes juristas, o Doutor Rui Alarcão e, por fim, o Doutor Mota
Pinto.

Os tempos agitados são-me geralmente favoráveis - como estudante
dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de
Coimbra, no pós 25 de Abril. Há coisas que seriam impensáveis fora de
períodos revolucionários, e que fiz, sem oposição de ninguém, como dar
aulas "extra muros", aos voluntários do Porto ou dar aulas práticas, a
turmas naturalmente pequenas, no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias
de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias,
como os peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exactamente como se
estivessemos numa daquelas escuras e frias salas de aulas. E, depois,
analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de
outros quadrantes ideológicos, mas isso não obstava ao ambiente de
tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de
Direito a salas cheias de simpáticos "caloiros". Um dever e um
prazer!

E refiro tudo isto, porque julgo que foi esta segunda estada em
Coimbra que me abriu os caminhos que não esperava percorrer na
política:antes de mais, porque reatei, naquele preciso momento da
nossa História, o relacionamento próximo com amigos que estavam no
centro da fundação de partidos, em particular do PPD, e da criação de
um regime democrático, E, por outro lado, porque descobri que
conseguia comunicar em público - eu, que me considerava fadada apenas
para trabalho de gabinete.

Anos mais tarde, ao fazer um levantamento do perfil profissional das
mulheres mais activas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local,
havia um grande número de professoras. A meu ver, não era
coincidência, era a consequência de uma maior auto.confiança do que a
que se consegue em outras funções... No meu caso, não tenho dúvida de
que me transformou o suficiente para admitir a hipótese de enveredar
pela exposição nos palcos da política ...

Não para a planear. Na verdade, o convite que o Primeiro Ministro Mota
Pintome dirigiu para a Secretaria de Estado do Trabalho, uma daquelas
que eram vistas como coutada masculina, foi um absoluto imprevisto.
Mas o Doutor Mota Pinto usou o argumento decisivo: "se recusar, não
haverá mulheres no meu Governo". Depois da mera combatividade verbal,
era a hora de agir....

Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao
Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa num
editorial do Expresso, que ainda guardo na pasta de recortes e na
memória.

Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima"
daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na
área mais tradicionalmente feminina da Educação...

Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes
de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a
influência de náquinas partidárias, já então poderosas. Na minha
opinião, um governo que se impôs, ganhou credibilidades e, por isso,
durou ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram de se
entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis, findos
os quais,voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr José
Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à face
da terral. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de
legendários tios republicanos, com quem nunca tive as conversas que
pude ter com ele. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que
se faz tão raras vezes na vida.

Até que novo imprevisto sobreveio: em janeiro de 1980, logo depois da
posse do VI Governo Constitucional, um telefone do Primeiro Ministro
Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me
identificada, porque, como afirmou numa entrevista a Jaime Gama em
que era "social-democrata à sueca".( É por isso que, sem ter filiação
partidária antes de 80, me considerava PPD "avant la lettre", ou seja,
Sácarneirista desde 1969).

Pelo telefone, Sá Carneiro, foi sintético e breve a marcar um encontro
para as 5.00 horas da tarde - audiência para o qual eu parti inquieta,
e mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse
pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha
"condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Grande
preocupação... Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão
misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas.
Sá Carneiro recebeu-me à hora exacta - não cheguei a sentar-me na sala
de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro!
Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando
a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me
chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o
vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro-
Ministro,e esperei anos para o poder tratar assim".

Mas, tratamento cerimonioso àparte, a conversa tomou o rumo de uma
alegre informalidade.

Dei respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com
outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me
sempre sentir absolutamente à vontade. Parece que havia quem ficasse
inibido na sua presença. Eu, pelo visto, ficava eufórica.

O Doutor Sá Carneiro, ele próprio, era, assim, uma esplêndida surpresa
A outra surpresa veio do pelouro que me propô:s a emigração, num
Ministério onde nunca tinha entrado, o de Negócios Estrangeiros.

No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado,
uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM,
a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me
nessa altura). Ainda a "quota mínima" tripartida...

