Tem a palavra a família Aguiar e os seus amigos. Vamos abrir o "Círculo", com duas alternativas, que proponho: Este "Aguiaríssimo" ou o "blogguiar.blogspot.com"
quarta-feira, 16 de novembro de 2022
Sobre a minha mãe
Ontem já distribuí algumas das cópias dos livros que me deste, inclusive ontem passei a tarde nos avós e entreguei-lhes uma cópia e eles adoraram… disseram que guardam muita estima por ti, pela Tia Giginha e pelo resto da família e que a casa deles está sempre aberta para vocês.
Curiosamente passamos a tarde a folhear algumas das páginas do livro em conjunto e a ouvir as histórias que os avós recordam sobre a nossa família. Ambos dizem que recordam a Bisavó Maria sempre arranjada, de echarpe lilás e chapéus imponentes.
O avô recorda ainda que em miúdo curiosamente ia ajudar a cuidar do pomar da Vila Maria junto com outros miúdos. Recorda ainda que a casa deles na Pedreira fazia muto com a casa da Tia Rozaura e de alguns episódios que jogavam à bola e algumas vezes ia parar ao terreno da Tia Rozaura.
O avô contou ainda uma história da Tia Giginha ainda miúda em ter curiosidade em ir à oficina de ourivesaria do pai do meu avô e de estar muito curiosa em como se faziam as peças, perguntou como é que soldavam as peças e outras partes do fabrico de jóias.
O avô diz ainda que se lembra bem do teu pai, que pensa ser de Avintes e que trabalhava no Porto numa associação de ourives também (não sei se se confirma verdade).
Os avós recordam ainda a beleza das roseiras da Vila Maria e da casa, o avô reforça ainda que a casa era um marco da cidade e se hoje se mantivesse erguida poderia ter servido eventualmente como fundação ou biblioteca municipal.
Isto entre outras histórias que agora não me recordo. Mas muito engraçado como os dois se lembram de tanta coisa e como o livro nos permitiu ter conversa para a tarde toda.
Os avós disseram que iam ler o livro e depois quando se lembrassem de mais histórias me contavam.
Quem sabe se talvez no novo livro os avós consigam dar algum do seu input? Achava muito engraçado e eles iam adorar..
terça-feira, 15 de novembro de 2022
RUTH ESCOBAR
Foi num jantar na residência do Cônsul-Geral em São Paulo, que conheci a Ruth. Nunca mais me cruzei com aquele nosso diplomata, que era bastante jovem para posto tão importante e extremamente simpático, comunicativo e elegante. Um homem encantador!
Eu era, então, deputada pelo círculo "fora da Europa" e nessa qualidade visitava o Estado. Recebeu-me esplendidamente, com um jantar para o qual convidou personalidades interessantes da nossa comunidade. A meu lado ficou Ruth Escobar, que eu conhecia de nome, como toda a gente (ao menos no Brasil, não em Portugal, onde à partida, todos os emigrantes são esquecidos e só muito poucos conseguem a merecida notoriedade...).
Grande atriz de teatro, produtora, empresária, mas também uma lutadora pela democracia, que levantou a voz no tempo da ditadura e acabou sendo pioneira da participação política feminina. Na verdade, foi, em todo o Brasil, a primeira mulher eleita deputada a uma Assembleia Legislativa estadual - e logo no Estado de São Paulo... Candidatou-se ao abrigo do estatuto de igualdade de direitos entre portugueses e brasileiros, como portuguesa, sem nunca ter pedido a nacionalidade brasileira!
Ruth era extrovertida e divertida. Começámos por descobrir que éramos ambas do Porto, que víamos e amávamos a cidade da mesma maneira. Falámos das ruas, dos bairros velhos, da ribeira, da Foz, das festas, dos liceus, da burguesia portuense, do estado da política, do Terreiro do Paço, de machismo e do feminismo... De imensas coisas. As afinidades eram inúmeras. E ríamos, ríamos... Parecíamos, embora não fossemos, amigas de longa data que punham a conversa em dia. Até o nosso Cônsul caiu nessa suposição. Ainda recordo o seu ar de espanto, quando lhe disse que não, que nos encontráramos pela primeira vez, graças à sua esplêndida hospitalidade.
À distância de tantos anos (não sei quantos, mas diria que esse convívio aconteceu em 1982 ou 83, quando deixei a SECP durante o 2º governo de Balsemão) guardo dessa noite memorável, também, o meu quinhão de surpresa ou espanto. Não só pela personalidade eletrizante de Ruth Escobar, o seu brilho, o seu carisma, mas, acima de tudo, pelo facto de ela estar tão bem integrada no Brasil continuando tão portuguesa, a par de tudo o que se estava a acontecer, no modo de falar e de ver o mundo - como se tivesse chegado na véspera do Porto, a nossa terra, a nossa primeira afinidade.
Voltei a encontra a Ruth várias vezes, em São Paulo e em Lisboa.
O segundo encontro até chegou, ao contrário do primeiro, às páginas sociais da imprensa - e incuiu Natália Correia, que estava em S Paulo com uma agenda cultural intensa. Nova ocasião de fazer graça e reforçar amizades.
E na última vez em que voltámos às conversas de tertúlia, do lado de lá do Atlântico, ía eu integrada numa delegação parlamentar e fomos todos convidados para assistir à mais recente produção da Ruth - a teatralização de "os Lusíadas", um espetáculo muito bem conseguido, que ela quis e conseguiu trazer a Lisboa. Mulher vanguardista, cosmopolita, tão acarinhada no Brasil e tão fiel às origens, como o comum dos emigrantes! "Os Lusíadas" fora um tema imposto pelo coração, é claro como símbolo da cultura de ambos os seus países!
Vi ainda a Ruth, de novo, mais chique e imponente do que nunca, numa sumptuosa festa em São Paulo, já no século XXI. Mas a sua memória esmorecia e não deu para recordarmos o Porto da nossa juventude. Mesmo assim, foi bom revê-la, já mais como mito do que como simples pessoa e pessoa simples. E portuense, como eu.
RUTH ESCOBAR, CIDADÃ LUSO - BRASILEIRA Ruth Escobar foi, bo Brasil do século XX, mais célebre portuguesa, como atriz, empresária teatral de vanguarda, ativista de direitos humanos e pioneira na vida política brasileira. Sem nunca ter adotado a nacionalidade do país, ao abrigo da Convenção de Igualdade, fez historia como a primeira mulher eleita deputada, em dois sucessivos mandatos, à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Nascida e criada no centro da cidade do Porto, onde, no Liceu Carolina Michaelis se iniciara na artes cénicas, em autos de Gil Vicente, emigrou com a mãe aos de. Duas mulheres sozinhas, a mãe com a vontade de melhorar a vida, a filha cheia de sonhos que haveria de cumprir, grandiosamente. Nas suas próprias palavras: "quando embarquei para o Brasil, no Serpa Pinto, com a minha mãe, levava também a certeza de um destino, pois soube que tudo o que sucedeu na minha vida, mesmo antes do meu nascimento, estava moldado por uma força universal, cósmica, transcendente". No colégio paulista, logo se destaca e ganha o prémio de "raínha", pelo seu carater expansivo e talento para representar. Aos 18 anos, troca o estudo pelo trabalho, e, com apoios da comunidade portuguesa, cria a sua própria revista, "Ala Arriba". Como jornalista amadora, lança-se numa campanha pela presença portuguesa em Goa e percorre o mundo, ombreando com os melhores correspondentes de imprensa internacional, entrevistando uma lista de celebridades, como Foster Dulles e Christian Pinaud, Bulganin e Krushev, o Principe Norodan Sihanouk, o presidente das Filipinas, os primeiros-ministros da Turquia e da Tailândia, o mítico Nasser (a única a ter esse privilégio, no meio de quinhentos jornalistas presentes no Cairo), os governadores de Macau e da Índia e até Salazar. Os seus exclusivos são disputados por revistas como a "Life" e por grandes jornais de S, Paulo e Lisboa. Com pouco mais de vinte anos, torna-se produtora teatral, depois como atriz. Constrói um teatro com o seu nome, em São Paulo, faz sensação com a fundação, em 1963, do Teatro Nacional Popular, que leva ao povo das periferias do Estado, a muitos milhares de pessoas, espetáculos de qualidade (Martins Pera, Suassuna...), Durante a ditadura, o seu teatro é um palco de luta pela liberdade de expressão, Sucediamm-se as ameaças, os interrogatórios e prisões, os ataques de comandos para-militares, a violência sobre os próprios atores, mas Ruth Escobar tudo afrontava com a sua coragem de guerreira. Em Lisboa, conhece as três Marias, e por sua influência descobre a atualidade do feminismo, uma metamorfose que contribuirá para a conduzir aos hemiciclos da intervenção parlamentar, a ser a primeira presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante muitos anos, a representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres. No mundo do teatro, organiza, a partir de 1974, os primeiros Festivais Internacionais de Teatro., reconhecidos como a força renovadora do panorama da arte dramática brasileira. Nos anos noventa, deixa a política, mas não a intervenção cívica, e regressa aos palcos, como atriz e empresária . A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou o seu génio e a sua energia, ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . Ruth recebeu, em vida, as mais altas condecorações brasileiras. a Legião de Honra da França,e, por fim, até a Ordem do Infante Dom Henrique. Esta ilustre cidadã luso.brasileira, tão famosa no Brasil, não é, ainda, e queremos contribuir para que seja, conhecida e homenageada na sua terra de origem
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RUTH ESCOBAR, MULHER DO PORTO, (QUE NÃO É NOME DE RUA...)
1 - Numa das minhas rondas pré-pandemia pelos alfarrabistas, fiz um pequeno achado - um interessante livro sobre a toponímia feminina do Porto, da autoria do historiador César Santos Silva, com um prefácio de Joel Cleto. A edição é de meados de 2012, não muito recente, mas receio que mantenha, no que respeita à gritante desigualdade de género neste domínio, toda a atualidade. Não parece ser tema de que as (e os) feministas façam bandeira, e de que os autarcas, poder eminentemente masculino, tenham consciência.
O Autor apresenta 146 topónimos femininos, no Porto. mas entre eles, com boa vontade e simpatia, somando dezenas e dezenas dos mil e um nomes da Nossa Senhora, um bom número de Santas, a começar por Santa Catarina, cuja existência continua envolta numa nebulosa, e algumas, poucas, rainhas e princesas, entre outras ruas que pertencem, gramaticalmente, ao género feminino, mas não designam mulheres individuais. E, em alguns casos, nem se sabe, ao certo, o que designam...
