domingo, 12 de maio de 2013

Encontros para a Cidadania

Entre 2005 e 2009, a Drª Maria Barroso foi a Presidente de Honra dos Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Homens e Mulheres, uma iniciativa inédita, em Portugal - e, ao que julgamos única em países de emigração - destinada a levar às comunidades portuguesas da Diáspora um forte apelo à participação de todos na expansão dos valores de género e geração, na vivência da democracia e na valorização de uma cultura universalista, como é a nossa,


Foi verdadeiramente um "correr mundo"para a Drª Maria Barroso e para um conjunto de personalidades que a acompanhava, que incluia para além de membros do Governo representantes de organizações da "sociedade civil" , unidos e motivados por uma grande causa, como é a de aprofundar a consciência das discriminações que nestes domínios subsistem e que assumem contornos específicos no quadro das migrações, assim promovendo a inclusão dos grupos mais marginalizados da sociedade, através do exercício muito concreto dos seus direitos.

Há muitos anos que admirava a Drª Maria Barroso e que com ela tinha colaborado em outras organizações ou lhe tinha pedido e sempre obtido a sua presença em colóquios ou congressos da Associação de Estudos Mulher Migrante, que tinham por fim a defesa da valorização do papel destas Mulheres, mas nunca tinha partilhado com ela longas viagens através dos oceanos, que em conversa, ouvindo-a, passavam tão rapidamente. Ou o entusiasmo das recepções, logo nas salas do aeroporto, a intensidade do dia a dia feito de debates vivos e memoráveis, de convívio constante em que os temas dos encontros se continuavam nas pausas, nos almoços e jantares, com que que as nossas comunidades gostam de acolher os visitantes... Nunca tinha podido sentir tão de perto a profunda afectividade que desperta a Drª Maria Barroso em todos quantos escutavam as suas palavras brilhantes, na substância e na forma incomparável com as diz, com a marca da convicção e da autenticidade e por isso tão mobilizadoras. E com aquela simplicidade natural, com que se torna uma entre nós, sem que nunca esqueçamos a sua absoluta excepcionalidade

Esses Encontros faziam História, como nós reconhecíamos mesmo já durante o seu decurso, não só porque significavam o pirnicípio da aplicação das políticas da igualdade de género para além das fronteiras de Portugal, na sua inteira dimensão ou espaço humano, mas porque tinham como inspiração, como presença, um expoente da capacidade da Mulher Portuguesa a sua Presidente - para as emigrantes um exemplo vivo, ali a seu lado, tão próxima e solídária e para os muitos convidados do próprio País de acolhimento, uma grande embaixadora de Portugal, da sua forma de estar na vida política e cultural.

O primeiro de seis Encontros foi o da América do Sul, realizado em Buenos Aires, seguindo-se o da Europa, em Estocolmo, os da América do Norte, no leste do Canadá, em Toronto e no ocidente dos EUA, em Berkeley, o da Africa em Joanesburgo e, finalmente, um grande Encontro internacional em Espinho.

Sobre cada um deles se poderia escrever uma longa crónica - tão longa quanto feliz. Aqui fica apenas um breve e objectivo registo de factos, que se espera sejam, assim mesmo, sugestivos, do ambiente vivido, das esperanças despertadas, do impacte que se prolonga até hoje, em novos iniciativas, deixando-nos a convicção de que há um periodo antes e depois destes Encontros, no que respeita à política de Estado para as comunidades, que já não poderá marginalizar a compornente de género.

Encontro da América do Sul - Buenos Aires, 16 e 17 de Novembro de 2005

Biblioteca Nacional, salão Jorge Luís Borges

Organização local da Embaixada de Portugal e da Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina.

Sob a égide do grande escritor argentino, que, por ascedência e por afecto, é também nosso, com a presença sombólica de Maria Kodama, num auditório repleto de ilustres participantes portugueses e argentinos, com jornalistas dos principais media nacionais - imprensa, rádio, RTP - se reiniciou uma caminhada histórica, que tivera o seu começo precisamente 20 anos antes, no 1º Encontro Mundial de Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo, convocado durante o Governo de Mário Soares. O Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas António Braga propunha-se, como expressamentamente afirmou, retomar uma questão que tinha sido esquecida pelos governos ao longo de tantos anos.

Aí, em Buenos Aires, capital de um País onde a Mulher já ascendera à presidência da República, partilhando a mesa de honra com António Braga, com o Embaixador Almeida Ribeiro e comigo mesma, a Drª Maria Barroso proferiu a conferência de abertura - dando-nos, com todo o seu saber e inteligência, uma perspectiva diacrónica sobre a luta das mulheres pela plenitude dos direitos de cidadania e convidando-nos a participar na aventura de equacionar e de fazer o seu futuro.

Depois de dois dias intensos de debates, e da aprovação das conclusões que são um notável documento sobre as matérias em análise, a Drª Maria Barroso, como que sintetizando as conclusões, diria: "Considero que foi uma refelexão aprofundada sobre os problemas que dizem respeito às mulheres, e, em particular, às mulheres migrantes. Mulheres e Homens têm de assumir um papel onde ambos os géneros contribuem para a melhoria da sociedade".

Encontro da Europa

Estocolmo, Museu Etnográfico, Março de 2006

Organização local da PYCO, Federação Internacional de Mulheres Lusófonas

Presente ao lado da Drª Maria Barroso e do Embaixador de Portugal, a antiga Ministra, Comissária Europeia e Presidente da Internacional Socialista de Mulheres, Anita Gradin, que foi uma próxima e importante colaboradora de Olaf Palme e a grande impulsionadora da "praxis" da paridade. Entre ambas, como todas entre nós, na organização dos trabalhos, e entre nós e o Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Lacão, representando o Governo, havia uma evidente sintonia de posições. E, tal como na Argentina, foi forte a participação de personalidades e de ONG's do país que nos acolhia, a permitir a troca de experiências e ensinamentos. E a imprensa nacional e regional marcou, de novo, presença e deu ampla notícia das propostas deste novo congresso.

"É muito importante que os homens estejam presentes, não queremos uma sociedade de mulheres, mas antes de homens e mulheres conscientes dos seus direitos e deveres", salientou a Dr.ª Maria Barroso. É este ênfase na ideia da cidadania feminina para o serviço da comunidade, na linha de pensamento das feministas da 1ª República, que nos leva a vê-la, nos ideais, como na acção concreta, pela liberdade e democracia, como uma autêntica herdeira e continuadora no século XXI, dessa pleide de notáveis Portuguesas do começo de novecentos.

Encontro da América do Norte

Toronto , Março de 2007 "Conferência para a Participação Cívica e Política"

Auditório do "Metro Hall"

Organização Local: Consulado Geral de Portugal, e um elevado número de ONG´s luso-canadianas e canadianas. Patrocínio da Região Autónoma dos Açores

De início a fim, uma constante foi o destaque ao trabalho da Cônsul -Geral, Maria Amélia Paiva, pela forma como soube reunir tantos apoios associativos, a presença de universitários e investigadores, deputadas canadianas, e activistas dos direitos humanos, mulheres e homens, assim como uma cobertura excepcional de todos os media em língua portuguesa de Toronto (que são muitos e muito bons), que, de uma forma unânime, saudaram aquela realização e deram a dimensão do seu relevo, contribuindo para que as temáticas desenvolvidas e o essencial de uma mensagem clara e forte chegasse à comunidade inteira.

O Secretário de Estado Jorge Lacão, que, como é seu hábito, para além dos momentos solenes de abertura e encerramento, participou activamente nos trabalhos de todos os paineis, divulgou aí o Plano Nacional para a Igualdade e a extensão da Lei da Paridade às eleições do Conselho das Comunidades Portuguesas (que viriam a ser as primeiras a que as novas regras se aplicaram). O Embaixador Silveira de Carvalho e o Dr Álamo de Oliveira em representação dos Açores foram também ilustres intervenientes.

A Drª Maria Barroso, partilhou do entusiasmo geral, realçou a abertura de horizontes ("A Mulher de hoje pode governar uma Nação"), mas não deixou também de realçar o pano de fundo de discriminações que subsistem: "temos muito que lutar para que a igualdade entre homens e mulheres seja uma realidade, mas tenho a certeza de que um dia venceremos. Já não será para mim, mas para aquelas que nos darão continuidade".

Para além da Conferência, houve ainda temo para corresponder a convites da comunidade, visitas ao Museu dos Pioneiros e à Associação de Apoio a Deficientes Portugueses, onde a Drº Maria Barroso e eu recebemos o título de Presidentes de Honra. Recém inaugurada esta grandiosa obra de solidariedade, tornou-se já um "ex-libris" da nossa Comunidade.

Na despedida de Toronto fica a frase de Jorge Lacão, que a imprensa reproduziu: "Viemos ver coisas extraordinárias."

E um dos articulistas da imprensa escrevia: Um encontro para a cidadania tem que se lhe diga. É bem capaz de cavar alicerces que nem sempre foram abertos para todos (...) de trazer à discussão temas do maior interesse, que levam a harmonia a uma sociedade, por vezes pouco lógica e racional".

Fora de Toronto, numa deslocação breve a Drª Maria Barroso, aceitou irMontreal para um outro encontro, a celebrar o Dia Internacinal da Mulher - uma iniciativa que o jornal Luso Presse promove todos os anos. Com a presença de Consul- Geral dr Carlos Oliveira e da Ministra da Imigração do Québec, de várias deputadas e de uma vereadora portuguesa, viveram-se momentos irrepetíveis de emoção até às lágrimas, com a Drª Maria Barroso a receber, no fim de palavras sentidas que a todos comoveram, uma infindável ovação.





Encontro para a Cidadania em Àfrica

Joanesburgo, Março de 2008

Sala de Conferência do "Lusito", Associação em favor de Crianças Deficientes

Organização Local : Liga da Mulher Portuguesa na África do Sul. Patrocínio da Região Autónoma da Madeira e do Consulado Geral de Portugal

Nas magníficas instalações do "Lusito", para uma audiência onde prodominavam as mulheres, mas onde estavam presentes o Embaixador Paulo Barbosa, o Cônsul-Geral Manuel Gomes Samuel e os dirigentes das principais instituições comunidade, a Drª Maria Barroso falou da situação das mulheres através dos tempos e no nosso tempo e lembrou-nos que "apesar da História ter sido tecida por Mulheres e Homens só a estes é dada relevância" - e esta é justamente uma das injustiças a que o exercício da cidadania no feminino procura por fim.

