quinta-feira, 27 de agosto de 2015

COMUNIDADES PORTUGUESAS, NO PLURAL

Falar de comunidades portuguesas tornou-se, entre nós, uma outra maneira de dizer emigração, num mero sentido estatístico - a comunidade portuguesa de França ronda um milhão de portugueses, a do Canadá meio milhão, etc. etc.. Assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos deixaram o país. Os cerca de cinco milhões dos registos oficiais ficam, certamente, aquém da realidade e poucos são os responsáveis políticos que resistem à tentação de subvalorizar o êxodo, quando este ultrapassa o limite do razoável. Neste aspeto, o atual Secretário de Estado é uma exceção, pois não hesita em apontar para 120.000 novos emigrantes, ano após ano, desde o início da "Crise" (com letra grande…).
Todavia, para a avaliação do fenómeno migratório na sua inteira dimensão, mais importante do que as cifras, é a perceção de um universo cultural em expansão, através de segundas e terceiras gerações. O mais importante é, pois, tomar consciência das infinitas possibilidades de alargar este universo, pelo reforço das ligações a Portugal de novos portugueses, que não saem do país por uma fronteira geográfica, mas entram nas nossas comunidades pela via sua ascendência assumida afetivamente. As famílias, as associações têm tido, neste domínio, o papel essencial, como se constata no paradigma da emigração mais antiga: a da Califórnia, onde, há décadas cessaram significativos surtos migratórios, mas onde mais de um milhão de cidadãos se reconhecem como portugueses ou de origem portuguesa; a do Brasil, em tudo singular, desafiando qualquer tentativa de contabilização, antes de mais, porque muitos dos recém chegados não se registavam nos consulados e, por isso, nas nossas estatísticas nunca existiram….Emigração antiga, imersa numa nação que partilha uma mesma língua e em cuja sociedade se move com à vontade, torna praticamente impossível determinar onde se quebra a cadeia geracional. Podemos contar milhões… Todavia, a superfície bem visível desse "iceberg" lusitano é formada, por aqueles que se integram na vida das instituições portuguesas.
Razão bastante para reafirmarmos que a incerteza dos números não é preocupante quando pensamos a presença no mundo, porque esta se deve muito mais a factores qualitativos do que os quantitativos.As comunidades” (não “a comunidade portuguesa”, quadro estatístico, massa anónima, mas as comunidades muito concretas) existem, como a expressão dessa mais valia qualitativa, que é a organização, a rede de instituições culturais e sociais, que criam e animam um verdadeiro espaço português extra territorial. O que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara nunca, para o encontro com este outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, nas palavras do Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos". Tudo se deve não às correntes migratórias – em si mesmas, agentes de dispersão – mas sim a um poderoso movimento associativo, que se converteu em força de agregação..
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas, algumas monumentais, teria conseguido erguer-se. Bem poderemos parafrasear o Presidente Kennedy, usando o tempo pretérito: “não perguntem o que o País fez por eles, perguntem o que eles fizeram pelo País”.
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. Deve – se, em grande parte, à reconversão de um tradicional êxodo de homens sós em emigração familiar, com a sua metade feminina – ainda pouco visível na direção das maiores instituições, mas determinante no que respeita tanto à integração na sociedade estrangeira, como à corporização das comunidades, neste sentido orgânico, em que as consideramos. Essas instituições foram sempre encontrando lideranças à altura das expetativas, contudo, de há alguns anos a esta parte, vem-se questionando, o seu futuro, pelo envelhecimento dos seus dirigentes, num quadro de “fim dos tempos" da emigração – fim esse muito propagandeado pelos nossos políticos desde à adesão à CEE , como símbolo de desenvolvimento. A pobreza, profetizavam, era coisa do passado...
Ora a pobreza está, agora, de volta a Portugal. O Governo não hesita em levar a cabo, um programa de austeridade seletiva, que pesa, essencialmente, sobre as classes médias, destruindo-as. No generalizado empobrecimento e, sobretudo, no desânimo e na revolta se gera outro ciclo de emigração, descomunal, tremendo, como aquele que há precisamente um século, o Prof. Emygdio da Silva denunciava, falando em “emigração delirante”.
Abalam todos os que podem... qualificados ou não, mais e menos jovens, homens e mulheres (ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente, com ambições profissionais).
Serão elas e eles a solução para a segunda vida do associativismo e das comunidades da Diáspora, num maior equilíbrio de género e geração, inovando, modernizando? É a grande questão, para a qual não há que esperar resposta: há que busca-la! Este é o tempo ideal para equacionar políticas e tomar medidas que possam influenciar respostas afirmativas.
EMIGRAÇÃO E DIÁSPORA NAS VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO
Em 1973/74 terminava, com o impacto do chamado ?choque petrolífero" na economia europeia e mundial, o que fora o maior êxodo da história da nossa emigração. A Revolução, que abria, finalmente, as fronteiras à saída e retorno dos Portugueses, acontecia quando a Europa nos fechava as portas de entrada. A Europa, novo destino das nossas migrações na segunda metade do século XX, a par de outros ?novos destinos? transoceânicos, que não só a opinião pública, mas também, estranhamente, reputados académicos costumam subvalorizar . Na verdade, o Canadá, a Venezuela , e, numa escala menor, mas significativa, vários países de África - sobretudo a África do Sul, mas também outros - e a Austrália acolheram um número de emigrantes equivalente ao da Europa inteira.
As causas, essas, foram as de sempre -. puramente económicas para a grande massa anónima, para alguns outros a atracção do estrangeiro, a valorização pessoal, ou razões ideológicas e políticas, em tempo de guerra colonial.
A emigração,como aventura, a emigração como protesto...
"No proteste, emigre" diz-se, com humor, numa pequena placa que me ofereceram há anos em Caracas. Uma boa síntese de muitas tomadas de decisão, em que formas de conformismo e inconformismo se confundíam?
Mas, quaisquer que fossem as motivações da itinerância dos portugueses, no ponto de chegada era sempre enorme a sua propensão associativa, superior à que existia no país, e, igualmente, superior à que se registava em outros grupos étnicos, que com eles conviviam, por esse mundo fora.
Solidariedade e companheirismo levavam à proliferação de organizações, que se substituiamm ao Estado na missão de dar informação e apoio, de ensinar a língua, de manter as tradições - clubes, centros culturais, sociedades beneficentes... O associativismo esteve presente desde a primeira hora, sozinho no terreno. A atitude de completo descaso dos governos de Portugal face aos emigrantes e a essas organizações apenas começou a mudar, depois que se radicaram, em massa, em países próximos. O esboço das primeiras políticas de apoio social (na Europa, quase exclusivamente...) pouco antecede a revolução de Abril.
Foi da sociedade civil, de dentro do próprio País, que veio a primeira exigência de uma política cultural para toda a Diáspora, para o imenso património material e imaterial que as migrações haviam criado e que os governos teimavam em ignorar.
Falo dos dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa realizados em Setembro de 1964 e em Julho de 1967, uma iniciativa do Prof Adriano Moreira, que foi quem, na qualidade de Presidente da Sociedade de Geografia, convocou para os encontros os representantes das maiores instituições das comunidades, os especialistas e os participantes de múltiplas formas de ser português, lusófono, lusófilo...As actas dos Congressos, em seis densos volumes, são um precioso repositório de informação, dão nos um retrato de época, tanto dos movimentos migratórios (objecto de atenção generalizada), como da Diáspora (a que raros faziam alusão). São um retrato de Portugal em corpo inteiro, que permanece, em larga medida, actual (ou não fosse a Diáspora essencialmente permanência, sob pena de deixar ser Diáspora...).
A União das Comunidades de Cultura Portuguesa e a Academia Internacional de Cultura Portuguesa foram os instrumentos saídos dos Congressos para a institucionalização de um forte e pioneiro movimento de vivência da cultura portuguesa no seu "habitat" universal - movimento interrompido, oportunidade perdida nos meandros da pequena política, durante o "marcelismo".
Depois do 25 de Abril, surgiria o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) que era, na sua primeira fase, um órgão consultivo do Governo, de origem associativa. No preâmbulo da lei que institui o CCP não se faz referência expressa à "União" da década de 60, mas está lá, na mesma linha de pensamento, o apelo a uma intervenção da sociedade civil, capaz de chamar o Governo ao diálogo, liderando o processo... Isso tem sido, de vez em quando, anunciado mas não cumprido com vocação de grandeza, à dimensão da Diáspora .
. O paradigma de Adriano Moreira, o grande precursor, continua, assim, à espera de protagonistas.

