sexta-feira, 26 de abril de 2013

Entrevista de Inês Pedrosa

Maria Manuela Aguiar é licenciada em Direito. Os primeiros anos da vidaprofissional foram dedicados ao Direito do Trabalho, uma área que sempre lhe interessou bastante. Foi Secretária de Estado do Trabalho no governo de Mota Pinto. A docência na faculdade foi também uma experiência, quer em Direito da Universidade Católica de Lisboa, quer na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. O ano de 1980 marcou a passagem da área do Trabalho para a Emigração, área na qual jamais havia imaginado trabalhar. Foi Francisco Sá Carneiro que a chamou e não estava à espera do convite. No entanto, a experiência como Secretária e Estado da Emigração revelou-se “interessante”. O objectivo enquanto Secretária de Estado da Emigração era cumprir o programa do governo para a área e traçar a estratégia para a emigração num ponto de vista duplo: um mais burocrático e outro mais cultural, mais relacionado com as comunidades portuguesas. Para além dessa função, Maria Manuela Aguiar também esteve ligada à emigração no ciclo da Europa, em 1985. Compara a emigração ao feminismo, na medida em que são dois grupos algo marginalizados da sociedade, que implicam luta pela igualdade de direitos e que precisam de quem tenha garra para os defender. Para quem se assume como feminista por natureza e depois de tantos anos a lutar pelos direitos das mulheres, “a luta pela emigração não foi nada de estranho”.A comparação entre a emigração de outrora e a atual, pela visão de uma mulher para quem a emigração de “estranho”...passou a algo que se “entranhou”.


Inês Pedroso - Já li muitas descrições do termo emigração, mas gostava de saber o que quer dizer este termo para alguém que lidou uma vida inteira com ele?

Maria Manuela Aguiar - Podemos definir a emigração como um trânsito, uma passagem de um país para outro. Emigração é o deixar um espaço e o ter a capacidade de integração num outro. A emigração é sempre também imigração: a pessoa é simultaneamente emigrante e imigrante, faz a ponte entre duas sociedades, é das duas ao mesmo tempo. Pertence-lhes de formas muito variadas, dependendo do seu modo individual de criar laços novos, de manter os originários. O emigrante é alguém que está em contacto com mundos, no plural. Associo a emigração à imagem das duas margens de um rio. É a vida repartida pelas duas. E esta dupla ligação é muito importante para os próprios países, porque os aproxima. E para os cidadãos também, tendo em conta que eles se sentem, como disse, uma verdadeira ponte de ligação afectiva.. Eu sou uma grande defensora da dupla-nacionalidade, porque acho que ela corresponde à natureza humana, tal como a determina a realidade da emigração. Quero com isto dizer que, em regra, as pessoas não se desenraízam da sua cultura de origem e conseguem enraizar-se na da nova sociedade. A matriz de uma emigração bem sucedida é, assim, a dupla-pertença. Há dois mundos que se encontram e se conjugam através dos migrantes. Os portugueses dão um belo exemplo. Porque são muito adaptáveis. Somos um povo muito aberto, muito curioso....que talvez tenha até já seu código genético essa capacidade, que se revela nos que partem, mas não necessariamente do mesmo modo nos que ficam. Os portugueses que nunca emigraram são iguais a outros europeus que compreendem mal a realidade da emigração. Os que se vão abrem-se, com facilidade, aos novos costumes. Lembram-me sempre aquele ditado: “Em Roma, sê Romano.” Seguem muito bem esse lema de vida. Lá fora, fazem o que fazem os outros e não quer dizer que, com isso, se desnacionalizam. Vivem em duas culturas, que misturam habilmente. Para mim a essência da emigração está nesta arte, muito bem conseguida pelos nossos compatriotas. Em regra, acompanham o que se passa em Portugal e valorizam-.no mais do que quem está dentro do país, o que é natural – para nós Portugal é como ar que se respira, para eles converte-se naquele terra dos seus sonhos, onde querem e não podem estar. Mas, por outro lado, se a vida corre bem, as pessoas sentem-se também do outro país, que aprendem a amar., Dou o exemplo da Argentina, de que se fala pouco, porque é longe e é um destino antigo – um óptimo destino, porque os argentinos prezam muito a herança europeia e gostam dos europeus todos por igual., o que os faz um Povo muito cosmopolita E, por isso, os Portugueses têm aí mais facilidade de se afirmarem como portugueses, de assumirem com orgulho a sua qualidade de emigrantes, De emigrantes felizes.

