quarta-feira, 27 de setembro de 2023

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EMIGRAÇÃO FEMININA O caso português - uma perspectiva diacrónica Portugal é um país de emigração multissecular, cujas políticas tradicionalmente descuraram a proteção dos cidadãos fora de fronteiras e se caracterizaram pela prioridade de regular os fluxos de saída, com a quase constante imposição de restrições ao êxodo masculino e de proibição ou de limitação sistemática das migrações femininas, primeiro para Oriente, depois para o Brasil e outros destinos. As primeiras políticas públicas destinadas às mulheres são marcadas por uma misoginia sem paralelo na Península Ibérica e na Europa. A revolução de 1974 trouxe a todos os cidadãos portugueses a liberdade de emigrar e o desenvolvimento de medidas de apoio cultural e social, sem que, todavia, a situação específica das emigrantes fosse objeto de particular atenção. Em 1981, o recém criado Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), Órgão representativo da emigração e instância consultiva do Governo,era composto por cerca de 60 membros, eleitos no âmbito associativo, todos do sexo masculino. Em 1983, nova eleição em colégio associativo trouxe à instituição as duas primeiras mulheres conselheiras, uma das quais, Maria Alice Ribeiro, de Toronto, avançou com a proposta da convocação de um encontro mundial das mulheres emigrantes portuguesas. O 1º Encontro Mundial veio a realizar-se em 1985, com o alto patrocínio da UNESCO, dando ao país um improvável lugar de pioneirismo europeu e mundial. No entanto, a sequência a dar às suas principais conclusões só viria a concretizar-se a partir de 2005, pela via dos " Encontros para a Cidadania - a igualdade entre homens e Mulheres", uma iniciativa desenvolvida através de uma parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e ONG's, como a Associação Mulher Migrante e a Fundação Pro Dignitate. A descontinuidade dos "Encontros para a cidadania", (do "congressismo" como instrumento de luta pela igualdade) e a sub-representação feminina no interior do Conselho das Comunidades, eleito por sufrágio direto e universal, marcam o estado atual das políticas públicas com a componente de género nas nossas comunidades do estrangeiro. Palavras chave: emigração feminina, políticas públicas, igualdade, sub-representação feminina, congressismo QUESTÕES DE GÉNERO NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO Manuela Aguiar INTRODUÇÃO As primeiras medidas políticas de diferenciação de sexo no domínio da emigração vão, como regra geral, no sentido de proibir ou limitar mais fortemente a expatriação das mulheres, mesmo para fins de reunificação familiar. Só após 1974 as mulheres viram reconhecido o direito de emigrar livremente, e o de conservar a nacionalidade em caso de casamento com um estrangeiro. A igualdade perante a lei converte-se, porém, em pretexto para desvalorizar ou ignorar as especificidades da sua situação, padronizando-se neste quadro jurídico e fático, a emigração portuguesa no masculino. A convocação do primeiro encontro mundial de mulheres emigrantes, em 1985, e a realização de novos congressos e encontros, ainda que com periodicidade espaçada, através de parcerias entreo Estado e o movimento associativo (sobretudo o feminino), tem contribuído para uma maior consciência da questão de género, ancorada na audição e na crescente visibilidade dada às cidadãs do estrangeiro. A aplicação da "regra da paridade”, em 2007 às eleições para o Conselho das Comunidades Portuguesas, constituiu uma primeira medida jurídica concreta de promoção da participação das migrantes na vida coletiva das comunidades. A aprovação da Resolução n.º 32/2010, pela Assembleia da República, na linha de muitas das propostas dos referidos congressos e encontros de mulheres da "Diáspora", é reveladora de uma nova perceção da importância da componente de género nas políticas da emigração. I- AFLORAMENTOS DA "QUESTÃO DE GÉNERO" NAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO. Medidas discriminatórias, proibitivas ou limitativas. Tradicionalmente, emigrar era uma "aventura masculina". As Portuguesas viram-se, desde os séculos XVI e XVII, especialmente limitadas no que hoje diríamos o seu direito à emigração ou à reunificação familiar. E se até ao regime nascido no 25 de Abril de 1974 nunca foi verdadeiramente livre para todos a saída do país, o certo é que os obstáculos foram sempre maiores para as mulheres. No período da "expansão", nem para acompanhar os maridos isso lhes era, em princípio, permitido, só a título excecional e por favor régio. Política diametralmente oposta foi, por exemplo, seguida em Castela, que sempre privilegiou a emigração de casais para as colónias da América do Sul. (Boxer, 1977, p. 34). No nosso caso, houve sim algumas exceções determinadas pela vontade de promover o enraizamento de populações europeias em determinadas regiões do Império. Com essa finalidade, saíram para a África e o Oriente as chamadas "Órfãs d’El-Rei”, jovens recolhidas em orfanatos que eram dadas em casamento a soldados e outros potenciais povoadores, mediante um determinado dote, nomeadamente terras de cultivo ou empregos públicos. Também o povoamento por casais foi promovido em casos contados, ao longo de diferentes épocas, mas nunca de forma generalizada e sistemática. (Boxer, 1977, pp. 78-84) Mais tarde, no século XIX, em contexto puramente migratório, poderemos apontar um caso particularmente bem documentado de emigração familiar para as antigas Ilhas Sandwich, enquadrada num acordo bilateral entre os reinos de Portugal e do Havai. A partir da Madeira e dos Açores aportaram nessas ilhas do Pacífico, muitas mulheres e homens, que quase sempre levavam consigo uma prole numerosa e deixavam a terra sem esperança de voltar. (Felix, 1978, pp. 28-30). Porém, à margem de qualquer incitamento ou facilitação do processo, grande número de mulheres iam juntar-se a maridos e familiares por sua vontade, contrariando estratégias, leis e determinações das autoridades. Em oitocentos e no início do século seguinte, acentuou-se a tendência para o aumento das que assim reagiam à solidão em que se viam, partindo ao encontro dos homens, em regra, depois de eles estarem integrados na nova sociedade, o que era causa de desmedida preocupação dos especialistas neste domínio, tanto de académicos como de decisores e responsáveis pela execução das políticas de emigração. São representativas do pensamento da época as opiniões de investigadores como Afonso Costa e Emygdio da Silva. Para o primeiro, a emigração feminina é mesmo considerada uma "depreciação do fenómeno migratório", o que tem de se compreender na lógica de considerar o emigrante essencialmente como fonte de divisas. Nas suas próprias palavras: "[...] é quando a família fica na Pátria que ele envia mais regularmente as suas economias". (Costa, 1913, p. 182). Para o segundo, o êxodo das portuguesas era "uma constatação tremenda". Reportando-se a este fenómeno no início do século XX, entre 1906 e 1913, um período em que se regista um crescimento de 127% das saídas de mulheres, os perigos para que aponta são, antes de mais, a "desnacionalização" e a "cessação de remessas". (Silva, 1917, p.132). Não surpreende, assim, que a discriminação entre os sexos fosse evidenciada na própria definição de emigrante: o passageiro homem que viajava na 3ª classe dos navios e a mulher que seguisse desacompanhada, qualquer que fosse a classe escolhida para o transporte, ficando sujeita a todas as restrições que a qualificação implicava. O Estado, de um modo geral, privilegiou, de jure e de facto, a emigração de homens sós, assim como a miscigenação consentida ou encorajada nas colónias a fim de reter no Reino as mulheres. E terá sido à atitude de desafio destas “viúvas” de maridos vivos, que decidiram partir ao encontro dos ausentes, que se ficou, fundamentalmente a dever a matriz cultural portuguesa dessas colónias de povoamento. Segundo Boxer, a Coroa Portuguesa terá sido, geralmente, mais permissiva no que respeita à saída de mulheres para o Brasil do que para África ou o Oriente. Essa diferença de tratamento denunciava a clara consciência da "questão de género", a constatação da influência da presença da mulher no curso do projeto migratório, no seu destino final, com