A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa,( porque falo da
que tem uma estrutura orgânica, uma vida própria, colectiva, imersa na
nossa cultura e um futuro que talha com a preservação da herança
cultural) foi uma esplêndida descoberta - andava de comunidade
distante em comunidade distante, sempre e reencontrar-me em Portugal -
um fenómeno por mim insuspeitado de extra-territorialidade da nação.
Um mundo associativo espantoso , mas um mundo de homens. Eu era,a
primeira mulher que junto deles representava o governo da Pátria.Se
tinha dúvida quanto à reacção que provocaria. logo os receios se
desvaneceram - receberam-me sempre com alegria, com simpatia. Não fiz
unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve foram sempre
devidos a questões políticas, não a questões de género. Eles
trataram-me tão bem, que me deram o que mais me faltava: um superávide
de confiança. Mesmo nas hostes poíticas adversárias encontrei quase
sempre boa vontade para trabalho conjunto, até no, por vezes, agitado
Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidirdesde1981
(era então um forum associativo, de perfil masculino, politicamente
dividido entre uma Europa mais contestria e uma Diáspora transoceânica
mais próxima das posições do governo´).

Na verdade acredito que ser mulher tornou mais fácil a minha missão.
Logo em 82, quem me fez ver isso, de uma forma incisiva, foi um
jornalista de S Diego. Paulo Goulart. No fim de uma entrevista, ao
almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de quem gostámos: é
de si e do João Lima", antigo SEE e então deputado pelo PS. Fez uma
pausa, como quem avalia e compara os seus dois eleitos e acrescentou:
Pensando bem, o João Lima até tem mais mérito, porque é homem e
socialista.

Achei muita graça à sua franqueza e foi aí que ganhei a certeza de que
em certas situações, mesmo na vida política,mesmo em ambientes
dominados pelo poder masculino, é uma vantagem ser Mulher! Porque e´a
exótica excepção? Porque há no fundo, um reconhecimento de que as
mulheres fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu
caso, senti adesão e apoio desde o 1º momento, de um sem número de
homens influentes e de algumas raras mulheres , que já então se faziam
ouvir.

Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas esperiências -
sendo a última aquela em que os Secretrários de Estado passaram a ser
considerdos "ajuntos de ministro"...eu não estava habituada nem queria
habituar-me ao degradado estatuto - o imprevisto estava, de novo, à
minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto.: Um
convite para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembeia.
Aceitei, como aconteceu anteriormente, não muito segura de conseguir
sair-me bem na representação feminina... Fui, assim, a 1ª Mulher a
presidir às sessãos plenárias do parlamento, à Conferência de líderes,
a Delegações parlamentares - ao Japão, para começar...

Após 4 anos nesse cargo que, quando não assumido por uma mulher, tinha
sido sempre discreto, apesar da sua importância protocolar (2ª figura
na linha da sucessãoo do Presidente da República, "en cas de
malheur"...),

Finalmente. em 1991, fui eleita para um lugar que me atraía, que
verdadeiramente queria: representante da AR na APCE (Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o
Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida lá fora
do que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações
internacionais, como a APCE. e a AUEO..Ali havia menos jogos políticos
de bastidores, não se sabia o que era disciplina partidária, era larga
a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor
recomendações... Presidi à Comissão das Migrações à Subcomissão da
Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas, sobretudo
nestes dois domínios. Defendi a dupla nacinalidade, o estatuto dos
expatriados, a não expulsão de imigrantes, o reagrupamento familiar,
insurgi-me contra a guerra do Iraque, , denunciei a discriminação de
género no desporto... Acabei a presidir, entre 2002 e 2005, à
própria delegação Portuguesa à APCE e á Assembleia da UEO, uma
organização pioneira, cuja experiência e excelência em matéria de
defesa a Europa subestimou ao extingui-la recentemente.

Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois, à vereação
da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no
ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes
e por o enfoque no movimento feminista e republicano. Não que eu seja
republicana hoje, mas tenho a crteza que o teria sido em 1910, na
companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de casro Osório ou Adlaide
Cabete. E feminista, sou, sem nunca ter tido medo da palavra. Sou-o no
sentido preciso que lhe davam as nossas sufragistas.

