quarta-feira, 18 de maio de 2011

ANA del RIO nova exposição

Os artistas são de todas as terras e de todas as gentes, mas é da diversidade e da
originalidade das suas formas de expressão que se faz a identidade na diferença
de cada comunidade cultural, de cada terra.
Por isso, ousarei "reclamar" para Espinho a mais -valia que nos dá a inserção, a
permanência de Ana del Rio entre nós, permitindo-nos partilhar a sua pertença
com a Espanha natal (não esquecendo, naturalmente, a influência espanhola,
desde a origem oitocentista, na vida social e cultural espinhense, que, agora,
nela encontra um esplêndido meio de se continuar).
E, por o reconhecermos, gostaríamos de lhe manifestar a vontade de ver
nas Galerias do Forum de Arte e Cultura de Espinho uma sua próxima exposição
individual - uma exposição, por certo, tão fascinante quanto esta.

Lembrámos presença de Ana del Rio na recente 1ª Bienal "Mulheres de Artes" ,
no "Forum". Guardámos na memória as imagens de três telas figurando mulheres que encarnavam, na perfeição, o espírito daquela iniciativa -
personagens irradiantes de cor, de feminilidade, e de certezas sobre os caminhos a
seguir, num movimento assertivo e gracioso. Ali, tomavam conta do espaço que
lhes estava destinado, humanizando-o, ou melhor, feminizando-o, com uma
mensagem subtil e promissora. A mostrar que, no nosso tempo, a representação
pictórica pode converter-se numa outra maneira de dar às mulheres existência -
na Vida pela Arte .

Maria Manuela Aguiar

(Vereadora da Cultura da Câmara de Espinho)

terça-feira, 5 de abril de 2011

Portugal em Foco

O “Portugal em Foco” está em festa! E bem merece, neste aniversário especial, que é uma verdadeira etapa de vida, as palavras mais elogiosas, porque continua sendo um meio insubstituível de informação e de conhecimento sobre a comunidade lusa brasileira em toda a sua dinâmica, em toda a sua capacidade de se afirmar e fazer futuro.
Nas suas páginas marcam presença os mais participativos e influentes dos cidadãos e das cidadãs, os dirigentes das maiores instituições, os animadores das grandes realizações populares. E por isso, o Portugal em Foco é a memória de um tempo, que fica para sempre captado nas suas reportagens, crónicas e artigos - é um verdadeiro testemunho que servirá, também, os vindouros, quando quiserem fazer a história da emigração portuguesa de uma época e a do trajecto dos indivíduos e das colectividades, que formam verdadeiras comunidades em sentido social e cultural no Rio de Janeiro e em todo o Brasil.
E o próprio jornal, na medida em que reflecte o pensamento e a acção dos seus criadores, Dona Benvinda Maria e Comendador Marques Mendes, a sua vontade e capacidade de serem pilares da expansão da comunidade luso brasileira, se tornou uma autêntica “instituição”! Quantas aventuras inéditas, ousadas e bem sucedidas nascerem da sua "alma", da sua iniciativa concreta! Aventuras que se destinaram, sobretudo, aos jovens, como as fantásticas e visitas anuais a Portugal do Rancho Português do Rio de Janeiro, que trouxeram milhares de meninos e meninas luso-brasileiros à procura e ao encontro das suas origens portuguesas. Ou os campeonatos desportivos, ou a celebração do dia do emigrante… Exemplos, entre tantos outros, de um contributo, constante, poderoso e inteligente para a preservação do nosso património humano no Brasil.
Muitos parabéns e muito futuro, em novos projectos, são os menus votos sinceros, com um abraço de grande admiração por todos os colaboradores do “Portugal em Foco”, e, muito em particular, pela Dona Benvinda Maria, grande Mulher Portuguesa, irrepetível e inimitável, mas, sem dúvida, uma fonte de inspiração e uma referência para as gerações seguintes.