maior probabilidade de uma opção pela integração e pelo não retorno a suscitar a intervenção autoritária, vertida em medidas jurídicas e práticasadministrativas. De facto, a emigração familiar reforçava, como ainda hoje indubitavelmente reforça, a tendência para a fixação definitiva no país de acolhimento. E não se perspetivava outro tipo de ganho que pode ser maior e mais duradouro do que a entrada de divisas para equilibrar as contas com o exterior. Por exemplo, a criação de comunidades portuguesas pela cultura e pelo afeto, (indissociáveis de uma forte componente feminina), que eram, então, pouco mais do que ignoradas ou depreciadas como meros “guetos” transitórios onde se enclausurava, por escolha própria, a primeira geração de emigrantes. Haveria também, já, o assomo de alguma preocupação com a situação de especial vulnerabilidade das mulheres, pelo receio de que sós, em terra estranha, pudessem ser vítimas de exploração no trabalho. O que obviamente não havia ainda, era a ideia de que as mulheres, tal como os homens, têm direitos, e muito menos a aceitação de que pudessem ter, neste como noutros domínios, direitos absolutamente iguais. II- DA IGUALDADE NA LEI ÀS DESIGUALDADES DE FACTO Em 1974, depois da revolução do 25 de Abril, a liberdade de circulação dentro e para fora do território nacional é restabelecida (ou melhor, estabelecida) e vem a ser consagrada na Constituição de 1976. Esse foi um tempo de tão assertiva afirmação de princípios, que levou a uma natural sobrevalorização do plano puramente jurídico, como se as leis vanguardistas tivessem, de per si, o poder de transformar ditames em factos do quotidiano. Assistimos, por isso, a uma diluição da problemática feminina perante leis que as não discriminavam, com o que isso representava de positivo face ao passado, mas também com a faceta negativa de ser "padronizado” no masculino todo e qualquer trajeto migratório, assim se tornando opaco e permanecendo desconhecido o que especificamente dizia respeito às mulheres migrantes. No "país do território" sentiu-se a necessidade de ir abrindo caminho à igualdade efetiva entre os sexos para além da mera proclamação de princípios, dando às políticas uma base operacional própria em serviços ou departamentos com competências genéricas ou sectoriais (a "Comissão para a Igualdade", cuja designação foi variando sem verdadeiras ruturas na sua atuação, exemplifica aquela primeira categoria; a Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego - CITE - a segunda). Pelo contrário, no "Portugal da Diáspora" a atitude foi de descaso das autoridades nacionais no respeitante à situação das portuguesas no estrangeiro e às eventuais singularidades da sua integração no mercado de trabalho e na comunidade de destino, não obstante a Constituição, no art.º 9.º/h, a partir da revisão de 1997, e também no art.º 109.º, impor ao Estado a tarefa de promover a igualdade entre os sexos no que respeita à participação cívica e política, sem restringir essa incumbência ao território nacional. Descaso tanto mais criticável quando se receava que as emigrantes fossem, na sociedade de acolhimento, duplamente discriminadas, como mulheres e como estrangeiras, ainda por cima, numa conjuntura em que se acentuava a “feminização” da emigração devido à crise económica que viera interromper a chamada de trabalhadores ativos e apenas tolerava movimentos migratórios para efeito de reagrupamento familiar. A partir da meia década de 70, a percentagem de mulheres nas comunidades do estrangeiro aproximava-se da dos homens. E, apesar das restrições que inicialmente, um pouco por todo o lado, se colocavam à sua atividade profissional, a maioria acabou por aceder, como os homens, ao mercado de trabalho, ainda que não normalmente no mesmo tipo de emprego. Em qualquer caso, a possibilidade de profissionalização, logo aproveitada maciçamente, converteu-se numa autêntica via de emancipação dessas mulheres dando-lhes importância do ponto de vista económico, social e cultural, e, do mesmo passo, independência e igualdade, quando não supremacia dentro da família. Face às mulheres não emigrantes, as que tinham saído do país gozavam, em regra, não só de maior prosperidade económica como de um estatuto profissional e familiar privilegiado (Leandro, 1995, p.51). E mesmo em relação aos homens emigrados nem sempre perdiam no confronto. A tese da "dupla discriminação" perdeu o seu carácter de evidência. Se existe, sob diversas formas, acaba sendo frequentemente superada. Conclusão a que se chega quando se perspetiva a vida das emigrantes ao longo de décadas, como realidade complexa e dinâmica, e quando se entra em linha de conta com a sua provável situação em caso de não emigração. (Aguiar, 2008, p.1257). Em boa verdade, o sucesso no longo prazo da geração de 60 e 70, a do "salto" para a Europa, não é só da metade masculina, mas também da feminina (Leandro, 1998, p. 22). E às próprias mulheres se fica a dever, não ao sustentáculo moral e material ou a quaisquer formas de ajuda do seu país . No aspeto legislativo, é de salientar que na década de 80, subsistia ainda contra a letra e o espírito da Constituição de 1976, uma capitis diminutio das mulheres portuguesas, na maioria mulheres emigrantes, embora não pelo facto de o serem, mas sim pelo de residirem num lugar geográfico mais propício ao convívio com não nacionais: refiro-me à lei que retirava a nacionalidade portuguesa automaticamente às cidadãs que casassem com estrangeiros. A Lei n.º 37/81 veio permitir-lhes não só conservarem a nacionalidade, independentemente da do cônjuge, como transmiti-la em igualdade de condições à sua descendência, e recuperar o estatuto de cidadania portuguesa perdido "ex lege". No entanto, note-se que a reaquisição desse estatuto Maria Engrácia Leandro foi uma das primeiras investigadoras a evidenciar formas desta insuspeitada realidade, tendo 3 centrando os seus estudos nas comunidades portuguesas da região parisiense. É certo que algumas medidas pontuais se podem destacar. Um exemplo: aquando da adesão de Portugal à CEE, no âmbito das comparticipações comunitárias, a SECP organizou diversas ações no domínio da formação profissional destinadas a mulheres, o que constituiu uma diligência pioneira, ainda que desenvolvida num universo limitado, e, por isso, sem decisivo impacte na vida da generalidade das portuguesas.facilitada e com eficácia retroativa só viria a ser assegurada pela Lei n.º 1/2004 de 15 de Janeiro, ouseja, cerca de trinta anos depois da revolução do 25 de Abril. Olhámos a emigração do passado, mas tratando-se de um movimento que nunca cessou, e reassumiu, sobretudo na última década, uma desmesurada dimensão, convém igualmente consideralo no presente. Embora isso não tenha ainda reconhecimento bastante, há de facto umrecrudescimento das vagas migratórias, no conjunto menos dramáticas, menos visíveis do que as das décadas de 60 e 70, e, também, mais difíceis de quantificar na sua exata extensão, porque se dirigem em larga medida a um espaço europeu de liberdade de circulação. As mulheres estão envolvidas no processo por vontade e direito próprio, autonomamente, e tal como os homens, são cada vez mais qualificadas. Segundo o sociólogo Eduardo Victor Rodrigues "[...] já não correspondem ao paradigma da mulher da aldeia que sai para acompanhar o marido; são bastante escolarizadas e procuram melhores condições de vida". É um êxodo, também no feminino, que escapa ao paradigma tradicional e que é necessário conhecer melhor e apoiar, como reivindica a Assembleia da República numa Resolução aprovada no primeiro trimestre deste ano que irei expor adiante. Alguns estudos têm sido desenvolvidos nesta área por cientistas, a título individual, em projetos de centros de investigação, e também em comunicações e debates de congressos, encontros, seminários, como é o caso do que aqui nos reúne. Fala-se em “congressismo”, para englobar este último tipo de iniciativas. É uma palavra que não encontraremos em muitos dicionários, mas que permite classificar expressivamente um instrumento que tem tido influência basilar na elucidação e na procura de respostas para a "questão de género” em Portugal, no nosso século, tal como noutros países e noutros tempos, pelo menos desde que Elizabeth Cady Stanton fez história do feminismo nos lendários encontros de Seneca Falls. Nos anais da luta feminista, como nos da luta pela valorização do papel da Mulher no universo da emigração, o “congressismo", assim entendido, tem podido concertar a vertente académica com a da partilha de experiências vivenciais visando a ação concreta e a mudança. Em Portugal, no presente, através dele se tem vindo a executar uma parte do programa de governo para as comunidades portuguesas do estrangeiro, em matéria de género. (Aguiar, 2009, p. 41). A Lei n.