Também nunca tive o complexo de prencher o espaço aberto pela "quota"
, mais ou menos explicita. No meu caso, nunca explicita, nem mesmo no
cargo de VP da AR e sempre rejeitada pelos opositores das quotas como
tal. Qundo eu dizia: escolheram-me para Vice-Presidente da AR,
porque queriam uma Mulher (o que para mim era evidente, estava certo e
só pecava por ser decisão tardia), respondiam-me

"Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"

O meu mérito não era coisa que eu fosse discutir!... Discutia, sim, o
mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou
capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando
porventura errando. Mas erros de "casting" não faltam também, e são
muito mais comuns, no caso de políticos promovidos pelas máquinas
partidárias, à maneira tradicional.


PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS


Assim vou terminar.

Quando há avaliações objectivas dos candidatos, o sistema de quotas é
inaceitável. No acesso às universidades, por exemplo, são escolhidos
os melhores alunos, os que têm melhores notas. Por sinal, são
mulheres, mas aí, se não fossem, não seria justo e legítimo intervir .

A falta de educação, de formação seria, de resto, o único fundamento
de uma desigual participação feminina na vida pública. Onde a situação
é de igualdade ou supremacia, a ausência das mulheres impõe uma
presunção de discriminação. A Lei da Paridade torna essa presunção
inilidível e, a meu ver, é com base nela que determina uma quota
mínima em função do género.

A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprovar a
presunção onde quer que o sistema seja praticado de boa fé e com
honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul,
onde chegou com atraso. E Portugal não é excepção.

Mas é da maior importância que a aplicação da Lei da Paridade seja
objecto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos
(artº 8º)

. Estranho que 7 anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação
de cumprir o preceituado no artº 8º ande esquecida. Onde estão os
estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das
autarquias locais?

Estranho, ou talvez não, porque as questões de género continuam
descentradas da agenda política em Portugal.

Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo e ao Parlamento, seja para
eventualmente poderem pensar alterações à lei nº 3/2006, com vista a
mais paridade, seja para conferirem mais visibilidade ao percurso que
as mulheres vêm fazendo no caminho que a Lei lhe tem aberto, contra
regras não escritas e práticas diiscriminatórias vigentes nos
aparelhos partidários.


E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo
dizer que não a li nim livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há
muitos anos, numa placa de um carro que atravessava o centro de
Boston, iluminado pelo sol:


FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE

2013 O CAMPEÃO

Escrevi há dias que há qualquer coisa com o Futebol Clube do Porto que transcende

o Futebol Clube do Porto! E há! Tanto assim é que no ultimo Domingo, de Paços de

Ferreira, chegou ao seu nicho perpétuo e exclusivo na Nobre Cidade Invicta mais

um luzido Troféu -- beijado mil vezes durante a curta viagem -- , que veio afagar os

portistas com a maviosidade de um “oceano de algodão”, fazendo-os sentir melhor

de alto a baixo, por fora e por dentro, abrindo-lhes o apetite sem os ares do Caramulo,

incitando-os a sorrir “à Hollywood”, ajudando-os a adormecer como santos, aliviandolhes a depressão sem recurso ao comprimido.

Sei o que digo porque, por exemplo, nos anos 60 do século passado -- graças ao meu

gloriosíssimo Sport Lisboa e Benfica e não obstante haver decorrido uma “eternidade -

-, recordo-me de haver sentido a mesma doçura do tal oceano de algodão a afagar-me, a

convidar-me a dormir como bebé, a escudar-me contra o temível prejuízo do abatimento

moral, pois os campeonatos, as grandes vitórias e a superioridade nos estádios brotavam

em jorro desse meu inesquecível e tão saudoso Benfica. E eu, graças ao inigualável e

imortal Eusébio -- e quejandos -- sentia-me no Everest …

E o Futebol Clube do Porto, a meu ver, conquistou a nossa última prova maior com

pezinhos de lã, assim como quem não quer a coisa, como se nunca quisesse ganhá-la,

deixando para o fim, quase até o ultimo instante, o assalto letal à carótida, a erupção

vulcânica, o dramatismo da peça teatral, não sem que do Dragão não tivesse soprado,

ora hoje ora amanhã, como “aviso à navegação”, um escaldante “siroco”, anunciando

a probabilidade de nova conquista, determinada inexoravelmente ou por inelutável

fatalismo ou pela real valia do competidor.