1. Houve picos emigratórios, como o de 60/ 70 ou o de agora. Mas sempre tivemos emigrantes, não concorda?

R: Sim, inteiramente. E é exacto que entre estas duas vagas houve um período em que a emigração decresceu muito, mas mesmo quando supúnhamos que era um capítulo encerrado, nunca o foi. Sempre achei que a movimentação de portugueses continuava de uma forma discreta, ao abrigo da livre circulação na Europa. Havia e haverá emigração enquanto forem substanciais os desníveis nos salários oferecidos lá fora. Muitos dos que saiam nos anos 80, por períodos relativamente curtos, não saíam por estarem desempregados. Iam ganhar mais dinheiro. Evidentemente que nunca podemos dizer “era assim para toda a gente”. Mas era, com certeza, assim para a maioria dos que procuravam o Médio Oriente, o Iraque, Israel, novos destinos de que se falou muito. Uma emigração temporária, de altos salários. Agora há realmente um recrudescimento das partidas, estamos num novo tempo de autêntico êxodo, embora os governos o tenham tentado negar, numa fase inicial. Continuavam o discurso oficial ufanista e pretencioso, que foi o de Portugal, no começo da década de 90 -o Portugal da CEE, que rapidamente deixara de ser um país de emigração para ser um país de imigração...E, em simultâneo, criava-se a imagem dos Portugueses expatriados, como " empresários de sucesso" (o que uns eram e outros não...). Como supostamente já não havia emigração, as políticas de apoio aos emigrantes também podiam acabar, já não eram precisas” – coisa imprudente, “tola”, porque um país que tem 1/3 da sua população no estrangeiro, é um país de emigração, mesmo sem novas saídas em massa.

Agora há um autêntico êxodo, que não é negado pelo actual Secretário de Estado (felizmente). Ele próprio fala em cerca de 100 a 120 mil por ano - números que, somados os anos que já dura, excedem os dos grandes picos de emigração que tivemos ao longo de uma história de séculos

2. Mas quem são estes emigrantes de agora?

R: Relativamente ao movimento tradicional, há os que são muito mais qualificados - e é sobretudo a imagem deles que se projecta nos media - mas também há os que são mais iguais aos do passado, um passado que está de volta....Estes, os do "salto" dos anos 60, foram, a meu ver, na sua maioria, contra as expectativas, " emigrantes de sucesso", mesmo os que eram operários, empregados no sector dos serviços, pequenos empreendedores., Eduardo Lourenço escreveu, em 1984, um artigo a falar de "uma geração de triunfadores"– a geração do "salto", vinte anos depois .(Eduardo Lourenço é um grande pensador e é, ele próprio, um emigrante, tem a visão realista de quem vive ao lado deles...)

Nesse artigo, que cito de memória, ele concluia que se há coisa que os portugueses não suportam é justamente o sucesso dos emigrantes. Se a Aceitam bem que aventura tenha corrido mal, porque isso corresponde ao que esperavam. Mas constatar os êxitos, é coisa que lhes custa bastante...