º37/81 de 3 de Outubro foi, a meu ver, descaracterizada pela via da regulamentação que admitia, inclusive, a oposição do Estado em processo de reaquisição da nacionalidade pela mulher casada com estrangeiro. A Lei Orgânica n.º1/2004 de 15 de janeiro, no art. 30.º veio permitir a recuperação da nacionalidade, por mera declaração. Na parte final do n.º 2.º do mesmo artigo estipula-se que a reaquisição "[…] produz efeitos desde a data do casamento". Afirmações do sociólogo Eduardo Victor Rodrigues, proferidas no encerramento do Encontro “Cidadãs da Diáspora”, em Espinho, tiveram eco nos media das comunidades, nomeadamente no Canadá. Citamos um artigo de 9 de março de 2009 do jornal "Voice", intitulado justamente "Mudanças nos Hábitos dos Emigrantes Portugueses". Os “Encontros para a Cidadania foram anunciados e efetuados nesse preciso enquadramento, a partir de 2005. Um parêntesis, para salientar a absoluta necessidade de recorrer ao conhecimento científico a fim de fundamentar novas políticas de emigração. É uma evidência nem sempre vista como tal. Em largos períodos do passado recente, governo e universidades viveram dissociados, com os efeitos que se conhecem, em particular a tardia reação das autoridades perante inesperados reinícios de surtos migratórios e, muitas vezes, também perante casos graves de exploração dos expatriados, dos quais a opinião pública e o governo tomam conhecimento, em simultâneo, pela imprensa. Por isso se regista como positiva a retoma de colaboração que, previsivelmente, permitirá inspirar e delinear decisões e medidas de pronto e atento acompanhamento de movimentos emergentes. Exemplo de uma relação mais estreita entre estes dois mundos, o académico e o político, é o estabelecimento da parceria entre a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas e um centro de investigação universitário (do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa - ISCTE), para levar a cabo um projeto de análise e caracterização do fenómeno migratório, através do "Observatório da Emigração” . Resta saber em que medida se preocupará o “Observatório” com a problemática de género, e tornará mais ou menos dispensável a recomendação, repetidamente feita ao governo, de criar um observatório das migrações femininas. III- AS PRIMEIRAS INICIATIVAS DE AUDIÇÃO DE MULHERES EMIGRADAS Como vemos, foi regra geral até data recente a indiferença dos Governos por tudo o que respeita às particularidades da integração das emigrantes no sector profissional e no universo associativo, este, dirigido e representado, nunca é demais salientá-lo, quase em exclusivo por homens, no período que se seguiu à proclamação jurídica da igualdade plena entre os sexos, nomeadamente no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), desde 1981. Dos grupos que tradicionalmente viam, pela especificidade das suas situações, supostamente no seu próprio interesse, dificultada a saída do país, de mulheres e jovens, só estes últimos têm estado no centro da atenção dos políticos, antes de mais, através da organização de programas de No primeiro comunicado de imprensa sobre os "Encontros para a Cidadania" dizia-se, expressamente, que um dos seus objetivos era "o cumprimento do programa do XVII Governo (capítulo V, ponto 7) " Não é nova a preocupação de estimar e analisar, de forma sistemática, os movimentos migratórios nacionais. Portugal participou, ativamente, desde os tempos do "Secretariado Nacional da Emigração", no Serviço de Observação Permanente das Migrações - SOPEMI - da OCDE – colaboração a que, na década de 80, era ainda dada uma grande importância. Nos "Encontros Para A Cidadania", sobretudo nos de Buenos Aires e de Estocolmo, foi insistentemente avançada essa recomendação. Tendo sido em data posterior criado o Observatório da Emigração para evitar dispersão de esforços, o mais razoável parece ser agora uma insistência para que nele se venha a incluir o estudo das particularidades das migrações femininas. Objetivo necessário para desocultar de disparidades e injustiças, se poderá desencadear a alteração de mentalidades e atitudes.ensino da língua e cultura portuguesas, mas também de ações de intercâmbio, estágios de formação profissional, encontros, debates, do que designamos por "congressismo". Na última reestruturação do CCP – Lei n.º 66-A/2007 de 11 de dezembro – o legislador foi mais longe com a instituição de um “Conselho Consultivo da Juventude”, com competência “nas questões relativas à política da juventude para as comunidades portuguesas”, e nas “questões relacionadas com a participação cívica e integração social e económica dos jovens emigrantes e luso-descendentes nos países de acolhimento”. Nada de comparável está previsto para o associativismo feminino. Alguns responsáveis políticos justificarão esta diferença com a opção pela "paridade" de género no CCP, nos termos que adiante explicitaremos, em alternativa a esta outra forma de dar representação específica a determinados segmentos ou grupos das comunidades. Julgo, porém, válido contra-argumentar que a verdadeira paridade é um objetivo a prazo incerto, provavelmente a longo prazo, pelo que, no imediato, a metade feminina da emigração ficará longe de ter a metade dos assentos do Conselho. Por outro lado, a vertente de "género" não tem sequer sido valorada, e deveria sê-lo, nos critérios de concessão de apoios do Estado às iniciativas de instituições da "Diáspora", parecendo contar pouco o facto de o crescimento da rede de clubes e centros culturais em que se estruturam as comunidades se dever, em muito, à participação de famílias inteiras, com as mulheres a assumirem funções simétricas no círculo estreito do lar e no círculo alargado na coletividade, neste permanecendo quase sempre uma discreta "dona da casa" que se encarrega da arte da culinária, da decoração, da organização dos bastidores da festa e do convívio quotidiano, fatores insubstituíveis de agregação e de desenvolvimento. Um papel vital, mas redutor, de que se vai libertando, para exercer, alternativa ou cumulativamente, quaisquer outros, para já, mais em determinados países do que na generalidade do universo da Diáspora portuguesa. Estamos num domínio da vida em sociedade em que, segundo a opinião dos que defendem em absoluto o princípio da não interferência, o Estado não deve intrometer-se. Todavia, não é disso que se trata, trata-se não de condicionar ilegitimamente a independência das instituições, mas de velar pela aplicação de direitos fundamentais que nenhuma tradição ou costume que invoque pode subverter. Há que incentivar boas práticas dentro de cada associação portuguesa do estrangeiro, apelando à vivência igualitária da cidadania, como de resto quer o próprio legislador constitucional. A verdade é que, com recurso aos mais variados pretextos, sucessivos governos no pós 25 de Abril de 1974 descuraram a prossecução do objetivo da igualdade de acesso a atividades cívicas e políticas no espaço da emigração. A vontade de romper este quadro de inércia foi divulgada, logo no início de funções, pelo Secretário de Estado António Braga no 1º Encontro da Cidadania, em novembro de 2005, ao falar do “desígnio”, que presidia a essa reunião de " [...] retomar da questão de género, que tem andado esquecida ao longo dos anos […]", e ao admitir que "Portugal não tem tratado do papel da mulher nas comunidades de acolhimento à luz dos seus direitos de participação cívica, cultural e política". Era, de facto, um "retomar" a questão de género que havia tido apenas um momento breve de afirmação na meia década de 80. No arranque desta primeira fase está uma recomendação do CCP, que se fica a dever à visão e sensibilidade de uma das raras mulheres que nele tinha voz. O Conselho, criado pelo Decreto-lei n.