A oradora focou muito em especial a participação das Portuguesas na luta pela democracia e a importância que isso e outros factores, como a grande guerra mundial e a guerra colonial, tiveram na ascensão das mulheres e abordou temáticas em que as mulheres podem fazer a diferença - como a denúncia da violência nos media, do racismo e da xenofobia, da indiferença perante tantos atropelos dos direitos humanos, a exclusão social, os maus tratos a crinças, a violência doméstica.

O Encontro ganhou uma dinâmica original, com a marca do modo de funcionamento da "Liga da Mulher", com a organização de quatro "workshops"

sobre a situação das mulheres portuguesas na Àfrica do Sul e o seu diálogo e colaboração com as naturais do País, sobre os diferentes processos de afirmação das Portuguesas na Diáspora e no nosso País, sobre os principais domínios em que se reconhece persistirem discriminações e sobre o ensino do português a da nossa cultura na África austral.

Na sessão de encerramento, o SECP António Braga manifestou o seu inteiro apoio ao movimento de mudança que ali se afirmara e anunciou a realização em 2009 de um Encontro Mundial de Mulheres em Portugal.

A missão na RAS, como, aliás, as anteriores, traduziu-se na discussão de ideias e no traçar de metas para trabalho futuro, mas também na criação de laços de amizade que facilitarão a cooperação para a sua prossecução concreta.

E houve tempo para a emoção, para a Drª Maria Barroso lembrar que ali estivera a acompanhar o seu filho, salvo pelo empenho e qualidade da medicina sul-africana, depois de um acidente quase fatal. Ou para recordar um prévio encontro com o Dr Paulo Barbosa, então Embaixador em Israel, durante uma visita presidencial, que coincidiu com a trágica morte de Itzak Rabin, um grande amigo do Presidente Mário Soares e da Drª Maria Barroso. Pedaços da história à qual a Drª Maria barroso pertence para sempre.





Encontro para a Cidadania na América do Norte EUA

Berkeley, Universidade da Califórnia

Maude Fife Room, Wheeler Hall

25 de Setembro de 2008



Organização Local: Profª Deolinda Adão, (Universidade de Berkeley) e CÕnsul Geral de Portugal, Dr António Alves de Carvalho



A nível da coordenação nacional, foi não a Associação de estudo Mulher Migrante, mas directamente a Fundação Pro Dignitate que assumiu o papel operacional de coordenação, a cargo do Dr António Pacheco, actualmente o secretário Geral da "Fundação"



A caminho para a costa oeste, uma breve estada em Elizabeth, NJ, a convite de Monsenhor João Antão, e da paróqui de Nossa Senhora de Fátima, em cujos salões se realizou um primeiro encontro de formação de jornalistas lusófonos, centrado nas temáticas da paz e da Igualdade..

Com Monsenhor Antão, um verdadeiro líder espiritual da comunidade, de quem a Drª Maria Barroso diria tratarr-se de "uma personalidade de excepção", visitamos a escola que tem o seu nome. (uma honra num país onde é raríssimo atribuir a instituições públicas o nome de pessoas vivas!). Um Liceu muito prestigiado, com vocação para as Artes e a música, onde jovens americanos cantaram o nosso hino naciona na perfeição. Difícil foi conter as lágrimas...

Berkeley recebeu o Encontro sobre "O papel da Mulher no futuro do asssociativismo e movimentos cívicos da Califórnia", pondo o enfoque nas questões do associativismo feminino, (com uma brilhante introdução da grande especialista que é a Profª Adão), da colaboração integeracional e do papel dos media na formação para a igualdade, No encerramento, o SECP António Braga e a Presidente Maria Barroso deixaram a certeza de que as soluções ali proposta não seriam esquecidas.

Ao abordar, tanto em Berkeley como em Elizabeth, o tema da interculturalidade entre comunidades migrantes de diferentes paises que se expressam em Português, Maria Barroso, mostrava acreditar (e todos nisso a acompanhaáamos) que, também neste domínio, o entendimento entre as mulheres migrantes dos vários quadrantes da lusofonia pode fazer a diferença (1).

Seguiu-se um encontro mais restrito no departamento de Estudos Europeus, com bolseiros portugueses que naquela tão prestigiada universidade preparam o seu doutoramento em diversos domínios.

Antes do regresso a Elizabeth, e, depois, a Portugal uma visita à sede da campanha de Barck Obama.

Em Elizabeth, Monsenhor João preparava-nos uma bela surpresa, uma homenagem merecida à drª Maria Barroso, no final de um longo périplo por tantas comunidades: naqueles poucos dias da nossa ausência na Califórnia,o talentoso artista Roger Gonzalez (a quem se devem as obras primas de arte sacra da Igreja de Nossa Senhorade Fátima) pintara um esplêndido qetrato da Drª maria Barroso, no mural da ala onde estivera hospedada!

Ao findar um périplo por tantas comunidades, reavivando a importância histórica do "congressismo" na luta pela igualdade das mulheres, readaptada aos tempos de hoje, a Presidente dos Encontros deixava assim simbolicamente o seu retrato num mural na América do Norte, tal como deixara, por todo o lado, o retrato de corpo inteiro de uma cidadã, capaz de mobilizar pela palavra e pelo exemplo para a mudança em sociedades cada ves mais abertas a todos os seres humanos, mais livres e democráticas.
Em Espinho, em Março de 2009, num último Encontro internacional, com a presença das responsáveis pela organização de todos os que ocorreram na Diáspora, e a presidência da Drª Maria Barroso um ciclo se encerrou, na esperança de que o projecto de mobilização para a cidadania iria prosseguir na rede de solidariedades que se criou, e em gestos concretos de vivência da cidadania que as mulheres aprendem umas com as outras. Esperança bem fundada, como hoje podemos já dizer. 
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sexta-feira, 26 de abril de 2013

Entrevista de Inês Pedrosa

Maria Manuela Aguiar é licenciada em Direito. Os primeiros anos da vidaprofissional foram dedicados ao Direito do Trabalho, uma área que sempre lhe interessou bastante. Foi Secretária de Estado do Trabalho no governo de Mota Pinto. A docência na faculdade foi também uma experiência, quer em Direito da Universidade Católica de Lisboa, quer na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O ano de 1980 marcou a passagem da área do Trabalho para a Emigração, área na qual jamais havia imaginado trabalhar. Foi Francisco Sá Carneiro que a chamou e não estava à espera do convite. No entanto, a experiência como Secretária e Estado da Emigração revelou-se “interessante”. O objectivo enquanto Secretária de Estado da Emigração era cumprir o programa do governo para a área e traçar a estratégia para a emigração num ponto de vista duplo: um mais burocrático e outro mais cultural, mais relacionado com as comunidades portuguesas. Para além dessa função, Maria Manuela Aguiar também esteve ligada à emigração no ciclo da Europa, em 1985. Compara a emigração ao feminismo, na medida em que são dois grupos algo marginalizados da sociedade, que implicam luta pela igualdade de direitos e que precisam de quem tenha garra para os defender. Para quem se assume como feminista por natureza e depois de tantos anos a lutar pelos direitos das mulheres, “a luta pela emigração não foi nada de estranho”.A comparação entre a emigração de outrora e a atual, pela visão de uma mulher para quem a emigração de “estranho”...passou a algo que se “entranhou”.


Inês Pedroso - Já li muitas descrições do termo emigração, mas gostava de saber o que quer dizer este termo para alguém que lidou uma vida inteira com ele?

Maria Manuela Aguiar - Podemos definir a emigração como um trânsito, uma passagem de um país para outro. Emigração é o deixar um espaço e o ter a capacidade de integração num outro. A emigração é sempre também imigração: a pessoa é simultaneamente emigrante e imigrante, faz a ponte entre duas sociedades, é das duas ao mesmo tempo. Pertence-lhes de formas muito variadas, dependendo do seu modo individual de criar laços novos, de manter os originários. O emigrante é alguém que está em contacto com mundos, no plural. Associo a emigração à imagem das duas margens de um rio. É a vida repartida pelas duas. E esta dupla ligação é muito importante para os próprios países, porque os aproxima. E para os cidadãos também, tendo em conta que eles se sentem, como disse, uma verdadeira ponte de ligação afectiva.. Eu sou uma grande defensora da dupla-nacionalidade, porque acho que ela corresponde à natureza humana, tal como a determina a realidade da emigração. Quero com isto dizer que, em regra, as pessoas não se desenraízam da sua cultura de origem e conseguem enraizar-se na da nova sociedade. A matriz de uma emigração bem sucedida é, assim, a dupla-pertença. Há dois mundos que se encontram e se conjugam através dos migrantes. Os portugueses dão um belo exemplo. Porque são muito adaptáveis. Somos um povo muito aberto, muito curioso....que talvez tenha até já seu código genético essa capacidade, que se revela nos que partem, mas não necessariamente do mesmo modo nos que ficam. Os portugueses que nunca emigraram são iguais a outros europeus que compreendem mal a realidade da emigração. Os que se vão abrem-se, com facilidade, aos novos costumes. Lembram-me sempre aquele ditado: “Em Roma, sê Romano.” Seguem muito bem esse lema de vida. Lá fora, fazem o que fazem os outros e não quer dizer que, com isso, se desnacionalizam. Vivem em duas culturas, que misturam habilmente. Para mim a essência da emigração está nesta arte, muito bem conseguida pelos nossos compatriotas. Em regra, acompanham o que se passa em Portugal e valorizam-.no mais do que quem está dentro do país, o que é natural – para nós Portugal é como ar que se respira, para eles converte-se naquele terra dos seus sonhos, onde querem e não podem estar. Mas, por outro lado, se a vida corre bem, as pessoas sentem-se também do outro país, que aprendem a amar., Dou o exemplo da Argentina, de que se fala pouco, porque é longe e é um destino antigo – um óptimo destino, porque os argentinos prezam muito a herança europeia e gostam dos europeus todos por igual., o que os faz um Povo muito cosmopolita E, por isso, os Portugueses têm aí mais facilidade de se afirmarem como portugueses, de assumirem com orgulho a sua qualidade de emigrantes, De emigrantes felizes.