Se nos concentramos nas celebridades dos últimos dois séculos, o número desce, dramaticamente, para apenas 33... Entre estas, antes de 1974, apenas seis: Florinha da Abrigada, a Sãozinha (1948), Felicidade Browne (1949), Guilhermina Suggia, (1951), Aurélia de Sousa (1954), Cecília Meireles (1971) e Amália Luazes (1973). Carolina Michaelis já dava nome ao liceu, porém, só teve direito à sua rua em 2001.
A partir de 1974, mais 27 senhoras ilustres receberam essa honra, sendo, maioritariamente, nascidas ou residentes na cidade. A percentagem de estrangeiras (sete, no total) é relativamente elevada, e maior seria se incluíssemos santas e rainhas. Entre as nacionais não portuenses se encontram - e muito justamente - figuras como Natália Correia, Maria Lamas, Sarah Afonso ou Vieira da Silva. Olhando os domínios em que se distinguiram, concluiremos que predominam a escrita, a música (de Suggia às nossas grandes pianistas), o professorado (universitário, sobretudo) e as Artes plásticas, algumas acumulando a excelência no campo artístico ou académico com a intervenção cívica e política. Mais raras são as mecenas (duas), as santas populares (duas) e aquela outra que alcançou a fama como modista (a Candidinha). Na área do Desporto, abundam campeãs do mundo, de Aurora Cunha a Fernanda Ribeiro. Contudo, só Rosa Mota mereceu destaque, e não numa pequena via citadina, mas num grandioso pavilhão polivalente.
A década mais fausta ao reconhecimentos dos méritos femininos na toponímia foi a de noventa, (com um pico em 1991/1992), seguida dos primeiros anos do novo século - 2000/2006.
Note-se que houve mulheres que foram, assim, homenageadas pelo poder municipal pouco após o falecimento, caso de Virgínia de Moura, Helena Sá e Costa, ou Sophia e outras que esperaram mais de um século para alcançarem o seu lugar na toponímia - por exemplo, Ana Plácido e a feminista e republicana Albertina Paraíso, de quem, felizmente, se lembraram, tardiamente embora, nas comemorações de 2010.
Não há, neste seleto círculo, uma só portuense da Diáspora. Há mulheres que vieram do estrangeiro ou que lá, transitoriamente, estudaram ou viveram. O que não há é emigrantes não retornadas, pelo menos do Porto... longe da vista, longe do coração! A exceção que confirma a regra, a pintora Maria Helena Vieira da Silva, é lisboeta e, ao mesmo tempo, parisiense, o que lhe confere um grau particular de visibilidade e prestígio. La France!...
Longe, verdadeiramente longe, fica o Brasil, para onde foi Maria Ruth do Santos, a menina de Campanhã, que morava na Rua do Bonjardim e se transformou, em São Paulo, na tão brilhante e mediática Ruth Escobar.
2 - Após a morte de Ruth, em 5 de outubro de 2017 - uma perda evocada em todo o Brasil, com eco em Nova Iorque, nas Nações Unidas - fez-se sobre ela, no país de origem, um estranho silêncio. Na sua terra, só uma associação, da qual sou fundadora, a Associação Mulher Migrante, lhe prestou a homenagem possível durante um colóquio sobre relações luso-brasileiras.
Alguns meses depois, influenciada pela leitura do livro de César Santos Silva, que tivera apoio institucional da autarquia, tomei a iniciativa de me dirigir à Comissão de Toponímia da Câmara Municipal do Porto, lembrando a personalidade desta portuense, a sua ligação afetiva à cidade onde passou os primeiros dezasseis anos de vida e o extraordinário percurso que a tornou a portuguesa da sua geração mais conhecida e admirada no Brasil, como atriz, produtora teatral, mulher de Cultura e ativista dos Direitos Humanos. Uma imigrante singular, admirada pela inteligência, pela audácia e pelo modernismo, uma mulher que nunca receou desafiar os poderes constituídos, em ditadura, nem enfrentar grandes polémicas. Aos compatriotas impressionava o orgulho com que se afirmava portuguesa e portuense. A sua autobiografia, publicada em 1987, começa assim: "Lembro-me do trajeto invariável de todos os dias: da Rua do Bonjardim subo a João das Regras, atravesso a Praça da República, desço a Rua dos Mártires da Liberdade, e entro na Praça Coronel Pacheco - onde ficava o Liceu Carolina Michaelis". Liceu, onde descobriu a vocação teatral, representando, um a um, todos os Diabos, dos Autos de Gil Vicente.
Esse primeiro capítulo do livro "Maria Ruth" é, todo ele, dedicado à vivência na cidade, aos passeios ao Palácio de Cristal, ou à Foz, às sessões de cinema no Rivoli, às festas populares de São João. As boas recordações da adolescência são, sobretudo, desses ambientes com que se identifica. Como confessa: "só consigo lembrar os barulhos de fora, da rua, da cidade, dos outros. De dentro de casa, do dia a dia, nada..." . Até que, um dia, partiu à aventura: "quando embarquei para o Brasil, no Serpa Pinto, com a minha mãe, levava também a certeza de um destino, pois soube que tudo o que sucedeu na minha vida, mesmo antes do meu nascimento, estava moldado por uma força universal, cósmica, transcendente". E, de facto, foi cumprindo os seus sonhos de jovem imigrante, a ritmo vertiginoso. Aos 18 anos, editava uma revista "Ala Arriba" e, na qualidade de jornalista (amadora), corria o mundo, entrevistava uma longa lista de líderes famosos, como Foster Dulles, Kruschev ou Nasser, via as suas reportagens serem disputadas por revistas como a "Life", e por prestigiados jornais de S, Paulo e Lisboa, Entre os seus 20 e 30 anos, impôs-se como empresária e produtora de teatro e, depois, como atriz talentosa. No Teatro a que deu o nome, (já não Maria Ruth dos Santos, mas Ruth Escobar, apelido do segundo marido, o poeta, dramaturgo e filósofo Carlos Escobar), levou à cena tanto os prediletos autos Vicentinos como peças contemporâneas. Em 1963, criou o Teatro Nacional Popular, itinerante, que chegava às periferias do Estado, a muitos milhares de pessoas, com espetáculos de grande qualidade (Martins Pera, Suassuna...), em palco improvisado num velho autocarro.
O seu terceiro marido, o arquiteto Wladimir Cardoso, viria a ser o cenógrafo de peças de enorme êxito artístico, como "Cemitério de automóveis" de Arrabal, com montagem do argentino Vitor Garcia e encenação da própria Ruth. Uma dupla que, em 1969, com "O balcão" de Jean Genet, venceria todos os prémios, no Brasil.
A partir de 1964, ainda jovem, na casa dos 30 anos, durante a ditadura, converteu o seu teatro em forum de luta pela liberdade, resistindo a ameaças, interrogatórios, prisões, e ataques de comandos para-militares. E, nessa década, trouxe Portugal, vencendo obstáculos postos pela "Censura", alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" .
Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S. Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que prosseguiu com o 2.ª Festival, em 1976. Em Portugal, por influência das "três Marias", com quem conviveu, acrescentou o feminismo às suas causas, e, no Brasil, voltou a fazer história, como pioneira no terreno da política, tornando-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só uma nacionalidade, a portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos nacionais e internacionais, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes. A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade, ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro! Uma última grande produção foi uma encenação de "Os Lusíadas", que estreou em São Paulo e conseguiu, depois, trazer a Portugal.
.Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" de França, e a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal.
A sua morte, em 2017, foi notícia impactante no Brasil, onde fica vivo um legado de intelectual vanguardista, que revolucionou o teatro nacional e de feminista portuguesa, que abriu caminho à intervenção política das mulheres brasileiras.
Percorro os nomes femininos da toponímia portuense e julgo que Ruth acrescentaria a essa lista tão reduzida, quanto significativa, a mais valia da singularidade.
.3 - Estas considerações sobre Ruth Escobar são puramente objetivas, poderia tecê-las sobre alguém com quem nunca me tivesse cruzado, alguém, porventura, de um tempo passado ou de uma geografia desconhecida. Mas, num plano mais subjetivo, vou contar como a vi pela primeira vez, em São Paulo.
Não consigo precisar a data, mas, sendo, então, deputada da emigração, entre uma saída e um regresso à Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, terá acontecido entre fins de 1981 e meados de 1983. Recordo que a minha visita foi organizada por um Cônsul-Geral muitíssimo simpático, que, por fim, me convidou para uma receção, na sua residência, com uma dezena de participantes, entre os quais Ruth, a deputada, que fazia furor. Na mesa redonda, o protocolo colocou-nos lado a lado e a sintonia foi imediata. A conversa começou e continuou centrada no Porto, no nosso Porto... Ela era uns anos mais velha do que eu, mas o país, nesses anos, não mudara, em nada... nem o liceu, nem as mentalidades, os costumes, a vida das adolescentes - que voltamos a ser, nas rememorações desse jantar, rindo e extravasando genuína e juvenil alegria. No dia seguinte, o Cônsul contou-me que ficara muito surpreendido ao constatar que Ruth e eu éramos amigas de infância. Acho que, de novo, muito o surpreendi, ao dizer-lhe que não, que tinha conhecido a famosa Escobar naquela noite... Pouco depois, segundo encontro inesquecível, também em São Paulo, com Natália Correia. Natália e Ruth.! A corrente passava entre ambas - qual delas a mais heterodoxa, a mais fulgurante, a mais carismática... Ruth, tal como Natália, parecia viver, sempre, vertiginosamente e em festa, cada momento, cada ideia, cada projeto...Bem gostaria de as ver, um dia, reunidas na toponímia do Porto.
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À Comissão de Toponímia da Câmara Municipal do Porto
Tenho a honra de apresentar a V. Excelências uma proposta de homenagem a Ruth Escobar, pela inclusão do seu nome na toponímia da cidade onde nasceu e onde viveu os primeiros 16 anos, até dia em que emigrou para São Paulo.
Aí a encontrei, muitas vezes, quando era Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas e Deputada pela Emigração, nas décadas de oitenta e noventa.