Maria Manuela Aguiar

domingo, 3 de abril de 2011

Por xanas do Leste de Angola

Tem a palavra o Primo Ernesto, que é Fonseca, mas também é Aguiar - Aguiaríssimo!
(texto publicado no JN)

2011-02-23
Ernesto Fonseca


Em Outubro de 1968 fui destacado para o Esquadrão de Cavalaria 403 aquartelado no Luso (hoje Luena), província do Moxico, no Leste de Angola.
O quartel, construído com chapas de zinco, tinha servido aos mercenários de Tshombé, fugidos do Katanga e acolhidos pelo regime português. A partir do meio-dia o calor dentro destas instalações era infernal e assim se mantinha até de madrugada, quando arrefecia.

O esquadrão, comandado pelo capitão Rocha Pinto, era constituído por militares angolanos e portugueses. Éramos quatro alferes: eu (Ernesto Fonseca), o Moniz, o Ferreira e o ( ???).

Seis meses depois de chegar a este esquadrão, em Março de 1969, a minha comissão começada em Setembro de 1965, aproximava-se do fim. Sentia-me ansioso e supersticioso. Analisava situações do dia-a-dia, as mais simples, e dizia para comigo que me safava se acontecesse de certo modo ou me lixava se acontecesse ao contrário. Ao caminhar em pavimentos de mosaicos, não pisava as juntas para não dar azar... Nunca saía do quartel sem levar um pequeno cartão religioso de Feliz Natal, enviado pela minha irmã. Ainda o tenho, desbotado pelo tempo e pelas chuvadas que naquela altura o encharcaram.

Na secretaria do quartel já se encontrava a minha guia de marcha para regressar a Luanda e passar à disponibilidade. A tropa estava a chegar ao fim. Iam terminar as incursões ao triângulo do Lumege, iam chegar ao fim os percursos tensos através de picadas onde a guerrilha colocava as minas. Uma bomba, lançada pela nossa aviação, não rebentou, amortecida pelas copas das árvores, foi cuidadosamente armadilhada na picada e deflagrada à distância, por comando eléctrico. Para mim, tudo isto ia ficar para trás.

Mas uma noite, pela hora do jantar, chegou a notícia de que a PIDE tinha capturado um guerrilheiro do MPLA e que era preciso sair imediatamente com dois pelotões para assaltar o acampamento de onde ele tinha vindo e que os pelotões a sair eram o meu e o pelotão do Moniz. Um arrepio de frio percorreu-me as costas e ficou-me embrulhado no estômago. Não me lembro se jantámos. Entrámos para os Unimogs e mergulhámos na noite, entontecidos pelos buracos da picada e pelo medo. Medo das minas, medo de uma emboscada e medo do que nos poderia acontecer durante o assalto. Com a minha guia de marcha na secretaria, para regressar a casa, eu já não devia estar ali a correr aqueles riscos. Ia ter azar...

Finalmente os carros pararam, de madrugada, já o céu clareava. Avançámos a pé, em fila indiana, com o guerrilheiro à frente a ensinar o caminho até que avistámos uma mata muito densa. O acampamento era ali.

Escolhi um pequeno grupo do meu pelotão e o Moniz fez o mesmo. Formámos uma linha paralela ao acampamento. Eu ia do lado esquerdo. Regulámos as espingardas G3 em modo rajada e, a um sinal, iniciámos a aproximação cautelosa. Uns metros mais à frente começámos a correr, com o olhar fixo naquela mancha escura de silvados e espinheiras, de onde podia vir a morte. Galhos de árvore batiam-nos na cara e o medo acelerava-nos a corrida. Alguns caíram por tropeçarem em pedras e buracos. Mas chegámos lá. O coração batia descompassadamente, as mãos estavam escalvinhadas na arma, desesperadas para

começar a fazer fogo. Mas nada, nem um tiro. O acampamento tinha sido abandonado. Deixaram as cubatas vazias, mal cheirosas e cheias de pulgas. Tive sorte...