º 373/80 de 12 de setembro, órgão consultivo do governo, era eleito de entre os líderes das associações e formado, como disse, na sua quase totalidade, por homens, à imagem do próprio dirigismo associativo de então. Maria Alice Ribeiro, "mulher exceção", na qualidade de representante dos media do Canadá no CCP, obteve, em fins de 1984, na reunião regional desse órgão, realizada em Danbury, Connecticut, consenso para a sua proposta de convocação de um congresso mundial de portuguesas emigradas . A Secretaria de Estado da Emigração aceitou o desafio e o “1.º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" aconteceu no ano seguinte. Trinta e seis portuguesas dos cinco continentes foram convidadas, através das embaixadas e consulados de Portugal, a apresentar comunicações: jornalistas, professoras, investigadoras, sindicalistas, empresárias, estudantes, dirigentes de coletividade. Mulheres de formação muito diversa, todas elas ativas das suas comunidades, no ensino, na ação social, no teatro, na dança, na música, no desporto. A seleção desse grupo de personalidades convidadas não teve tanto a preocupação de assegurar um equilíbrio regional entre as grandes concentrações de emigrantes, como de refletir a participação das mulheres, tal como à época se verificava, em comunidades com origem, idade e tradições de organização e ação femininas muito diversas. Assim, com uma representação mais em qualidade do que em quantidade, tendo como interlocutores vários membros do governo da República e dos governos regionais dos Açores e da Madeira e também, da sociedade civil, se realizou, em junho de 1985, em Viana do Castelo, a reunião matricial. 1985 era o ano de encerramento da "Década" das Nações Unidas dedicada à Mulher, facto que não havia sido determinante na recomendação do CCP, embora a coincidência tenha contribuído, a par do carácter inédito da iniciativa portuguesa, para que o "Encontro" tivesse o alto patrocínio da UNESCO. Não havia, realmente, memória de organização, por parte do governo de um país de Declarações de António Braga em entrevista transcrita na publicação sobre o "Congresso online", promovido em, 2009, pela “Mulher Migrante”. Um quarto de século antes, eu própria, encerrei o Encontro de Viana com um discurso semelhante, notando, no que às mulheres respeita, "[...] ausência de participação, de voz, de reconhecimento, de poder, ao menos de poder formal, nas instituições [...]". Posições concordantes, separadas por um longo hiato de duas décadas de inação política, neste campo. A génese dos Encontros para a Igualdade vem sumariada num artigo com esse título, na edição sobre "O Congresso on line". "Jornalismo" considerado no seu sentido mais amplo, incluindo profissionais, correspondentes de meios de comunicação de âmbito europeu, (“BBC”, “Radio France Internacional”, quotidianos parisienses), ou americano (“CBS”), a par de produtoras ou diretoras e colaboradoras de programas "étnicos". As trinta e seis participantes - das quais 14 jornalistas - procediam de dez países, dos cinco continentes, com predominância das do norte da América, Canadá e EUA, sobretudo, da Califórnia, onde o associativismo feminino tem uma existência quase centenária. (diáspora, de um fórum semelhante, apesar de, na altura, alguns, poucos, já disporem de mecanismos) (para audição geral dos seus expatriados). A menção do Conselho das Comunidades torna-se incontornável no historial deste congresso, não só por lhe pertencer a autoria da proposta da convocatória, mas também porque o desenrolar dos trabalhos se inspirou nos seus moldes de debate e decisão, contou com parceiros oficiais do mesmo nível e fez apelo ao envolvimento do associativismo e dos media (precisamente como sucedia no próprio "Conselho"). Assim, as "conselheiras", a título informal, puderam dialogar com os mais altos responsáveis pelas políticas para a emigração, transmitir-lhes os seus pontos de vista e, seguidamente, deliberar, entre si, conclusões e recomendações. Nas conclusões gerais, realçaram, como António Braga haveria de fazer duas décadas depois, sinal da longa paragem do processo então encetado, " […] a pouca audição que tem sido dada às mulheres portuguesas no estrangeiro". E, naturalmente, no final dos trabalhos quiseram enfatizar " […] o entusiasmo e a expectativa gerada pelo Encontro" . Para audição futura, e para a chamada das mulheres à intervenção cívica, propunham a criação de uma associação internacional própria. Na escolha de temas para debate, no modo de historiar o passado e olhar o presente, e nas recomendações para a mudança de um "estado de coisas", colocaram a tónica em dois grandes objetivos indissociáveis: o de serem consultadas sobre a realidade global das comunidades e o seu futuro, tal como o viam e queriam legitimamente influenciar; o de repensarem o seu próprio papel na família, na vida coletiva, no trabalho profissional e no associativismo, a fim de passarem à execução de projetos de mudança. Nos anos que se seguiram, a estrutura internacional autónoma para que apontavam não viria a formar-se por falta de assunção da liderança, decerto por causa da dispersão, da distância, das dificuldades de contacto. Mais pragmática e fácil de implementar teria sido a proposta de inclusão da problemática feminina na agenda do CCP para convocatória de novas reuniões. Em 1987, perante o impasse em que se caíra, a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas enveredou por essa via, no contexto de uma reestruturação do CCP. Previa-se a organização, não na orgânica, mas na órbita do “Conselho”, por simples despacho do presidente do CCP que era, então, um membro do Governo, de várias "conferências" temáticas em áreas prioritárias, entre elas, uma "Conferência para a Promoção e Participação de Mulheres Portuguesas do Estrangeiro”. Nas conclusões, in fine as participantes quiseram marcar esse carácter pioneiro, ao destacarem o seguinte: " […] Não se tem conhecimento que algum país de emigração tenha alguma vez organizado um Encontro deste tipo". As mulheres portuguesas no estrangeiro tiveram voz, usaram-na e partiram animadas por uma nova vontade de fazer. Em Portugal ficou o eco do que disseram". Na verdade, nem governo nem as convidadas para o "Encontro" tinham modelo estrangeiro em que pudessem inspirar-se - salvo em iniciativas padronizadas no homem migrante. Uma breve referência às conferências é feita na publicação "Mulher Migrante - O Congresso on line" (p.8). A queda e substituição desse Executivo, no verão de 87, implicaram a marginalização imediata do CCP, enquanto organismo de consulta, e as "conferências" não foram nunca convocadas, tal como os plenários do “Conselho". Cerca de uma década depois, a memória das expectativas geradas em 1985 e a convicção de que seria ainda necessário e possível satisfaze-las, levou um pequeno número de participantes do "Encontro" de Viana, a constituir uma associação que reclamou a herança desse projeto em demorada hibernação: a "Mulher Migrante - Associação de Estudo, Solidariedade e Cooperação". (Gomes, 2007, p. 99). A "Mulher Migrante" manifestou, desde logo, uma vontade de cooperação com governo e com ONG’s interessadas na promoção de estudos e de reuniões ou Congressos periódicos, a fim de fazer o ponto da situação das mulheres migrantes e de abrir caminhos para a igualdade. De algum modo, ainda que sem uma base institucional no seu modo de funcionamento, inspira-se no modelo do CCP originário, que tinha raízes na comunidade (em sentido orgânico) e se inseria numa estratégia de cooperação "Estado-Sociedade Civil". Não será de todo excessivo ver, não na "Mulher Migrante" em si, mas na "plataforma de diálogo" que com o governo e instituições ou personalidades das comunidades do estrangeiro foi sendo mantida, essa vocação de se converter numa espécie de "Conselho" no feminino, pelo menos no período em que decorreram os "Encontros Para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens". IV- OS "ENCONTROS PARA A CIDADANIA", PARADIGMA DE MOBILIZAÇÃO PARA A IGUALDADE ENTRE MULHERES E HOMENS" (2005-2009) Em 2005, por altura do 20º aniversário do "Encontro" de Viana, a "Mulher Migrante" apresentou ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas uma proposta de comemoração da efeméride, através da retoma de audições sistemáticas das emigrantes, inseridas numa estratégia de mobilização para a intervenção