1. Houve picos emigratórios, como o de 60/ 70 ou o de agora. Mas sempre tivemos emigrantes, não concorda?

R: Sim, inteiramente. E é exacto que entre estas duas vagas houve um período em que a emigração decresceu muito, mas mesmo quando supúnhamos que era um capítulo encerrado, nunca o foi. Sempre achei que a movimentação de portugueses continuava de uma forma discreta, ao abrigo da livre circulação na Europa. Havia e haverá emigração enquanto forem substanciais os desníveis nos salários oferecidos lá fora. Muitos dos que saiam nos anos 80, por períodos relativamente curtos, não saíam por estarem desempregados. Iam ganhar mais dinheiro. Evidentemente que nunca podemos dizer “era assim para toda a gente”. Mas era, com certeza, assim para a maioria dos que procuravam o Médio Oriente, o Iraque, Israel, novos destinos de que se falou muito. Uma emigração temporária, de altos salários. Agora há realmente um recrudescimento das partidas, estamos num novo tempo de autêntico êxodo, embora os governos o tenham tentado negar, numa fase inicial. Continuavam o discurso oficial ufanista e pretencioso, que foi o de Portugal, no começo da década de 90 -o Portugal da CEE, que rapidamente deixara de ser um país de emigração para ser um país de imigração...E, em simultâneo, criava-se a imagem dos Portugueses expatriados, como " empresários de sucesso" (o que uns eram e outros não...). Como supostamente já não havia emigração, as políticas de apoio aos emigrantes também podiam acabar, já não eram precisas” – coisa imprudente, “tola”, porque um país que tem 1/3 da sua população no estrangeiro, é um país de emigração, mesmo sem novas saídas em massa.

Agora há um autêntico êxodo, que não é negado pelo actual Secretário de Estado (felizmente). Ele próprio fala em cerca de 100 a 120 mil por ano - números que, somados os anos que já dura, excedem os dos grandes picos de emigração que tivemos ao longo de uma história de séculos

2. Mas quem são estes emigrantes de agora?

R: Relativamente ao movimento tradicional, há os que são muito mais qualificados - e é sobretudo a imagem deles que se projecta nos media - mas também há os que são mais iguais aos do passado, um passado que está de volta....Estes, os do "salto" dos anos 60, foram, a meu ver, na sua maioria, contra as expectativas, " emigrantes de sucesso", mesmo os que eram operários, empregados no sector dos serviços, pequenos empreendedores., Eduardo Lourenço escreveu, em 1984, um artigo a falar de "uma geração de triunfadores"– a geração do "salto", vinte anos depois .(Eduardo Lourenço é um grande pensador e é, ele próprio, um emigrante, tem a visão realista de quem vive ao lado deles...)

Nesse artigo, que cito de memória, ele concluia que se há coisa que os portugueses não suportam é justamente o sucesso dos emigrantes. Se a Aceitam bem que aventura tenha corrido mal, porque isso corresponde ao que esperavam. Mas constatar os êxitos, é coisa que lhes custa bastante...

Na verdade, aquela gente tão sofrida, conseguiu, numa proporção enorme, aquilo que buscava, fugindo da pobreza. Pode não ser o que o país queria que eles quisessem, mas foi o que eles procuraram - dar educação aos filhos, ter uma vida confortável, fazer a sua casa...Para esses homens e mulheres, pouco qualificados, alguns quase analfabetos, a emigração foi um caminho ascensional. Foi uma ascensão à medida das suas possibilidades, em muitos casos absolutamente fantástica. Por essa altura eu já pensava assim e procurava combater estereótipos que não lhes faziam justiça. Tanto um dos dirigentes do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas (o IAECP) como eu, dissemos que aquela era uma "geração de vencedores" . Fomos criticadíssimos por isso. Mas, passados dois ou três meses, saiu na imprensa nacional o tal artigo do Eduardo Lourenço a dizer fundamentalmente o mesmo. A partir daí, passamos a cita-lo e deixamos de ser alvo de controvérsia. (o mesmo aconteceu em 1983, com a questão então muito quente do retorno, quando na Conferência de Ministros do Conselho da Europa, afirmei que já havia regressos em massa, o que soava a demagogia, mas, no ano seguite, a Profº Manuela Silva publicou um notável trabalho de investigação com números baseados no último censo que me vieram dar razão – ela mostrava que meio milhão já tinha regressado à terra, sem a opinião pública se aperceber). Estavam a chegar cerca de 30 000 ao ano, e partiam apenas cerca de 7/8 mil.

.Compreendo que se duvide da palavra ou da sensibilidade dos políticos e que se acredite nas conclusões dos cientistas. Eu também acredito e sou uma defensora do apoio sistemático a estudos rigorosos em se se possa, com mais segurança, fundar as medidas políticas.

Passando a olhar a emigração de hoje, direi que é, sobretudo, a necessidade, a crise, o desemprego que estão a arrastar os portugueses para o estrangeiro, quer os mais quer os menos qualificados. Todos... A grande sensação é o êxodo dos mais qualificados. É o que mais dá nas vistas. Nos anos 60, aconteceu o mesmo com a emigração para a Europa: era o facto novo! E deixou de se falar da emigração transoceânica, que prosseguia, até para destinos inéditos, como a Venezuela e o Canadá, mas também para os EUA, para a África do Sul, para a Austrália....

Foram 800 mil, ou mais, para a França, dezenas de milhares para a Alemanha, Luxemburgo, Reino Unido e outros países do nosso continente – no conjunto, cerca de um milhão e meio de pessoas, mas para fora da Europa, exactamente na mesma altura os números de partidas não muito inferiores....

E agora é a mesma coisa. Salienta-se só a emigração qualificada e esquece-se a outra. De facto, partem todos os que podem partir. Há apenas uma componente de emigração nova, dentro da nova emigração....

3. E os motivos são os mesmos, actualmente?

R: O motivo principal é, sem dúvida, o mesmo de sempre, a procura de trabalho, com uma remuneração mais justa. Haverá alguns que partem pelo gosto da aventura, de conhecer novas terras. Há os bolseiros, que poderão regressar ou não. Haverá hoje uma maior diversidade de situações. Mas com o desemprego jovem que temos, o desemprego de profissionais qualificados, acho que não podemos deixar de concluir que a maioria das pessoas vai porque efectivamente desesperou de encontrar o seu lugar na sua terra...

Quando olho os jovens licenciados tenho a tentação de comparar a sua situação com a minha, como bolseira da Fundação Gulbenkian em França. Tinha vinte e tal anos, preparava uma pós-graduação em Paris. Vivi na Cidade Universitária, em Paris, primeiro na Casa de Portugal, depois na da Argentina, entre 1968 e 1970. Fiz muitos amigos das várias nacionalidades, particularmente argentinos. Foi com imensa pena que tive de regressar... Penso que o mesmo pode acontecer com os jovens desta nova vaga. Talvez tendam a conviver mais com colegas estrangeiros do que com portugueses... Isso tem pouco a ver com o passado, possivelmente em prejuízo do movimento associativo português. As associações portuguesas formam um espaço extra territorial nosso, espantoso, comovente. Mas não sei se conseguirão atrair esta nova vaga de jovens, que falam várias línguas, que sabem ao que vão, que se integram rapidamente nos meios de estudo ou de trabalho. E a nova emigração que se assemelha mais à antiga tenderá a procurar essas redes associativas? Estarão elas dispostas a ajudá-los, como sempre foi sua vocação? A ver vamos...

Outra mudança importante é a do papel das mulheres neste processo - o que tem a ver com a prévia mudança da situação da mulher na nossa sociedade - que lhes dá mais liberdade, mais formação académica e profissional, e autonomia para tomar decisões - neste caso, a decisão de emigrar. Sozinha, independentemente da família. Julgo que isso se verificará sobretudo ao nível das mulheres mais qualificadas. Eu digo “julgo” porque enquanto não houver estudos concretos, esta é apenas uma opinião.

As mulheres há muito que são quase metade das nossas comunidades do estrangeiro, mas partiam com os maridos ou esperavam a sua chamada. Numa Europa de livre circulação, isso tornou-se mais fácil. As famílias reunificaram-se na emigração.

Uma problemática que gostaria de abordar é a de mulheres e homens que o desemprego obriga a sair para desempenharem tarefas que não aceitariam na sua terra... Conheço mulheres com cursos universitários a lavar escadas ou a cozinhar em pequenos restaurantes. Não há nada de mal nisso, mas como reagirão se a situação se prolongar indefinidamente? Se não vierem a encontrar forma de exercer a profissão para que se prepararam? Também estas situações se podem considerar novas - e no pior sentido...

4. Essa é aliás, uma questão curiosa. Há muita gente que em Portugal se recusa a fazer determinados trabalhos mas depois de emigrar faz esses mesmos trabalhos lá fora. Porquê?

R: É uma coisa perfeitamente natural. Aqui as pessoas conhecem-se e há sempre um certo retraimento. Lá fora, ninguém sabe quem são, é mais fácil fazerem qualquer tipo de trabalho. E não deve haver preconceito a esse respeito. Todo o tipo de trabalho que é honesto é um bom trabalho. Mas não se tira um curso para nunca mais o poder exercer. Permanecer por muito tempo sem acesso à valorização profissional só pode causar frustração... Não é o mesmo que uma fase passageira, que se encara como uma experiência. que até pode ser interessante.

Uma das coisas que eu gostava de ter feito na vida, embora nunca tenha tido a oportunidade, era ser empregada de um pequeno café. Acho que deve ser uma coisa muito divertida – sempre em movimento, a servir bebidas e comidas. Uma das minhas amigas dos tempos de Paris dizia que eu deveria ser “maluca”e não sabia do que falava -para ela era um ocupação penosa, cansativa...Mas mais tarde, uma outra amiga, que foi assessora de um dos meus gabinetes, contou-me que gostou imenso de ser empregada de um café em Londres - durante uns meses de férias...

5 -

R: Esta é uma discussão de terminologia que vem de longe e continua actual. E que até se reflectiu na designação da Secretaria de Estado. Vejamos, foi Secretaria de Estado da Emigração até 1980. Em 1980, com o Dr. Francisco Sá Carneiro (no primeiro governo ao qual pertenci nesta pasta), passou a ser a Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas. Fazia

sentido para um governo que distinguia políticas de emigração (mais centradas nas questões sociais e laborais) e políticas para as comunidades portuguesas, ou para a Diáspora, com o objectivo principal de manter os laços culturais e afectivos – e era aliás neste capítulo que estava prevista a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), com órgão representativo do movimento associativo de todo o mundo..

Mas a ideia de criar um movimento mundial dos portugueses é anterior e deve-se ao professor Adriano Moreira, um dos políticos portugueses que mais admiro. Ele era Presidente da Sociedade de Geografia e foi nessa qualidade que organizou dois grandes congresso mundiais na década de 60

E desses Congressos nasceu a União das Comunidades Portuguesas e a Academia Internacional da Língua Portuguesa. Infelizmente, por razões de política interna, com a chegada de Marcello Caetano ao poder, o movimento perdeu-se. E não foi retomado, porque o CCP, apesar de ser uma importante instituição, com representantes de todos os continentes, não é a mesma coisa - é um órgão consultivo do Governo.