Na verdade, aquela gente tão sofrida, conseguiu, numa proporção enorme, aquilo que buscava, fugindo da pobreza. Pode não ser o que o país queria que eles quisessem, mas foi o que eles procuraram - dar educação aos filhos, ter uma vida confortável, fazer a sua casa...Para esses homens e mulheres, pouco qualificados, alguns quase analfabetos, a emigração foi um caminho ascensional. Foi uma ascensão à medida das suas possibilidades, em muitos casos absolutamente fantástica. Por essa altura eu já pensava assim e procurava combater estereótipos que não lhes faziam justiça. Tanto um dos dirigentes do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas (o IAECP) como eu, dissemos que aquela era uma "geração de vencedores" . Fomos criticadíssimos por isso. Mas, passados dois ou três meses, saiu na imprensa nacional o tal artigo do Eduardo Lourenço a dizer fundamentalmente o mesmo. A partir daí, passamos a cita-lo e deixamos de ser alvo de controvérsia. (o mesmo aconteceu em 1983, com a questão então muito quente do retorno, quando na Conferência de Ministros do Conselho da Europa, afirmei que já havia regressos em massa, o que soava a demagogia, mas, no ano seguite, a Profº Manuela Silva publicou um notável trabalho de investigação com números baseados no último censo que me vieram dar razão – ela mostrava que meio milhão já tinha regressado à terra, sem a opinião pública se aperceber). Estavam a chegar cerca de 30 000 ao ano, e partiam apenas cerca de 7/8 mil.

.Compreendo que se duvide da palavra ou da sensibilidade dos políticos e que se acredite nas conclusões dos cientistas. Eu também acredito e sou uma defensora do apoio sistemático a estudos rigorosos em se se possa, com mais segurança, fundar as medidas políticas.

Passando a olhar a emigração de hoje, direi que é, sobretudo, a necessidade, a crise, o desemprego que estão a arrastar os portugueses para o estrangeiro, quer os mais quer os menos qualificados. Todos... A grande sensação é o êxodo dos mais qualificados. É o que mais dá nas vistas. Nos anos 60, aconteceu o mesmo com a emigração para a Europa: era o facto novo! E deixou de se falar da emigração transoceânica, que prosseguia, até para destinos inéditos, como a Venezuela e o Canadá, mas também para os EUA, para a África do Sul, para a Austrália....

Foram 800 mil, ou mais, para a França, dezenas de milhares para a Alemanha, Luxemburgo, Reino Unido e outros países do nosso continente – no conjunto, cerca de um milhão e meio de pessoas, mas para fora da Europa, exactamente na mesma altura os números de partidas não muito inferiores....

E agora é a mesma coisa. Salienta-se só a emigração qualificada e esquece-se a outra. De facto, partem todos os que podem partir. Há apenas uma componente de emigração nova, dentro da nova emigração....

3. E os motivos são os mesmos, actualmente?

R: O motivo principal é, sem dúvida, o mesmo de sempre, a procura de trabalho, com uma remuneração mais justa. Haverá alguns que partem pelo gosto da aventura, de conhecer novas terras. Há os bolseiros, que poderão regressar ou não. Haverá hoje uma maior diversidade de situações. Mas com o desemprego jovem que temos, o desemprego de profissionais qualificados, acho que não podemos deixar de concluir que a maioria das pessoas vai porque efectivamente desesperou de encontrar o seu lugar na sua terra...

Quando olho os jovens licenciados tenho a tentação de comparar a sua situação com a minha, como bolseira da Fundação Gulbenkian em França. Tinha vinte e tal anos, preparava uma pós-graduação em Paris. Vivi na Cidade Universitária, em Paris, primeiro na Casa de Portugal, depois na da Argentina, entre 1968 e 1970. Fiz muitos amigos das várias nacionalidades, particularmente argentinos. Foi com imensa pena que tive de regressar... Penso que o mesmo pode acontecer com os jovens desta nova vaga. Talvez tendam a conviver mais com colegas estrangeiros do que com portugueses... Isso tem pouco a ver com o passado, possivelmente em prejuízo do movimento associativo português. As associações portuguesas formam um espaço extra territorial nosso, espantoso, comovente. Mas não sei se conseguirão atrair esta nova vaga de jovens, que falam várias línguas, que sabem ao que vão, que se integram rapidamente nos meios de estudo ou de trabalho. E a nova emigração que se assemelha mais à antiga tenderá a procurar essas redes associativas? Estarão elas dispostas a ajudá-los, como sempre foi sua vocação? A ver vamos...