cívica. Proposta que ele aceitou, patrocinando de uma forma sistemática campanhas com esse escopo nas maiores comunidades da Diáspora, numa acção conjunta com ONG´s de Portugal e das comunidades que foram levadas a cabo nos referidos "Encontros" realizados, sucessivamente, na América do Sul, em Buenos Aires (2005), na Europa, em Estocolmo (2006), no Canadá, em Toronto (2006), na África do Sul, em Joanesburgo (2008) e nos EUA, Berkeley (2008). A "Associação Mulher Migrante", converteu-se, desde a meia década de 90, num parceiro preferencial de vários departamentos governamentais, nomeadamente da "comissão para igualdade", a da SECP. O Governo fez-se representar em todas essas reuniões, a alto nível político - pelo Secretário de Estado das Comunidades, António Braga, ou pelo Secretário de Estado, que tutelava a "Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género" Jorge Lacão. A Jorge Lacão coube, na "Conferência para a Igualdade" em Toronto, fazer uma ampla explanação doutrinal sobre as novas "políticas de género" para a emigração. Na abertura dessa Conferência, assegurou, com meridiana clareza, que “[…] as tarefas fundamentais do Estado Português" para a promoção da igualdade se não podem limitar à ação junto das portuguesas e dos portugueses residentes no território […]. Segundo ele, a letra da Constituição não deixa margem para dúvidas ao não excepcionar o campo de atuação além-fronteiras, como é, aliás, esclarecido no Programa do XVII Governo Constitucional. O Governo compromete-se a "[…] estimular a participação cívica dos membros das comunidades portuguesas, tendo como princípio orientador a Igualdade de Oportunidades entre todos os portugueses e todas as portuguesas, nomeadamente a Igualdade de Género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal”. Mais longe foi ainda ao trazer à luz do dia o papel, sempre tão envolto na sombra do anonimato, das mulheres migrantes, admitindo que as políticas que as chamam a uma linha da frente " [...] configuram uma dinâmica de valorização destas comunidades e de proximidade entre o Estado e as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo". Proximidade que o governo certamente buscava, marcando presença e tomando a palavra naquele "Encontro" com um discurso muito assertivo. Em perfeita consonância com o programa do XVII Governo, que assinalava " […] a importância das políticas deigualdade não só para as próprias mulheres, mas para as comunidades e para o aprofundamento da estratégia de aproximação entre estas e o país". Todavia, para que o seu texto não ficasse letra morta, era imprescindível o esforço de comunicação com as pessoas, para que os destinatários do chamamento soubessem ao que eram solicitados, e tivessem a oportunidade real de aderir a uma bem urdida estratégia. Lacão foi ao cerne da questão ao lembrar que, aquém dos objetivos programáticos do governo, " [...] as mulheres se encontram sub-representadas nas instâncias de decisão dos movimentos associativos, pelo que os seus pontos de vista e necessidade se arriscam a não ser tidos em conta". E, de seguida, alistou o equilíbrio das componentes feminina e masculina na vid associativa e na das comunidades, ideia chave para a “paridade", como essencial aos objetivos do próprio programa do governo: “ [...] a participação equilibrada de mulheres e homens nomovimento associativo e nos seus órgãos de tomada de decisão, bem como nas suas comunidades, é Na organização dos “Encontros”, a par da "Mulher Migrante" estiveram a Fundação Pro Dignitate, através da Doutora Maria Barroso, Presidente de Honra dos "Encontros", a Universidade Aberta, o "CEMRI", a "Rede Jovem para a Igualdade" e, em cada comunidade, uma ou várias ONG's responsáveis pela implementação do projecto: na Américado Sul, a Associação Mulher Migrante Portuguesa da Argentina; na Europa, a federação "PIKO", com sede na Suécia: no Canadá, a "Working Women" e outras, com particular envolvimento da Cônsul Geral de Portugal; na África, a "Liga da Mulher Portuguesa"; nos EUA, o departamento de português da Universidade de Berkeley. condição essencial para a defesa dos direitos, bem como para uma tomada de consciência das suas necessidades". (Lacão, 2009, p.11) A palavra ganhou, ali, de facto, força num ato de diálogo no interior de uma das maiores comunidades do estrangeiro, com mulheres e homens representativos do movimento associativo, onde estas teses praticamente nunca haviam sido afloradas, nem de uma forma espontânea, nem por parte do governo. Foi bem sublinhado o significado que se atribuía à ação das mulheres para garantia de preservação das instituições, tanto quanto para alcançar melhores condições de defesa dos direitos e interesses individuais e coletivos. Neste e nos demais "Encontros " se pretendeu levar a efeito um levantamento o mais abrangente possível do posicionamento e da atuação cívica das portuguesas no mundo, com um propósito de estimular a mudança. Isto é, não apenas de constatar, mas de agir, ou interagir. O Secretário de Estado das Comunidades acentuaria, em Joanesburgo, ao anunciar a preparação de um novo congresso mundial de mulheres emigradas, que "[...] estas iniciativas são um claro sinal da firme disposição do Governo de Lisboa em promover encontros mundiais [...] pela importância que atribui à necessidade de reforçar os laços com Portugal". (Braga, 2009, p.132) A partir desse Congresso terão, ou não, continuidade estas formas de audição, regionais ou mundiais, ensaiadas entre 2005 a 2009? E passarão pelo movimento associativo, pela colaboração com as ONG's, como se viu neste quadriénio? Não é de modo algum seguro antecipar que sim. O programa do atual Governo, no ponto referente a Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, ao contrário do que acontecia com o anterior, é omisso no que respeita à problemática da igualdade de género e às iniciativas, havidas ou a haver, na área das "Comunidades" e na relevância genérica de parcerias com as ONG's, neste domínio . Ou será antes pelo CCP, que passará o eixo central das políticas com a componente de género? Só a resposta a estas perguntas, a obter dentro dos próximos anos, permitirá concluir se estamos, ou não, no limiar de uma estratégia para as comunidades portuguesas do estrangeiro, assente na chamada das mulheres à participação cívica igualitária. V - MEDIDAS JURÍDICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE NO SÈCULO XXI A norma que determina a aplicação do princípio da paridade, imposto nas eleições legislativa e autárquicas, à eleição do CCP (o n.º 4 do art.º 11.º e a alínea a) do n.º 1 do art.º 37.º da Lei n.º 66-A/ 207) é, no plano jurídico-político, uma medida excecional de promoção da igualdade de género na história da emigração portuguesa, dando cumprimento da letra e do espírito da Constituição da República. O anúncio da sua (então) próxima entrada em vigor foi feito na Conferência de Toronto. A omissão contrasta com a relevância que é dada a parcerias com as ONG's em sede de Cooperação, (Programa do XXVIII Governo, p. 127) por Jorge Lacão, como prova da vontade do governo de garantir a audição efetiva das mulheres num órgão onde sempre haviam sido uma pequeníssima minoria, e, na prática, sem acesso à sua instância de cúpula, o "Conselho Permanente". As listas para o CCP viriam, de facto, no ano de 2008, a assegurar, em observância da lei, a inclusão de um terço de mulheres. E como os atos eleitorais para a Assembleia da República e para as autarquias ocorreram no ano seguinte, acabou por constituir como que um "ensaio geral" do sistema de quotas bem-sucedido, pois redundou no aumento, que era previsível, do número e percentagem de conselheiras e, também, na sua ascensão ao Conselho Permanente. A presença feminina, globalmente, no CCP, nas diversas Comissões e na instância de coordenação, é quantificável, com todo o rigor (sabendo-se que está ainda longe de uma verdadeira igualdade), mas a importância real que terá no maior equilíbrio de participação de ambos os sexos na vida das comunidades do estrangeiro vai depender, diretamente, do uso que as eleitas farão da sua capacidade de influenciar os processos de funcionamento e de decisão do "Conselho", e, indiretamente, do papel que venha a ser o desta instituição que tem tido, como afirmei, um percurso acidentado e irregular, enquanto fórum de consulta do Governo e de representação dos emigrantes. Posterior à legislação que impõe a recomposição mais igualitária do CCP, bem como ao termo dos "Encontros para a cidadania", é uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a "problemática da mulher emigrante", em forma de resolução - a Resolução n.