O guerrilheiro foi interrogado. Tinha de dizer para onde fugiram. E disse. Disse que havia outro acampamento. O Moniz tropeçara durante a corrida e estava com um pé inchado. Não havia alternativa, eu tinha de continuar com o meu pelotão. Cá estava de novo...o azar!

Eram seis da manhã. Tinhamos os cantis cheios de água, num bolso guardamos uma lata de conservas e no outro metade de uma sêmea. O resto da carga, suportada por cada um, era composta por munições.

Levávamos dilagramas (granadas disparadas pelas espingardas). Nada de morteiros, nem rádio para comunicar. Os rádios não tinham alcance, eram muito pesados e avariavam. Levei comigo um enfermeiro.

Começámos a caminhar ao longo da xana (planícies imensas do leste de Angola, sempre com água e capim). O guerrilheiro à frente. À uma da tarde, o sol estava a pique. O calor era sufocante, transpirava-se, os mosquitos rodopiavam à frente dos olhos, os gafanhotos e outros insectos não se calavam. Ao longo da tarde, os cantis foram-se esvaziando e cada um de nós foi sucumbindo à sede. Contrariando todas as recomendações, ajoelhávamonos,

afastávamos o capim e bebíamos sofregamente. Que se lixasse tudo...

Pelas cinco da tarde, o prisioneiro avisou que estávamos a chegar. Calculei que este segundo acampamento também estaria abandonado, pois há muito que nos teriam avistado. E assim foi. Quando chegámos, no meio de uma pequena mata, lá estava o acampamento abandonado. Incendiámos as cubatas, montámos uma segurança e descansámos meia hora. O terreno estava seco. E agora? Agora era preciso voltar para trás até aos carros.

Mais doze horas de marcha.... Éamos um grupo de trinta jovens, exaustos, esfaimados, sem comunicações, no meio de nada, mas conscientes de que não estávamos na nossa terra e que à distância havia olhos a observarem, à espera que baixássemos a guarda, enfim, que nos fossemos abaixo. Sentia-se a hostilidade. Não se podia parar muito tempo para descansar.

Caminhámos até cerca da uma hora da manhã, sempre na xana alagada, até que começámos a subir um pequeno outeiro arborizado. Dei ordem para se montar uma segurança e fazer um alto de meia hora para descansar. Tirei as botas e as meias. A pele dos pés estava branca, encarquilhada e destacava-se com facilidade. O enfermeiro aplicou-me sulfamidas e curitas. Os pés voltaram a entrar nas botas mas à força. No fim do descanso levantei-me com dificuldade e, tal como os outros, recomecei a marcha. Arrastávamo-nos penosamente, conscientes que esta era a fase mais perigosa. O inimigo sabia que estávamos no limite das forças, a noite era pouco escura e a mata rarefeita. Estavam reunidas condições para sermos flagelados ou cair numa emboscada. Rejeitámos as orientações do guerrilheiro e começámos a fazer largos zigue-zagues para não denunciarmos o nosso rumo.

E, finalmente, chegámos junto dos carros, talvez pelas três ou quatro da manhã. Reiniciámos o regresso ao Luso. Sentei-me ao lado do condutor de um Unimog e adormeci instantaneamente. Estivera acordado durante quarenta e seis horas e tinha caminhado durante mais de vinte e cinco. Despertei com a entrada na cidade. Fiquei ofuscado pelo sol da manhã e pela brancura dos edifícios.

No dia seguinte, o capitão disse-me que para mim a guerra tinha acabado. Não voltaria a sair!... Afinal não tive azar...

De regresso a Luanda, no combóio entre o Luso e Munhango, um sargento que vinha de Mavinga contou-me que o alferes Ricardo Martins tinha sido abatido com uma bazucada, seguida de um tiro na cabeça. Uns meses antes, eu e o Ricardo tínhamos alugado um apartamento a meias em Nova Lisboa. O Ricardo teve azar...

Já em Luanda, logo que possível, fui até à praia. Enfiei os calções, caminhei pela areia molhada e mergulhei. Senti a água a percorrer-me o corpo e a distender-me os nervos. Abri os olhos e percebi que o azul daquelas águas cristalinas escondia o meu futuro. Ia ter direito ao meu futuro.