Bem, deixe-me regressar ao que me perguntou concretamente, à palavra “emigração”: o termo técnico é mesmo emigração. Eu sei que há quem lhe dê uma conotação negativa e muitos emigrantes preferem a expressão "portugueses residentes no estrangeiro", Compreendo-os se com isso chamam a atenção para a questão da igualdade com os demais cidadãos. Mas acho que ser emigrante nunca é negativo. pelo contrário. E não deve ser conotado com o estatuto social ou profissional, com a boa ou má fortuna. Há de tudo na emigração!

O meu Avô materno foi emigrante no Brasil. E a minha Mãe, como o Avô era um "empresário de sucesso", diz sempre que ele não era emigrante. Eu acho que sim . Era rico, era culto, era feliz, mas era emigrante e portanto eu chamo-lhe sempre, com orgulho, o meu “Avô Emigrante”.

Deve, sim, retirar-se a carga negativa do termo, porque ser emigrante é sinónimo de coragem de inconformismo, tudo coisas boas. Mesmo quando não corre pelo melhor torna as pessoas diferentes, dá-lhes mundo

Mas a verdade é que o termo “emigrante” parece significar ruptura, distância. O próprio Dr.Francisco Sá Carneiro falava sempre de Portugueses do estrangeiro, no sentido afectivo e no sentido jurídico: portugueses com os mesmos direitos, onde quer que vivam.

6. Relativamente ao regresso. Qual é que acha que é o pensamento da maioria dos

que partem hoje, relativamente ao regresso a Portugal?

R: Pura futurologia…. Nós não sabemos como esta emigração vai acabar. Vejamos, os emigrantes, na interminável história que conhecemos, sempre quiseram voltar. . Só que o projeto atravessa muitas fases, é uma dinâmica, uma adaptação a circunstâncias, muda, reconverte-se... Há os filhos, os filhos já nascem cidadãos do outro país..., Gostam de Portugal nas férias, mas não para viver Também as mulheres ganham um estatuto no estrangeiro que receiam perder regressando a Portugal – um estatuto económico, conseguido pelo trabalho remunerado, um estatuto de igualdade social

conseguido em sociedades mais igualitárias, idem até ao círculo familiar, numa família

mais moderna, no que respeita a relacionamento de marido e mulher, de pais e filhos. Não é mera constatação minha. Está estudado, provado e comprovado. É mais fácil ir da aldeia para a grande cidade do que regressar da cidade à aldeia...( Portugal significa, por isso mesmo, um retrocesso, uma ameaça a direitos conquistados - as mentalidades cá são diferentes... As mulheres habituam-se a andar à vontade e aqui, numa aldeia, toda a gente olha para a maneira como se vestem ou como se comportam... estranham, criticam…

É imprevisível tudo aquilo que vai acontecer, sobretudo com os mais jovens. Podemos imaginar que tendo melhores qualificações conseguem um melhor emprego, uma

melhor carreira, sobretudo no domínio científico, em determinados nichos ou sectores de vanguarda. Podem não ter lugar equivalente entre nós, ou, simplesmente, sentirem-se felizes e realizados lá fora....Serão também condicionados pela situação interna em Portugal pelo facto de se agravar ou atenuar a crise que parece não ter fim…

Atualmente as pessoas já não pensam apenas em construir a casa em comprar terras, como acontecia na vaga anterior. Haverá alguns, mas os projectos são mais individualizados, multifacetados.

Há jovens engenheiros, professores universitários, médicos, a quem oferecem altas remunerações, na África, no Médio Oriente, no Brasil. Vão sentir-se em casa em qualquer parte do mundo. Mas, sei lá, talvez a saudade, a família os traga de volta. No ciclo anterior, dominado pela imagem da Europa próxima esperava-se um regresso certo e rápido. Mas o que aconteceu foi o alongamento das estadias, a tornar as comunidades europeias mais semelhantes às transoceânicas

E, quando ultrapassavam os 15, 30 anos, o regresso estava comprometido… Para muitos reformados, era o Sistema Nacional de Saúde, que funcionava como dissuasor.

O quadro nacional que nós temos diante dos olhos é muito mau, para muitos anos, ao que parece. Será isso mais um forte factor de dissuasão?

Claro que há destinos aparentemente mais temporários do que outros – o caso de. Angola, dos que ali têm contratos de colaboração para a execução de uma determinada obra, levada a cabo por uma empresa portuguesa, por exemplo. Angola é um país do qual vem grande volume de remessas, precisamente porque não é ainda uma emigração de fixação. Mas pode vir a ser, se lhes forem abertas oportunidades, se casarem por lá.

7 -

Quanto a vantagens e a desvantagens, para Portugal, qual é o seu ponto de vista relativamente à emigração?

R: Para Portugal a primeira vantagem é denunciada pelo próprio discurso do

governo. Quando manda emigrar (discurso praticamente inédito entre nós…) é certamente porque quer resolver, no imediato, o problema do desemprego. A primeira vantagem é essa – aliviar a pressão social e económica do desemprego galopante.

Depois, há vantagem do envio de remessas, porque de alguns países elas vêm, abundantemente…. Acho que o primeiro país continua a ser a França.

As remessas dependem mais do que da confiança no futuro do País, da composição da emigração. Se falamos de pessoas que têm a família carente em Portugal, provavelmente vão enviar-lhe ajudas.. Se falamos de jovens que só precisam de ganhar a sua vida, que não precisam de ajudar os pais ou outros familiares, em princípio farão o contrário… Caso acabem por se fixar é natural que invistam lá onde estão.

A emigração foi sempre olhada, sobretudo de um ponto de vista económico, material, como uma útil e fácil fonte de receitas. Apesar do recente aumento de remessas esse movimento pode diminuir, mesmo que não diminua a emigração. Depende, como disse, das suas motivações e perspectivas económicas, da maior ou menor integração… e também da capacidade do País para atrair os seus investimentos ou poupanças. Portugal já teve políticas eficazes de captação de poupanças de emigrantes – apoios vários, taxas de juros bonificadas, etc. Tem descurado este aspecto, os incentivos hoje são menores…

Mas há outras vantagens que não se traduzem directamente em números ou cifrões

Por exemplo, as qualificações obtidas pelos portugueses, a imagem que eles dão do seu País - em domínios como o empresarial, cultural, académico, o desporto e até em noutros mais inesperados, como o da política. Veja-se a França, onde tantos autarcas afirmam a sua origem portuguesa

É extraordinário o facto desses portugueses, ou descendentes de portugueses, não se terem deixado assimilar em países europeus, onde a tendência à assimilação é muito maior do que nos países novos das Américas.

Há vinte anos eu não estava nada optimista a este respeito! Foi uma excelente surpresa. Esperemos outras....

Quanto a desvantagens para Portugal, são muito óbvias - qualificar pessoas para deixar que outros as aproveitem… perder “cérebros” de uma forma assustadora… A questão demográfica, a pirâmide etária,… Já somos dos países com menor taxa de natalidade, neste momento. Por isso, do ponto de vista demográfico, o recomeço da emigração e o decréscimo da imigração constituem uma tragédia…

IP - Para quem parte, quais são as vantagens e as desvantagens?

MMA - A grande desvantagem é a separação, a perda da vivência da família, dos amigos, das coisas boas do País... Claro que, agora, já há skype, internet , aviões low-cost - a separação tem um significado bem diverso de antigamente. Encurtaram-se as distância, o mundo tornou-se mais pequeno, com as ligações mais fáceis, com a informação omnipresente... Mas mesmo assim a ausência pesa...

E o processo migratório pode correr mal - discriminações, inadaptação... Mas tem sido mais frequente correr bem ou muito bem, pelo menos no longo prazo.

Na hora do balanço de um dos processos mais dramáticos da nossa história, como foi o do "salto", Eduardo Lourenço pode falar dos emigrantes dessa época como "triunfadores"., Será mais difícil para os de hoje, por terem outras expectativas, outra exigência, ainda que as condições da saída não sejam tão dramáticas?





Inês: Lembro-me de tudo o que as pessoas passavam para emigrar, da forma como o faziam, tal qual contam os livros e a história que estudámos. As pessoas emigravam a salto” e quantas morriam pelo caminho. Muita coisa mudou desde então...

R Sim, quando estive na Secretaria de Estado da Emigração já vivíamos em democracia, com as fronteiras abertas - ao menos as nossas. E essa emigração histórica já há muito deixara os "biddonvilles". Muitos já estavam de volta, ou a preparar o regresso ou bem integrados lá fora

O que mais me preocupava era a falta de conhecimento dos casos em que isso não acontecia, a dificuldade de passar a informação...Procurei incentivar a investigação, a recolha de dados, a publicação de teses sobre emigração. Criamos um Centro de Estudos, um Fundo documental e Iconográfico das Comunidades, mas isso não teve depois continuação, com é de regra em Portugal. De governo em governo muito se perde, se rompe, se recomeça, em todos os domínios, não só neste.

A ideia dessas publicações era basear as nossas políticas de emigração em conhecimentos científicos. Era fazer com que a administração pública não saiba sempre menos que os jornalistas - que têm sabido bem melhor detectar casos de injustiça e exploração, novas formas de escravatura. Excepções à regra, mas nem por isso menos chocantes!

. Felizmente, o actual Secretário de Estado está a promover de novo a investigação sobretudo através de protocolos com universidade de norte a sul do País. É muito importante para prevenir situações dramáticas, para dar orientações, para rentabilizar os meios de apoio, que são escassos.

8. Seria possível, a seu ver, alguma vez Portugal viver sem emigração?

R: Portugal foi sempre um país de emigração. Desde a era de expansão, colonização de territórios da Coroa ao tempo do fenómeno puramente emigratório, vivido num encadeamento de ciclos interminável. A uma das colectâneas que publiquei sobre intervenções neste campo, dei o título “Portugal – o país das migrações sem fim”. Em 1999 era um título provocatório, porque estava no auge o discurso do fim das migrações portuguesas, que já referi....Acho que o título permanece actual, A vida portuguesa ainda é indissociável do fenómeno emigratório.

Em parte, fruto da história. Se Portugal não se tivesse expandido pelo mundo, com a sua gente, éramos uma pequena província na Península ou, um insignificante país da Europa, com uma língua falada apenas por dez milhões, Um país sem mundo, sem interesse, sem história...

Tudo o que nos deu projecção foi a emigração, nomeadamente a emigração para os países lusófonos,..., A eles se deve a língua falado hoje por mais de 200 milhões de pessoas, uma. Língua em expansão. O Português é uma língua em grande expansão. Os portugueses são que estão na sua origem, não o Estado Português. Eles saíram sempre em número superior ao que o Estado considerava útil e adequado e com isso alimentaram a lusofonia....