Ruth Escobar era já, nesse tempo, a portuguesa da sua geração mais conhecida e reconhecida no Brasil, como atriz, produtora teatral, mulher de Cultura, ativista dos Direitos Humanos, política carismática, voz poderosa na defesa de causas. Uma imigrante singular, que o Brasil admirava pela inteligência, pela audácia e pelo modernismo. Aos compatriotas, como eu, impressionava também o orgulho com que se afirmava portuguesa do Porto..
Não é por acaso que a sua autobiografia, publicada em 1987, começa com esta frase: "Lembro-me do trajeto invariável de todos os dias: da Rua do Bonjardim subo a João das Regras, atravesso a Praça da República, desço a Rua dos Mártires da Liberdade, e entro na Praça Coronel Pacheco - onde ficava o Liceu Carolina Michaelis".
O Liceu onde descobriu a vocação teatral, representando, um a um, todos os Diabos, dos Autos de Gil Vicente..
Esse primeiro capítulo do livro "Maria Ruth" é, todo ele, dedicado à cidade do Porto, aos passeios ao Palácio de Cristal, ou à Foz, às sessões de cinema no Rivoli, às festas de São João. As boas recordações da adolescência são, sobretudo, dos ambientes portuenses com que se identifica. Como diz "só consigo lembrar os barulhos de fora, da rua, da cidade, dos outros. De dentro de casa, do dia a dia, nada..."
Nas suas próprias palavras: "quando embarquei para o Brasil, no Serpa Pinto, com a minha mãe, levava também a certeza de um destino, pois soube que tudo o que sucedeu na minha vida, mesmo antes do meu nascimento, estava moldado por uma força universal, cósmica, transcendente". E, na verdade, foi cumprindo os seus sonhos de jovem imigrante a um ritmo vertiginoso. Aos 18 anos editava uma revista "Ala Arriba" e na qualidade de jornalista (amadora) corria o mundo e entrevistava uma longa lista de líderes famosos como Foster Dulles, Krushev ou Nasser. As suas reportagens eram disputadas por revistas como a "Life" e por prestigiados jornais de S, Paulo e Lisboa,
Entre os 20 e os 30 anos. impôs--se como empresária e produtora de teatro e, depois, como atriz talentosa. No Teatro a que deu o nome, (já não Maria Ruth dos Santos, mas Ruth Escobar, apelido do segundo marido, o poeta e dramaturgo Carlos Escobar), levou a cena tanto os prediletos autos Vicentinos como peças contemporâneas. Em 1963, inovou com a criação do Teatro Nacional Popular, que chegava às periferias do Estado, a muitos milhares de pessoas, com espetáculos de grande qualidade (Martins Pera, Suassuna...) em palco improvisado num velho autocarro.
O seu terceiro marido o arquiteto Wladimir Cardoso, viria a ser o cenógrafo de peças de enorme êxito artístico - como "Cemitério de automóveis" de Arrabal, com montagem do argentino Vitor Garcia, e encenação da própria Ruth: Uma dupla que, em 1969, com "O balcão" de Jean Genet, venceria todos os prémios do ano, no Brasil.
A partir de 1964, na casa dos seus 30 anos, Ruth atravessou o período conturbado da ditadura e.o seu teatro converte-se em espaço de luta pela liberdade, apesar das
ameaças, interrogatórios, prisões, ataques de comandos para-militares e violência sobre os atores e sobre ela. Nesta década trouxe a Portugal alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" .
Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que o 2.ª Festival, em 1976, veio aprofundar.
Ruth voltou a fazer história, como pioneira no domínio da política, ao tornar-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só a nacionalidade portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos do Brasil e da ONU, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, e como empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes .
A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . A sua última grande produção seria, por sinal, uma encenação de "Os Lusíadas".
.Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" da França, a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal A sua morte, a 5 de outubro de 2017, foi sentida no Brasil e nas Nações Unidas, onde deixou uma imagem inspiradora. Em Portugal. passou por um quase total silêncio
O Município do Porto poderia, agora, destacar este raro percurso cívico, artístico e político da Cidadã Portuense Ruth Escobar, mantendo viva a sua memória na toponímia da cidade.
Desde já agradeço a atenção que a proposta venha a merecer a apresento a Vossa Excelências, com elevado apreço, os meus melhores cumprimentos
A partir de 1964, na casa dos seus 30 anos, Ruth atravessou o período conturbado da ditadura e.o seu teatro converte-se em espaço de luta pela liberdade, apesar das
ameaças, interrogatórios, prisões, ataques de comandos para-militares e violência sobre os atores e sobre ela. Nesta década trouxe a Portugal alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" .
Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que o 2.ª Festival, em 1976, veio aprofundar.
Ruth voltou a fazer história, como pioneira no domínio da política, ao tornar-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só a nacionalidade portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos do Brasil e da ONU, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, e como empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes .
A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . A sua última grande produção seria, por sinal, uma encenação de "Os Lusíadas".
.Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" da França, a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal A sua morte, a 5 de outubro de 2017, foi sentida no Brasil e nas Nações Unidas, onde deixou uma imagem inspiradora. Em Portugal. passou por um quase total silêncio
O Município do Porto poderia, agora, destacar este raro percurso cívico, artístico e político da Cidadã Portuense Ruth Escobar, mantendo viva a sua memória na toponímia da cidade.
Desde já agradeço a atenção que a proposta venha a merecer a apresento a Vossa Excelências, com elevado apreço, os meus melhores cumprimentos
A partir de 1964, na casa dos seus 30 anos, Ruth atravessou o período conturbado da ditadura e.o seu teatro converte-se em espaço de luta pela liberdade, apesar das
ameaças, interrogatórios, prisões, ataques de comandos para-militares e violência sobre os atores e sobre ela. Nesta década trouxe a Portugal alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" .
Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que o 2.ª Festival, em 1976, veio aprofundar.
Ruth voltou a fazer história, como pioneira no domínio da política, ao tornar-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só a nacionalidade portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos do Brasil e da ONU, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, e como empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes .
A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . A sua última grande produção seria, por sinal, uma encenação de "Os Lusíadas".
.Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" da França, a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal A sua morte, a 5 de outubro de 2017, foi sentida no Brasil e nas Nações Unidas, onde deixou uma imagem inspiradora. Em Portugal. passou por um quase total silêncio
O Município do Porto poderia, agora, destacar este raro percurso cívico, artístico e político da Cidadã Portuense Ruth Escobar, mantendo viva a sua memória na toponímia da cidade.
Desde já agradeço a atenção que a proposta venha a merecer a apresento a Vossa Excelências, com elevado apreço, os meus melhores cumprimentos
quarta-feira, 9 de novembro de 2022
ISABEL II, "SELF-MADE QUEEN"
1 - A morte de uma grande Rainha é apenas o início de uma outra forma de vida imortal, que foi esplendidamente anunciada durante os dez dias de rituais e homenagens fúnebres a que incontáveis milhões de telespectadores, assistiram no pequeno ecrã (estima-se que o número andou perto de mil milhões) e em que centenas de milhares de pessoas participaram, presencialmente, com a convicção marcada no rosto de participarem em atos nos quais a História acontecia. O passamento de Isabel II deixou muito poucos indiferentes, a nível planetário. A cobertura mediática exaustiva e intensiva mais não foi, certamente, do que o reflexo de interesse e reconhecimento global. Sentimos essa perda como se fosse nossa... do nosso país, comunidade, família, e, por isso, a tristeza e a comoção foram partilhadas sem fronteiras.
Na hora da morte, esperada e inesperada, do ícone em que, há muito, se convertera, o mundo parou para lembrar Isabel II na sua estatura de estadista, num coro de elogios que englobou, entre líderes de Estados de todas as geografias, Zelensky e Putin, Biden e Obama, Trump e Bolsonaro. Em Westminster Hall, a fila de quilómetros, que se formou, dia e noite, sem parar, nos últimos cinco dias, numa longa e lenta caminhada de 12 a 14 horas, foi, autenticamente, o que um jornal londrino chamou "uma peregrinação", que bem podemos adjetivar como reverencial e afetiva. O funeral de Estado, a 19 de setembro, reuniu um número jamais visto de representantes ao mais alto nível de Casas Reais e de Repúblicas (no nosso tempo, só comparável ao funeral de Nelson Mandela que, todavia, contou com bastante menos de metade da vasta panóplia de dignitários, que se viu em Westminster Abbey).
Uma cerimónia religiosa precedida por todos aqueles dias vertiginosamente preenchidos por rituais e eventos, que as cameras de televisão transmitiram em direto e em que harmonicamente se conjugaram os tributos à monarca falecida, aos quais nunca faltaram multidões, e a agenda do novo Rei, sua investidura e contactos com os Parlamentos e os Povos da Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda, com os líderes da "Commonwealth" e um sem número de personalidades estrangeiras. Foi, sem dúvida, uma fascinante aula prática de como funciona a transição monárquica no mais antigo dos regimes parlamentares - conjugação singular de modernidade democrática, e da "traditio", que se vai moldando a toda a espécie de transformações sociais, nomeadamente, no domínio das desigualdades de género - um aspeto que no debate sobre a alternativa Monarquia/República poucas vezes é destacada. As monarquias constitucionais têm dado à Europa mais chefes de Estado do que as Repúblicas... E se somarmos os anos de mandato, a diferença é ainda maior. Hoje, nas principais Casas Reais europeias, a igualdade dos sexos na linha de sucessão está constitucionalmente garantida, depois das mais conservadoras como a britânica, e, sobretudo, a espanhola terem seguido o paradigma nórdico.
Um dos exemplos concreto de reivindicação da igualdade foi dado na chamada "vigília dos Príncipes", primeiro em Edimburgo e, depois, em Londres, pela Princesa Ana, que, em uniforme cerimonial, de medalhas ao peito, desfilou, a par dos irmãos, atrás do féretro real, tornando-se a primeira Mulher a fazê-lo. Um lugar que fora sempre reservado ao sexo masculino. Abriu, assim, o precedente! A corajosa opção da Princesa Real produziu resultados imediatos: na inovadora vigília dos netos da Rainha Isabel II, que terá inaugurado uma nova tradição a cumprir em futuras exéquias reais, (desde que haja essa geração), as quatro netas da Rainha estiveram presentes, em posição idêntica à de irmãos ou primos. Foi como que uma "experiência laboratorial" bem sucedida, que logo prosseguiu, quando os bisnetos de Isabel II foram, ao que parece por decisão de última hora, integrados no cortejo do funeral de Estado: não só Jorge, (o futuro Jorge VII), de nove anos, mas igualmente Carlota, com apenas sete anos. A princesa mais nova não foi deixada em casa. Um significativo pequeno sinal dos tempos.