DUAS REVOLUÇÕES

1 - À distância de apenas quatro anos é irresistível fazer a comparação entre a celebração das revoluções que marcaram o século XX português: a revolução portadora das ilusões de uma mudança de regime, que se estendeu pelos 16 anos da breve 1ª República e a revolução fundadora da República em que estamos há 40 anos, ainda com a expectativa de a continuar, para além da crise actual, traduzida em involução e empobrecimento geral e em degradante dependência do Estado numa Europa dividida e desigual.
O centenário da I República foi objecto de inúmeras organizações, do mundo científico e político, dos “media”, das instituições da sociedade civil, que o tornaram um excelente exemplo do que pode e deve ser feito, sem tombar no elogio nostálgico e ritual - .a permitir um olhar sobre nós, sobre a luta das mulheres e dos movimentos feministas, sobre a questão colonial e religiosa, sobre o fervilhar de ideias e de querelas, sobre o dilatado interregno da ditadura, sobre o 25 de Abril e o agitado início de milénio… Um percurso secular de memórias renascidas.
No confronto entre festejos, os de 2014, pelo menos a nível oficial, parecem destinadas a ficar muito aquém do que justifica a importância da maior revolução do século, pelas suas consequências imediatas e futuras…Desde logo, porque representou o fim de um longo ciclo de 500 anos de construção e desconstrução de um vasto império colonial e ultramarino, que, ao entrar do último quartel do século, ia do Atlântico ao Pacífico, em estado de guerra e de desagregação, contra o sentir comum dos Povos. Um anacronismo, um impasse fatal, resolvido no fim de um ciclo de 50 anos de ditadura, de "silêncio e de medo”. Palavras de Maria Teresa Horta, há dias, numa rádio, onde, como em outros “media”, em universidades, em programas da sociedade civil, 1974 vem sendo tema de debate e rememoração, em fórmulas interessantes de fazer História e advento de História - a partir desse dia simbólico em que o império de desfez, com o anúncio e o começo da descolonização, e o País de refez, ao entrar no processo de retorno à sua origem geografica– antes de mais, no domínio da política, onde pela força do voto, se sagrou a opção europeia, a par da opção pela democracia representativa, uma das várias alternativas, que se confrontaram nas pulsões contraditórias do PREC... Em qualquer caso, de fora desta estreita fronteira europeia, para sempre ficaria a Diáspora, todo um espaço em expansão de lusofonia e de lusofilia. A melhor de todas as heranças do império finito: a dispersão universal da língua, enraizada em culturas e em afectos...
2 - Duas revoluções com sorte diversa...
A revolução de 1910 morreu antes de envelhecer a geração que lhe deu corpo.
Não assim a de 1974, com os jovens capitães que tinham, então, como Fernando Salgueiro Maia, 29 anos, ou pouco mais, e com os políticos, a quem eles abriram os caminhos da livre expressão e da acção concreta, e que eram, igualmente, na sua maioria, gente nova e idealista.
Ficam, todos, a meu ver, bem, na galeria dos notáveis da Pátria. Entregaram à geração seguinte um país mais livre, mais justo e mais democrático do que jamais fora e, também, há que dizê-lo, melhor do que é...
De facto, se perguntarmos hoje: Este é o Portugal que quisemos? Esta é a Europa em que acreditámos? A resposta é: "não!". Duas vezes “não”...
Vivemos, assim, naturalmente, a urgência de recuperar, em simultâneo, o espírito humanista e fraternal da construção europeia, e o sentido libertário e pluralista da revolução de Abril, tal como se projectou na Constituição, em sucessivas revisões, e na cena política nas últimas décadas de novecentos. Ou seja, aceitando que a democracia exige sempre a alternância, o diálogo e o respeito da alteridade.
Por isso me parece que uma das iniciativas não formalmente enquadrada em qualquer programação das comemorações, mas que lhe
veio acrescentar um sinal de esperança - coisa que tanto nos tem faltado - foi o chamado "manifesto dos 74". E não apenas pelas suas propostas, a meu ver, realistas, sobretudo, na compreensão de que não há boas soluções nacionais, sem boas soluções à escala europeia..Não apenas por essas propostas, mas pela comprovação de que há, entre os Portugueses, na sociedade civil, mais vias de entendimento e de compromisso, do que julgam os políticos “institucionais” , aparentemente limitados no horizonte da sua própria inabilidade de dialogar e alcançar resultados no país e na Europa.
Está em causa o futuro de um tempo começado em 74.
Há que o demandar sem medo das ideias e dos projectos dos outros-n
Por exemplo, sem medo de dar, no hemiciclo de São Bento, no próximo dia 25, voz aos militares de Abril, neles personificando a homenagem merecida desta geração à antecedente. À que fez a grande revolução.