Prevaleceu a última.

Com o abraço de sempre de um vaidosíssimo benfiquista, filho de um Portista, para uma

apaixonadíssima portista, filha de um Portista.

Edmundo Macedo

2013 sobre DECO

Maria Manuela Aguiar Todos esses jornais reservam às notícias sobre DECO as duas páginas centrais, mas o conteúdo não é fantástico, não dá a Deco tudo o que Deco merece... Os depoimentos de Scolari e de Figo não são nada de especial (melhor o de Figo!). Mais interessantes os de "A Bola" (Pinto da Costa e José Manuel Freitas) e as "reações" de Fernando Santos e de Derlei. em "O Jogo". Francamente, gostei mais das palavras dos comentadores do programa da RTP Informação "Grande Área", sobretudo do Bruno. Disse que, na história da nossa seleção, só Eusébio, Figo e Ronaldo se podem considerar acima de Deco. Todos o colocam no Top 10 do nosso futebol, em todos os tempos. E falaram de uma seleção que rodava à volta do médio, de "génio" de "qualidade absolutamente excecional".
Ficou, nesse programa, sem resposta a pergunta que muitos fazem: DECO foi o melhor jogador da história do Porto? Só o fazerem a pergunta já significa imenso... Sei que a resposta é difícil - nenhum a quis dar. Mas eu não tenho dúvida: sim, DECO foi o melhor jogador da história do FCP, o melhor de todos quantos vi jogar em mais de 6o anos. E não só o melhor, nas suas qualidades individuais, mas também o mais influente no jogo da equipa. No Porto como na seleção nacional. Nem Figo, nem Ronaldo, nem mesmo Eusébio foram tão decisivos na produção do jogo coletivo!

sexta-feira, 15 de maio de 2015

FRATERNIDADE
Ao me ter sido solicitado escrever algo sobre as actividades de 2014
devo dizer que foi para mim um ano muito dificél.
A minha mulher gravemente doente e continua e eu com um vencimento
reduzido em 50%, desde há 5 anos, que me levou ao fim de 36 anos, 3
meses e 15 dias, a pedir a rescisão de trabalhar para as nossas
Comunidades Portuguesas em nome do Estado Português, MNE.
Que bem me lembro ao chegar à Alemanha em 15 de Outubro de 1966 com 10
anos de idade levado pelo meus entretanto falecidos pais e ali ter
conseguido uma formação profissional como desenhador técnico de
máquinas na Câmara de Comércio e Industria em Dortmund na Renânia
Vestefália,
Aos 15 de Agosto de 1978, após concurso isento na Embaixada de
Portugal em Bona, honra-me, tomei posse em Düsseldorf no nosso
Consulado-Geral de Portugal em Dusseldorfia mas segui de imediato para
Osnabrück como Técnico de Serviço Social. Por nomeação da nossa amiga
e então SECP Dra. Manuela Aguiar cheguei a Berna, à nossa Embaixada,
em 7 de Agosto de 1985 como Delegado de Emigração com a missão de
apoiar e ajudar os nossos compatriotas que na altura eram 24 mil e
hoje mais de 260 mil e momento em que abandono o barco após vários
titulos, Chefe de Serviço Social e Técnico Superior, mas tudo ilusões.
Para o Movimento da Mulher Migrante e não só contribui da forma que
sempre me orientei nos últimos mais de 20 anos como membro da
Maçonaria Regular e concretamente Garante de Amizade entre a Grande
Loja Suíça Alpina e a GLLP/GLRP.
Teria um grande historial a escrever de muitas ou menos razões, até
como ex-deputado do PPD/PSD, Conselheiro Nacional, etc., mas apenas
desejei aqui expressar o meu voto de carinho à Dra. Maria Manuela
Aguiar, uma MULHER que sempre esteve ao lado e não só das nossas
Comunidades Portuguesas no Mundo. Aliás, a MÃE DOS PORTUGUESES NA
DIÁSPORa !!!
CONTINUAREI A DEFENDER AS NOSSAS MULHERES PORTUGUESAS E NÃO SÓ EM TODO
O MUNDO AGORA COM MAIS LIBERDADE !!!