Outra mudança importante é a do papel das mulheres neste processo - o que tem a ver com a prévia mudança da situação da mulher na nossa sociedade - que lhes dá mais liberdade, mais formação académica e profissional, e autonomia para tomar decisões - neste caso, a decisão de emigrar. Sozinha, independentemente da família. Julgo que isso se verificará sobretudo ao nível das mulheres mais qualificadas. Eu digo “julgo” porque enquanto não houver estudos concretos, esta é apenas uma opinião.

As mulheres há muito que são quase metade das nossas comunidades do estrangeiro, mas partiam com os maridos ou esperavam a sua chamada. Numa Europa de livre circulação, isso tornou-se mais fácil. As famílias reunificaram-se na emigração.

Uma problemática que gostaria de abordar é a de mulheres e homens que o desemprego obriga a sair para desempenharem tarefas que não aceitariam na sua terra... Conheço mulheres com cursos universitários a lavar escadas ou a cozinhar em pequenos restaurantes. Não há nada de mal nisso, mas como reagirão se a situação se prolongar indefinidamente? Se não vierem a encontrar forma de exercer a profissão para que se prepararam? Também estas situações se podem considerar novas - e no pior sentido...

4. Essa é aliás, uma questão curiosa. Há muita gente que em Portugal se recusa a fazer determinados trabalhos mas depois de emigrar faz esses mesmos trabalhos lá fora. Porquê?

R: É uma coisa perfeitamente natural. Aqui as pessoas conhecem-se e há sempre um certo retraimento. Lá fora, ninguém sabe quem são, é mais fácil fazerem qualquer tipo de trabalho. E não deve haver preconceito a esse respeito. Todo o tipo de trabalho que é honesto é um bom trabalho. Mas não se tira um curso para nunca mais o poder exercer. Permanecer por muito tempo sem acesso à valorização profissional só pode causar frustração... Não é o mesmo que uma fase passageira, que se encara como uma experiência. que até pode ser interessante.

Uma das coisas que eu gostava de ter feito na vida, embora nunca tenha tido a oportunidade, era ser empregada de um pequeno café. Acho que deve ser uma coisa muito divertida – sempre em movimento, a servir bebidas e comidas. Uma das minhas amigas dos tempos de Paris dizia que eu deveria ser “maluca”e não sabia do que falava -para ela era um ocupação penosa, cansativa...Mas mais tarde, uma outra amiga, que foi assessora de um dos meus gabinetes, contou-me que gostou imenso de ser empregada de um café em Londres - durante uns meses de férias...

5 -

R: Esta é uma discussão de terminologia que vem de longe e continua actual. E que até se reflectiu na designação da Secretaria de Estado. Vejamos, foi Secretaria de Estado da Emigração até 1980. Em 1980, com o Dr. Francisco Sá Carneiro (no primeiro governo ao qual pertenci nesta pasta), passou a ser a Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas. Fazia

sentido para um governo que distinguia políticas de emigração (mais centradas nas questões sociais e laborais) e políticas para as comunidades portuguesas, ou para a Diáspora, com o objectivo principal de manter os laços culturais e afectivos – e era aliás neste capítulo que estava prevista a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), com órgão representativo do movimento associativo de todo o mundo..

Mas a ideia de criar um movimento mundial dos portugueses é anterior e deve-se ao professor Adriano Moreira, um dos políticos portugueses que mais admiro. Ele era Presidente da Sociedade de Geografia e foi nessa qualidade que organizou dois grandes congresso mundiais na década de 60

E desses Congressos nasceu a União das Comunidades Portuguesas e a Academia Internacional da Língua Portuguesa. Infelizmente, por razões de política interna, com a chegada de Marcello Caetano ao poder, o movimento perdeu-se. E não foi retomado, porque o CCP, apesar de ser uma importante instituição, com representantes de todos os continentes, não é a mesma coisa - é um órgão consultivo do Governo.

Bem, deixe-me regressar ao que me perguntou concretamente, à palavra “emigração”: o termo técnico é mesmo emigração. Eu sei que há quem lhe dê uma conotação negativa e muitos emigrantes preferem a expressão "portugueses residentes no estrangeiro", Compreendo-os se com isso chamam a atenção para a questão da igualdade com os demais cidadãos. Mas acho que ser emigrante nunca é negativo. pelo contrário. E não deve ser conotado com o estatuto social ou profissional, com a boa ou má fortuna. Há de tudo na emigração!