LIBERDADE DE EMIGRAR


Ao longo de séculos, o direito a emigrar - ou mesmo, apenas , a atravessar fronteiras, com um projecto próprio, ainda que de curto prazo - foi fortemente condicionado e, em certas épocas, em muitos casos, mesmo proibido. Mais ainda para as mulheres, que, até para acompanharem os maridos, por muito influentes que fossem os cargos por eles ocupados na administração do Império, só raramente conseguiam a necessária autorização régia...
As primeiras políticas de emigração foram, assim, como reconhecem os especialistas nesta área, simples medidas restritivas de um êxodo quase sempre visto como desmesurado. Das Ordenações Filipinas à Constituição de 1976, podemos dizer que não houve, nunca, autêntica liberdade de circulação. Rodeava-se a saída dos cidadãos de uma série de obstáculos (vigilância policial, licenças, custo exorbitante de passaportes...) ou de facilidades, de acordo com as conveniências do Estado. Prevalecia o interesse colectivo, tal como o interpretavam os poderes constituidos. O direito individual à aventura da emigração não existia, e não era sequer alvo de contestação doutrinal, salvo por alguns raros precursores da modernidade dos direitos humanos fundamentais.
Eram, pois, de outra ordem, do foro interno dos Governos, os dois problemas maiores com que se confrontavam: o primeiro, a sua própria incapacidade de proceder a uma avaliação cabal de todas as consequências positivas e negativas da expatriação voluntária e maciça; o segundo, a incapacidade de deter os portugueses na sua determinação de abalar, a bem ou a mal (clandestinamente).
Reportando-se a tempos recentes, aos das migrações em sentido estrito, findo o ciclo (ou ciclos) de colonização, Miriam Halpern Pereira fala em "ambiguidade" das políticas repressivas - uma palavra que é possivelmente a mais ajustada à compreensão de uma aparente inabilidade de dar execução à longa lista de leis e regulamentos limitativos. É de admitir que o laxismo se devesse, realmente, à indecisão entre conter excessos e aproveitar os benefícios em que se traduziam, de imediato - a diminuição dos níveis de desemprego ou sub-emprego e de pobreza, as remessas que equilibravam as contas externas... Na dúvida, sopesando prós e contras, mantinha-se a lei, mas não a força da lei... Não admira que a emigração clandestina, consentida na prática, como que ignorada, sem o ser, representasse cerca de um terço da totalidade. Sinal de que os cidadãos ganhavam quase sempre a partida... Lembremos, por exemplo, a tentativa estatal de desviar as correntes migratórias do Brasil para as colónias de África, sobretudo o Reino Unido separa Angola, logo que desuniu e se proclamou independente. Foi uma primeira tentativa falhada de fazer de Angola “um novo Brasil” - frase que haveria de se popularizar no século seguinte, na primavera marcelista, a propósito de uma segunda tentativa de reorientar o destino das maiores vagas de migratórias da nossa história (em números que só agora estarão em vias de ser ultrapassados).
Foi precisa a revolução de 1974 para reconhecer aos Portugueses, entre as outras liberdades, a liberdade de emigrar. Ao estabelecer o primado da decisão individual de partir ou regressar, constituiu, "de jure" e de facto, a grande ruptura de uma linha de continuidade das políticas que, durante cinco séculos, resistira à mudança dos tempos, das estratégias de colonização, dos destinos geográficos, das Constituições e, até, dos regimes - na transição da Monarquia tradicional para a Monarquia constitucional, desta para a República, e da República para a ditadura do chamado “Estado Novo" (não abordamos aqui a emergência, em meados do século passado, das primeiras medidas de protecção dos emigrantes durante a viagem e, numa segunda fase, de apoio social e cultural, aliás, em estado embrionário...).
O 25 de Abril de 1974 marca, assim, o início de uma era inteiramente nova, que se legitima nos valores humanistas da cidadania. Este é certamente um dos domínios em que a revolução melhor foi cumprida e merece ser comemorada, fazendo a sua história de quatro décadas.