. Somos um país com muito mais mar do que terra, com mais gente do que a que vive dentro de fronteiras.... Assim saibamos explorar esse mar. E aproveitar a força das pessoas, do movimento associativo, da diáspora...

. Sá Carneiro, que era um político fascinante, dizia isto mais ou menos que eu estou a repetir: “Se Portugal fosse apenas o seu território europeu era um país sem interesse para a Europa ou para o Mundo”. Dizia também, nesta mesma linha, "Portugal é muito mais uma cultura do que uma organização rígida”,

Cultura que se expande nas comunidades da emigração... Quero acreditar que os jovens de hoje vão continuar esta realidade nacional tão antiga. E que o interesse em Portugal seja despertado entre os descendentes dos emigrantes, com políticas inteligentes...Há que saber recupera-los para o mundo da lusofonia ou da luso filia – a redescoberta de Portugal é uma coisa que pode acontecer a qualquer momento em relação a poucos ou muitos,. Portugal não tem tido políticas culturais, ativas, "agressivas", como a Espanha e outros países europeus. Podemos mesmo ganhar para o nosso espaço cultural pessoas que não são portuguesas mas que têm uma ligação afectiva a Portugal (Por exemplo: quando fui ao Japão ver o jogo em que o FCP se sagrou campeão mundial de futebol em 2004, havia inúmeros japoneses vestidos de azul e branco. Porque os portugueses fazem parte da história do Japão, introduziram as arma de fogo no Japão sem nunca terem apontado uma arma a um Japonês. Lá ainda não nos esqueceram...

9. Qual é a sua opinião sobre a Imigração, em Portugal?

R: Aquilo que penso dos portugueses, ou melhor, aquilo que eu quero para os

Portugueses no estrangeiro quero também para os estrangeiros em Portugal. Sei que as pessoas olham para mim como uma pessoa estranha mas... (pausa) Sabe, uma vez estava nos arredores de Paris, justamente no meio dos portugueses e franceses, a fazer um apelo à participação política nas autárquicas, -uma organização da Federação de associações portuguesas e uma francesa, quando me estava a ouvir, disse-me: “Ah, mas é estranho porque o seu partido – o PSD – é um partido de centro direita (apesar de eu não ser de centro direita) e o seu discurso está a parecer-me de esquerda!” E realmente o meu discurso de emigração tem mais de esquerda do que de direita europeia (embora isto de direita e esquerda seja sempre coisa muito relativa)...

Os últimos projectos que eu apresentei na Assembleia da República foram votados pelo Bloco de Esquerda, por exemplo. Só estou a falar de políticas de emigração, note-se. Não de política geral - de contrário, mudava de partido.... (É sempre muito mais agradável pertencer a um partido que não está no poder nem tem vocação de poder…). Quanto à Imigração/ Emigração e quanto aos direitos das mulheres, sim, realmente estou à esquerda , se ser pelo voto dos imigrantes, pela sua plena cidadania implica ser de esquerda... Posso dizer que a grande causa da minha vida foi o aprofundamento do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, a concessão de reciprocidade aos brasileiros face aos direitos que a Constituição brasileira de 1988 concedeu aos portugueses. É um tratado singular, uma admirável invenção dos brasileiros, um reconhecimento da grande comunidade portuguesa que lá habita....

Os portugueses, mesmo sem aquisição de nacionalidade, ou seja, mantendo-se em exclusivo portugueses, adquirem todos os direitos dos Brasileiros. Podem ser deputados, ministros, juízes dos tribunais superiores.

Isto no Brasil aceitou-se e pratica-se “como quem bebe um copo de água”!

Foi votado por unanimidade e sem polémica de espécie alguma!

Mas exigia a reciprocidade. Portugal demorou 13 anos a tomar decisão semelhante.

Eu apresentei a necessária emenda, sucessivamente, em três processos de revisão constitucional, sem conseguir os 2/3 de votos requeridos.

Finalmente, à 4ª vez, em 2001 a alteração constitucional passou, quase por unanimidade... (foi uma pena porque teria sido ideal consagra-la no ano comemorativo de 2000 e eu bem tentei, com o apoio do Dr. Mário Soares, e de colegas dos vários partidos

Na 1ª tentativa, PS e PSD estavam contra, mas a partir da 2ª tentativa já só o PS votava contra, acho que por influência do Dr. Almeida Santos. Mário Soares, Manuel Alegre e muitos outros dirigentes socialistas eram entusiasticamente a favor.

Foi um processo muito complicado e só Mário Soares conseguiu em 2001 "forçar" o PS a dar o seu acordo à reciprocidade, Decisivo foi também Durão Barroso, que levou o PSD a incluir esta emenda numa revisão Constitucional extraordinária muito restrita nos temas que abrangeu.

Na nossa Constituição, este estatuto de igualdade está aberto a todos os países lusófonos, sob condição de reciprocidade. É o que falta ainda em todos, exceptuando, evidentemente, o Brasil. Já viu o que era os portugueses serem considerados angolanos em Angola, moçambicanos em Moçambique - e o mesmo em todos os outros países da CPLP? (ao fim de um prazo mínimo de residência legal, prazo que no Brasil e em Portugal é de 3 anos)

É um Tratado assombroso e do qual se fala muito pouco. É verdadeiramente único em Direito comparado! Um paradigma de fraternidade transnacional, que vai muito além da chamada cidadania europeia, acordada na UE. É fazer dos emigrantes cidadãos nacionais, sem os desnacionalizar no Estado de origem

sexta-feira, 1 de março de 2013

MULHERES EM MOVIMENTOI Porto 2013

Feminism is the radical notion that women are people

1 - UMA FAMÍLIA ESTIMULANTE

Sou feminista desde que me lembro de ter opiniões sobre o assunto...
Comecei cedo, com 5 ou 6 anos, e para isso muito contribuiram as Avós, especialmente a Avó materna Maria (Aguiar), uma verdadeira matriarca, que ficou viúva, com 7 filhos, aos 36 anos e se tornou líder não só na sua casa, como na sua terra. Pertencia à Obra das Mães, às organizações da paróquia, às associações culturais. Era uma senhora muito bonita, muito inteligente e muito conservadora. Em nome das boas maneiras e do recato feminino, que tanto prezava, apesar da sua respeitável proeminência, dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos eléctricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu sabia que gozava do estatuto de neta favorita e gostava imenso da Avó, mas não seguia esses seus conselhos.
O plural: "as meninas", levava-me a reagir. Achava que devia mostrar que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso" e partia para o demonstrar no dia a dia. Era, pois, uma feminista praticante, com uma emergente consciência da existência das questões de género ...
Curiosamente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram fãs das minhas proezas desportivas, tanto como das escolares. Sempre me incentivaram a estudar e preparar o futuro profissional. Nunca o
paradigma da "dona de casa" esteve nos meus horizontes, ou nos seus. Pelo contrário: punham em mim, a meu ver, excessivas expectativas.... E assim, graças a eles,o  meu feminismo esteve "ab initio" na linha de pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não conhecesse sequer o seu nome (como aquele personagem que fazia prosa sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados  - muitos, incluindo numerosos tios e primos, e, mais tarde, os meus professores da
Faculdade de Direito de Coimbra.
Tive uma infância divertida e feliz, numa família unida e convivial, apesar de politicamente dividida. Uma tradição que vinha de trás - houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos (como eram os meus Pais). A política estava bem  presente, em acesas discussões sem fim, mas nunca ninguém se zangava. Consideravam os outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas opiniões. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a quem não pensa.como eu. E, possivelmente, também o gosto pela argumentação, pela entusiástica defesa de pontos de vista, uma sensibilidade a formas de injustiça como as assimetrias regionais, o despertar para um saudável regionalismo nortenho, a par da paixão pelo Porto (e pelo FCP)...
Outra forum de "convívio e debate" determinante foi a escola - dois anos na pública, sete anos de Colégio do Sardão (um internato de religiosas Doroteias), dois anos de Liceu. Costumo comparar o colégio a um quartel elegante, onde prestei uma espécie de "serviço militar obrigatório". Não foi, de facto, uma opção voluntária, mas, com a excelência do ensino e, sobretudo, das estruturas desportivas,  ginásio, campos de jogos, parques e largos espaços de recreio, posso dizer que lá  passei muitos bons momentos. Organizava competições desportivas (incluindo futebol clandestino), dirigia peças de teatro, escrevia crónicas e romances que partilhava com as colegas, dava largas à imaginação e à energia. Uma dessas crónicas, que pretendia fazer humor à custa da instituição, suas regra e poderes constituidos foi apreendida, e quase provocou uma expulsão mesmo nas vésperas do exame do antigo 5º ano. Não seria a primeira da família a passar por isso, mas escapei, suponho que com a interferência do capelão e de algumas das Madres, que me compreendiam e me achavam graça... Mas eu quis mudar para o Liceu Rainha Santa Isabel, no Porto, contra a vontade do Pai, que me vaticinava toda a espécie de retrocessos escolares, que tinham desabado sobre ele, quando depois de 10 anos de Colégio dos Carvalhos se viu "à solta" no Liceu Rodrigues de Freitas. A história não se repetiu, pelo contrário. Bati todos os recordes pessoais no exame de 7º ano e ganhei, pelo bem-amado  Liceu, o prémio nacional.
De qualquer modo, foi no Sardão que vivi a minha primeira batalha política - ou político-sindical. E um "enclausuramento" que me fazia  apreciar mais os fins de semana e as férias de verão em Espinho, como  espaço e tempo de liberdade...
 Frequentava com o Pai o estádio das Antas,  com os Pais e o Avô os cinemas e teatros e, também,  os cafés do Porto, coisa invulgar na época para o sexo feminino, de qualquer idade...

COIMBRA ANOS 60

Em Coimbra, era também à mesa dos café que estudava, que convivia e bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade portuguesa de 60. ..
No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto, que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.
Eu falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada, que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente 2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia ganhando base doutrinal na social-democracia sueca.
O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 - e ainda hoje não está suficientemente...
 Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade. Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a escolhas profissionais assentes  (assistente de um Centro de Estudos Sociais, assessora do Provedor de Justiça).
Sempre sonhei com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me vedada por ser mulher  Queria ser advogada, uma espécie de Perry Mason portuguesa. Era no terreno jurídico que queria competir, não no da política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens. No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há excelentes advogadas e juristas, mas, das 12, na política só eu, e acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se distinguiram em Governos da República - Daniel Proença de Carvalho, Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão... Ou que são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a Política, como Gomes Canotilho ou Manuel Porto, ou com as Letras, como Mário Claudio ou José Carlos Vasconcelos...
Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas, para uma qualquer comissão, cujo nome nem recordo - só sei que dava acesso à direcção da Associação Académica -  perdi num colégio eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das meninas era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e covenci-me de que não estava mesmo nada vocacionada para tais andanças...