O meu Avô materno foi emigrante no Brasil. E a minha Mãe, como o Avô era um "empresário de sucesso", diz sempre que ele não era emigrante. Eu acho que sim . Era rico, era culto, era feliz, mas era emigrante e portanto eu chamo-lhe sempre, com orgulho, o meu “Avô Emigrante”.

Deve, sim, retirar-se a carga negativa do termo, porque ser emigrante é sinónimo de coragem de inconformismo, tudo coisas boas. Mesmo quando não corre pelo melhor torna as pessoas diferentes, dá-lhes mundo

Mas a verdade é que o termo “emigrante” parece significar ruptura, distância. O próprio Dr.Francisco Sá Carneiro falava sempre de Portugueses do estrangeiro, no sentido afectivo e no sentido jurídico: portugueses com os mesmos direitos, onde quer que vivam.

6. Relativamente ao regresso. Qual é que acha que é o pensamento da maioria dos

que partem hoje, relativamente ao regresso a Portugal?

R: Pura futurologia…. Nós não sabemos como esta emigração vai acabar. Vejamos, os emigrantes, na interminável história que conhecemos, sempre quiseram voltar. . Só que o projeto atravessa muitas fases, é uma dinâmica, uma adaptação a circunstâncias, muda, reconverte-se... Há os filhos, os filhos já nascem cidadãos do outro país..., Gostam de Portugal nas férias, mas não para viver Também as mulheres ganham um estatuto no estrangeiro que receiam perder regressando a Portugal – um estatuto económico, conseguido pelo trabalho remunerado, um estatuto de igualdade social

conseguido em sociedades mais igualitárias, idem até ao círculo familiar, numa família

mais moderna, no que respeita a relacionamento de marido e mulher, de pais e filhos. Não é mera constatação minha. Está estudado, provado e comprovado. É mais fácil ir da aldeia para a grande cidade do que regressar da cidade à aldeia...( Portugal significa, por isso mesmo, um retrocesso, uma ameaça a direitos conquistados - as mentalidades cá são diferentes... As mulheres habituam-se a andar à vontade e aqui, numa aldeia, toda a gente olha para a maneira como se vestem ou como se comportam... estranham, criticam…

É imprevisível tudo aquilo que vai acontecer, sobretudo com os mais jovens. Podemos imaginar que tendo melhores qualificações conseguem um melhor emprego, uma

melhor carreira, sobretudo no domínio científico, em determinados nichos ou sectores de vanguarda. Podem não ter lugar equivalente entre nós, ou, simplesmente, sentirem-se felizes e realizados lá fora....Serão também condicionados pela situação interna em Portugal pelo facto de se agravar ou atenuar a crise que parece não ter fim…

Atualmente as pessoas já não pensam apenas em construir a casa em comprar terras, como acontecia na vaga anterior. Haverá alguns, mas os projectos são mais individualizados, multifacetados.

Há jovens engenheiros, professores universitários, médicos, a quem oferecem altas remunerações, na África, no Médio Oriente, no Brasil. Vão sentir-se em casa em qualquer parte do mundo. Mas, sei lá, talvez a saudade, a família os traga de volta. No ciclo anterior, dominado pela imagem da Europa próxima esperava-se um regresso certo e rápido. Mas o que aconteceu foi o alongamento das estadias, a tornar as comunidades europeias mais semelhantes às transoceânicas

E, quando ultrapassavam os 15, 30 anos, o regresso estava comprometido… Para muitos reformados, era o Sistema Nacional de Saúde, que funcionava como dissuasor.

O quadro nacional que nós temos diante dos olhos é muito mau, para muitos anos, ao que parece. Será isso mais um forte factor de dissuasão?