MULHERES EM MOVIMENTO 2013 O meu depoimento




1 - UMA FAMÍLIA ESTIMULANTE


Sou feminista desde que me lembro de ter opiniões sobre o assunto...

Comecei cedo, com 5 ou 6 anos, e para isso muito contribuiram as Avós,
especialmente a Avó materna Maria (Aguiar), uma verdadeira matriarca,
que ficou viúva, com 7 filhos, aos 36 anos e se tornou líder não só na
sua casa, como na sua terra. Pertencia à Obra das Mães, às
organizações da paróquia, às associações culturais. Era uma senhora
muito bonita, muito inteligente e muito conservadora. Em nome das boas
maneiras e do recato feminino, que tanto prezava, apesar da sua
respeitável proeminência, dizia-me, vezes sem conta, "as meninas não
fazem isso" - "isso" sendo por exemplo, subir às árvores, saltar dos
eléctricos em andamento ou jogar futebol com os primos... Eu sabia que
gozava do estatuto de neta favorita e gostava imenso da Avó, mas não
seguia esses seus conselhos.

O plural: "as meninas", levava-me a reagir. Achava que devia mostrar
que as "meninas" eram tão capazes como os rapazes de "fazer isso" e
partia para o demonstrar no dia a dia. Era, pois, uma feminista
praticante, com uma emergente consciência da existência das questões
de género ...

Curiosamente, os homens, Pai e Avó Manuel, eram fãs das minhas proezas
desportivas, tanto como das escolares. Sempre me incentivaram a
estudar e preparar o futuro profissional. Nunca o

paradigma da "dona de casa" esteve nos meus horizontes, ou nos seus.
Pelo contrário: punham em mim, a meu ver, excessivas expectativas....
E assim, graças a eles,o meu feminismo esteve "ab initio" na linha de
pensamento de uma Ana de Castro Osório, mesmo que, nesse tempo, não
conhecesse sequer o seu nome (como aquele personagem que fazia prosa
sem saber...). Os homens foram, de facto, aliados - muitos, incluindo
numerosos tios e primos, e, mais tarde, os meus professores da

Faculdade de Direito de Coimbra.

Tive uma infância divertida e feliz, numa família unida e convivial,
apesar de politicamente dividida. Uma tradição que vinha de trás -
houve, sucessivamente, regeneradores e progressistas, monárquicos e
republicanos, salazaristas e democratas, germanófilos e anglófilos
(como eram os meus Pais). A política estava bem presente, em acesas
discussões sem fim, mas nunca ninguém se zangava. Consideravam os
outros "gente de bem", por mais extremadas que fossem as suas
opiniões. Tendo a atribuir mais a essa experiência vivida do que à
idiossincrasia a ausência de preconceitos partidários em relação a
quem não pensa.como eu. E, possivelmente, também o gosto pela
argumentação, pela entusiástica defesa de pontos de vista, uma
sensibilidade a formas de injustiça como as assimetrias regionais, o
despertar para um saudável regionalismo nortenho, a par da paixão pelo
Porto (e pelo FCP)...

Outra forum de "convívio e debate" determinante foi a escola - dois
anos na pública, sete anos de Colégio do Sardão (um internato de
religiosas Doroteias). Costumo comparar o colégio a um quartel
elegante, onde prestei uma espécie de "serviço militar obrigatório".
Não foi, de facto, uma opção voluntária, mas, com a excelência do
ensino e, sobretudo, das estruturas desportivas, ginásio, campos de
jogos, parques e largos espaços de recreio, posso dizer que lá passei
muitos bons momentos. Organizava competições desportivas (incluindo
futebol clandestino), dirigia peças de teatro, escrevia crónicas e
romances que partilhava com as colegas, dava largas à imaginação e à
energia. Uma dessas crónicas, que pretendia fazer humor à custa da
instituição, suas regra e poderes constituidos foi apreendida, e quase
provocou uma expulsão mesmo nas vésperas do exame do antigo 5º ano.
Não seria a primeira da família a passar por isso, mas escapei,
suponho que com a interferência do capelão e de algumas das Madres,
que me compreendiam e me achavam graça... Mas eu quis mudar para o
Liceu Rainha Santa Isabel, no Porto, contra a vontade do Pai, que me
vaticinava toda a espécie de retrocessos escolares, que tinham
desabado sobre ele, quando depois de 10 anos de Colégio dos Carvalhos
se viu "à solta" no Rodrigues de Freitas. A história não se repetiu,
pelo contrário. Bati todos os recordes pessoais no exame de 7º ano e
ganhei, pelo bem-amado Liceu, o prémio nacional.

De qualquer modo, foi no Sardão que vivi a minha primeira batalha
política - ou político-sindical. E um "enclausuramento" que me fazia
apreciar mais os fins de semana e as férias de verão em Espinho, como
espaço e tempo de liberdade...

Frequentava com o Pai o estádio das Antas, com os Pais e o Avô os
cinemas e teatros e, também, os cafés do Porto, coisa invulgar na
época para o sexo feminino, de qualquer idade...


COIMBRA ANOS 60


Em Coimbra, era também à mesa dos café que estudava, que convivia e
bradava contra as discriminações em que continuava fértil a sociedade
portuguesa de 60. ..

No Tropical, no Mandarim, no bar da Faculdade de Letras ou de Farmácia
encontrava-me com colegas, com assistentes, pouco mais velhos do que
eu, embora bastante mais sábios, como era o caso do Doutor Mota Pinto,
que viria a ser o responsável pelo meu tirocínio na política.