Fiquei em Luanda, onde casei e tive uma filha. Jurei que concluiria o quinto ano de Engenharia Civil quando ela fizesse cinco anos. Cumpri esse juramento. Já em Portugal, fundei a Efiefe, uma empresa de serviços de engenharia que, decorridos 24 anos, ainda funciona.

Reformei-me. Agora vêm aí outras guerras. Eu talvez ainda dê uma ajuda mas, quem vai lutar é uma outra vaga de jovens que têm os genes daqueles que andaram meio perdidos a lutar pelas xanas e matas de África.

Heroicamente...

Artigo Parcial


comentário

QUICABO,NAMBUANGONGO,ZALA,MATA DA SANGA ETC. .63 a 65.Tempos dificeis. Viaturas furadas,suores frios e mulhados. A pele avermelhada do po barrento das picadas. Nunca matei mas estive presente e sinto-me satisfeito pelo pouco que fiz. Contribui ... Rezei e acredito que evitei algum desastre com o meu sangrefrio. O "texas" poderia ter matado o Robalo que estava atrapalhado com uma grande cobra no meio da mata. Parabens aos que serviram pelo bem-estar de todos. C C 405 em diversos Lugares. Bazofia.
arlindo ferreira
25.03.2011/18:34

comentário

»Estes comentarios sao para o sr Mario Soares e Cia pelas suas bemfeitorias quer na politica quer em frança,com direito a todas de chefe de estado. E nos? Andamos a dar cabo do canastro durante 3 anos , (este e o meu caso em Moçambique) que pompas e que nos restam ? Apenas lembranças e miseria para muitos, porque os nossos politicos esquceram-se deles.Mas viva Portugal e castigo para os traidores,que penso que essedia chegara

Comentário

»Tambem estive em Angola nao na guerra mas na altura a viver com os meus pais em Luanda .Partimos em 75 pouco antes da independencia porque os nossos politicos da altura o sr Mario Soares à frente de todos os outros venderam todos os portugueses que là estavam civis e militares . Por isso o meu muito obrigado a todos aqueles que là estiveram por Portugal. Penso que a historia se encarregarà de mostrar que eles (os politicos da altura sao na verdade uns traidores à patria e nao uns herois como se qurem fazer passar ) bem hajam todos vos
A.Martinho
17.03.2011/22:40

Comentário

Ernesto Fonseca
21.03.2011/13:57
»Em 1957 um professor de Geografia, major Aires Martins, disse-nos, a propósito das independências então em curso no Norte de África, que elas iam estender-se até à África do Sul. Toda a gente sabia...Mas mantivemo-nos orgulhosamente sós. Em 1961, quando a luta armada começou, tínhamos obrigação de lá ir repôr a estabi lidade, para depois permitir a negociação. E fomos.. e entregamos aos políticos todas as condições para o fazerem. Não o fizeram. Esbanjaram o esforço da juventude. Realmente não merecíamos isso, nem os nossos inimigos o mereciam. Todos perdemos.!! Em 1974, já pouco se podia fazer. Tinha sido por volta de 1965. Por aí sim..nessa altura era possível ter evitado tanta desgraça futura. Hoje