Claro que há destinos aparentemente mais temporários do que outros – o caso de. Angola, dos que ali têm contratos de colaboração para a execução de uma determinada obra, levada a cabo por uma empresa portuguesa, por exemplo. Angola é um país do qual vem grande volume de remessas, precisamente porque não é ainda uma emigração de fixação. Mas pode vir a ser, se lhes forem abertas oportunidades, se casarem por lá.

7 -

Quanto a vantagens e a desvantagens, para Portugal, qual é o seu ponto de vista relativamente à emigração?

R: Para Portugal a primeira vantagem é denunciada pelo próprio discurso do

governo. Quando manda emigrar (discurso praticamente inédito entre nós…) é certamente porque quer resolver, no imediato, o problema do desemprego. A primeira vantagem é essa – aliviar a pressão social e económica do desemprego galopante.

Depois, há vantagem do envio de remessas, porque de alguns países elas vêm, abundantemente…. Acho que o primeiro país continua a ser a França.

As remessas dependem mais do que da confiança no futuro do País, da composição da emigração. Se falamos de pessoas que têm a família carente em Portugal, provavelmente vão enviar-lhe ajudas.. Se falamos de jovens que só precisam de ganhar a sua vida, que não precisam de ajudar os pais ou outros familiares, em princípio farão o contrário… Caso acabem por se fixar é natural que invistam lá onde estão.

A emigração foi sempre olhada, sobretudo de um ponto de vista económico, material, como uma útil e fácil fonte de receitas. Apesar do recente aumento de remessas esse movimento pode diminuir, mesmo que não diminua a emigração. Depende, como disse, das suas motivações e perspectivas económicas, da maior ou menor integração… e também da capacidade do País para atrair os seus investimentos ou poupanças. Portugal já teve políticas eficazes de captação de poupanças de emigrantes – apoios vários, taxas de juros bonificadas, etc. Tem descurado este aspecto, os incentivos hoje são menores…

Mas há outras vantagens que não se traduzem directamente em números ou cifrões

Por exemplo, as qualificações obtidas pelos portugueses, a imagem que eles dão do seu País - em domínios como o empresarial, cultural, académico, o desporto e até em noutros mais inesperados, como o da política. Veja-se a França, onde tantos autarcas afirmam a sua origem portuguesa

É extraordinário o facto desses portugueses, ou descendentes de portugueses, não se terem deixado assimilar em países europeus, onde a tendência à assimilação é muito maior do que nos países novos das Américas.

Há vinte anos eu não estava nada optimista a este respeito! Foi uma excelente surpresa. Esperemos outras....

Quanto a desvantagens para Portugal, são muito óbvias - qualificar pessoas para deixar que outros as aproveitem… perder “cérebros” de uma forma assustadora… A questão demográfica, a pirâmide etária,… Já somos dos países com menor taxa de natalidade, neste momento. Por isso, do ponto de vista demográfico, o recomeço da emigração e o decréscimo da imigração constituem uma tragédia…

IP - Para quem parte, quais são as vantagens e as desvantagens?

MMA - A grande desvantagem é a separação, a perda da vivência da família, dos amigos, das coisas boas do País... Claro que, agora, já há skype, internet , aviões low-cost - a separação tem um significado bem diverso de antigamente. Encurtaram-se as distância, o mundo tornou-se mais pequeno, com as ligações mais fáceis, com a informação omnipresente... Mas mesmo assim a ausência pesa...

E o processo migratório pode correr mal - discriminações, inadaptação... Mas tem sido mais frequente correr bem ou muito bem, pelo menos no longo prazo.

Na hora do balanço de um dos processos mais dramáticos da nossa história, como foi o do "salto", Eduardo Lourenço pode falar dos emigrantes dessa época como "triunfadores"., Será mais difícil para os de hoje, por terem outras expectativas, outra exigência, ainda que as condições da saída não sejam tão dramáticas?





Inês: Lembro-me de tudo o que as pessoas passavam para emigrar, da forma como o faziam, tal qual contam os livros e a história que estudámos. As pessoas emigravam a salto” e quantas morriam pelo caminho. Muita coisa mudou desde então...