3 - A FORÇA DO IMPREVISTO

Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para assistente de sociologia na Universidade Católica que veio da parte de um professor que não conhecia, o Doutor Àlvaro Melo e Sousa ( um amigo comum indicou-lhe o meu nome, na altura em que acabava de regressar de Pari, com uns certificados na matéria). Foi preciso ele insistir, mas acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse facto tornou mais fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo Correia, para a recém.criada Faculdade de Economia em Coimbra da qual ele era o director. Confesso que nem sabia da abertura efectiva dessa Faculdade... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da minha parte. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse na véspera do 25 de Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da Educação do 1ª Governo Provisório e, pouco depois, um novo encontro  com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar Correia, em pleno pátio da universidade, à sombra da torre, levou-me para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali ao lado, na Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu aceitei tão depressa, que ele até  julgou que eu julgava que ele estava a brincar. Não era o caso, era mesmo questão de feitio. Decido assim muitas vezes no que exclusivamente me respeita. E ali e então não havia que pensar duas vezes!...
Guardo boas memórias de todas as passagens pelas funções docentes, mas aquela tinha um significado muito especial - o convite chegava com atraso, mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres estavam barradas do ofício - tinha havido uma, não existia impedimento legal, mas a prática era essa. Entretanto mudara, mas  não me lembro de nenhuma colega - só homens e, quase todos, óptimos colegas, como o Fernado Nogueira ou o Cordeiro Tavares. Dez anos mais novos do que eu, o que me ajudou a rejuvenescer.   Fui assistente de  dois grandes juristas, o Doutor Rui Alarcão e o Doutor Mota Pinto.
 Os tempos agitados são-me geralmente favoráveis - como estudante dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de Coimbra, no pós 25 de Abril.  Há coisas que seriam impensáveis fora de períodos revolucionários, e que fiz, sem oposição de ninguém, como dar aulas "extra muros", aos voluntários do Porto ou aulas práticas, a turmas naturalmente pequenas, no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias, como os peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exactamente como se estivessemos numa daquelas escuras e frias salas de aulas. E, depois, analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de outros quadrantes ideológicos, mas isso não obstava ao ambiente de tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de Direito a salas cheias de "caloiros" simpáticos.  Um dever e um prazer.
E refiro tudo isto, porque julgo que foi esta segunda estada em Coimbra que me abriu as portas da política. Antes de mais, porque reatei, naquele preciso momento da nossa História, o relacionamento próximo com amigos que estavam no centro da fundação de partidos (em particular do PPD)  e da criação de um regime democrático, E, por outro lado, porque descobri que era capaz de comunicar em público - eu, que me considerava fadada apenas para trabalho de gabinete.
Anos mais tarde, ao fazer um levantamento do perfil profissional das mulheres mais activas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local, havia um grande número de professoras. A meu ver, não era coincidência, mas a consequência de uma maior auto-confiança do que a que se consegue em outras funções... No meu caso, não tenho dúvida de que me transformou o suficiente  para admitir a hipótese de enveredar pela exposição nos palcos da política. Que não para a planear...  Na verdade, o convite que o Primeiro Ministro Mota Pinto me dirigiu  para a Secretaria de Estado do Trabalho, uma daquelas que eram vistas como coutada masculina, foi um absoluto imprevisto.  E o Doutor Mota Pinto usou o argumento decisivo: "se recusar, não haverá mulheres no meu Governo". Depois da mera combatividade verbal, era a hora de agir....
Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa num editorial do Expresso, que ainda guardo na pasta de recortes e na memória.
Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima" daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na área mais tradicionalmente feminina da Educação...
Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a influência de máquinas partidárias, algumas já então poderosas. Na minha opinião, foi um governo que se impôs, ganhou credibilidade e, por isso, durou ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram de se entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis, findos os quais voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr José Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à face da terral. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de legendários tios republicanos, com quem nunca tive as conversas que pude ter com ele. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que se faz tão raras vezes na vida.
Até que novo imprevisto sobreveio: em janeiro de 1980, logo depois da posse do VI Governo Constitucional, um telefone do Primeiro Ministro Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me identificada, porque, como afirmou  numa entrevista a Jaime Gama, e era "social-democrata à sueca".( É por isso que, sem ter filiação partidária antes de 80, me considerava PPD "avant la lettre", ou seja,  Sácarneirista desde 1969).
Pelo telefone, Sá Carneiro, foi sintético e breve a marcar um encontro para as 5.00 horas da tarde - audiência para o qual eu parti inquieta,  mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha "condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Grande preocupação... Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas. Sá Carneiro recebeu-me à hora exacta - não cheguei a sentar-me na sala de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro! Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro- Ministro,e esperei anos para o poder tratar assim".
 Mas, tratamento cerimonioso àparte, a conversa tomou o rumo de uma alegre informalidade.
Dei respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me sempre sentir absolutamente à vontade. Parece que havia quem ficasse inibido na sua presença. Eu, pelo visto, ficava eufórica.
O Doutor Sá Carneiro, ele próprio, era, assim, uma esplêndida surpresa.  A outra surpresa veio do pelouro que me propôs:  a emigração, num Ministério onde nunca tinha entrado, o de Negócios Estrangeiros.
No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado, uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM, a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me nessa altura). Ainda a "quota mínima",  tripartida...
A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa,( porque falo da que tem uma estrutura orgânica, uma vida própria, colectiva, imersa na nossa cultura e um futuro que talha com a preservação da herança cultural) foi uma esplêndida descoberta - andava de comunidade distante em comunidade distante, sempre e reencontrar-me em Portugal - um fenómeno por mim insuspeitado de extra-territorialidade da nação. Um mundo associativo espantoso, embora um mundo de homens. Eu era a primeira mulher que junto deles aparecia, como face do governo da Pátria.Se tinha dúvida quanto à reacção que provocaria, logo os receios se desvaneceram  - receberam-me sempre com alegria, com simpatia. Não fiz unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve foram sempre devidos a questões políticas, não a questões de género. Trataram-me tão bem, que me deram o que mais me faltava: um superávide de confiança. Mesmo nas hostes ideologicamente adversárias encontrei quase sempre boa vontade para trabalho conjunto, até no, por vezes, agitado Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidir, desde1981 (era então um forum associativo, de perfil masculino, politicamente dividido entre uma Europa mais contestatária e uma Diáspora transoceânica mais próxima das posições do governo´).
Na verdade, acredito que ser mulher tornou bem mais fácil a minha missão. Logo em 82, quem me fez ver isso, de uma forma bem divertida, foi um jornalista de S Diego, o  Paulo Goulart. No fim de uma entrevista, ao almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de quem gostámos: é de si e do João Lima". ( João Lima, antigo Secretário de Estado da Emigração era, então, deputado pelo PS). Fez uma pausa, como quem avalia e compara os seus dois eleitos e acrescentou: "Pensando bem, o João Lima até tem mais valor, porque é homem e socialista".
Achei muita graça à sua franqueza. Na América ser socialista, de facto, assusta e  não dá votos... E também é verdade que, em certas situações, mesmo na vida política ,mesmo em ambientes dominados pelo poder masculino, é uma vantagem ser Mulher... Porque é a "exótica" excepção? Porque há no fundo, um reconhecimento de que as mulheres fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu caso, senti simpatia, adesão e apoio desde o 1º momento, de um sem número de homens influentes e de algumas raras mulheres, que já se faziam ouvir.
Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas experiências - sendo a última aquela em que os Secretrários de Estado passaram a ser considerdos "adjuntos de ministro"... -  o imprevisto estava, de novo, à minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto.  Um convite para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembleia. Aceitei, como aconteceu anteriormente,  não muito segura de me  sair bem na responsabilidade da representação feminina... Fui, assim, a 1ª Mulher a presidir às sessões plenárias do parlamento, à Conferência de líderes, a Delegações parlamentares - ao Japão, para começar...
Após 4 anos nesse cargo que, enquanto não assumido por uma mulher, tinha sido sempre mais discreto, apesar da sua importância protocolar (2ª figura na linha da sucessão do Presidente da República, "en cas de malheur"...) sucedeu-me Leonor Beleza. Mas o País teria ainda de esperar um quarto de século por uma Presidente da AR, escolhida pelo mesmo partido, que é contra as quotas  mas aposta  na alternativa do pioneirismo na abertura de oportunidades ao que eu chamo "mulheres de excepçã"o...
 Só em 1991, me propus, eu própria,  como voluntária, para um lugar que verdadeiramente queria: representante da AR na APCE (Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida fora do que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações internacionais,  a APCE. e a AUEO...). Aí havia menos jogos políticos de bastidores, não se sabia o que era disciplina partidária, era larga a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor recomendações... Presidi à Comissão das Migrações à Subcomissão da Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas.  Defendi a dupla nacinalidade, o estatuto dos expatriados, a não expulsão de imigrantes, o reagrupamento familiar, insurgi-me contra a guerra do Iraque, denunciei a discriminação de género  no desporto... Acabei a presidir, entre 2002 e 2005,  à própria delegação Portuguesa à APCE e á Assembleia da UEO.
Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois, à vereação da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes e por o enfoque no movimento feminista e republicano. Não que eu seja republicana hoje, mas tenho a ecrteza que o teria sido em 1910, na companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de Castro Osório ou Adelaide Cabete. E feminista sou-o no sentido preciso que lhe davam as nossas sufragistas.
Também nunca tive complexos de inferioridade por prenche, eventualmente,r um espaço aberto pela "quota" , mais ou menos larvada. No meu caso, nunca explicita, nem mesmo no cargo de VP da AR e sempre rejeitada como tal pelos opositores das quotas do meu partido.  Quando eu dizia: "escolheram-me para  Vice-Presidente da AR, porque queriam uma Mulher" (o que para mim era evidente, estava certo e só pecava por ser decisão tardia), respondiam-me:
"Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"
O meu mérito não era coisa que eu fosse discutir!... Discutia, sim, o mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando, porventura, errando. Mas erros de "casting" não faltam também, e são muito mais comuns, no caso de políticos promovidos pelas máquinas partidárias, à maneira tradicional.

PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS

Com este tema recorrente, vou terminar a minha intervenção longa....
Quando há avaliações objectivas dos candidatos, o sistema de quotas é gritantemente inaceitável! No acesso às universidades, por exemplo, são escolhidos os melhores alunos, os que têm melhores notas. Por sinal, são mulheres, mas aí, se não fossem, não seria justo nem legítimo intervir .
A falta de educação, de formação seria, de resto, o único fundamento de uma desigual participação feminina na vida pública. Onde a situação é de igualdade ou supremacia, a ausência das mulheres num domínio como o da intervenção cívica, da política, impõe uma  presunção de discriminação. A  Lei da Paridade torna essa presunção inilidível  e, a meu ver, é com base nela que determina uma quota mínima em função do género.
A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprovar a presunção onde quer que o sistema seja praticado de boa fé e com honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul, onde chegou com atraso. E Portugal não é excepção. As quotas vieram garantir novos patamares de equilíbrio de género, com aparente valorização do todo!
Mas é da maior importância que a aplicação da Lei da Paridade seja objecto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos (artº 8º)
. Estranho que 7 anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação de cumprir o preceituado no artº 8º ande esquecida. Onde estão os estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das autarquias locais?   Sobre a sua actuação concreta?
Estranho, ou talvez não... porque as questões de género continuam descentradas da agenda política em Portugal.
Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo (à Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, que terá condições ideais para o levar a cabo um estudo conclusivo) e ao Parlamento, seja para eventualmente poder o legislador pensar alterações à lei nº 3/2006, com vista a "mais paridade", ou a dar mais visibilidade ao percurso que as mulheres vêm fazendo no caminho aberto pela Lei, contra regras não escritas e práticas discriminatórias vigentes nos aparelhos partidários.

E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo dizer que não a li num livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há muitos anos, inscrita numa placa de um automóvel que atravessava o centro de Boston, num dia de sol:

FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE


Maria Manuela Aguiar




terça-feira, 6 de novembro de 2012

O Encontro Mundial de Mulheres da Diáspora, organizado pela “Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade Mulher Migrante” em fins de 2011, foi não apenas um acontecimento que trouxe novas reflexões e perspectivas sobre as migrações portuguesas, mas também um recomeço de trabalho por uma causa que nos une "num mundo sem fronteiras" - a da cidadania assumida pelas mulheres migrantes, como membros de pleno direito de duas comunidades nacionais. O reconhecimento não só de um do estatuto jurídico, que é, muitas vezes, o mais fácil de obter, mas da necessidade da criação de condições para a sua facticidade, para a assunção de direitos e deveres em concretos e sua vivência, à medida da vontade e das capacidades de cada pessoa uma - é ainda um caminho a fazer.

A diversidade de situações é inegável, influenciada por factores individuais, mas também societais. E destes decorre para o Estado a obrigação de activa intervenção, que é, na nossa ordem jurídica, uma exigência constitucional que, porém não constitui exclusivo dos poderes públicos, antes é partilhada pela sociedade civil. É a consciência dessa obrigação que nos move, que nos leva a uma colaboração de mais de duas décadas, ininterrupta e estreita com os governos constitucionais, independentemente do seu quadrante ideológico – porque esta não é uma questão partidária, mas uma questão nacional – ou universal, e temos, por isso, neste domínio das políticas de género para a emigração um percurso singular. Que igualmente nos leva ao contacto com outras ONG’s dentro e fora do País, com especialistas de centros de investigação, como com escolas secundárias ou universidades seniores, com municípios. Com mulheres e homens que querem construir comunidades mais igualitárias e mais justas.
Esta publicação pretende mostrar como o levamos a efeito ao longo do ano de 2012., através de uma Associação que crescentemente vem reforçado a sua vocação para os estudos de género, sempre na perspectiva da acção concreta – da cooperação e da solidariedade.
Vamos olhar um mundo, feito de sonhos e de obras de muitas Mulheres Portuguesas, nas páginas de uma revista.







segunda-feira, 8 de outubro de 2012


18 15 de JUNHO DE 2012
LUSO ELEITOS
A intervenção de portugueses e luso descendentes na vida política além-fronteiras, tem vindo a aumentar e a adquirir uma importância cada vez mais relevante.
Nos dias 24 e 25 de Junho a sociedade portuguesa vai poder conhecê-los no I Encontro a realizar em Cascais, um evento organizado pelo jornal O Emigrante/
Mundo Português com o apoio da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Até lá, todas as semanas, nesta página, damos a conhecer eleitos
de origem portuguesa que podem ser um importante elo de união entre Portugal e os países onde residem e exercem os seus cargos políticos.
Neta de emigrantes oriundos da ilha de S. Miguel, Açores, Maria Teresa Paiva Weed foi eleita pela primeira vez para o Senado de Rhode Island em 1992. Em 2009 entrou para a história política de Rhode Island ao ser a primeira mulher a presidir ao Senado local. Já em 2004 tinha feito história ao ser a primeira mulher a liderar a maioria naquele organismo legislativo… Ana Grácio Pinto
MARIA TERESA PAIVA WEED é senadora nos Estados Unidos Luso descendente é a primeira mulher a presidir o Senado de Rhode Island Maria Teresa Paiva Weed integra há 20 anos o Senado de uma dos estados norte-americanos com maior presença de portugueses: Rhode Island. A
democrata representa o Distrito 13, que compreende as cidades de Newport e Jamestown,
a parte mais turística do estado.
A luso descendente foi eleita pelos seus pares, em Janeiro de 2009, para a função de Presidente do Senado de Rhode Island. Ao fazê-lo, tornou-se na primeira mulher na história de Rhode Island
a ocupar esse cargo, mas já anteriormente tinha feito história: nos cinco anos anteriores,
Teresa Paiva Weed serviu como líder da maioria naquele Senado.
 De 1997 até 2000, serviucomo presidente da Comissão do Poder Judiciário, tendo sido também a primeira mulher eleita para ocupar este cargo.
De 2000 a 2002, atuou como vice-presidente da Subcomissão das Finanças para a segurança pública e o ambiente e entre 2002 e 2004 foi Vice-presidente da Comissão de Finanças. Antes de sua eleição para o Senado, Teresa Paiva Weed foi presidente da Comissão de Habitação em
Newport. É membro do Comité do Partido Democrata da cidade de Newport desde 1988.
Licenciada em Direito, a senadora confessou que entrou na política por acreditar que “poderia fazer a diferença”.
“Adoro todo o que tenha a ver com governação”, recordou em novembro de 2011 a este jornal, à margem de um encontro de políticos de ascendência portuguesa que reuniu cerca de 80 participantes em National Harbor, Estados Unidos.
Sobre a sua ascendência, diz que “a comunidade portuguesa é parte do que sou”.
“A comunidade portuguesa de Newport teve um papel mais importante na formação daquilo que eu sou, do que propriamente na minha eleição para o Senado do estado. Frequentei a escola portuguesa e a paróquia portuguesa em Newport e ainda participo nas celebrações tradicionais
da minha paróquia portuguesa”, sublinhou.
A senadora refere que os portugueses no estado de Rhode Island compõem “uma comunidade vibrante” que na cidade de Newport, “é um pouco mais antiga do que no resto do estado”.
A ligação a essa comunidade levou-a a envolver-se na criação da Portuguese American Scholarship Foundation, que atribui bolsas de estudo a luso americanos, tendo contribuído no lançamento da
base jurídica da instituição. E não esconde o “orgulho” e ter a seu lado no Senado, representantes políticos de origem portuguesa como o senador Daniel da Ponte e o deputado Hélio Mello, “e em
posições de liderança”. “É também um orgulho vê-los atuar junto da comunidade portuguesa, que nos tem dado o seu apoio. É muito importante trabalharmos juntos, porque podemos promover-
-nos uns aos outros e apoiar mais à comunidade como um todo”, sublinhou

domingo, 16 de setembro de 2012

Sobre a importância da Educação das M- (Autores portugueses)

Luís António Verney (sec XVIII)

Pelo que fora a capacidade é loucura pensar que as M- tenham menos do que os H-
se as M- se aplicassem aos estudos como os H- então veríamos quem reinava...

Gertrudes Margarida de Jesus (1711-1793)
Apologética em favor  e defesa das M-

(em Verney e outros a educação vista como útil tanto à M- como à família - objectivo
exterior . como educadoras (exemplo das que viviam em conventos, estudiosas, eruditas Rousseau dizia mesmo q toda a educ da M- deve ter o H- como ponto de referência -  M- talhada para a obediência, natural modéstia...)

Antº Coimbra M
artins: "Os A. do se XVIII, em que se formou a celebrada Alcipe, discordam da opinião de d F M de melo, segundo o qual a m- só deve brilhar reflectindo as luzes do marido. Tinham a ideia de que a instrução criaria adeptos da nova ordem política."

Dom Antº da Costa
"Quereis a liberdade consubstanciada no sangue nacional? (...) Universalizai a instrução.A questão da instrução pública não é uma questão de partido, é uma questão nac é uma questão de vida ou de morte para o futuro da nossa terra"
/advoga generalização do ensino para todos  e prevê penalidades para o desrespeito da lei(1859)- não a levou a cabo no seu governo q durou 2 meses... A obrig ficou letra morta
segundo ele: Ensino primário obrigatório está recebido na Europa como um dogma.
Previa 2 graus - elementar e complementar


Herculano, Quental, Garrett atacam os Absolutistas e a falta de política de instrução
...Só a instrução dá ao H- a consciência dos seus direitos e pode derrubar governos opressivos
(segundo Ana Costa inst vista como "remédio milagroso"...)
Na mesma linha, Oliveira Martins: A ignorância geral é a consequência mais dolorosa q deixaram de si  3 sec de obscurantismo, q sucederam às descobertas"

Herculano: "Nós carecemos mais de illustrar o povo do que de fazer sábios"
Lebertação do povo da sua situação de ignorância.
para além da consciência dos seus ofícios, terem consciência dos seus direitos

Braancamp: Se Portugal se pode orgulhar dos seus sábios, o mesmo não acontece com o que o pode fazer progredir em outros aspectos da vida soc (atraso da ind, da agric do com e da admin)

Castilho. O saber não é prenda nem luxo, mas necessidade e condição primária e impreterível da civilização

Mouzinho da Silveira (1772-1946)
Sem luzes não há liberdade
(defende inst gratuita para todos, incluindo o sexo fem "cuja educ tem sido barbaramente abandonada". Defende escolas  primárias para os dois sexos em todas as freguesias.
Braancamp tenta, mas não consegue, pois cai o gov de Saldanha

Mas a M- é ignorada na maioria dos discursos...Os q são a favor, como Pombal, nada fazem...
Antes de 1815 não havia escolas no Reino  - ensino privado,  em asilos, inst beneficência
1813 - Assoc de Socorros Mútuos das mestras