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

MULHERES D ' ARTES

De uma conversa breve pode nascer um projecto com futuro longo, como esperamos que seja esta 1º Bienal. Foi numa exposição de pintura que me encontrei entre "mulheres d'artes", uma das quais, notando a circunstância de estarmos ocasionalmente num círculo 100% feminino, se lembrou de sugerir uma "colectiva" em que elas e outras artistas participariam. Em Espinho, nas esplêndidas galerias do Museu, propôs Nassalete Miranda. A ideia que nunca me teria ocorrido, logo ali me pareceu não só excelente como exequível, contando antecipadamente com a invariável abertura do Director do Museu Municipal a propostas inovadoras.
E ei-la aqui, tão prontamente concretizada – oferecendo-nos a possibilidade de contemplar obras de artes várias, como em outras mostras que este espaço vem acolhendo por vocação, mas com a singularidade de dar azo a uma pergunta que não quero eximir-me a colocar à partida: há uma relação entre o género e a forma de expressão artística? Em algumas das Artes que aqui nos encantam a dúvida caminhará a par de certezas, num ou outro sentido, enquanto em outras que a tradição marcou como especificamente femininas (e em que os arcanos da divisão de trabalho segundo o sexo prevalecem) a imagem parece não poder ainda desligar-se de um estereotipo "sexista". Nestas factores culturais determinam ou condicionam a criatividade artística do outro sexo e interessante seria tentar aliciar os homens à experimentação de dotes que provavelmente possuem.
O que nos é dado ver nesta nova e surpreendente transfiguração dos espaços do FACE, pelo feito exclusivo de Mulheres, não será, porventura, conclusivo, mas temos a expectativa de que seja sugestivo.
O propósito não é excluir, segundo o "género", é, sim, o de procurar caminhos de compreensão e valorização mútua. Por tempo demais, o masculino vem sendo o "padrão", o feminino a alteridade. Todos os exercícios que contribuam para o reconhecer vão no sentido de um verdadeiro encontro de metades separadas e, através dele, de universalização da vida cultural.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

jornal do CENTENÁRIO espinho 2010

Ao longo de 2010, as comemorações do centenário da República promovidas pelos serviços do pelouro da Cultura da Câmara Municipal foram a ocasião mais do que perfeita para a criação de novos espaços de debate, de convívio e de confronto sereno e amistoso de ideias, em que se moveu, livre, plural, espontânea, a sociedade espinhense. Republicanos, monárquicos convictos (e também aqueles a quem a "questão de regime" deixa, hoje, mais ou menos indiferentes...) envolveram-se na resposta ao repto de reinterpretar a história deste século, nas suas linhas de ruptura e continuidade, de, em conjunto, olhar o passado, nos diversos domínios e de variadas maneiras, sempre com a perspectiva de “fazer futuro”.
Espinho reouve ou prosseguiu, nos "fora" deste centenário, muitas das suas tradições identitárias de terra aberta aos outros, de lugar de tertúlia e de festa, e, antes de mais, de “comunidade”, culturalmente dimensionada pelo alma colectiva da sua gente, pelo vigor e criatividade de inúmeros grupos e instituições, pelo talento de tantas individualidades.
Deles, e dos muitos convidados que aceitaram o convite para partilharem connosco os eventos que animaram o ano de 2010, fala este jornal.
É a forma mais simples e natural de lhes agradecer a intervenção no que foi, a meu ver, de princípio a fim, um admirável “exercício de cidadania”.
Agradecimento extensivo ao círculo de funcionários (e na actual orgânica tão pequeno é!), que colaboraram, com o máximo de entusiasmo e eficácia, para que um programa multifacetado e ambicioso passasse do papel à prática… Foi, como posso testemunhar, um trabalho imenso, que não cabia em rotinas, ou em horários normais, cumprido por gosto, por vocação, com verdadeiro espírito cívico! O mesmo se diga dos “voluntários” aos quais se deve a feitura do próprio “jornal”.
Esta recolha composta de notícias breves, em estilo jornalístico, sobre factos, episódios, conclusões, ensinamentos, não pode ter a pretensão de guardar, em toda a sua riqueza vivencial, a memória dos acontecimentos – que, aliás, se expande, intangível, de mil e uma maneiras, na sensibilidade e na valoração de cada um dos participantes. É, simplesmente, um registo que fica a lembrar um ano especial.
E pretende-se que sirva de estímulo ao prolongamento, em Espinho, da aventura plural e dinâmica de reunir para repensar a nossa "res publica".