R Sim, quando estive na Secretaria de Estado da Emigração já vivíamos em democracia, com as fronteiras abertas - ao menos as nossas. E essa emigração histórica já há muito deixara os "biddonvilles". Muitos já estavam de volta, ou a preparar o regresso ou bem integrados lá fora

O que mais me preocupava era a falta de conhecimento dos casos em que isso não acontecia, a dificuldade de passar a informação...Procurei incentivar a investigação, a recolha de dados, a publicação de teses sobre emigração. Criamos um Centro de Estudos, um Fundo documental e Iconográfico das Comunidades, mas isso não teve depois continuação, com é de regra em Portugal. De governo em governo muito se perde, se rompe, se recomeça, em todos os domínios, não só neste.

A ideia dessas publicações era basear as nossas políticas de emigração em conhecimentos científicos. Era fazer com que a administração pública não saiba sempre menos que os jornalistas - que têm sabido bem melhor detectar casos de injustiça e exploração, novas formas de escravatura. Excepções à regra, mas nem por isso menos chocantes!

. Felizmente, o actual Secretário de Estado está a promover de novo a investigação sobretudo através de protocolos com universidade de norte a sul do País. É muito importante para prevenir situações dramáticas, para dar orientações, para rentabilizar os meios de apoio, que são escassos.

8. Seria possível, a seu ver, alguma vez Portugal viver sem emigração?

R: Portugal foi sempre um país de emigração. Desde a era de expansão, colonização de territórios da Coroa ao tempo do fenómeno puramente emigratório, vivido num encadeamento de ciclos interminável. A uma das colectâneas que publiquei sobre intervenções neste campo, dei o título “Portugal – o país das migrações sem fim”. Em 1999 era um título provocatório, porque estava no auge o discurso do fim das migrações portuguesas, que já referi....Acho que o título permanece actual, A vida portuguesa ainda é indissociável do fenómeno emigratório.

Em parte, fruto da história. Se Portugal não se tivesse expandido pelo mundo, com a sua gente, éramos uma pequena província na Península ou, um insignificante país da Europa, com uma língua falada apenas por dez milhões, Um país sem mundo, sem interesse, sem história...

Tudo o que nos deu projecção foi a emigração, nomeadamente a emigração para os países lusófonos,..., A eles se deve a língua falado hoje por mais de 200 milhões de pessoas, uma. Língua em expansão. O Português é uma língua em grande expansão. Os portugueses são que estão na sua origem, não o Estado Português. Eles saíram sempre em número superior ao que o Estado considerava útil e adequado e com isso alimentaram a lusofonia....

. Somos um país com muito mais mar do que terra, com mais gente do que a que vive dentro de fronteiras.... Assim saibamos explorar esse mar. E aproveitar a força das pessoas, do movimento associativo, da diáspora...

. Sá Carneiro, que era um político fascinante, dizia isto mais ou menos que eu estou a repetir: “Se Portugal fosse apenas o seu território europeu era um país sem interesse para a Europa ou para o Mundo”. Dizia também, nesta mesma linha, "Portugal é muito mais uma cultura do que uma organização rígida”,

Cultura que se expande nas comunidades da emigração... Quero acreditar que os jovens de hoje vão continuar esta realidade nacional tão antiga. E que o interesse em Portugal seja despertado entre os descendentes dos emigrantes, com políticas inteligentes...Há que saber recupera-los para o mundo da lusofonia ou da luso filia – a redescoberta de Portugal é uma coisa que pode acontecer a qualquer momento em relação a poucos ou muitos,. Portugal não tem tido políticas culturais, ativas, "agressivas", como a Espanha e outros países europeus. Podemos mesmo ganhar para o nosso espaço cultural pessoas que não são portuguesas mas que têm uma ligação afectiva a Portugal (Por exemplo: quando fui ao Japão ver o jogo em que o FCP se sagrou campeão mundial de futebol em 2004, havia inúmeros japoneses vestidos de azul e branco. Porque os portugueses fazem parte da história do Japão, introduziram as arma de fogo no Japão sem nunca terem apontado uma arma a um Japonês. Lá ainda não nos esqueceram...