2 - Com um olhar sempre atento aos desiquilíbrios de sexo na ocupação do espaço público, anotei a enorme predominância masculina nas impressionantes exéquias, particularmente visível na componente militar (fantástico espetáculo de coreografia, em que os britânicos são inexcedíveis). Apenas um pouco superior era a percentagem de mulheres entre os membros do clero, (na Igreja anglicana, há mulheres Bispos e, ao menos uma estava na Abadia). A tendência para o equilíbrio desenhava-se nas instituições políticas e, na outra componente maior das celebrações - a popular - talvez tenha havido predominância feminina, ainda que não muito acentuada.
De qualquer modo, era à volta de uma mulher que tudo girava: a mulher mais famosa do nosso tempo, que do outro lado do planeta, (em Pequim), admiradores apelidaram de "Rainha do mundo" , tal como o fazia, na CNN, um dos maiores nomes do jornalismo internacional, Christiane Amanpour, (embora lhe colocasse um ponto de interrogação).
O que, inquestionavelmente, poderemos afirmar, é que Isabel II, no fim do reinado, era muito maior do que a Grã-Bretanha, ou os 16 Reinos sob a sua coroa, ou a Commonwealth de 56 Estados, na maioria Repúblicas, com uma população que perfaz um terço da humanidade. E, também, muito maior do que era no momento em foi chamada a ocupar o trono, com apenas 25 anos, por morte prematura do pai. Quem ousaria, então, prever o destino que foi traçando, a pulso, com uma aprendizagem feita no dia a dia de tantos dias, de tantos anos, de sete décadas... Começou por convencer às suas (insuspeitadas) qualidades um cético Winston Churchill, que não via nela mais do que a sua aparência de jovem inexperiente e tímida. E acabou por convencer líderes e povos à escala universal. Não de imediato, nem de forma fácil. Bem pelo contrário, teve de afrontar, em conjunturas adversas, uma infinidade de obstáculos, muitos dos quais colocados no seu caminho pelo simples facto de ser mulher, de ter de vencer preconceitos e conjugar os papeis de família e de Estado, reinventando o cargo ao seu exercício no feminino. Tudo isso, num tempo muito concreto - tão diverso da era Vitoriana como da realidade do pós guerra no século XX. Não tinha um modelo a seguir, mas a criar... Na maioria das análises e comentários em que a recordam esta singularidade tende a ser menorizada. Camila, a Rainha Consorte, foi uma exceção ao valorizar a assertividade e intrepedez de Isabel II ao entrar num "mundo de homens" (que ainda hoje é, mas não tanto...), obrigada a fazer um percurso solitário, único e irrepetível, de início, não espetacular ou fulgurante, porém sempre consistentemente ascensional. Nos primeiros anos terá prevalecido a imagem que eu própria tinha dela - a de uma monarca distante, conservadora, refém de rígidos protocolos e remetida a um papel meramente simbólico. Muito diferente das Rainhas reinantes nas nações nórdicas, as minhas preferidas...
Tal como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, vi Isabel II, pela primeira vez, em 1957, de relance, alinhada numa rua cheia de gente. No meu caso, não em Lisboa, mas na Avenida, em Gaia, que o carro oficial desceu lentamente, em direção à ponte sobre o Douro. Estava com muitas dezenas de colegas do Colégio do Sardão, envergando uniforme de festa. Formávamos uma longa mancha azul marinho na primeira fila do passeio. Ensaiadas pela nossa professora Madre Mary King, entoávamos, alto e bom som, o “God save the Queen”. Ouvindo o hino, a Rainha terá mandado o carro parar, por uns segundos, à nossa frente, enquanto o casal sorria e nos acenava. Ele mais próximo. Tínhamos feito, habilmente, a escolha pelo lado da Avenida onde melhor poderíamos ver Filipe, o formidável Duque de Edimburgo. Estávamos bastante mais interessadas nele do que nela...
Quase três décadas depois, a Rainha voltou ao nosso País, em visita oficial. Dessa vez, eu era Secretária de Estado da Emigração, e tive diversas ocasiões de cumprimentar Sua Majestade, numa delas em vestido de gala, cruzado pela faixa larga de uma condecoração britânica, que acabara de receber. Foram breves e formais saudações, de que não guardo recordação emotiva… Quem mais me impressionou, foi, de novo, o Príncipe Filipe, numa inesperada e divertida conversa a dois (suscitada pela minha OBE...).
3 – Sem mais contactos pessoais, fiz a “estrada de Damasco”, em relação à Isabel II nas últimas duas décadas, à medida que me fui apercebendo, não só da sua surpreendente capacidade para compreender o espírito do tempo, (parecendo, paradoxalmente, mais jovem de mentalidade na velhice), como, sobretudo, a importância da sua figura enquanto “Mulher de Estado”. Ou seja, enquanto "mais valia" no infindo combate contra os preconceitos e as discriminações de género. E redescobri Isabel II como autêntico trunfo para causas que há muito coloquei no topo das prioridades: a erradicação de discriminações, que asfixiam as nossas sociedades, de forma clara ou larvada, como o idadismo e o sexismo. No caso da Raínha, a idade tornou-a mais sábia, respeitada e consensual. Foi, pois, com cabelos brancos e rugas naturais que o mundo a aceitou como a mais convincente imagem de empoderamento feminino. Com um poder situado acima do plano partidário e das querelas do quotidiano - um poder que não se exprime de forma direta, em números e slogans políticos, e não é quantificável, nem tangível, por um lado, nem meramente simbólico, por outro. A informação confere poder e ela dispôs de sete décdas de acesso a todos os dossiers secretos, leu-os, atentamente, e tudo conservou na sua espantosa bagagem de conhecimento. Saber usá-lo, com sageza e sem alarde público, só podia contribuir para solidificar a sua autoridade, prestígio e influência. As opiniões da Rainha eram desconhecidas na arena política, mas não dos seus Primeiros Ministros que, como é do domínio público, preparavam cuidadosamente as frequentes reuniões com ela. Sabe-se, também, que era menos atraída pelas vicissitudes da política interna do que por matérias estratégicas no campo da Defesa e das Relações Internacionais. O mais provável é que tenha apoiado continuadamente o esforço que permitiu à Grã-Bretanha continuar a ser a primeira potência militar da Europa, deixando à distância a segunda, a França. E mais inequívoco ainda foi o seu papel absolutamente crucial e preponderante na transição do Império para a Commonwealth (o que chamamos "descolonização", no nosso caso, tardia e dramática...).
Olhando retrospetivamente seu desempenho, na vida pública, em conjugação com a privada, não podemos deixar de o ver como uma extraordinária demonstração da capacidade feminina para responder aos maiores desafios e para exercer as mais exigentes funções. Um legado precioso, porque nos confere a certeza, ou, pelo menos, o pertinente questionamento sobre o que todos os Estados e sociedades ganhariam se permitissem às mulheres, que se nos afiguram pessoas comuns, o que lhes têm negado: uma oportunidade de mostrar o que valem! O exemplo de Elizabeth Alexandra Mary Windsor é particularmente sugestivo, porque, ao contrário do seu marido, não tinha uma formação académica, brilhantemente concluída, nem alardeava invulgar inteligência, ambição ou arrojo. Viu-se, involuntariamente, catapultada para um cargo que não queria, teve uma oportunidade indesejada...
E não foi menos impressionante a sua gestão da vida privada, antes de mais, ao fazer um casamento de amor, coisa, então, rara, em famílias reinantes. Um primeiro sinal da sua fortíssima personalidade. Contra a vontade dos pais e da Corte, casou com Filipe, príncipe da Grécia e da Dinamarca, primo afastado - como ela trineto da rainha Vitória - órfão solitário, sem fortuna, estrangeiro, demasiado atraente (diziam os detratores...), um mero, embora distinto oficial da"Royal Navy" - por tudo isso, longe do perfil de consorte traçado pela Corte. Contrariando presságios e vaticínios, o casamento duraria uma vida inteira de cumplicidade, apesar de ser um exemplo da inversão da tradicional divisão de trabalho: ela foi a Chefe de Estado, e reinou sozinha, com um poder indivisível: ele ocupou-se, em primeira linha, da família. Por Isabel abdicou dos seus próprios título reais e sacrificou uma promissora carreira militar, que adorava, e ficou “desempregado”. Viu-se compelido a reinventar ocupações e fê-lo, inteligentemente, em projetos e tarefas de enorme importância, mas, as mais das vezes, discretas, quase invisíveis, sempre preocupado em deixar o palco à Rainha. O seu contributo para a afirmação de Isabel II, terá tido uma importância que a História possivelmente vai omitir. Contributo, que ela, em anos recentes, com a autoconfiança que a idade acrescenta, haveria de reconhecer publicamente, mas que permaneceram largamente mantidos na sombra (e não é essaa sorte normal das consortes dos grandes vultos que marcam cada época, em qualquer domínio?).
4 - Uma história assim, teria fatalmente de chamar a minha atenção, enquanto defensora da igualdade e da partilha de funções entre homens e mulheres, no círculo familiar e no espaço público. Este caso concreto de inversão dos papéis de género, permite-me demonstrar como a minha simpatia vai, sempre, espontaneamente, para o parceiro injustamente menos valorizado, seja qual for. É, quase sempre, a mulher, mas, se, excecionalmente, for o homem, sinto-me, do mesmo modo, motivada a fazer-lhe justiça. Qual foi a parte de Filipe na vida de uma Rainha, que, ao contrário da sua antepassada Victoria, nunca sobrepôs as razões do coração aos seus deveres de Estado e nem sequer lhe deu o estatuto de "principe consorte"? Filipe terá sido o seu principal conselheiro, e não por complacência ou favor, mas por confiança na sua mundivisão e audácia, que temperava com o filtro da sensatez e da prudência, que a caraterizavam. Sabia ouvir, julgar e decidir. Hoje, é do conhecimento geral, embora continue a merecer insuficiente destaque, que o Príncipe Filipe foi “ghost writer” de discursos reais, que se lhe deve, por exemplo, a abertura a um novo relacionamento com os “media”, a começar pela transmissão em direto da cerimónia da coroação (vencendo um braço de ferro com Churchill, que era absolutamente contra). E, sobretudo, a reconfiguração da “Commonwealth”, voltada para as prioridades que eram as suas - a defesa da Natureza, do ambiente, do progresso tecnológico, da cultura e do desporto, a aposta na convivialidade e na juventude. Não foram coisa de somenos, se pensarmos na projeção mediática que transformou Isabel II em Rainha global (é evidente muito por mérito próprio, pelo seu talento de grande diplomata) e agregou a "Commonwealth", que se expandiu sob a sua égide, como a nova "joia da Coroa". Isabel II foi Chefe de Estado pelo acaso do nascimento, mas Chefe da Commonwealth de 56 Nações iguais em estatuto, por livre eleição dos seus pares, na sua maioria Presidentes de Repúblicas.