Maria Manuela Aguiar

Vereadora da Cultura

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

ESTILHAÇOS

Com Estilhaços, mega exposição de pintura e escultura de Agostinho Santos, oferecemos aos visitantes do Museu Municipal de Espinho as primeiras emoções estéticas do ano de 2011.
Estamos cientes de que as amplíssimas galerias geminadas do Fórum de Arte e Cultura de Espinho são dos mais belos espaços que, em Portugal, servem de ponto de encontro com os Artistas e as suas obras de Arte, constituindo sempre um desafio, um apelo à grande dimensão, quase diria à "desmesura", do que é exibido, favorecendo o enquadramento em sequências únicas e irrepetíveis.
Aqui, as telas, as figurações luminosas, fantásticas, enigmáticas, do universo de Agostinho Santos formam um todo, composto de parcelas, com o seu mistério próprio, a que adita outro ou outros... No nosso olhar se redescobrem respostas e evidências, quando não renascem interrogações, perante a essência, à qual se acrescenta a circunstância. A mensagem, a significação, que trazem, uma a uma, revela-se, aqui, também, pela forma como nos confrontam, debatem ou falam connosco, naquele lugar determinado. Magnificamente... no tempo finito de contemplação e de indagação, no acontecimento feito de momentos singulares - efémero, excepto na memória, que é outro modo de existir.
As galerias ganharam, aqui e agora, vida e expressividade na explosão de talento de que emanam as esculturas e as pinturas de Agostinho Santos - na metamorfose que estas vieram operar nos longos espaços, nos longos murais de uma claridade neutral.
E, assim, um primeiro diálogo é o que se estabelece entre a arquitectura intencionalmente simples e despojada, como uma imensa tela vazia, e as criações arrojadas, inquietantes, que nela se abraçam, se inteiram e se inserem numa geografia muito concreta (e por isso me pareceu tão bem que algumas das imagens para o catálogo tenham sido captadas in loco", depois de aprontada a exposição).
O segundo diálogo é o nosso, com todas, com cada uma delas... É o momento de as "apropriar", de as absorver, no olhar e na interpretação, com sentimentos e emoções só nossos. Variáveis, sim, como a cor com a luz ou a escuridade, ou como a perspectiva em diferente ângulo ou ponto de observação. Ou, simplesmente, com a capacidade de achar sentidos novos às coisas conhecidas.
Maria Manuela Aguiar
Vereadora da Cultura da Câmara de Espinho
29 de Janeiro de 2011

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Em Paris, no final de sessenta