António Dias Costa

MULHERES EM MOVIMENTO 2013

Quando se fala em direitos da cidadania para as mulheres, é comum pensar directamente no sufrágio, na capacidade eleitoral activa e passiva. E, embora este Encontro ponha o enfoque sobre outras formas essenciais de a Mulher se expressar, como igual ao Homem, em diversos domínios, não deixámos de começar pela sua intervenção no mundo, ou, como prefere dizer a Drª Maria Augusta," nos mundos da política".
Afinal foi justamente neste espaço que se desenrolaram as primeiras lutas das nossas avós sufragistas, aqui bem lembradas pela deputada Maria João Ávila, numa excelente introdução que tantas pistas nos dá para o debate
Desde logo com a citação de Abigail Addams, que já em 1776 se dirigia ao Congresso americano nestes termos:
"Se as senhoras não receberem cuidado e atenção especiais, estamos determinadas a fomentar uma revolta e não nos consideraremos obrigadas a cumprir a lei , diante da qual não temos voz ou representação".
Em Portugal, nos inícios do Século XX, Ana de Castro Osório diria praticamente o mesmo:" Não podemos considerar nossa uma República onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar"
O eco longo do mesmo sentimento de injustiça e exclusão, tantos anos depois, era o sinal de que muito poucas tinham sido as mudanças...ou os ganhos!
E, agora, no século XXI, depois de mutações radicais, no que respeita às leis da igualdade, mas perante números de gritante" imparidade" de género no campo da participação concreta, do acesso a cargos políticos, em quase todos os países, a pergunta é: o que fazer, no País e nas comunidades da emigração?
O Deputado Carlos Gonçalves traça o percurso das emigrantes em França, desde a vida de casa ao envolvimento crescente na vida comunitária e, daí, à vida política, onde hoje representam um terço dos chamados "luso-eleitos"-
Nos EUA, pelo contrário, a presença das portuguesas no universo da política é hoje ainda praticamente nula e o Deputado Tony Cabral dá-nos um justificação que confirmará a tese de Carlos Gonçalves sobre a relevância da actividade associativa como via de transição para a actividade política:
"Eu acredito que a explicação é a falta de acesso que as mulheres tiveram nas maiores e mais proeminentes organizações comunitárias luso-americanas e nas empresas. Às vezes, essas mesmas organizações excluem explicitamente as mulheres, por vezes esses grupos dominados por homens simplesmente não fazem com que as mulheres se sintam bem vindas"
Maria do Rosário Loures é um exemplo concreto de passagem do voluntariado associativo à militância política, com a particularidade de ter sido motivada por um homem (o seu ex-marido). O que não me surpreende, pois também eu fui mais motivada a fazer carreira profissional pelos homens do que pelas mulheres da própria família - e o mesmo se diga, depois, da minha ida para o governo e para o parlamento, por insistência de líderes políticos - homens....
A visão comparativa é sempre uma fonte de ensinamentos e aqui poderemos confrontar experiências de vários países e continentes com a nossa, sobretudo a partir da entrada em vigor da Lei da Paridade.
Pelas quotas temos a firme opinião da Deputada Maria João Àvila e da Dr.ª Maria Augusta Santos, autarca no norte de Portugal e contra a da Senhora Dona Maria do Céu Campos, outro excelente exemplo de uma eleita que começou precisamente pela acção social na cidade de Ravensburg, na Alemanha.
Quanto à discordância sobre as vantagens e inconveniente de uma lei que impõe quotas, fica-me a ideia de que a Senhora Dona Maria do Céu mais do que a sua existência questiona a sua verdadeira eficácia, ao declarar: "não concordo com as quotas ou coisa parecida. A mulher tem de ter pleno direito a lugares elegíveis e não a fazer número, colocada em lugares onde muitas vezes não tem qualquer hipótese de obter um mandato, nomeadamente nos parlamentos nacionais".
E logo salienta que "para se entrar na política na Alemanha tem de se ter curriculum, trazer obra e trabalho de voluntariado. 85% das mulheres que exercem cargos na política municipal desempenharam ou continuam a desempenhar trabalho de voluntariado".
Estaremos, com certeza, todos de acordo com a importância de trazer para a política mulheres - e homens - de grande qualidade e com grande dedicação à coisa pública, Mas temos de trazer a debate a questão de saber se um sistema de quotas é ou não compatível com as melhoras escolhas.
E eu creio que há historicamente bons e maus exemplos da sua aplicação. No espaço da UE, a que pertencemos, têm largamente predominado os bons, dos países nórdicos aos do Sul, onde eu destacaria o caso da Espanha. O nosso tem aparentemente funcionado mais e melhor a nível das eleições legislativas e europeias do que a nível local.
A Dr-ª Maria Augusta, que conhece de perto esta realidade local, fala-nos, claramente, de" projectos políticos pessoais", de "formas de gestão/liderança dos partidos". da "adopção de estratégia de organização interna e da selecção e recrutamento, assentes na instrumentalização das suas bases de militância". A sua frontalidade leva-me a recordar José Estevão quando denunciava os pequenos políticos do seu tempo: "o meu programa são os meus amigos. O meu programa é o poder mesmo".
As mulheres são ou não as grandes excluídas dos grupos de "amigos" que mandam em muitas das estruturas partidárias existentes? A imposição da paridade, por força da lei, é ou não um meio eficaz de combater o nepotismo?
É o que proponho que passemos a debater.

