terça-feira, 23 de novembro de 2010

Quando a segurança é causa de insegurança...

Ou quando a segurança é, mais inoquamente, para "inglês ver"...
Insurgi-me no "Blogguiar" contra a forma como na biografia intitulada "Sá Carneiro" o autor apresenta as "fugas" do biografado às malhas da segurança que lhe era imposta como sinal evidente de imaturidade (chega a propósito a usar o adjectivo "pueril"!).
E os largos parágrafos que dedica à questão - e que estão, de facto a mais, numa obra com muita página e muita documentação em que muitos temas políticos de relevo estão, realmente, a menos. Nada d espantar porque é obra de um jornalista (o director de um revista semanal) e não de um historiador - e o nosso jornalista médio já nos habituou a privilegiar o trivial ao fundamental... (A triavilidade é mesmos a trave mestra dessa biografia sem "chama": as novidades a sério são poucas - quase tudo é "déjà vu", até as interpetações aparentemente mais subjectivas).
Para mim, e creio que não estarei só nesta opinião, a coragem, a inteligência de Sá Carneiro e a sua crença na democracia portuguesa são muito mais relevantes, do que a sua maior ou menor crença nas burocracias e rituais da sua segurança pessoal, enquanto "Homem de Estado". Rituais que são ridículos em certos casos, ineficazes em muitos, ainda que úteis úteis em alguns outros.
Como disse, é mais do que sabido que Mário Soares, quando 1º ministro, como quando Presidente da República, procedia tal qual Sá Carneiro, em circunstâncias semelhantes. Pertencem a um círculo de agnósticos ou descrentes nesta matéria, em que se inclui um número, talvez não muito significativo, de detentores de cargos públicos, aos vários níveis, de alto a baixo... O que tem mais a ver com com as pessoas do que com o patamar a que exercem o "poder".
Há mesmo, suspeito eu, uma elevada percentagem dos "poderosos" que requisita essa forma de atenção, com o mesmo gozo com que usa grandes carros pretos e outras benesses que os distinguem da massa infinda de "cidadãos comuns"... É como que um "sinal exterior" da sua importância social e política.

Como é óbvio, pertenço (ou melhor,pertenci) ao grupo dos que, de preferência, prescindem de polícias e "guarda costas".
Segui, com natural satisfação, enquanto ocupei lugares em órgãos de soberania, de nível muito mais modesto, os bons exemplos de "pais da pátria", ou da democracia, como Sá Carneiro ou Mário Soares...

Claro que reconheço o caracter imprescindível de medidas de segurança em determinadas condições, e o que é preciso é que sejam realmente bem pensadas e bem executadas- e não mero espalhafato.
Sempre que as considerei mero espalhafato, tratei de me libertar do empecilho que constituiam...

A 1ª vez que isso aconteceu foi no Brasil, em 1980, quando visitei o país, como Secretária de Estado da Emigração. A protecção enervava-me. Os homens não tinham muito bom aspecto, seguiam-me num Volkswagen velho. Para dizer a verdade metiam-me mais medo do que os potenciais assaltantes... Para me ver livre deles, disseram-me, bastava assinar uma declaração, a tomar a responsabilidade de andar sozinha....
Nesse mesmo ano, em Setembro, na África do Sul, o Governo destacou um capitão e uma "sargenta" (ou será uma sargento?) pra me acompanhar. Eram impecáveis, vestidos à civil, sempre muito bem, simpáticos, divertidos. Ela era de origem portuguesa, embora não falasse a língua. Estabelecemos, durante cerca de uma semana, uma relação de imensa cordialidade. Gostávamos deles como els gostavam de nós. Tive a impressão de que não estavam habituados a este tipo de relação com os estrangeiros que lhes cabia proteger... Quando resolvemos viajar para a Suazilândia, no fim-de-semana, foram até à fronteira e lá esperaram o nosso regresso. Bem tentamos que os autorizassem a seguir connosco para M'Babane e Manzini - como eles queriam... - mas não conseguimos (isto é, não o conseguiu o Cônsul Geral).
Não obstante esta bela relação, a Milú e eu, quando estavamos alojadas no Carlton, em Joanesburgo, achamos que podíamos prescindir deles para ir a compras no shopping que ficava na parte inferior do edifício. Combinámos com eles a saída para as 11.00 e, às 10.00, sorrateiramente, descemos no elevador para o centro comercial, sem deixar as chaves na recepção. Compras feitas, subimos discretamente aos quartos e voltamos a descer para o pequeno almoço - e logo na recepção um sorridente empregado negro acena-nos e informa: "Enquanto foram às lojas, estiveram sempre protegidas por um segurança do hotel".
Imagine-se o nosso embaraço. E o sorriso amarelo...

Na Grécia, em Atenas, mais um caso. De novo uma "equipa" de acompanhantes muito agradáveis, vestidos para estar no átrio de um hotel 5 estrelas, sem dar nas vistas. Dois homens e uma mulher. Todos três, sem excluir a senhora, de armas nos bolsos.
Na "placa", o centro de pequenas ruelas e casa típicas, lojas e restaurantes para turistas, tanto virei à direita e à esquerda, com o meu passo rápido, que os perdi. Dessa vez, sem querer!!!
Que susto! Por eles, que ficariam em cheque, nao porque me sentisse em risco. E lá voltamos para trás à procura deles. Um alívio, quando os encontramos!

A minha comitiva, que na África do Sul se reduzia à Milú, em Atenas não ía além de uma assessora do gabinete, a Isabel. Jovem e amedrontada com qualquer pequena coisa. (dias mais tarde, em Istambul, quase era preciso arrastá-la para a rua. Aí não tínhamos e bem gostaríamos de ter segurança - mas eu estava incógnita, a caminho de uma conferência internacional em Izmir).
Alojaram-nos num hotel grande, onde o governo grego acolhe os seus convidados. A zona estava em pé de guerra, com manifestantes e afrontamentos de rua, por causa de uma cimeira da NATO.
Deram-nos duas "suites" iguais, com uma porta de comunicação a meio. Quando a Isabel preencheu o impresso para pedir o pequeno almoço, antes de o colocar na porta, lembrou-se de vir perguntar se eu queria que preenchesse também o meu. Respondi que sim e ela la´foi desempenhar a tarefa. Regressou, de imediato, lívida!
Perguntei o que lhe tinha acontecido, porque obviamente, tinha acontecido qualquer coisa...
"Quando abri a porta do quarto para pendurar os papeis na fechadura, um soldado apontou-me uma metralhadora!"
Acalmei-a:
"Não se preocupe! Só pode ser o nossa segurança!"

Não que eu aprecie ter metralhadoras por perto, por mais bem intencionadas que sejam!
Que mal me senti, quando num domingo de Páscoa, nas ruelas de Jerusalém deambulei no meio de vários soldados de metralhadora em mão!
Porém, nada a fazer. Era convidada do Governo de Israel, e lá não se discute a preferência dos visitantes. Ali, a coisa é mesmo a sério...
Mas a verdade é que me sentia um "alvo", e, por isso, particularmente insegura!

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