Em fins de 1968, conheci o Doutor Mário Lajes em Paris, onde era um dos bolseiros residentes na "Casa de Portugal" da Cidade Universitária, tal como eu própria. É sobre esse tempo que escreverei breves linhas, apenas notas soltas, circunstanciais, recolhidas de entre as memórias (boas memórias!) que de então ficaram.
Primeira impressão, certeza depois: ali estava o mais erudito de todos nós, embora fosse tão natural e despretensioso, o mais comunicativo, ainda que tão discreto. (E saliento estes seus traços, em particular, porque foram, a meu ver, relevantes no papel central assumido no círculo de amigos que rapidamente iria ganhar contornos naquele lugar, recriando uma espécie de fronteira intangível do país de origem, presente connosco, expatriados por período determinado, com objectivo muito concreto de completar estudos, estágios ou teses).
Sabemos, todos, o trabalho que, nas décadas seguintes, preencheu a sua vida, como sacerdote, professor, investigador, cidadão empenhado nas questões sociais, no mundo da cultura, capaz de conjugar uma multiplicidade de dons e qualidades em acções notáveis e em missões sempre desenvolvidas com grande generosidade.
Esse futuro já então, de algum modo, se podia predizer… O Padre Mário (como sempre, até hoje, lhe chamei) foi, de facto, aí, onde era fácil e fraterna a aproximação entre “emigrados”, o suporte da pequena “comunidade” (mais uma, no infinito rol das comunidades portuguesas espalhadas, transitória ou duradouramente, pelo globo…) nascida de forma espontânea, sem precedência de qualquer manifesto propósito de agir no campo político ou social – em boa verdade, sem outra intenção inicial que não fosse a de uma pura e simples convivência e entreajuda.
O mais antigo "retrato de grupo" foi tirado (quem diria?) à volta de um jocoso boneco de neve, no Parque Montsouris - do outro lado do Boulevard Jourdan, que é uma das fronteiras da "Cité". Irresistível, pelo visto, assinalar assim a alegria de "gente do sul" perante aquela alvíssima beleza do primeiro dos nevões do inverno "nórdico". E lá está, entre muitos rostos sorridentes, o do Padre Mário, que, se bem me lembro, foi dos que mais bolas de neve jogaram para os restantes retratados… A data: Novembro de 68. Éramos ainda - ao contrário de Mário Lages - maioritariamente recém-chegados, mas o “colectivo” já estava formado, com os mesmos componentes que o haviam de constituir, sem cisões nem conflitos sérios, ao longo de dois anos académicos. O que, sem sombra de dúvida, atribuo a uma amável liderança não imposta, não declarada e nem sequer assumida, mas nem por isso menos influente, do núcleo central, onde se distinguia (não querendo distinguir-se!) o Padre Mário. Simpatia, disponibilidade, bom conselho - dado por igual a quem precisasse – contribuíram para o transformar em elo de ligação de um "todo" heterogéneo de especialistas com diferente formação académica e interesses em diversificados domínios das ciências, letras e artes. Em comum, antes do mais, boa atitude, boa disposição e sentido de humor, que abundavam… começando pelo próprio Padre Mário. Na conversa que fluía, nas divagações de natureza intelectual, nas inquietações de ordem social ou moral, ele era o mais cativante dos interlocutores. Mas os seus contributos pessoais - há que acrescentar... - não se confinavam à elevada esfera do saber teórico, estendiam-se, também, a matérias de ordem prática, como a indicação de livrarias onde os estudantes, estrangeiros ou não, tinham descontos, as últimas novidades bibliográficas, os livros a ler - devo-lhe a introdução ao que viria a ser um dos meus autores favoritos, P.G. Wodehouse - os filmes a ver, os mais agradáveis (e económicos) restaurantes do "Quartier" … Nos fim-de-semana, por vezes, organizava passeios de "turismo cultural" - visitávamos catedrais, igrejas, museus. Os arredores de Paris foram-se tornando mais acessíveis à medida que uns iam comprando carros e davam "boleia" aos outros.
O Padre Mário escolheu um ágil "Austin mini". Ninguém antevira a sua transformação ao volante… Do ponderado e sereno doutorando não se esperava que fosse, mas era, um dos mais velozes, ousados e hábeis – felizmente! – condutores, daqueles que, vertiginosamente, serpenteavam por entre as medonhos filas do trânsito parisiense. Em diversas ocasiões, deixou à distância, quando não perdeu em definitivo, até ao destino final, quem o tentava acompanhar, em caravana, conforme plano bem delineado (et pour cause..) para o passeio dominical.