1815 - 18 esc régias - D maraia






domingo, 2 de setembro de 2012

SAUDADES DE MARIA ARCHER

Para uma associação de estudos sobre as mulheres da emigração, como é a nossa, Maria Archer é certamente uma personalidade inspiradora, que convida à pesquisa, à reflexão e ao diálogo.
 Esta não é, devo dizer, a primeira das iniciativas em que ela ocupa um lugar central. Começamos por evocar Maria Archer no Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas da Diáspora, em Novembro de 2011, justamente porque nesse congresso pretendemos partir da história da emigração no feminino, traçando, por um lado, as linhas de evolução de mais de um século de migrações portuguesas, com participação crescente de mulheres, e, por outro, dando-lhes visibilidade, não só mas também, numa área em que podemos considerar que têm estado, pelo menos,  tão presentes como os homens: o domínio da Cultura, do ensino da Língua, das Letras e das Artes.
Por ambos os caminhos, os da História e os da Cultura, encontramos Maria Archer.
Ela voltou, seguidamente,  ser figura de cartaz na comemoração do Dia Internacional da Mulher.  Uma "entrevista imaginária" com a grande escritora, protagonizada  por jovens das Escolas de Espinho, deu a esse evento  simples e didáctico um toque singular e comovente...
 E agora, aqui, em Lisboa, no Teatro Nacional da Trindade, contámos de novo, com a força do seu pensamento e ideais, na evocação tão bem  conseguida em sucessivas intervenções sobre a sua  vida e obra  -  num  espaço esplêndido, no salão nobre onde ela própria esteve vezes  sem conta -  com muitas pessoas que a conheceram bem, e com a presença e a palavra, tão honrosas para nós e tão prestigiantes para a sua memória, da Dr.ª Maria Barroso e do  Presidente Mário Soares, símbolos da luta vitoriosa pelo Portugal em liberdade, em democracia, que ela sonhou
Razões não nos faltam para  justificar o empenhamento cívico com que, assim, fazemos de Maria Archer uma companheira de jornadas sobre as temáticas de género, no universo das migrações.  Ela foi, de facto, uma grande Portuguesa da Diáspora. Sê-lo-ia, em qualquer caso, como intelectual, jornalista, romancista, mas foi - o, igualmente, como verdadeira precursora na pesquisa e divulgação de usos e costumes dos povos com os quais se viu em contacto. Primeiro em África, muito jovem, a acompanhar os Pais por terras do "Ultramar", depois, já sexagenária, no exílio brasileiro,  passou largos anos em cinco países da lusofonia, dispersos em  3 continentes, sempre atenta ao que acontecia em seu redor, com uma inteira compreensão das pessoas, dos ambientes, dos meios sociais, que  soube traduzir em dezenas de escritos de incomensurável valor literário e de enorme interesse etnológico, sociológico e político.... Seria motivo bastante para nos lançarmos na aventura de partir à descoberta desse legado multifacetado e vasto, que, num estado de quase hibernação, guarda  experiências e segredos de tantas gentes, vivências, situações...
  Mas há mais... Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal, por saber captar as constantes da natureza humana - sem deixar de ser. também testemunha, memória crítica de um muito concreto tempo português, opressivo e cinzento, pautado por estreitos conceitos e por regras de jogo social e político, que desvenda e põe em causa, inteligentemente e sem contemplações. Ninguém, como ela, retrata o quotidiano desse Portugal estagnado e anacrónico, avesso a qualquer forma de progresso e de modernidade,  em que os mais fracos, os mais pobres não têm um horizonte de esperança, e as mulheres, em particular, são  dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação - tendo por pano de fundo as regras impostas para o relacionamento de sexos, a entronização rígida dos papéis de género dentro da famílias, e as consequentes desigualdades, distâncias e preconceitos sociais, o doloroso e longo impasse de uma sociedade fechada ao curso da História, que acontecia na Europa e por esse mundo fora.
Maria Archer vai dar vida às portuguesas suas contemporâneas, revelando-as tal como elas são, com um realismo, que é, sem dúvida, uma busca e uma evidência da verdade, doa a quem doer e para que se saiba... então e no futuro. 
 Nos seus "apontamentos de romancista" ( em "Eu e elas", escrevendo sobre si e sobre os outros, com um fino sentido de humor e toda a "joie de vivre" )) confidencia-nos : "O meu trabalho neste livro foi quase o de um artista plástico. Moldei a obra sobre o modelo vivo".
 Fica-nos a impressão de que não foi, para ela, experiência única - bem pelo contrário... 
A mais feminista das escritoras portuguesas, é, seguramente, no que podemos considerar a melhor "tradição nacional", uma "feminista muito feminina", que ousou ser um ícone de beleza, ter uma carreira no
jornalismo e  nas Letras, fazendo, em simultâneo, combate pela dignidade  e pela  afirmação das capacidades intelectuais e profissionais negadas à mulher comum..  Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente masculino da cultura portuguesa.  Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...
Na verdade, por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais do nosso tempo do que do seu tempo - aliás, uma afirmação que se deve generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX, que dão rosto à exposição da Câmara Municipal de Espinho, há pouco, inaugurada aqui, nas salas e corredores do Teatro da Trindade.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos revolucionários, em que estiveram envolvidas a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas,
mas iria ser uma das poucas  que, no período de declínio desses movimentos (e de desaparecimento de uma geração incomparável), continuou, a seu jeito, solitariamente, uma luta incessante contra o obscurantismo, que condenava a metade feminina de Portugal à subserviência, ao enclausuramento doméstico e à incultura.
Foi uma inconformista, consciente das discriminações e das injustiças, em geral, e, em especial, das  que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade  retrógrada e "fundamentalista", como se diria em linguagem actual. Uma regressão às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral imposta pelo próprio regime, contra o qual se revoltou, naturalmente...
A escrita, servida pela clarividência, pela capacidade de observação e de expressividade, foi  para ela uma arma de combate  político. Como dizia Artur Portela, "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante".
É um combate em que a experiência de vida e a sensibilidade artística se fundem - norteadas por um declarado   propósito de valorização dos valores femininos, de libertação da mulher e, com ela, da sociedade como um todo.
É já uma Mulher livre num país ainda sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um  tão longo exílio ...
 Maria Archer é uma grande escritora (ou um grande escritor, como alguns preferem precisar, alargando o campo das comparações possíveis). E pode ser lida apenas como tal. Mas permite - nos também diversas outras leituras - para além da literária, a sociológica, a etnológica, a feminista...
 Ninguém,  como ela , escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da primeira metade do século XX, os pobres e os ricos, as famílias decadentes ou ascendentes, aristocráticas, burguesas, "povo" . Mulheres e homens  imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de
prepotências e temores... "Aurea mediocritas", brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições  do Estado velho, que se auto-proclamava "Estado Novo".  
Gostaria de realçar a"leitura feminista". porque  ninguém conseguiu, como ela, soube corroer essa imagem da "fada do lar", laboriosamente construída sobre as ideias falsas da harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia do regime  "corporativo"), da brandura de costumes -  assente, porém, no autoritarismo e subjugação  ao "pater familias" no pequeno mundo do lar, ou ao ditador paternalista no círculo alargado ao País inteiro.
 Maria Archer é uma retratista magistral da mulher e da sua circunstância... O rigor da narrativa, a densidade das personagens, a qualidade literária, só podiam agravar, aos olhos do regime, a força subversiva da  denúncia.
Os poderes constituídos não gostaram desses retratos de época, como não gostavam da Autora. Primeiro, tentaram desqualificá-la, desvalorizando-a. Sintomática a opinião de um homem do regime, Franco Nogueira, que em contra-corrente, num texto com laivos misóginos,  a apresenta como apenas uma mulher a falar de coisa ligeiras e
desinteressantes (por tal entendendo a realidade do destino das mulheres, coisa para ele tão sem importância....). Sintomático também que a crítica seja divulgada pela própria editora da romancista, a par de tantas outras, de sentido oposto. 
Não tendo conseguido os seus intentos, o Poder passou à acção: livros apreendidos, jornais onde trabalhava ameaçados de encerramento... Maria Archer viu-se forçada a partir para o Brasil - uma última aventura de expatriação, de onde só retornaria, doente e fragilizada, para morrer em Lisboa. Porém, o desterro não seria pena bastante. Teresa Horta, no prefácio da reedição de "Ela era apenas mulher" afirma que Maria Archer foi "deliberadamente apagada da História". Ser emigrante é já factor de esquecimento, regra geral inevitável, na memória da Pátria. Mas o seu caso foi mais grave, deliberado, doloso - ainda que, do nosso ponto de vista,  não definitivamente encerrado. É ainda bem possível combater esse acto persecutório, executado há décadas, restituindo à obra de Maria Archer o espaço que lhe é devido no mundo eterno da  cultura portuguesa!
Revisitar a Mulher de Letras, através dos seus escritos, tem, da nossa parte, este objectivo de desocultar o passado e lançar luz sobre a realidade insuficientemente analisada e realçada da sociedade portuguesa de 40 e 50.  E é também um momento mágico de deparar com Maria Archer, de percorrer com ela as páginas fulgurantes dos seus
livros, artigos, crónicas. A elegância do seu estilo tempera o cru realismo, o fundo pesado e dramático da narrativa e torna, afinal, sempre um prazer acompanhá - la nas incursões pelo universo bafiento e confinado em que se cruzaram e confrontaram as portuguesas e os portugueses durante meio século, no qual as personagens femininas raras vezes cumpriram as suas capacidades e os seus sonhos (mesmo que modestos). E no qual os enredos quase nunca têm um final feliz  - ou justo...
Elegância é uma palavra que quadra com Maria Archer, que a caracteriza na maneira como pensou, como escreveu, como se vestiu e apresentou em sociedade, como atravessou uma rua de Lisboa ou de São Paulo, como atravessou uma vida inteira, até ao fim...
Fim não será a palavra mais apropriada...  Estamos aqui justamente unidos pelo projecto de lhe assegurar uma segunda vida, absolutamente ao nosso alcance, porque "existir não é pensar, é ser lembrado", como dizia Pascoaes.
Esta não é o primeira nem será a nossa última reunião sobre ela, o seu exílio, o seu retorno... Talvez a próxima aconteça em São Paulo. Sobre o seu legado ou a sua pessoa  - qual deles o mais interessante? A pessoa é certamente tão fascinante como a escritora. E mais desconhecida. Mas só assim continuará por omissão nossa, porque ela está lá, eternamente jovem e vibrante, nas páginas que nos deixou impressas.
Dizia a Mariana desse romance eminentemente "feminista" que é  o "Bato às portas da vida": "Ando na saudade de mim, mesmo perdida no tempo".
E nós andamos na saudade de Maria Archer, perdida mas reencontrada no nosso tempo, que queremos seja o do  início do correr interminável do seu tempo futuro...