Eu falava abertamente, contestava leis e costumes. A leitura do Código
de Seabra era um pesadelo - a "capitis diminutio" da mulher casada,
que era a expressão latina para a escravidão feminina subsistente
2.000 anos depois, só podia alimentar sentimentos de revolta, a
revigorar um feminismo que, por oposição à situação portuguesa, ia
ganhando base doutrinal na social-democracia sueca.

O tema da igualdade de sexos não estava na agenda política de 60 - e
ainda hoje não está suficientemente...

Em todo o caso, na altura soava mais a radicalismo e excentricidade.
Esperava tudo menos que, anos e anos mais tarde, essa faceta pudesse
pesar, como creio que pesou, numa mudança de rumo, que pôs fim a
escolhas profissionais assentes (assistente de um Centro de Estudos
Sociais, assessora do Provedor de Justiça).

Sempre sonhei com uma carreira jurídica. A magistratura estava-me
vedada por ser mulher Queria ser advogada, uma espécie de Perry Mason
portuguesa. Era no terreno jurídico que queria competir, não no da
política. Direito era, então, um curso de perfil masculino, com um
corpo docente sem uma única mulher e com mais de 80% de alunos homens.
No meu livro de curso, conto 63 homens e 12 mulheres. Entre elas há
excelentes advogadas e juristas, mas, das 12, na política só eu, e
acidentalmente... Dos 63, foram muitos os que, no pós 25 de Abril, se
distinguiram em Governos da República - Daniel Proença de Carvalho,
Laborinho Lúcio, António Campos, Luís Fontoura, João Padrão... Ou que
são vozes autorizadas no domínio em que se cruza o Direito com a
Política, como Gomes Canotilho ou Manuel Porto, ou com as Letras, como
Mário Claudio ou José Carlos Vasconcelos...

Ao fim de 5 anos felizes, eu trazia de Coimbra apenas um pequeno
trauma: na única eleição a que concorri, pelo Conselho de Repúblicas,
para uma qualquer comissão, cujo nome nem recordo - só sei que dava
acesso à direcção da Associação Académica - perdi num colégio
eleitoral que era 100% feminino. Coisa natural, porque a maioria das
meninas era conservadora, mas eu assumi pessoalmente a derrota e
covenci-me de que não estava mesmo nada vocacionada para tais
andanças...


3 - A FORÇA DO IMPREVISTO


Na história dos antecedentes da minha relutante ocupação de cargos
políticos, estava já a força do imprevisto: primeiro uma proposta para
assistente de sociologia na Universidade Católica que veio da parte de
um professor que não conhecia, o Doutor Àlvaro Melo e Sousa ( um amigo
comum indicou-lhe o meu nome, na altura em que acabava de regressar de
Pari, com uns certificados na matéria). Foi preciso ele insistir, mas
acabei por dizer o sim - e não me arrependi. Esse facto tornou mais
fácil aceitar um segundo desafio lançado pelo Professor Eduardo
Correia, para a recém.criada Faculdade de Economia em Coimbra da qual
ele era o director. Confesso que nem sabia da abertura efectiva dessa
Faculdade... Foi um encontro acidental, num colóquio. Quando me viu
achou boa ideia associar-me ao empreendimento. Não houve hesitação da
minha parte. Que bom voltar a Coimbra! Tomei posse na véspera do 25 de
Abril de 1974. Na semana seguinte, Eduardo Correia era Ministro da
Educação do 1ª Governo Provisório e, pouco depois, um novo encontro
com outro dos grandes juristas do nosso século XX, o Professor, Ferrar
Correia, em pleno pátio da universidade, à sombra da torre, levou-me
para a minha própria Faculdade. Ao saber que estava ali ao lado, na
Economia, convidou-me, de imediato, a transitar para Direito e eu
aceitei tão depressa, que ele até julgou que eu julgava que ele
estava a brincar. Não era o caso, era mesmo questão de feitio. Decido
assim muitas vezes no que exclusivamente me respeita. E ali e então
não havia que pensar duas vezes!...

Guardo boas memórias de todas as passagens pela docência, mas aquela
tinha um significado muito especial - o convite chegava com atraso,
mas chegava... Quando acabei o curso, em 1965, as mulheres estavam
barradas do ofício - tinha havido uma, não existia impedimento legal,
mas a prática era essa, Mudara entretanto, mas, por sinal, não me
lembro de nenhuma colega - só homens e, quase todos, óptimos colegas,
como o Fernado Nogueira ou o Cordeiro Tavares, Dez anos mais jovens do
que eu, o que me ajudou a rejuvenescer. Fui assistente de dois
insígnes juristas, o Doutor Rui Alarcão e, por fim, o Doutor Mota
Pinto.

Os tempos agitados são-me geralmente favoráveis - como estudante
dei-me bem em Paris, no pós Maio de 68, e o mesmo posso dizer de
Coimbra, no pós 25 de Abril. Há coisas que seriam impensáveis fora de
períodos revolucionários, e que fiz, sem oposição de ninguém, como dar
aulas "extra muros", aos voluntários do Porto ou dar aulas práticas, a
turmas naturalmente pequenas, no bar de Farmácia, ao ar livre, em dias
de sol. Saíamos, em cortejo, dos "Gerais", já a falar das matérias,
como os peripatéticos. Esclarecia dúvidas, exactamente como se
estivessemos numa daquelas escuras e frias salas de aulas. E, depois,
analisávamos o PREC. Os rapazes (ainda em maioria) eram quase todos de
outros quadrantes ideológicos, mas isso não obstava ao ambiente de
tertúlia. Em 1975/76 dei aulas teóricas de Introdução ao Estudo de
Direito a salas cheias de simpáticos "caloiros". Um dever e um
prazer!