Ao cumprir exemplarmente a sua missão, do primeiro ao último dia, (70 anos depois...) tornou-se um paradigma do exercício do poder no feminino, na "terceira idade" e num regime monárquico e mostrou as virtualidade das mulheres, dos idosos e das monarquias para darem futuro a um mundo melhor. Não admira que tantos lhe quisessem dizer adeus com um simples: "thank you!".
terça-feira, 25 de outubro de 2022
AS POLÍTICAS DE DESAPOIO AOS PENSIONISTAS
1 – Neste ensombrado mês de setembro de 2022 assistimos a um ataque, com precedentes na substância, mas sem precedente na forma e no estilo, aos rendimentos dos pensionistas. Estamos habituados à cíclica aparição do fantasma da sustentabilidade da segurança social, que serve de pretexto aos Governos para o corte de pensões, que é uma redistribuição de riqueza entre gerações, em prejuízo dos mais fracos – que são aqueles que, regra geral, não têm meios para recuperar do prejuízo. (não podem voltar ao mercado de trabalho, nem emigrar e não têm sindicato que os defenda). O que para além do mais, significa um esbulho, (com todas as letras, um roubo) a todos aqueles que tiveram uma carreira contributiva, com princípio, meio e fim.
Para só falar de tempos recentes, do primeiro quartel do século XXI, podemos começar por José Sócrates, que cortou aos mais velhos a possibilidade de concorrer ao mercado de trabalho – penalizando-os com proibições radicais ou cortes de pensões. O que, a meu ver, é uma discriminação inconstitucional. Se o montante da pensão é a contrapartida de descontos feitos ao longo da vida profissional, com que direito pode o Estado impor novas condições para o pagamento a que se obrigou? O que diríamos de o mesmo fizesse a entidade que contratou um seguro privado? Mas, se assim é, porque poderá a autoridade pública permitir-se expedientes que seriam considerados aberrantes para os privados?
Sócrates merece, pois, ser situado como o verdadeiro precursor de uma infamante “capitis diminutio” dos mais velhos na história da segurança social no nosso país. O seu sucessor, Passos Coelho ira transportar a novos patamares a discriminação ”idadista” (há que acrescentar o termo ao revisor de texto do computador, rejeitando, firmemente, as alternativas que nos aconselha desde “ida .dista”, que não sei o que seja, a “sadista”, que é, por sinal, bem adequada para adjetivar a intenção governamental). Todos estamos lembrados de como, em flagrante atentado à Constituição, (relevado pelo Tribunal Constitucional de então, com honestos votos contrários) lançou sobre esta categoria de cidadãos, o “imposto extraordinário de solidariedade”, levando como oferenda à toda poderosa “troika” uma grossa fatia das pensões.
Não era, porém, uma exigência externa, dentro da austeridade global, mas uma opção muito portuguesa, muito PSD/CDS (ou Passos Coelho/ Paulo Portas). Aqui ao lado, na Espanha, um governo não menos conservados ou direitista (o de Rajoy), e também intervencionado em nome do desequilíbrio das contas públicas, fez questão de honra de salvaguardar e proteger, em especial, os reformados e até de aumentar pensões, nem que fosse simbolicamente, com um euro – das pensões mais baixas às mais altas! Confesso que, na altura, nada me chocou mais do que este contraste ibérico.
Em termos de “idadismo”, esse tinha sido, até à data, o período mais negro – quem pode esquecer que um dirigente do PSD falou, sem vergonha e sem sanção, dos velhos como “a peste grisalha”.
Sem castigo, sem pública reprovação no interior do partido - que não no eleitorado … De facto, o CDS deixou de ser, para sempre, o “partido dos reformados”, antes mesmo de desaparecer do Parlamento. E o PSD perdeu, (não sabemos ainda se para sempre), esse importante, cada vez mais importante num país envelhecido, esse segmento do universo eleitoral. E quedou-se, ano após ano, por votações muito abaixo da sua média. Terá agora, face ás inusitadas medidas do Governo PS, uma oportunidade de recuperar o “voto grisalho”? Muito vai depender do que Luís Montenegro pretende acordar com António Costa…
2 – A golpada discursiva em que germinou o anúncio do que pode vir a ser o mais brutal corte de pensões é coisa inédita, pelo menos, em democracia… No primeiro ato desta comédia trágica, surge o Primeiro Ministro a confirmar o que outras vozes do seu Governo já haviam aventado nos media: o maior aumento de pensões jamais concedido em Portugal. Meia pensão, oferecida de mão beijada, já em outubro e grandes aumentos a consagrar no orçamento para 2023 e nos seguintes. Eis o aliciante pacote para reformados, elevado à condição de equivalente a um outro pacote para famílias e para trabalhadores com rendimentos abaixo de certos limites. O ufanismo governamental era de tal ordem, o “slogan”, aparentemente traduzido em número de euros tão dilatado (se abstrairmos, claro, de uma tremenda inflação…), e toda a trama tão bem urdida que tinha tudo para dar certo, num país onde os grandes “media” costumam ser excelentes câmaras de eco. Bem podiam os especialistas questionar, esmiuçar, desmascarar a solução em todas as suas consequências futuras. Não tinham acesso ao mesmo vasto palco, não usavam a mesma linguagem primária, linear, a única que, na convicção do Governo, o cidadão comum entende. As probabilidades de Costa levar a melhor, com a costumeira benevolência presidencial eram colossais, mas para meu espanto (e, suponho, para espanto dos governantes também, aconteceu o inesperado. As oposições da extrema esquerda à extrema direita, por uma vez na vida, falaram em uníssono e explicaram a coisa tão bem que todos perceberam. As medidas para famílias e trabalhadores uma tentativa, ainda que insuficiente, de combater a inflação, de que os reformados são os únicos excluídos. Receberam uma mão cheia de nada (uma mera antecipação em outubro, de uma só vez, do que lhes era devido a partir de janeiro) e a certeza do decréscimo e erosão de pensões futuras. Fica como mancha indelével no currículo deste Governo a mais cínica e despudorada comunicação de um corte de pensões sofisticadamente disfarçado de benefício!
3 – Os reformados sabem doravante com quem não podem contar… (e será que podem contar com algum partido político da área do Poder?). O PS, com a sua larga maioria e os cofres cheios de impostos, agora por efeito do processo inflacionário ´não tem desculpa alguma, nem externa, nem interna para um tal dislate. Dirão alguns que já não há geringonça. Eu penso que sim, mas dentro do partido. Há um PS que escolhe sacrificar os reformados e poupar os lucros excessivos das grandes empresas. E há um outro que faria, com certeza o contrário…
terça-feira, 18 de outubro de 2022
LÁ LONGE, A NAÇÃO CONSTRUÍDA SEM ESTADO
1 - Ao longo das últimas quatro décadas, participei em inúmeros colóquios e debates sobre a emigração portuguesa mas, quando olho para trás, consigo apenas recordar alguns, e raras vezes na integralidade. O processo seletivo da memória permanece um mistério. Há certas frases, minhas ou dos interlocutores que resistem, intactas, talvez por serem mais insólitas ou curiosas.
Como é óbvio, recordo, com mais precisão, nas suas traves mestras, o discurso inspirado na realidade das migrações e nas políticas então desenvolvidas. Aliás, não me faltam para o relembrar, recortes de imprensa, artigos e publicações de época. Foi o associativismo e o seu papel na construção das comunidades portuguesas o tema que abordei em Ovar, numa tarde de Agosto de 83 ou 84, num encontro não muito diferente de tantos outros, que o simples comentário de um jovem jornalista tornou inesquecível. Disse-me: "A Senhora Doutora fala como se não fosse do Governo". O tom da afirmação não pretendeu ser crítico, negativa ou positivamente, mas sim factual. Ou assim me pareceu. E a afirmação era pertinente, porque eu acabava de descrever o universo das comunidades portuguesas da Diáspora, que deve a sua existência às instituições criadas e mantidas pelos cidadãos, não ao
Governo. Assim se formou o que alguns chamam o "outro Portugal", nascido e preservado fora do território - fantástico espaço cultural, hoje, enfim, visto como parte da Nação. A Nação, sociedade civil sem Estado, que aí não teve o menor mérito e nem sequer deu pela sua importância, até data bem recente. Vários ilustres pensadores, (como Vitorino Magalhães Godinho, o General Eanes ou Sá Carneiro, por exemplo), no período pós revolução, vieram relacionar tão justo como tardio reconhecimento à perda do Império, que deixou um vazio, logo preenchido pela "descoberta" da Diásspora. Afinal, na geografia do antigo Império, o que desapareceu, de vez, foi o domínio do Estado, o projeto estatal, não a presença perene corporizada pelos emigrantes nos territórios onde, ao longo de séculos, escolheram viver.