domingo, 10 de maio de 2015

NOVA EMIGRAÇÃO, EMIGRAÇÃO VELHA


1 - A nova emigração surgiu, há poucos anos, com o seu ineditismo,
como uma primeira grande saída de quadros (ou de cérebros), de
mulheres e homens em pé de igualdade - coisa inteiramente nova, pois
até então a chamada "feminização" da emigração portuguesa acontecera
quase sempre pelo exercício do direito ao reagrupamento familiar.
É, de algum modo comparável à primeira vaga de imigração do Brasil, no
início do chamado "Cavaquismo". Imigração que nos trouxe, para além do
problema (mais corporativo do que político) dos excelentes dentistas
da Escola brasileira, sem mais problemas,
engenheiros,gestores,informáticos designers, publicitários e outros
profissionais de reconhecida competência... Depois, veio, na segunda
fase, um conjunto bem mais numeroso e heterogéneo de candidatos do
mesmo país.
Era o tempo, logo após a adesão à CEE, em que o governo anunciava o
"fim dos tempos" da nossa emigração e apresentava Portugal como um
País que deixara de ser ponto de partida, para se converter em porto
de chegada de imigrantes. Que melhor símbolo de uma parceria plena no
"clube dos ricos" em que estávamos, e de confiança no futuro, poderia
o discurso político converter em bandeira?
Porém, para essa nossa imigração (da América do sul, da Europa de
leste, da África) as coisas iriam mudar na primeira década deste
século, com uma abrupta interrupção ou retrocesso do vai-vem de
gentes, E, em números bem mais avassaladores, ressurgia a emigração
dos portugueses.
Depois dos 20 anos em que a tese oficial do termo do processo
histórico das migrações portuguesas teve a sua aparência de
ajustamento à realidade (e à crença nofuturo de imparável avanço
económico e social, dentro da UE, do espaço Schengen e da zona Euro),
eis que um volte face vem pôr em causa duas décadas de" ilusão
europeia", e revelar que houvera apenas um mero hiato entre ciclos
migratórios... Aquela Europa já não existe, aquele Portugal, também
não ,(talvez não por uma fatalidade histórica... é verdade, que talvez
pudessem existir ainda, mas não com os protagonistas que tomaram em
mãos o seu destino...)
E nós, retrocedemos 40 anos. à época do último imenso êxodo de fuga à
pobreza, num Portugal, que, antes de tudo, perdeu a esperança.