A rodagem do automóvel, principiava, quase sempre, numa breve viagem à Holanda, geograficamente à distância ideal, por estrada boa e plana. O Padre Mário não fugiu à regra e rumou, para o efeito, a Amesterdão. À entrada, deparou com um local muito pitoresco, uma ponte graciosa sobre um estreito braço de água. Achando que não teria dificuldade em o situar, estacionou a viatura e saiu, apressado, para percorrer as ruas com os seus companheiros de jornada. É certo que iam atravessando mais e mais lugares pitorescos, muito semelhantes ao primeiro, mas não se preocupou com o facto. Depois, na hora de voltar, é que surgiu o problema: em qual dos infindáveis canais daquela outra Veneza, aparentemente idênticos, estaria o "Mini"? Foram horas de busca! Esta sua faceta de "sábio distraído" foi uma das que depressa aprendemos a reconhecer. Não era propriamente defeito que se lhe apontasse, mas podia ter inconvenientes, sempre, porém, resolvidos com optimismo…
Outro improvável domínio em que foi, para muitos de nós, um autêntico mestre: a fotografia, incluindo a revelação das películas, em "laboratório". A "Cité" dispunha, embora isso não fosse do conhecimento geral, de instalações e estúdios modestos, mas funcionais, que, graças a ele, utilizamos livremente. Tão bem com ele aprendemos o ofício, que as provas, aí reveladas, por nossas mãos de aprendizes, ainda hoje conservam a nitidez original. E até Nadir Afonso beneficiou do talento de “Mário Lages – fotógrafo de arte”, pois ficou a dever-lhe o registo iconográfico de um seu magnífico livro de pinturas, então editado.
Havia ainda "Mário Lages - o desportista". O final das manhãs de domingo, depois da missa na vizinha Igreja de Gentilly, quando a meteorologia e o ânimo o permitiam, era passado colectivamente (um colectivo reduzido, claro...) no campo de jogos, convenientemente localizado em frente à portaria da Casa de Portugal. Saíamos, dávamos dois passos e estávamos no estádio, que convidava a saudáveis corridas. O Padre Mário era dos mais rápidos, evidentemente. Provou-o no 14 de Julho de 1969, que se tornou o dia mais aventuroso da minha vida em Paris: estávamos, muitos, em paz e sossego, como era nosso timbre, tomando um cafezinho, ao ar livre, numa rua secundária do “Quartier Latin”, povoada de franceses e estrangeiros, sem ver nem ouvir nada que levantasse suspeição, quando a polícia irrompeu lá do alto, "varrendo" à bastonada as esplanadas. Cresceu, num instante, a multidão em fuga, em que nos vimos envolvidos, correndo - não por mero desporto, dessa vez, e não sem que alguns fossem vítimas da kafkiana violência, de vitupérios racistas e da desordem, promovida, unilateralmente, pelas forças da ordem. Uma espécie de Maio 68, com os actores trocando de papel! Por sorte, os mais desafortunados sofreram só ligeiros hematomas. Era Paris-69, qual eco tardio de uma “revolução” sem retorno… Na rua, a polícia de choque procurava uma dissuasora visibilidade, mas as escaramuças eram coisa pouca e, normalmente, denunciadas com a devida antecedência…
Na Cidade Universitária, ao invés, a paz foi, no pós Maio 68, raramente perturbada, e nunca por perto de nós. Era a nossa “cidade dentro da cidade”, onde a mera convivialidade diária dera vez a uma amizade intemporal. Muito por causa do Padre Mário e de outros sacerdotes, que, residindo ou não na “Cité”, connosco reuniam, nos tempos livres, vimo-nos rotulados como “grupo de católicos progressistas”… Na realidade, alguns eram, e outros não, católicos praticantes, e a maioria não tinha, na altura, qualquer forma de envolvimento político. Acho que nos unia, sim, a crença em princípios e valores morais, uma forma de estar na vida e de querer partilhar o presente de uma geração nova, expectante, desejosa de mudanças.
Recordo, com nostalgia, os infindos debates e conversas nas salas da Casa de Portugal, enquanto íamos tomando o "café arménio" do Padre Mário, feito a preceito, de acordo com receita tradicional, em utensílio "étnico", (oferta dos seus colegas de Estudos Arménios) - uma cafeteira de sólido metal, sem tampa, com uma base alargada, para, após a fervura, permitir que se depositasse o pó, que um ligeiro agitar deixava em suspenso, no líquido saborosamente mais espesso...
O regresso a Portugal significou a inevitável dispersão deste grupo tão unido. Em mais de quatro décadas, houve poucas oportunidades de reencontro, à volta de uma chávena de requintado café arménio...
E, por isso, este é o momento de eu dizer ao Padre Mário que o primeiro ensinamento que me ficou dessa época de bolseira em Paris foi o seu modelo de relacionamento com os outros, connosco. Inspirador, convocando-nos a agir, na longa caminhada, pela vida fora, com espírito de tolerância, com sensibilidade para os problemas de cada sociedade e de cada pessoa, em cada dia novo.
Obrigada, Padre Mário, por ser como é.

Maria Manuela Aguiar

Janeiro 2011