2 - O caso do Brasil é, sem dúvida, o exemplo mais completo e elucidativo, porque foi, antes e depois da independência, e até meados do século XX, o destino favorito da esmagadora maioria da nossa gente. Todos os que partíam não eram demais para a colonização de um domínio tão extenso, mas o êxodo constante foi quase sempre considerado excessivo para um país com a nossa diminuta dimensão populacional. O despovoamento do território pátrio assustava os poderes públicos, que tentaram restringir os caudais migratórios, por todos os meios, nomeadamente uma vasta e ineficaz legislação proibitiva. Os homens faziam da Lei letra morta, e iam clandestinamente, (se necessário). E nem a independência brasileira, em 1822, travou o imparável movimento, antes pelo contrário... Na verdade, a emigração portuguesa foi, e é, na essência, uma aventura individual (ou familiar), multiplicada por milhões, e este seu carater voluntário, espontâneo, que a marginalizou face ao Poder, explica o singular relacionamento humano que a uniu a outros povos, numa convivência de igual para igual
As únicas políticas públicas neste sector são as tentativas (falhadas) de controlar as saídas, através de regulamentação quase sempre limitativa. As pessoas persistiam no abandono a terra de origem, por razões económicas, mas levavam o país no coração e souberam unir-se para fundar e dar continuidade a comunidades organizadas à imagem e semelhança daquelas que conheciam no país, suprindo as omissões governamentais, no campo social (com uma rede de sociedades mutualistas e beneficentes) e cultural (com os gabinetes de leitura, as agremiações literárias, as escolas, os grupos de folclore, de teatro, os centros de convívio, os clubes desportivos...).. Isso aconteceu por todo o lado, com destaque para o Brasil, onde. ainda hoje, em diversos Estados da República Federativa os hospitais das Beneficências lusas são dos melhores, os mais modernos (o do Recife continua a ser, suponho, o maior de toda a América Latina), o mesmo se podendo afirmar dos clubes recretivos e desportivos, dos lares de idosos, dos "Gabinetes", com grandiosas sedes e bibliotecas (só a do Rio de Janeiro possui mais de 300.000 volumes e muitas edições raras!...). E o fenómeno repetiu-se onde quer que os portugueses se radicaram, sempre com extraordinário pendor associativo, que não cessa de nos maravilhar e supreender. Mas ainda agora, conhecemos melhor as histórias de vida dos emigrantes do que a história de vida das instituições geradoras de autênticas comunidades, que permanecem de geração em geração.
3 - Em Ovar, como fiz em tantas outras cidades (e ainda faço, se tenho oportunidade...), limitei-me a dar testemunho daquele universo, com um "saber de experiência feito". Quando, em janeiro de 1980, iniciei o trabalho no setor da emigração, conhecia casos concretos, antigos (na minha própria família) e
mais recentes (residi em Paris, no final dos anos 60...). Nos primeiros três meses procurei não só compulsar os "dossiers" recebidos do meu antecessor (Mário Neves, notável jornalista e diplomata), e apresentados pelos serviços, como preparar projetos legislativos inovadores, como a criação do Conselho das Comunidades, e a estudar a história das nossas migrações. Nada disso me preparou para o "descobrimento" da Nação extra-territorial, através de contactos diretos com as comunidades das Américas, África e Europa. As minhas visitas centravam-se nesse nosso novo mundo, e, por isso, nem chegava a sentir-me no estrangeiro - regressava de um Portugal ao outro, com a fantástica sensação de ter percorrido milhares de quilómetros de voo, sem ultapassar as fronteiras humanas e culturais do meu país! Aprendi a ver o fenómeno associativo com outros olhos - lá fora, primeiro, e, depois, cá dentro também. Ganhei a consciência da importância do associativismos de cada terra. Sei que, por exemplo, Espinho não seria o que é, nem poderia
manter as suas tradições, , o seu espírito e identidade sem o esplêndido conjunto de instituições de solidariedade, cultura, desporto e recreio de que tanto pode orgulhar-se. Exatamente como acontece com a presença portuguesa a que um forte movimento associativo deu, e dá, visibilidade em todos os continentes do mundo, à margem de quaisquer apoios do Estado.
Se os governantes, em outras áreas, reconhecem os erros do passado e apresentam às vítimas, pedidos de desculpa, porque não ensaia-lo também no campo da emigração, constatado o abandono a que os compatriotas foram votados lá fora, desde tempos remotos? E mais: porque não reconhecer, também, que, apesar dos progressos registados desde a década de setenta, estamos ainda longe de tratar, em condições de igualdade, não só os
cidadãos, individualmente, como o movimento associativo no estrangeiro?
Nunca hesitei em fazê-lo, por dever de justiça. E não só... Como pressentiu o perspicaz jornalista de Ovar, também por gosto, por afetiva adesão a uma sociedade sem Estado... utopia obviamente irrealizável dentro do território onde o Estado deve exercer a sua soberania.
quarta-feira, 21 de setembro de 2022
2022 MORREU A RAINHA
1 - Rainhas há muitas, mas quando dizemos, simplesmente, “a Rainha” falamos sempre de Isabel II. A sua desaparição deixou muito poucos indiferentes, a nível planetário – monárquicos e republicanos, por igual. Sentimos a perda como se fosse nossa – do nosso país ou comunidade, ou até da nossa família. Quem não tem, entre os seus parentes, alguém que envelheceu bem, como ela?
As emissões televisivas ao longo dos últimos dias mostraram até que ponto a emoção e a tristeza são largamente partilhadas. Na hora da sua morte, objetivamente esperada, mas subjetivamente inesperada, o mundo parou para a homenagear num coro encomiástico, que abrangeu, entre inúmeros líderes de Estados de todas as geografias, Zelensky e Putin, Biden, Obama, Trump e até Bolsonaro (que decretou 3 dias de luto oficial no Brasil!). Em Londres, as duas Câmaras do Parlamento reuniram, prontamente, em sessão especial, para que todos os membros sobre ela dessem o seu testemunho, contando pequenos episódios pessoais, a que não faltou, em alguns casos, um toque de humor carinhoso - no que a antiga Primeira Ministra Theresa May foi, especialmente, exímia. É, afinal, o que é costume em qualquer velório, ou elogio fúnebre. E, tratando-se de uma figura enorme e ímpar, quem resiste à tentação de desfiar as suas próprias memórias de um encontro havido com ela, ou de um simples vislumbre da sua presença? Não serei exceção...
Precisamente como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, (sou da mesma geração), vi-a, pela primeira vez, em 1957, de relance, alinhada numa rua cheia de gente. No meu caso, não em Lisboa, mas ao fundo da Avenida de Gaia, que o cortejo de vistosas viaturas negras descia lentamente, a caminho da ponte sobre o Douro. Eu estava lá, no meio de dezenas de colegas do Colégio do Sardão, todas de uniforme de festa, formando uma longa mancha azul marinho na orla do passeio. Ensaiadas pela nossa professora de inglês, a muito britânica Madre Mary King, cantávamos, alto e bom som, o “God save the Queen”. Ouvindo o hino, a destinatária terá mandado parar o carro. Por uns segundos, olhou-nos, com simpatia, sorrindo e acenando, tal como o marido. Ele mesmo à nossa frente, a pouco mais de um metro de distância, pois, de comum acordo, tínhamos escolhido o lado da Avenida onde melhor o poderíamos ver. Estávamos, naturalmente, mais interessadas no formidável Duque de Edimburgo do que na sua discreta monarca.
Quase três décadas depois, na meia década de oitenta, a Rainha voltou ao nosso País, em visita oficial, e eu, então no Governo, tive várias oportunidades de a cumprimentar - nada mais do que breves e formais saudações. Não guardo recordação particularmente emotiva da sua postura sereníssima e hierática … Foi, de novo, o Príncipe Filipe, quem mais me impressionou. Com ele, sim, aconteceu, no Palácio da Ajuda, uma inesperada e divertida conversa a dois, a propósito da vistosa faixa da condecoração (a OBE), que cruzava a metade superior do meu vestido comprido...
2 – Sem mais contactos pessoais, fiz a minha “estrada de Damasco”, em relação à Rainha, nas últimas décadas, à medida que fui reconhecendo, não só a sua surpreendente disponibilidade para acompanhar os novos tempos e as novas gerações, (conciliando progresso e tradição, como só os mais velhos podem fazer, quando mantêm o espírito bem aberto), mas também a sua importância enquanto “Mulher de Estado”, ou seja, enquanto trunfo na argumentação em favor da igualdade de género. Redescobri Isabel II como verdadeiro ícone para causas que, há muito fiz minhas, na luta contra discriminações, que dominam as nossas sociedades, de forma clara ou larvada: o sexismo e o idadismo. De facto, a idade tornou-a mais sábia e verdadeiramente venerada e permitiu-lhe ir, a seu modo, revelando a pessoa por trás da "persona". No início do século XXI, era já a mais poderosa e consensual imagem de empoderamento no feminino.
E não se diga que o poder é meramente simbólico nas monarquias constitucionais, porque, tendo intrinsecamente essa componente, pode ir muito além dela, e, com Isabel II, foi! O seu poder era imaterial, derivado de um imenso prestígio e autoridade pessoal, exercido num plano superior ao da política partidária e das questões da governação concreta. E não cessava de crescer com o passar dos anos, e de irradiar no mundo sem fronteira dos afetos. Ela foi a perfeita representante, a grande diplomata ao serviço do Estado e do povo (ou povos). Soube encerrar o ciclo imperial e reerguer uma Commonwealth, animada pelo espírito dos novos tempos. Foi Rainha do Reino Unido pelo acaso do seu lugar numa linha de sucessão dinástica, mas líder da "Commonwealth", por mérito seu. Indiscutível, eleita e reeleita, enquanto aceitou sê-lo, por uma maioria de Chefes de Estado republicanos! A Commonwealth, refundada na época isabelina, no espaço de relacionamento do antigo império, é atualmente constituída por 56 países, que representam uma enorme fatia da população mundial. É um projeto voltado para o futuro, do domínio da cultura e dos afetos, muito orientado para a juventude, em programas de intercâmbio no campo da educação, da formação tecnológica e científica, do desporto e do convívio com a Natureza e da defesa do meio ambiente. É um aspeto que não tenho visto suficientemente salientado pelos nossos comentadores, apesar do relevo que lhe é atribuído na Grã-Bretanha, nos "media", na opinião pública, nas instituições políticas e, "last but not least", no discurso régio, como pudemos constatar nas primeiras declarações do Rei Carlos III (impossível comparar esta realidade com a de uma insignificante CPLP, que nunca "levantou voo", ainda à procura de uma identidade, de um "cimento", levando a que as relações de Portugal com as ex-colónias, e mais largamente, entre todos os países que a compõem, se vão processando, essencialmente, no eixo bilateral).