º 32/2010, de 19 de Março - que visa os mesmos resultados das referidas estratégias e ações governamentais. Muito embora não lhes faça qualquer alusão, parece querer dar-lhes seguimento, no futuro imediato, ao definir um conjunto de medidas “destinadas ao desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas do estrangeiro" e ao prever a utilização de instrumentos e metodologias idênticas, apontando para a efetivação de "seminários, campanhas de sensibilização, ações formativas e informativas junto das comunidades, incentivos a estudos e investigações. Na Resolução n.º 31/2010, aprovada na mesma data, os parlamentares recomendam ao Governo que " […] proceda ao estudo quantitativo e qualitativo da nova diáspora portuguesa do mundo.” E fazem sua uma ideia chave do Programa do XVII Governo: preparar as medidas da sua política externa, em concertação com outros ministérios, […] no sentido de revelar uma mudança de paradigma face a esta nova diáspora portuguesa, colocando-a no centro das suas ações, fazendo dela uma verdadeira linha avançada da nossa diplomacia um pouco por todo o mundo”. Por seu lado, a Resolução destina-se a contribuir para “o desenvolvimento da cidadania das mulheres portuguesas residentes no estrangeiro”, visando “Promover a igualdade efetiva entre homens e mulheres no universo das comunidades portuguesas no Mundo; Combater situações de violência de género; Desenvolver modalidades de inserção profissional das mulheres portuguesas no estrangeiro”. (Ponto 2, alíneas a), b) e c). Objetivos, todos eles, traçados no programa do atual governo, no capítulo respeitante às políticas sociais de igualdade de género, porém, sem qualquer referência expressa ao caso das mulheres expatriadas, pelo que não será desapropriado concluir que a "Resolução" procura transpor o conteúdo das medidas ali delineadas, em termos gerais, para a situação particular das emigrantes. A Resolução não é, evidentemente, muito inovadora pelo que recomenda. É-o pelo facto de ser a primeira vez que os Deputados chamam a atenção para os deveres do Estado na consecução da igualdade de mulheres e homens, para além das fronteiras territoriais, como manda o art.º 109.º da Constituição. Se a resposta do Executivo for o relançamento, de uma forma constante e consistente, do trajeto de diálogo e cooperação já empreendido sem que tenha ainda atingido a generalização e a eficácia plenas, a exigir esforço incessante, sem fim à vista, estaremos no limiar de efetivação de políticas de emigração com a componente de género. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aguiar, M. M. (2008). Mulheres Migrantes e Intervenção Cívica. [Migrant Women and Civic Intervention]. In M. R. Simas (org). A Mulher e o Trabalho nos Açores e nas Comunidades. (pp.1247-1258). [Women and Work in the Azores and in Communities]. MAR Açores. Aguiar, M. M. (2009). Os Encontros para a Cidadania. [The Meetings for Citizenship]. In M. M. Aguiar & M. T. Aguiar (coord.). "Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 33-43). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Boxer, C.R. (1977). A mulher na Expansão Ultramarina Ibérica. [Women in Iberian Overseas Expansion]. Livros Horizonte. Braga, A. (2009). Encontros para a cidadania. O Encontro de Joanesburgo. [Meetings for citizenship. The Johannesburg Meeting]. In M. M. Aguiar & Aguiar, M. T. (orgs). Cidadãs da diáspora: encontro em Espinho. Mulher migrante: o congresso “online". (pp. 5). [Citizens of the diaspora: meeting in Espinho. Migrant women: the congress “online"]. Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade. Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Centro de Estudos. (1986). 1.º Encontro (de) Portuguesas Migrantes no Associativismo e no Jornalismo”. Fundo Documental e Iconográfico das Comunidades Portuguesas. Costa, A. (1913). A Emigração. Imprensa Nacional. Felix, J. H. , Senecal, P. (1978). The Portuguese in Hawaii. Centinneal Edition. Gomes, R. (2007). O papel da Associação Mulher Migrante. [The role of the Association of Migrant Women]. In M. M. Aguiar (org). Migrações. 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terça-feira, 5 de setembro de 2023

2016 com JOSÉ LELLO

O meu último encontro com José Lello, no programa de rádio e TV de uma grande jornalista, Maria Flor Pedroso. Ainda bem que aconteceu. Foi um convívio inesquecível, e, de alguma forma, um balanço de relacionamento político e, acima de tudo, pessoal de dois antigos responsáveis da pasta da Emigração - uma Secretária de Estado, um Secretário Estado. Dois Amigos. O link: https://shar.es/1E9hJt

SOARES E O BISPO DE BRAGANÇA E MIRANDA

A coisa mais próxima de uma discordância, que tive com o Primeiro-ministro, durante os dois anos e alguns meses do governo do Bloco Central, foi provocada por uma incursão na política do Senhor Bispo de Bragança e Miranda. A propósito das medidas de austeridade, impostas pelo estado das finanças e pela intervenção do FMI, para salvar Portugal da falência em que o Governo Balsemão deixara o país, em 1983. Tempos duros - mas mal comparados aos que se viveram, neste século, com as perniciosas imposições da troika... Então, a fórmula foi aplicada inteligentemente e resultou em pleno, oferecendo ao Executivo de Cavaco, a partir da adesão à CEE, em 1985, um futuro melhor, de "vacas gordas". Em democracia, a crítica é livre e das liberdades usou aquela alta autoridade da Igreja para zurzir as mais altas autoridade do Estado. Aproveitou o mês de agosto e um ajuntamento de emigrantes em férias para lhes recomendar que acautelassem as suas poupanças, que não as mandassem para Portugal, porque isso era o mesmo que" pôr dinheiro em saco roto" - exatamente estas palavras, um ditado popular para o povo entendesse bem o seu conselho. Vi os títulos de jornal, mas interpretei a intervenção episcopal como mais uma das muitas que havia que aguentar, estoicamente, enquanto Hernâni Lopes cuidava de acertar as contas (e acertou, ao contrário de Gaspar e Luísa). Para além de ficarmos a saber a opinião do Bispo, achei que os emigrantes mais o seguiriam como líder espiritual do que como consultor financeiro e, por mim, guardei sobre o caso um despreocupado silêncio. Contudo, um ou dois dias depois (estava eu a norte do país, nos meus périplos habituais), recebi um telefonema direto do Primeiro Ministro. Perguntou-me se conhecia as declarações do Bispo e eu disse que sim. Informou-me, então, que o Conselho de Ministros estava reunido, tinha analisado a diatribe de Bragança e decidido que era urgente ripostar. E eu fora escolhida para a missão. Argumentei que não era a pessoa mais indicada para discutir as finanças do país com o Bispo, cuja referência ao país como um"saco roto" tinha sido feita a uma audiência de emigrantes, como o poderia ter sido a residentes, (empresários, donas de casa, a jogadores de futebol...), a não punha em causa as políticas da emigração, pelas quais eu era responsável, A meu ver, o ideal era uma réplica do próprio Chefe do Governo e, como o Dr Soares declinasse, de imediato, sugeri o Ministro das Finanças. Firmemente, embora amavelmente, pôs ponto final às minhas objeções - a decisão do Conselho de ministros estava tomada, a incumbência entregue. Não me parecia, francamente, que subir o tom da polémica fosse útil e, por isso, o meu comunicado de imprensa ou entrevista - já não sei qual o modo utilizado - foi frouxo, morno, porque não consegui deixar de ser genuína. Dei a entender que o Sr Bispo não era especialista de finanças (como Jesus Cristo, segundo o Poeta), e assim encerrei, de vez, as hostilidades. Não creio que os mandantes do Conselho de Ministros tivessem considerado brilhante o desempenho da mandatária... Todavia, quando o mesmo Senhor Bispo, algum tempo depois, recebeu o já´Presidente Soares em Bragança, com grandes manifestações de regozijo e com os maiores encómios, pensei que talvez eu tivesse com aquela minha passada atitude contribuído um pouquinho para isso...