Numa conjuntura em que Primeiro Ministro não hesita em fazer do
empobrecimento uma meta do seu programa, e em incitar à expatriação
(num gesto rigorosamente supérfluo de quem desconhece a cultura de
expatriação do povo que governa.) a " velha emigração" logo vem,
espontâneamente, somar-se a "velha emigração". Não são só os jovens
que saem,com os seus mestrados e doutoramentos, mas todos os que podem
fugir à crise portuguesa, à destruição da economia e das classes
médias: os mais e menos qualificados, os mais e menos jovens, as
mulheres e os homens .Em proporções variáveis, desmentindo os
estereótipos que vão ocultando a verdade inteira das situações...
Assim, por exemplo, as migrações actuais estão longe da sua imagem de
marca da "paridade", visto que os homens são a quase totalidade das
migrações temporárias, e, mesmo no segmento mais "elitista" da
emigração permanente, a componente feminina é de cerca de metade da
masculina.
O ter, mesmo assim, alcançado visibilidade tão positiva só pode ser
valorizado como um bom sinal, entre tantos de sentido contrário, se
pensarmos que, ao longo dos séculos, a emigração feminina foi sempre
fortemente combatida. A masculina, também, mas menos, porque os
homens, que partiam sós, mandavam para as famílias as remessas com que
o Estado equilibrava as contas externas,uma infinidade de pequenas
poupanças, que cresciam, atingindo números colossaias
Portugal, que vivia largamente à custa deles, olhava as mulheres como
um fator de integração em sociedades estrangeiras, de não retorno dos
homens...e das divisas. Afonso Costa, o professor, com tese de
doutoramento nesta matéria, e o político de primeiro plano, deplorava
(nessas duas vestes, certamente) a saída das mulheres, que tanto se
acentuara no início do século XX, como "uma depreciação do fenómeno
migratório".
Era o espírito do tempo. Não é, obviamente, o do nosso tempo.


2 - O longo ciclo da emigração transoceânica, predominantemente para o
Brasil, em muito menor dimensão para os EUA e outros países
longínquos, estava a terminar em meados do século. Assumira,
realmente, uma faceta familiar,embora quase sempre em duas fases - com
o homem a sair à frente - mas não provocara, como se receava, uma
grande contração das remessas, e servira, (o que ninguém soubera
prever...), para uma transformação qualitativa do movimento
associativo. numa vivência coletiva, de famílias inteiras,que se
reuniam, à volta de projectos culturais - música, teatro, desporto,
recriação de ambientes, festas religiosas ,tradições... Com esta nova
dinâmica se construíram verdadeiras "comunidades portuguesas", no seu
sentido orgânico, institucional - como espaços extra territoriais de
lusofonia.ou, polo menos, de lusofilia. A"Nação dos afectos", na
expressão de Adriano Moreira
A "nova emigração", da segunda metade do século passado,. dirige-se,
pela primeira vez, em massa, para países próximos e é na Europa que se
centram as atenções, com a França a converter-se, aos olhos dos
portugueses, no"novo Brasil"
Como sucederia na " nova emigração" do século XXI, toma-se a parte
(uma parte muito importante, sem dúvida, mas uma parte...) pelo todo.
De facto, a emigração para novos destinos transoceânicos - a
Venezuela, o Canadá - começa precisamente na mesma altura, nas
décadas de 50 e 60, e o movimento continua para os EUA, a África, a
Oceânia... Embora,nestas regiões, há que reconhece-lo, sem a faceta de
fuga clandestina, de aventura dramática que marcou o "salto" através
dos Pirinéus.. O chamado ciclo europeu, (o tal, (que parecia destinado
a ser o último, mas não foi...) acabou. E acabou bem. É a minha
subjectiva opinião. É também a de muitos especialistas deste período,
é a de Eduardo Lourenço, que do seu posto de observação, em Paris, 30
anos depois dos anos do "salto", falava dos viajantes da "mala de
cartão" como uma "geração de triunfadores".
O balanço só pode fazer-se no fim de um ciclo. No princípio de outro
tudo são interrogações...
A nova geração conseguirá os mesmos níveis de satisfação pessoa e
profissional da que a antecedeu - na Europa, no Brasil ,em
Angola, numa dispersão planetária?
Neste novo ciclo, certezas não há... Nem sobre o sucesso individual,
que é função de expectativas mais altas, nem sobre o futuro do
associativismo, das comunidades portuguesas nele fundadas, que vai
depender da capacidade das organizações existentes se abriram à
participação dos grandes excluídos, que têm sido as mulheres e os
jovens. Vai depender fundamentalmente, da vontade destes, da atitude
com que partem : como" desistentes", deixando o país para trás, ou
como" resistentes", levando Portugal com eles..