O percurso de Isabel II foi verdadeiramente admirável, e permitiu-lhe contribuir poderosamente para o moderno reposicionamento do seu Reino (ou dos seus Reinos) no concerto das Nações. Em meados do século XX, ela era apenas uma jovem feliz no seu casamento e maternidade recente, que se via "obrigada" a entrar num mundo de homens, repentinamente, pela morte prematura do pai, sem ter preparação e experiência da coisa pública. Contudo, o seu desempenho, do primeiro ao último dia, foi uma extraordinária mostra da capacidade (feminina) para responder aos maiores desafios, para exercer, de forma superlativa, as mais exigentes funções e para as articular com a vida de família. Deste ponto de vista, o seu legado é precioso e inspirador, porque nos deixa a certeza, ou, pelo menos, uma pertinente interrogação sobre o que todos os Estados e todas as sociedades ganhariam se dessem às mulheres, mesmo àquela que parecem pessoas comuns, como de início parecia ser Elizabeth Alexandra Mary Windsor - que, ainda por cima, teve uma oportunidade que nem sequer desejava…
3 – Nesta leitura das lições do reinado de Isabel II , que alguns verão como"feminista", é particularmente interessante a forma como conjugou as esferas pública e privada em teve de repartir o seu múnus. O primeiro sinal da sua fortíssima personalidade, que a postura suave não deixava pressentir, foi o fazer, contra tudo e contra todos, um casamento de paixão, com um jovem e belo oficial da Marinha e príncipe grego no exílio, Filipe, um primo afastado, trineto da Rainha Vitória, que por ela abdicou dos seus títulos das Casas Reais da Grécia e da Dinamarca. Contrariando presságios e vaticínios, a união duraria 73 anos de esplêndida cumplicidade, apesar de subverter a tradicional divisão de papéis conjugais: ela era a chefe de Estado, e reinava sozinha, com um poder indivisível, e punha o interesse do Estado à frente do seu, enquanto ele assumia plenamente as responsabilidade familiares, sacrificava uma muito promissora carreira militar, e ficava publicamente “desempregado”. Em suma, assumia a condição de "grande homem atrás de uma grande mulher". Teve de reinventar ocupações e fê-lo, inteligentemente, em iniciativas e tarefas de enorme importância, embora, as mais das vezes, quase invisíveis, porque nunca quis tirar o palco à sua Rainha. Em anos recentes, com a autoconfiança que a idade permite, ela veio desvendar, publicamente, o seu contributo, por tanto tempo escondido na sombra, mas não é certo que a História lhe dê semelhante reconhecimento... Assim aconteceu com as mulheres consortes, ao longo dos tempos. Só agora, começa a repetir-se com alguns, ainda raros, homens. A injustiça é da mesma ordem e deve mover-nos, do mesmo modo, a denunciá-la...
Ninguém fez o elogio fúnebre de Filipe Mountbatten sem o relacionar com a sua mulher - e, a meu ver, bem. Por isso, nessa lógica, eu não gostaria de escrever sobre Isabel II, sem lembrar o papel do marido, a seu lado. Sabe-se hoje (mas talvez isso seja esquecido amanhã), que ele foi o seu principal conselheiro, e até o seu "ghost writer" e, seguramente, não por complacência. Isabel II sabia ouvir, a fim de julgar e decidir depois. Tinha boas razões para confiar em Filipe, na sua mundivisão e audácia, que temperava com o filtro da sua proverbial sensatez e prudência. A ele se deve, por exemplo, a abertura a um novo relacionamento com os “media”, que começou pela inédita transmissão em direto da cerimónia da coroação da Rainha (vencendo um braço de ferro com Churchill, que era absolutamente contra), a modernização da monarquia (ele não acreditava, no que o acompanho inteiramente, que a realeza se banaliza se perder o seu "mistério" e se aproximar do "povo") e, note-se, a própria reconfiguração da “Commonwealth”, que reflete as suas causas culturais e ambientalistas, a sua aposta na força da convivialidade. A presença, as visitas da Rainha (muitas, que ele sempre acompanhou, e completou com as suas, a solo, que foram muitíssimas mais) constituíram as bases da sua construção e consolidação.
O "fenómeno Isabel II" não teria, sem os extraordinários e constantes aportes do seu consorte, a dimensão universal, que celebramos em breves dias deste setembro de 2022, lembrando sete esplêndidas décadas de reinado. Penso, muito em especial, na mediatização da sua imagem de grande Rainha, que, muito para além das fronteiras da Grã-Bretanha, valorizou, nomeadamente, as virtualidades de todas as monarquias modernas, de todas as Mulheres, que conciliam carreira e família, de todos os idosos, a quem é permitido o bom uso societal da sua experiência e saberes até ao fim da vida. Thank you, Madam!
terça-feira, 6 de setembro de 2022
OLHARES SOBRE O CCP NO LIMIAR DO SÉCULO XXI
Em 30 de junho de 2003, a Subcomissão das Comunidades Portuguesas promoveu, na sala do Senado do Palácio de Sã Bento, uma audição sobre “Mecanismos de Representação dos Migrantes”, numa perspetiva comparatista, em que os Conselheiros presentes foram convidados a falar sobre o futuro da instituição. Dos seus pronunciamentos, e também dos de outros participantes no 1º CCP, escolhemos um caleidoscópio de breves e significativas citações, que ajudam a situar a instituição no seu processo evolutivo das primeiras duas décadas
Luís Viriato Caetano (Uruguai)
O conselheiro que não tenha atrás as associações é um conselheiro independente, mas não tem peso nenhum dentro da comunidade […] se ele não trabalha dentro das associações do país de acolhimento, ele também não é um bom representante de Portugal […]. Quero aqui referir o seguinte: na Argentina ainda hoje existe o Conselho das Comunidades baseado na história (modelo) anterior, em que o Conselheiro é eleito pelas associações, que são mais de vinte. […] Casualmente, p Conselheiro atual da Argentina foi o Presidente desse Conselho de Associações.
Francisco Salvador (Canadá)
Acho que o representante independente tem mais valor – é a minha resposta, e, portanto, é controversa – para que seja o representante independente a representar a comunidade, porque quando ele representa um clube ou uma associação do Sporting, do Benfica ou do Belenenses, ficam todos zangados. […] Não vou fazer nem para a Associação de Lassalle, nem para a Associação Portuguesa do Canadá, mas para a Comunidade de Montreal e Otava”
António Baltazar (Brasil)
Tive o prazer de ouvir do nosso querido companheiro do Canadá uma réplica em relação à posição do nosso Luís, companheiro também, e Conselheiro do Uruguai e essa é uma questão exatamente polémica. […]. Eu acho que o processo tem de ser uma mão de duas vias, como ordem natural das coisas. Nós, através de solicitações e de planeamentos adequados, quer pelas nossas instituições, as quais representamos, quer por uma situação independente, conforme o senhor colocou, lá no Canadá, e que, certamente, foi eleito porque trabalhou e, certamente, porque tem talento, perguntamos: o que é que nós podemos construir, para que juntos possamos auxiliar Portugal neste caminho, pós movimento libertário, de franco desenvolvimento.
Luís Viriato Caetano (Uruguai)
Queria simplesmente deixar registada uma coisa de que falei com o meu amigo e conselheiro do Canadá, que, frente a esta situação que estamos ouvindo, se são associações ou independentes, não era o que eu realmente queria dizer. Eu quando falava de independentes, falava de alguém independente das associações e não que fosse candidato independente quando tem uma atividade política com diferentes associações. Em países onde existem 20/30 associações, se eu fosse de uma só, corria o risco de somente ouvir uma e não ouvir as outras. No Uruguai foi ao contrário. Felizmente unimos as duas associações numa só. E eu também vou a outros países, caso do Perú, o Equador, Colômbia, México, e também, Cuba, onde não existe nenhuma associação portuguesa, o que tem inconvenientes, na medida em que as comunidades não estão agrupadas, sendo difícil falar com cada um em particular.
Silvério Silva (RAS)
Não vou perder muito tempo. A resposta que queria dar ao meu colega do Uruguai […] eu ia para lhe dizer que, embora concorresse como independente, sou secretário-geral da Sociedade de Beneficência da África do Sul, sou presidente do Núcleo Sportinguista da África do Sul, sou compadre honorário da Academia de Bacalhau da África do Sul, e também secretário da Associação Comercial Madeirense. […] apesar de ter concorrido como independente, foi exatamente para não magoar nenhuma dessas associações.
Capitão José verdasca (Brasil)
Dos mecanismos de emigrantes e de emigração pelo mundo nós temos aqui um belíssimo dossier e falaram vários representantes de embaixadas e consulados e também os representantes das imigrações estrangeiras em Portugal. Apenas pedi para falar exatamente para salientar esse espeto primordial que deveria movimentar todos os imigrantes e todos os governos para tentar dar à emigração a importância que ela merece.
Amadeu Batel (Suécia)
Os nossos problemas, quando chegamos a uma terceira ou quarta geração não diferem das minorias étnicas nacionais. É a questão da língua, da cultura, e da identidade. E aí se joga o futuro. Porque as outras questões de política geral, sendo importantes, não são tão importantes como a política que queira defender a reprodução daquilo a que chamamos a tal “portugalidade“ de que se fala. E o governo português tem estado muito arredado destas políticas e o Conselho das Comunidades também. […] sem uma política para isto, repito, nós estamos votados a que, no futuro, não exista nenhum Conselho das Comunidades.]
Eduardo Dias (Luxemburgo)
Eu vou ver se conseguimos voltar à ordem do dia, que é os mecanismos de representação […] aquilo que interessa verificar é se os modelos que foram aqui representados, em termos de representação, dos poderes que têm, e dos modos de eleição ou designação, podem, de alguma forma, servir para o modelo que atualmente temos e que gostaríamos de modificar. […] Penso que, de facto, mesmo se nós temos seguido, sobretudo, o modelo francês, que não me parece o mais adequado, e que devíamos começar a inclinar-nos para aquilo que é o modelo italiano e espanhol. […] já agora, em relação ao espanhol, talvez deva dizer –e é o que me parece mais importantes - o Conselho de Residentes no Estrangeiro em cada País tem 7 membros, se a comunidade residente for até 50000, tem 11 membros, entre 50000 e 100000 e 21 se tiver mais de 100000. E isto não tem nada a ver, depois, com a representação em Espanha, onde nenhum país é representado por mais de três representantes, ou seja, um, dois ou três”
João Caldas (Brasil)
Esta é a grande questão que tenho percebido ao longo deste tempo em que tenho participado nas comunidades, nas associações. Porque, realmente, os portugueses se ausentam, os portugueses não participam. Uns 10% talvez participem nas associações, e assim se criaram alguns conselhos […] Quanto à criação dos conselhos locais, acho que é importante mantê-los, porque os portugueses poderiam levar os seus problemas a esses conselhos locais e esses conselhos levariam o problema ao CCP.