A MINHA DÉCADA DE 80

Nos governos de 1980 em diante, transitei do Trabalho para a Emigração. A sintonia com a Madeira estendeu-se, desde então, a todo o universo da Diáspora. Não havia aqui lugar a qualquer forma de dependência, era uma colaboração entre iguais, que, tal como a ensaiámos, não continuava relacionamentos do passado, escassos e descontínuos, mas os criava de raíz - para mim, da maior utilidade, porque muitos eram os emigrantes originários das Ilhas, sobretudo nas comunidades transoceanicas, com os quais começava a contactar, em visitas a instituições de uma dimensão e ação espantosas, que muito pouco deviam ao Estado Português. No Brasil, mais do que em qualquer outro país, onde continentais e insulares se distribuem por todo o país, com grandes zonas de colonização açoriana no sul e Casas dos Açores ou da Madeira em várias cidades. Na Venezuela e África do sul, a predominância é de madeirenses, na América do Norte de açorianos, como nas Bermudas, ou no Hawaí (aqui, depois de se ter iniciado com pioneiros madeirenses, em 1876). A aconselhar o relacionamento estreito entre governos, o facto de as Regiões terem políticas de emigração e serviços exemplares, em muitos aspetos superiores aos da República, mais próximos das pessoas, mais atentos aos seus problemas, mais eficazes. A meu ver, menos burocráticos,mais terra a terra. Na verdade, em Lisboa, os funcionários conheciam, quando muito, os casos da França e outros países europeus - geografia jogava poderosamente contra os mais distantes, que eram visitados, episódica e apressadamente, por Ministros ou Secretários de Estado, sem consequências de vulto, em termos de apoio ou acompanhamento. Das milhares de clubes e centros comunitários existentes por esse mundo fora, nem um só teria arrancado do chão, se para isso dependesse de um pequeno subsídio do Estado - um contraste radical com o contexto em que prolifera um sem número de congéneres que, dentro do país, não fazem nem tanto nem tão bem... A colaboração vinda de trás tinha agora terreno ainda mais vasto para prosseguir, com companheiros de caminhada animados do mesmo espírito (e, na altura, até do mesmo partido, embora isso não fosse factor de peso). Falei do "caso" da Madeira, em 1979, mas nos Açores também houve solenes assinaturas de protocolo de regionalização de serviços, (na Praça de Londres, não nas Ilhas de bruma) e precedidos e seguidos de muitos telefonemas informais. O meu homólogo regional era um jovem chamado Gentil Lagarto. A principal diferença face à Madeira foi o facto de todo o processo ter sido pacífico. Dizem que as pessoas felizes não fazem história. Os processos felizes também não. Contudo, embora tivesse perdido o rasto ao realmente gentil Dr Lagarto, o que não aconteceria com o amigo Bazenga Marques, prontamente estabeleci relações "à moda do Funchal" com Angra do Heroísmo. Durante os meus anos no governo. Lisboa- Angra- Funchal conversaram à volta da távola redonda sobre as grandes questões da globalidade das migrações portuguesas, acrescentando mais valias ao tratamento dessas questões, sem ninguém jamais ter interferido no área própria de cada um dos outros. O Diretor do Serviço das Comunidades Madeirenses era um emigrante famoso, o mais famoso do seu tempo, o ator de Hollywood, Virgílio Teixeira. O responsável por idênticos serviços na Terceira, Duarte Mendes, era um funcionário de excecional qualidade, alguém que conhecia todas as pessoas e instituições que faziam mover as comunidades açorianas. A triangulação entre a continente e as duas Autonomias, neste domínio, foi, suponho, absolutamente inédita e resultou na perfeição, numa relação de inteira confiança, solidariedade e amizade. Não me digam que o fator entendimento concreto entre pessoas não é o mais importante. É! O meu regionalismo levar-me-ia, em qualquer caso, a tentar o que tentei - a aproximação às Regiões. Mas tive a sorte de ser correspondida. O ter feito amigos depressa e para sempre, tornou fácil e eficaz o projeto de cooperação, que, cedo, atingiu um ponto alto dentro do Conselho das Comunidades Portuguesas. O CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS (CCP) CONSULTA A TRÊS (GOVERNOS) O CCP estava destinado a ser a grande assembleia representativa dos cidadãos do estrangeiro, um fórum de encontro e reflexão sobre a realidade das migrações portuguesas e de co-participação nas políticas para a emigração e para a Diáspora - a ponte da passagem de um Portugal centralizador, ditatorial, segregacionista dos emigrantes, para um Portugal democrático e aberto a todos. Logo na elaboração do anteprojeto de lei do Conselho das Comunidades Portuguesas, a que foi dada a maior prioridade e urgência no meu gabinete, foi pensado e equacionado o papel das Regiões. A Lei fundadora (um decreto-lei com que se pretendia tornar o processo mais expedito) torna o Conselho um órgão de consulta não apenas do Governo da República, mas também dos Governos Regionais. Curiosamente, através das múltiplas transfigurações que o CCP, não obstante manter precisamente o mesmo nome, veio a sofrer, desde 1980 até hoje, a presença das "Autonomias" nunca foi contestada, mas a sua importância foi quase completamente esvaziada, após 1996. Deixaram de estar nas salas de reunião. ainda que permaneçam, de pedra e cal, na letra da lei. Têm, evidentemente, como já tinham, nos anos 80, os seus próprios mecanismos de convívio dos emigrantes e das Diásporas madeirenses e açorianas - diversos entre si, aliás, e nos quais, como é óbvio, o Governo da República não tem lugar, exceto, eventualmente, como convidado. Eu era invariavelmente convidada. Será que o foram os meus sucessores?. Talvez um deles, que era madeirense, tenha estado em iniciativas regionais no Funchal. Os seguintes, duvido... De qualquer modo, aquém e além desses congressos, o que constatámos foi um gradual apartar de caminhos. Participei "ex officio", como deputada da emigração no CCP, na sua "segunda vida", entre 1996 e 2005, e não me recordo de ver os representantes das Autonomias no palco das aberturas e encerramentos solenes, à mesa de conversações, ou nas receções sociais do Palácio das Necessidades ou de Belém. O meu trabalho conjunto com os responsáveis pela política de emigração das regiões não se limitava, porém, ao CCP. Era uma relação do dia a dia, concreta e discreta, que assumia mediatismo apenas de longe a longe - por exemplo na composição da delegação de Portugal a nível internacional. Aconteceu, pela última vez, na III Conferência de Ministros do Conselho da Europa para as migrações, a que presidi no Porto. Lá estavam, como membros oficiais da nossa delegação, Virgílio Teixeira e Duarte Mendes. Duvido que os anais de um sem número de conferências internacionais registem composição semelhante em outra delegação nacional, no campo das migrações, mas espero estar enganada. Nesse primeiro CCP até os Presidentes dos Governos Regionais participaram: Alberto João Jardim no Encontro Mundial que, em 1985, se realizou em Porto Santo e no Funchal, e Mota Amaral na Reunião Regional da América do Norte (Toronto), em 1986. PORTO SANTO Em Porto Santo, coube ao Dr Alberto João, como anfitrião, fazer a intervenção de abertura. Mal acabou de falar, um dos habituais contestatários do grupo de Paris (uma ruidosa minoria), José Machado levantou-se, avançou pelo corredor central do auditório e interrompeu os trabalhos, pedindo, intempestivamente, a palavra. Machado era, então, animador cultural dos serviços franceses para a imigração portuguesa, com quem viria a ter, muito depois, uma longa e frutuosa cooperação. Contudo, então, estávamos ainda a anos disso acontecer. AJJ, do alto do seu microfone, ordenou: - "Cale-se! (ele recuou, instintivamente, um passo). - " Aqui há democracia, com ordem e responsabilidade!" (Machado