E refiro tudo isto, porque julgo que foi esta segunda estada em
Coimbra que me abriu os caminhos que não esperava percorrer na
política:antes de mais, porque reatei, naquele preciso momento da
nossa História, o relacionamento próximo com amigos que estavam no
centro da fundação de partidos, em particular do PPD, e da criação de
um regime democrático, E, por outro lado, porque descobri que
conseguia comunicar em público - eu, que me considerava fadada apenas
para trabalho de gabinete.

Anos mais tarde, ao fazer um levantamento do perfil profissional das
mulheres mais activas do PSD, descobri que, sobretudo a nível local,
havia um grande número de professoras. A meu ver, não era
coincidência, era a consequência de uma maior auto.confiança do que a
que se consegue em outras funções... No meu caso, não tenho dúvida de
que me transformou o suficiente para admitir a hipótese de enveredar
pela exposição nos palcos da política ...

Não para a planear. Na verdade, o convite que o Primeiro Ministro Mota
Pintome dirigiu para a Secretaria de Estado do Trabalho, uma daquelas
que eram vistas como coutada masculina, foi um absoluto imprevisto.
Mas o Doutor Mota Pinto usou o argumento decisivo: "se recusar, não
haverá mulheres no meu Governo". Depois da mera combatividade verbal,
era a hora de agir....

Estávamos em fins de 1978. A ousadia da minha designação valeu ao
Professor Mota Pinto um rasgado elogio de Marcelo Rebelo de Sousa num
editorial do Expresso, que ainda guardo na pasta de recortes e na
memória.

Sendo defensora do sistema de quotas, assumi-me como a "quota mínima"
daquele Executivo, que veio a integrar outra Secretária de Estado na
área mais tradicionalmente feminina da Educação...

Sabíamos que a missão era de curto prazo - um governo de independentes
de nomeação presidencial, que não cedia nem a pressões de rua nem a
influência de náquinas partidárias, já então poderosas. Na minha
opinião, um governo que se impôs, ganhou credibilidades e, por isso,
durou ainda menos do que o esperado... Os partidos trataram de se
entender para o derrubar. Foram 9 meses intensos e formidáveis, findos
os quais,voltei para a Provedoria de Justiça, que, com o Dr José
Magalhães Godinho como Provedor, era o melhor lugar de trabalho à face
da terral. Para mim, o Dr Godinho representava um conjunto de
legendários tios republicanos, com quem nunca tive as conversas que
pude ter com ele. Era família - não aquela em que se nasce, mas a que
se faz tão raras vezes na vida.

Até que novo imprevisto sobreveio: em janeiro de 1980, logo depois da
posse do VI Governo Constitucional, um telefone do Primeiro Ministro
Sá Carneiro, que não conhecia pessoalmente, mas com quem me
identificada, porque, como afirmou numa entrevista a Jaime Gama em
que era "social-democrata à sueca".( É por isso que, sem ter filiação
partidária antes de 80, me considerava PPD "avant la lettre", ou seja,
Sácarneirista desde 1969).

Pelo telefone, Sá Carneiro, foi sintético e breve a marcar um encontro
para as 5.00 horas da tarde - audiência para o qual eu parti inquieta,
e mal penteada e mal vestida, como andava normalmente. E se ele fosse
pessoa distante e pouco simpática? Se com isso arrefecesse a minha
"condição de incondicional" de tudo o que dizia e fazia? Grande
preocupação... Quanto ao que me esperava, isso já não era assim tão
misterioso, porque os jornais falavam do meu nome para várias pastas.
Sá Carneiro recebeu-me à hora exacta - não cheguei a sentar-me na sala
de espera. Com um sorriso luminoso, que começava no seu olhar claro!
Assim sempre o recordo, em todos os encontros que se seguiram. Quando
a ele me dirigi pelo seu título de chefe do Governo, atalhou: "Não me
chame Primeiro Ministro". Ao que eu respondi: "Desculpe, mas é como o
vou chamar, porque me dá imensa satisfação que seja Primeiro-
Ministro,e esperei anos para o poder tratar assim".

Mas, tratamento cerimonioso àparte, a conversa tomou o rumo de uma
alegre informalidade.

Dei respostas um pouco insólitas, no tom que tantas vezes usei com
outros políticos de quem era amiga de longa data. Sá Carneiro fez-me
sempre sentir absolutamente à vontade. Parece que havia quem ficasse
inibido na sua presença. Eu, pelo visto, ficava eufórica.

O Doutor Sá Carneiro, ele próprio, era, assim, uma esplêndida surpresa
A outra surpresa veio do pelouro que me propô:s a emigração, num
Ministério onde nunca tinha entrado, o de Negócios Estrangeiros.

No governo da AD, em 1980, havia apenas três Secretárias de Estado,
uma de cada um dos partidos, a Margarida Borges de Carvalho pelo PPM,
a Teresa Costa Macedo pelo CDS e eu pelo PSD (num impulso, filiei-me
nessa altura). Ainda a "quota mínima" tripartida...