9. Qual é a sua opinião sobre a Imigração, em Portugal?

R: Aquilo que penso dos portugueses, ou melhor, aquilo que eu quero para os

Portugueses no estrangeiro quero também para os estrangeiros em Portugal. Sei que as pessoas olham para mim como uma pessoa estranha mas... (pausa) Sabe, uma vez estava nos arredores de Paris, justamente no meio dos portugueses e franceses, a fazer um apelo à participação política nas autárquicas, -uma organização da Federação de associações portuguesas e uma francesa, quando me estava a ouvir, disse-me: “Ah, mas é estranho porque o seu partido – o PSD – é um partido de centro direita (apesar de eu não ser de centro direita) e o seu discurso está a parecer-me de esquerda!” E realmente o meu discurso de emigração tem mais de esquerda do que de direita europeia (embora isto de direita e esquerda seja sempre coisa muito relativa)...

Os últimos projectos que eu apresentei na Assembleia da República foram votados pelo Bloco de Esquerda, por exemplo. Só estou a falar de políticas de emigração, note-se. Não de política geral - de contrário, mudava de partido.... (É sempre muito mais agradável pertencer a um partido que não está no poder nem tem vocação de poder…). Quanto à Imigração/ Emigração e quanto aos direitos das mulheres, sim, realmente estou à esquerda , se ser pelo voto dos imigrantes, pela sua plena cidadania implica ser de esquerda... Posso dizer que a grande causa da minha vida foi o aprofundamento do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, a concessão de reciprocidade aos brasileiros face aos direitos que a Constituição brasileira de 1988 concedeu aos portugueses. É um tratado singular, uma admirável invenção dos brasileiros, um reconhecimento da grande comunidade portuguesa que lá habita....

Os portugueses, mesmo sem aquisição de nacionalidade, ou seja, mantendo-se em exclusivo portugueses, adquirem todos os direitos dos Brasileiros. Podem ser deputados, ministros, juízes dos tribunais superiores.

Isto no Brasil aceitou-se e pratica-se “como quem bebe um copo de água”!

Foi votado por unanimidade e sem polémica de espécie alguma!

Mas exigia a reciprocidade. Portugal demorou 13 anos a tomar decisão semelhante.

Eu apresentei a necessária emenda, sucessivamente, em três processos de revisão constitucional, sem conseguir os 2/3 de votos requeridos.

Finalmente, à 4ª vez, em 2001 a alteração constitucional passou, quase por unanimidade... (foi uma pena porque teria sido ideal consagra-la no ano comemorativo de 2000 e eu bem tentei, com o apoio do Dr. Mário Soares, e de colegas dos vários partidos

Na 1ª tentativa, PS e PSD estavam contra, mas a partir da 2ª tentativa já só o PS votava contra, acho que por influência do Dr. Almeida Santos. Mário Soares, Manuel Alegre e muitos outros dirigentes socialistas eram entusiasticamente a favor.

Foi um processo muito complicado e só Mário Soares conseguiu em 2001 "forçar" o PS a dar o seu acordo à reciprocidade, Decisivo foi também Durão Barroso, que levou o PSD a incluir esta emenda numa revisão Constitucional extraordinária muito restrita nos temas que abrangeu.

Na nossa Constituição, este estatuto de igualdade está aberto a todos os países lusófonos, sob condição de reciprocidade. É o que falta ainda em todos, exceptuando, evidentemente, o Brasil. Já viu o que era os portugueses serem considerados angolanos em Angola, moçambicanos em Moçambique - e o mesmo em todos os outros países da CPLP? (ao fim de um prazo mínimo de residência legal, prazo que no Brasil e em Portugal é de 3 anos)

É um Tratado assombroso e do qual se fala muito pouco. É verdadeiramente único em Direito comparado! Um paradigma de fraternidade transnacional, que vai muito além da chamada cidadania europeia, acordada na UE. É fazer dos emigrantes cidadãos nacionais, sem os desnacionalizar no Estado de origem

Sem comentários:

Enviar um comentário