Francisco Barradas (Bélgica)
Este país teve o cuidado de discutir e criar conselhos desde muito cedo. E ainda que não fossem bem oficiais, eram, sobretudo, promovidas pelos sindicatos. Como emigrante, pude participar, desde 1975, e ser eleito numa dessas organizações sindicais, o que me deu uma grande força para participar no país. […]. Os portugueses não participam muito porque estão muito organizados à volta dos seus clubes e associações, que existem, desde a do Benfica, do Porto, do Sporting, do Belenenses, e isso às vezes traz problemas, mas devo dizer que a nossa comunidade está muito bem integrada, sendo pena que não participe mais na vida do país.
Carlos Pereira (França)
Só uma ou duas pequenas achegas sobre a inscrição, isto é, quanto às pessoas que vão participar e escolhem os conselheiros, há efetivamente um problema em relação ao nosso Conselho. É que nós não sabemos, exatamente, o número de portugueses que moram no estrangeiro […] muito dificilmente poderemos repartir os conselheiros, em função do país onde eles residem.
No que respeita à votação e ao fraco número de pessoas que vão votar, acho que é necessário fazer uma formação cívica dos portugueses, de forma a que eles possam implicar-se, não só no Conselho, mas também em eleger os quatro Deputados a que temos direito e, também, evidentemente, para outras eleições, com a do Presidente, como já é possível.
Fernando Figueiredo (ex-Deputado da Emigração)
Tive oportunidade de assistir aos primeiros Conselhos das Comunidades e sou testemunha do interesse e da vivacidade com que os Senhores Conselheiros, ao tempo, defendiam os interesses de todos os emigrantes que representavam nesses Conselhos e, também, dos resultados que eram apresentados, para que o Governo, na área em que fosse competente, pudesse eventualmente resolvê-lo
Celeste Correia (Deputada)
[…] Nós, de facto, estamos a falar de uma realidade, estamos a falar de pessoas que, dependente do ponto de vista geográfico, nalgum momento, são emigrantes e, noutro espaço e noutro momento, são imigrantes, mas o problema é quando se tornam cidadãos. Essa é a luta de todos nós que aqui estamos, e é, de facto, um problema crucial.
Natália Carrascalão (Deputada)
Já lá vai algum tempo, mas eu tenho uma experiência de refugiada, de emigrante e de imigrante. Talvez por isso é que me interesse por estas questões e, talvez por isso, consiga entender melhor os problemas que nos afligem, neste momento, em Portugal.
Correia de Jesus (Deputado, ex-Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas)
[…] Ora, uma estrutura consultiva, em meu entender, pela própria natureza das coisas, deve assentar num critério de escolha que diria socioprofissional e não associativo. Não é que as associações não tenham uma importância muito grande e devem estar representadas, porque, na legislação que ao tempo se fez, relativamente a estas estruturas, as associações nunca deixaram de estar representadas. […] O critério socioprofissional deve ser conjugado com o critério associativo, de maneira que o Conselho seja efetivamente representativo das várias correntes e das várias forças que existem no âmbito de cada comunidade.
Manuela Aguiar (Deputada, ex-Secretária de estado das Comunidades Portuguesas)
Nós nem sempre estivemos de acordo no que respeita a estes mecanismos de representação, antes pelo contrário, não é Dr. Correia de Jesus? Agora estamos de acordo, pelo menos, num ponto que é importante: há que ir ao encontro ou à procura destas duas valências representativas, a associativa e a do sufrágio direto e universal. Sem qualquer delas, o Conselho perde potencialidades.
António Pires (Canadá)
O 1º Conselho das Comunidades – não sei se estará aqui alguém que se recorde dele - realizado no longínquo ano de 1980, sob a égide da, então, muito dinâmica Secretário de Estado Dr.ª Manuela Aguiar, revestiu-se da maior importância e do maior interesse. [… ]Interessa, caros amigos, citar o preâmbulo do diploma, que é Decreto-Lei nº 373/80 de 12 de setembro, que instituiu o CCP, onde se pode ler que deveremos ter em conta o equilíbrio de três fatores: a unidade de representação, de que falamos aqui hoje, que permite ao Governo a audiência fácil e oportuna das comunidades; a descentralização da atividade do Conselho, através das Comissões de Comunidade, que, nos diversos países poderiam desenvolver, por si, ações da sua competência ou servir de veículo de transmissão para problemas que as transcendem; e a maleabilidade da constituição e funcionamento das Comissões de Comunidade, que deveriam ser o centro de gravitação da vida associativa local.
Este 1º Conselho, se bem se recordam alguns, não foi isento de problemas e dificuldades, desde logo na sessão inaugural. Alguns dos participantes mais pareciam correias de transmissão de certas forças políticas, apostadas em boicotar os trabalhos do Conselho. […] Os trabalhos realizados por temas específicos acabaram por decorrer na melhor ordem e imbuídos do maior interesse […] os primeiros e, também, os atuais membros tinham e têm um papel extraordinariamente importante na inserção harmoniosa dos portugueses e luso-descendentes nas sociedades de acolhimento […] tem sido muito meritório o trabalho dos Conselheiros junto das comunidades, tornando os seus membros conhecidos, de uma maneira geral, pela sua seriedade, pela sua capacidade de trabalho, civismo e respeito.
Maria Beatriz Rocha Trindade (Professora catedrática, Membro da Comissão de Peritos do 1º Conselho)
Tendo participado em algumas das primeiras reuniões do Conselho das Comunidades, cujas atas estão publicadas e podem ser consultadas, recordo que incluem um tema especialmente dedicado aos descendentes dos emigrantes (e não às “segundas gerações”), quando eram abordadas as múltiplas questões que lhes respeitavam, designadamente relativas ao ensino e ao fomento dos laços de pertença à cultura original.[…] Relativamente à criação de Conselhos das Regiões Autónomas, e sendo um prazer ouvir aqui os representantes dessas Regiões, peço-lhes, todavia, desculpas por não concordar com a sua proposta. Tal significaria uma partilha das competências institucionais do atual Conselho das Comunidades: no plano externo, resultaria uma imagem de divisão das próprias responsabilidades nacionais, em relação aos emigrantes portugueses, nos diferentes países onde residem[…] Lembro, com saudade, os primeiros Conselhos realizados em Lisboa, em Vila da Feira, em Porto Santo, e os dois Delegados históricos das regiões, Virgílio Teixeira e Duarte Mendes, que desempenhavam de forma visível e empenhada os interesses das correspondentes comunidades […]
Correia de Jesus (Deputado, ex. Secretário de Estado das comunidades Portuguesas)
[....] Foi a Constituição que entendeu que a individualidade geográfica, estratégica e cultural que justificava a criação de duas Regiões autónomas do Estado português. E, por conseguinte, tudo aquilo que existe, ao nível das Regiões Autónomas, não é mais que uma decorrência da consagração constitucional desse estatuto próprio. […].
Maria do Céu Cunha Rego (antiga colaboradora do CCP, ex-Secretária de Estado da Igualdade))
Quando se contaram experiências nesta área, ficou claro o modo como cada Estado vê os seus cidadãos e cidadãs no estrangeiro. Também se evidencia, quando se compara, qual foi a história de cada país e como é que foi a história da democracia nesse país. […] quando comparamos as experiências, comparamos também o tipo de contrato social entre cada Estado e os seus nacionais no estrangeiro. […] portanto, quanto a mim, estes mecanismos de representação interessam na perspetiva das pessoas, a nível do poder individual, a nível do poder do grupo, e, também, a nível do poder do Estado[U1] de origem, designadamente das suas relações exteriores. Daí a importância da dimensão das Comunidades ter também que ser vista nesta perspetiva política. […]. Por isso, penso e espero que que qualquer eventual aprofundamento deste modelo, do modelo português, resultante desta atuação, só aconteça à luz da modernidade, numa perspetiva atualista e tendo em conta três pontos: o sentido da cidadania, da solidariedade e da democracia.
Rita Gomes (antiga Secretária do CCP e ex-Presidente do Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas)
Assisti, de facto, ao começo do Conselho das Comunidades. E agora, após todos os anos da sua existência, constato e considero normal as dificuldades, que são referidas na presente situação […]As questões de natureza política estiveram, sempre, subjacentes, e é com elas que temos de viver, e muito bem, em democracia.[…] E quero aqui dizer que, na verdade, a experiência do então Conselho das Comunidades, e as várias sessões do mesmo, em que participamos, deram-nos uma luz consideravelmente positiva para podermos defender nos referidos fóruns (internacionais) os nossos compatriotas. E essa experiência foi, também, muito útil para outros trabalhos, nomeadamente em negociações, a nível bilateral e multilateral. Houve um enriquecimento que os Conselheiros, com a sua vo, e o seu conhecimento, trouxeram junto de nós e que nós utilizamos em trabalho diversos […].
Jaime Gama (Deputado, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros e presidente do CCP)
[…] esta feliz iniciativa permitiu fazer uma reflexão sobre a forma como Portugal está a ver os problemas da proteção externa dos seus emigrantes e os órgãos que está a construir, para esse efeito, e, ao mesmo tempo, comparar esse modelo com outras experiências europeias e não europeias. […]. Estamos a viver uma fase em que as nossas estruturas nacionais, quer de proteção dos nossos emigrantes fora, quer de acolhimento, têm um grande valor e devem ser aperfeiçoadas. ] Mas estamos, ao mesmo tempo, a assistir, do ponto de vista da União Europeia, à criação de políticas e até de estruturas que vão necessariamente ter consequências nessas áreas. […]. Se todos os países da União Europeia têm Conselhos dos seus emigrantes no exterior, faz sentido que se coordenem a nível europeu para poderem ser interlocutores da Comissão, do Conselho e do próprio Parlamento Europeu. Não fará sentido até que um organismo representativo dos Conselhos de Comunidades de cada país da União Europeia, um organismo coordenador não possa ter assento no Conselho Económico e Social para ser um parceiro institucionalizado.
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