A emigração, ou melhor dizendo, a Diáspora Portuguesa,( porque falo da
que tem uma estrutura orgânica, uma vida própria, colectiva, imersa na
nossa cultura e um futuro que talha com a preservação da herança
cultural) foi uma esplêndida descoberta - andava de comunidade
distante em comunidade distante, sempre e reencontrar-me em Portugal -
um fenómeno por mim insuspeitado de extra-territorialidade da nação.
Um mundo associativo espantoso , mas um mundo de homens. Eu era,a
primeira mulher que junto deles representava o governo da Pátria.Se
tinha dúvida quanto à reacção que provocaria. logo os receios se
desvaneceram - receberam-me sempre com alegria, com simpatia. Não fiz
unanimidade, é claro, mas os afrontamentos que houve foram sempre
devidos a questões políticas, não a questões de género. Eles
trataram-me tão bem, que me deram o que mais me faltava: um superávide
de confiança. Mesmo nas hostes poíticas adversárias encontrei quase
sempre boa vontade para trabalho conjunto, até no, por vezes, agitado
Conselho das Comunidades, que me coube organizar e presidirdesde1981
(era então um forum associativo, de perfil masculino, politicamente
dividido entre uma Europa mais contestria e uma Diáspora transoceânica
mais próxima das posições do governo´).

Na verdade acredito que ser mulher tornou mais fácil a minha missão.
Logo em 82, quem me fez ver isso, de uma forma incisiva, foi um
jornalista de S Diego. Paulo Goulart. No fim de uma entrevista, ao
almoço, disse-me: "Sabe, aqui só há dois políticos de quem gostámos: é
de si e do João Lima", antigo SEE e então deputado pelo PS. Fez uma
pausa, como quem avalia e compara os seus dois eleitos e acrescentou:
Pensando bem, o João Lima até tem mais mérito, porque é homem e
socialista.

Achei muita graça à sua franqueza e foi aí que ganhei a certeza de que
em certas situações, mesmo na vida política,mesmo em ambientes
dominados pelo poder masculino, é uma vantagem ser Mulher! Porque e´a
exótica excepção? Porque há no fundo, um reconhecimento de que as
mulheres fazem falta? Muitas hipóteses, para uma só certeza: no meu
caso, senti adesão e apoio desde o 1º momento, de um sem número de
homens influentes e de algumas raras mulheres , que já então se faziam
ouvir.

Quando deixei o governo, depois de cinco sucessivas esperiências -
sendo a última aquela em que os Secretrários de Estado passaram a ser
considerdos "ajuntos de ministro"...eu não estava habituada nem queria
habituar-me ao degradado estatuto - o imprevisto estava, de novo, à
minha espera na AR, onde tinha o meu lugar pelo círculo do Porto.: Um
convite para ser candidata à 1ª Vice-Presidência da Assembeia.
Aceitei, como aconteceu anteriormente, não muito segura de conseguir
sair-me bem na representação feminina... Fui, assim, a 1ª Mulher a
presidir às sessãos plenárias do parlamento, à Conferência de líderes,
a Delegações parlamentares - ao Japão, para começar...

Após 4 anos nesse cargo que, quando não assumido por uma mulher, tinha
sido sempre discreto, apesar da sua importância protocolar (2ª figura
na linha da sucessãoo do Presidente da República, "en cas de
malheur"...),

Finalmente. em 1991, fui eleita para um lugar que me atraía, que
verdadeiramente queria: representante da AR na APCE (Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa). Aí, me mantive até abandonar o
Parlamento nacional em 2005. Fui bem mais feliz e bem sucedida lá fora
do que dentro de fronteiras (tanto na emigração como nas organizações
internacionais, como a APCE. e a AUEO..Ali havia menos jogos políticos
de bastidores, não se sabia o que era disciplina partidária, era larga
a margem de iniciativa pessoal, para intervir, para propor
recomendações... Presidi à Comissão das Migrações à Subcomissão da
Igualdade e a outras, fui relatora em inúmeras propostas, sobretudo
nestes dois domínios. Defendi a dupla nacinalidade, o estatuto dos
expatriados, a não expulsão de imigrantes, o reagrupamento familiar,
insurgi-me contra a guerra do Iraque, , denunciei a discriminação de
género no desporto... Acabei a presidir, entre 2002 e 2005, à
própria delegação Portuguesa à APCE e á Assembleia da UEO, uma
organização pioneira, cuja experiência e excelência em matéria de
defesa a Europa subestimou ao extingui-la recentemente.

Um outro inesperado e insistente convite me levou, depois, à vereação
da Câmara da cidade onde vivo, Espinho... Fui vereadora da Cultura no
ano do centenário da República e isso permitiu fazer coisas diferentes
e por o enfoque no movimento feminista e republicano. Não que eu seja
republicana hoje, mas tenho a crteza que o teria sido em 1910, na
companhia da Carolina Beatriz Àngelo, Ana de casro Osório ou Adlaide
Cabete. E feminista, sou, sem nunca ter tido medo da palavra. Sou-o no
sentido preciso que lhe davam as nossas sufragistas.

Também nunca tive o complexo de prencher o espaço aberto pela "quota"
, mais ou menos explicita. No meu caso, nunca explicita, nem mesmo no
cargo de VP da AR e sempre rejeitada pelos opositores das quotas como
tal. Qundo eu dizia: escolheram-me para Vice-Presidente da AR,
porque queriam uma Mulher (o que para mim era evidente, estava certo e
só pecava por ser decisão tardia), respondiam-me

"Manuela, não diga isso! Está nas funções pelo seu mérito"

O meu mérito não era coisa que eu fosse discutir!... Discutia, sim, o
mérito do sistema de quotas, que em nada contende com o valor ou
capacidade pessoal, antes pelo contrário o pressupõe, mesmo quando
porventura errando. Mas erros de "casting" não faltam também, e são
muito mais comuns, no caso de políticos promovidos pelas máquinas
partidárias, à maneira tradicional.


PELA PARIDADE, PELAS QUOTAS


Assim vou terminar.

Quando há avaliações objectivas dos candidatos, o sistema de quotas é
inaceitável. No acesso às universidades, por exemplo, são escolhidos
os melhores alunos, os que têm melhores notas. Por sinal, são
mulheres, mas aí, se não fossem, não seria justo e legítimo intervir .

A falta de educação, de formação seria, de resto, o único fundamento
de uma desigual participação feminina na vida pública. Onde a situação
é de igualdade ou supremacia, a ausência das mulheres impõe uma
presunção de discriminação. A Lei da Paridade torna essa presunção
inilidível e, a meu ver, é com base nela que determina uma quota
mínima em função do género.

A igualdade de mérito presume-se e a realidade tem vindo a comprovar a
presunção onde quer que o sistema seja praticado de boa fé e com
honestidade: no norte da Europa, onde o sistema nasceu, ou no sul,
onde chegou com atraso. E Portugal não é excepção.

Mas é da maior importância que a aplicação da Lei da Paridade seja
objecto de avaliação, como a própria Lei impõe, ao fim de cinco anos
(artº 8º)

. Estranho que 7 anos depois da entrada em vigor da lei, a obrigação
de cumprir o preceituado no artº 8º ande esquecida. Onde estão os
estudos sobre a progressão das mulheres, a nível do parlamento e das
autarquias locais?

Estranho, ou talvez não, porque as questões de género continuam
descentradas da agenda política em Portugal.

Aqui fica uma chamada de atenção ao Governo e ao Parlamento, seja para
eventualmente poderem pensar alterações à lei nº 3/2006, com vista a
mais paridade, seja para conferirem mais visibilidade ao percurso que
as mulheres vêm fazendo no caminho que a Lei lhe tem aberto, contra
regras não escritas e práticas diiscriminatórias vigentes nos
aparelhos partidários.


E quanto à frase com que comecei para me definir como feminista, devo
dizer que não a li nim livro, nem a ouvi num congresso - vi-a, há
muitos anos, numa placa de um carro que atravessava o centro de
Boston, iluminado pelo sol:


FEMINISM IS THE RADICAL NOTION THAT WOMEN ARE PEOPLE

2013 O CAMPEÃO

Escrevi há dias que há qualquer coisa com o Futebol Clube do Porto que transcende

o Futebol Clube do Porto! E há! Tanto assim é que no ultimo Domingo, de Paços de

Ferreira, chegou ao seu nicho perpétuo e exclusivo na Nobre Cidade Invicta mais

um luzido Troféu -- beijado mil vezes durante a curta viagem -- , que veio afagar os

portistas com a maviosidade de um “oceano de algodão”, fazendo-os sentir melhor

de alto a baixo, por fora e por dentro, abrindo-lhes o apetite sem os ares do Caramulo,

incitando-os a sorrir “à Hollywood”, ajudando-os a adormecer como santos, aliviandolhes a depressão sem recurso ao comprimido.

Sei o que digo porque, por exemplo, nos anos 60 do século passado -- graças ao meu

gloriosíssimo Sport Lisboa e Benfica e não obstante haver decorrido uma “eternidade -

-, recordo-me de haver sentido a mesma doçura do tal oceano de algodão a afagar-me, a

convidar-me a dormir como bebé, a escudar-me contra o temível prejuízo do abatimento

moral, pois os campeonatos, as grandes vitórias e a superioridade nos estádios brotavam

em jorro desse meu inesquecível e tão saudoso Benfica. E eu, graças ao inigualável e

imortal Eusébio -- e quejandos -- sentia-me no Everest …

E o Futebol Clube do Porto, a meu ver, conquistou a nossa última prova maior com

pezinhos de lã, assim como quem não quer a coisa, como se nunca quisesse ganhá-la,

deixando para o fim, quase até o ultimo instante, o assalto letal à carótida, a erupção

vulcânica, o dramatismo da peça teatral, não sem que do Dragão não tivesse soprado,

ora hoje ora amanhã, como “aviso à navegação”, um escaldante “siroco”, anunciando

a probabilidade de nova conquista, determinada inexoravelmente ou por inelutável

fatalismo ou pela real valia do competidor.

Prevaleceu a última.

Com o abraço de sempre de um vaidosíssimo benfiquista, filho de um Portista, para uma

apaixonadíssima portista, filha de um Portista.

Edmundo Macedo

2013 sobre DECO

Maria Manuela Aguiar Todos esses jornais reservam às notícias sobre DECO as duas páginas centrais, mas o conteúdo não é fantástico, não dá a Deco tudo o que Deco merece... Os depoimentos de Scolari e de Figo não são nada de especial (melhor o de Figo!). Mais interessantes os de "A Bola" (Pinto da Costa e José Manuel Freitas) e as "reações" de Fernando Santos e de Derlei. em "O Jogo". Francamente, gostei mais das palavras dos comentadores do programa da RTP Informação "Grande Área", sobretudo do Bruno. Disse que, na história da nossa seleção, só Eusébio, Figo e Ronaldo se podem considerar acima de Deco. Todos o colocam no Top 10 do nosso futebol, em todos os tempos. E falaram de uma seleção que rodava à volta do médio, de "génio" de "qualidade absolutamente excecional".
Ficou, nesse programa, sem resposta a pergunta que muitos fazem: DECO foi o melhor jogador da história do Porto? Só o fazerem a pergunta já significa imenso... Sei que a resposta é difícil - nenhum a quis dar. Mas eu não tenho dúvida: sim, DECO foi o melhor jogador da história do FCP, o melhor de todos quantos vi jogar em mais de 6o anos. E não só o melhor, nas suas qualidades individuais, mas também o mais influente no jogo da equipa. No Porto como na seleção nacional. Nem Figo, nem Ronaldo, nem mesmo Eusébio foram tão decisivos na produção do jogo coletivo!