retrocedeu mais uns passos) - "Só fala quando eu lhe der a palavra." (nessa altura já o Conselheiro tinha voltado mais ou menos ao ponto de partida, lá atrás). Foi apenas o começo! Os confrontos nas sessões de trabalho, já sem o Presidente do Governo Regional mas com a Presidente do CCP, (eu própria, por delegação de competência do Ministro dos Negócios Estrangeiros), sucederam-se numa espiral de turbulência. Nada que me causasse desconforto. O problema maior era convencer os conselheiros do Brasil, os meus mais acérrimos defensores, a não se interporem nas discussões, porque eu gostava de responder frente a frente. Por fim, grupo de Paris veio comunicar-me que deixaria de participar na assembleia dos seus pares, para reunir à parte. Respondi prontamente: - Tudo bem! Como é óbvio, têm plena liberdade de fazer o que muito bem entenderem, aonde e quando quiserem, mas à vossa custa. O governo só pode suportar as despesas com os trabalhos do Conselho: gastar verbas do orçamento Estado em atividades privadas seria um desvio de fundos - está fora de questão!. E deixei-os a discutir entre eles, como pretendiam. O hotel era caro... Nessa noite, de malas na mão, tomaram o voo para Lisboa, onde pernoitaram, seguramente, por preços mais em conta... E, no dia seguinte, convocaram uma conferência de imprensa para provocarem o escândalo da praxe. O que corre bem não faz notícia, ou faz sem privilégio de primeira página, mas, na verdade, em Porto Santo, as condições de debate melhoraram substancialmente. Posições diferentes havia, naturalmente, mas acabara o afrontamento partidário. Os dissidentes não tinham seguidores fora da Europa e nem mesmo conseguiram todo o contingente europeu - longe disso. Só num aspeto tiveram mais sorte do que os outros - escaparam a uma viagem de susto, contra ventos (quase) ciclónicos entre o Porto Santo e o Funchal! No último dia, um grande temporal atingiu as ilhas e interrompeu as ligações marítimas entre elas, mas os aviões operaram normalmente, os mais pequenos, como os de maior porte. Eu ainda pensei optar por um dos "mini aviões" porque teriam mais pista para o poiso... Todavia, pensando bem, o risco de turbulência seria bem pior. Nunca vivi nada semelhante à entrada no Boeing - tão forte era o vento que pouco faltou para termos de rastejar até à porta. como num exercício militar. Em compensação, o trajeto foi tranquilo. 20 valores para a tripulação da TAP! Vim a saber que o comandante era, de facto, do melhor que a companhia desse tempo tinha - e, nesse tempo, no que respeita a perícia dos pilotos, a nossa TAP era insuperável. TORONTO No ano seguinte, realizou-se o que sempre considerei como a reunião mundial no formato "plenário por regiões", que alternava com o "plenário por secções". O plenário do CCP era, nos termos da lei, convocado, uma vez por ano. Todavia, em 1983, os conselheiros, por consenso geral, dirigiram ao governo uma recomendação em que propunham a realização alternada de uma reunião no país, e de uma sessão quadripartida geograficamente por grandes regiões.. A recomendação foi, naturalmente aceite.E m 1985 e 1087 realizaram.se as reuniões em Portugal (na Madeira e nos Algarve) e, em 1984, decorreram nas comunidades, assim como em 1086. Depois, eu saí go governo e, com Correia de Jesus, o CCP hibernou, até ser reanimado por iniciativa de José Lello. em 1996. O reunião dos conselheiros da América do Norte efetuou-se em Toronto, em ambiente muito cordial, mas, mesmo assim, pretextos houve que serviram para pôr em palco a questão regional. No caso, tratando-se dos Açores, nada de novo, só mais um episódio de "guerra de bandeiras" . O Presidente Mota Amaral estava alojado num dos bons hotéis da cidade, que, para homenagear o seu ilustre hóspede, hasteou na frontaria a bandeira azul e branca, pontuada de açores em voo (esteticamente uma beleza!). Levantou-se, de imediato, em Lisboa, um coro de protestos, insinuações de separatismo, o habitual... Não contaram comigo. Pareceu-me muito bem que um líder regional fosse saudado com a bandeira da Região... No CCP falámos de outros temas mais importantes, numa reunião que, como dizem no Brasil, correu "bem demais". A reunião em si e "a latere" a parte social também, O Ministro da Imigração do Ontário, Tony Ruprecht, que era amigo do Cônsul António Tânger, fora, pouco antes, meu convidado em Portugal (Lisboa, Porto, Amarante - com visita ao Museu Sousa Cardozo e à casa de Pascoaes), Retribuiu-nos em Toronto, por altura dessa realização do CCP-América do Norte, com um grande banquete oferecido a todos os conselheiros. O CONGRESSO DAS COMUNIDADES AÇORIANAS (Angra do Heroísmo) Em fins de 1986, estava eu em vias de sair de vez, do governo minoritário de Cavaco Silva, coisa que já adivinhava, sem saber a data precisa, quando fiz a que seria a minha última viagem a Angra e aos Açores, na qualidade de Secretária de Estado. Se não havia guerra de bandeiras, literaimente, havia, porém, guerras. A mais óbvia decorria, em episódios,vários, tendo por principais contendores o Ministro da República, General Rocha Vieira, e o Governo regional do Dr Mota Amaral. No continente as relações entre o Presidente Soares e o Primeiro Ministro Cavaco eram apenas marginalmente melhores. Todavia, por qualquer estranha razão, que para mim permanece misteriosa, tanto Mário Soares como Cavaco Silva tinham uma especial predileção pelo General! A de Cavaco ía ao extremo de obrigar todos os membros do seu governo a contactarem o Governo Regional sempre através do Ministro da República. Absolutamente inédito! Não tendo recebido a ordem direta de Cavaco, mas, com era natural, por intermédio do MNE, desconheço se foi bem transmitida ou se este, criativamente, a converteu em determinação rígida. Sei o que me foi imposto e considerei um "diktat" impossível de cumprir, Logo eu, que, há anos, tratava de qualquer assunto, facil e informalmente pelo telefone - com amigos, aliados, preciosos colaboradores, Assim continuei a fazer. A tal ponto esquecera a existência do Ministro da República que, quando convidada a participar no Congresso, aceitei prontamente e nem me ocorreu informar o General da minha visita à Ilha Terceira... Neste caso, deveria, como é evidente tê-lo feito - e nem foi por vontade de afrontamento, foi por distração No aeroporto, esperava-me o Costa Neves, que era o Secretário regional com o pelouro das Comunidades e o Duarte Mendes. Com eles andei até ao fim do dia, à hora da abertura do Congresso. Só aí encontrei o General, que me me cumprimentou e perguntou, de imediato: - "Então, como veio?..." Ao que, pressentindo a ironia, respondi; - "No avião da TAP, naturalmente". A partir daí, tudo correu muito bem. Nos trabalhos, participei de princípio a fim, sem mais presença do Senhor General, contra o qual, devo dizê-lo nada me movia, Um prestigiado e competente militar de alta patente, sem dúvida. Não gosto é da figura constitucional de Ministro da República . um misto de Governador Civil e Vice-rei das Índias. Os da Madeira sempre me pareceram mais aquela primeira e mais modesta componente, e os dos Açores, o desta última, mais majestática (com algumas exceções, entre as quais se não conta Rocha Vieira). Grandes intervenções neste grande fórum. Lembro a investigadora brasileira de Santa Catarina, que dizia: "Estou aqui a matar saudades, 300 anos depois!". E as conversa com o Prof Ramiro Dutra ... e os debates sobre a eventual votação dos emigrantes nas eleições regionais - questão ainda hoje por resolver... Todavia, em Lisboa, o eco dos acontecimentos da Terceira, chegou algo distorcido. Soube-o no discurso direto, muito direto, do Presidente Soares. Estávamos num amplo espaço,um numeroso grupo de entidades oficiais, à espera de entrar na Aula Magna da Faculdade de Direito, no Campo Grande, para uma sessão comemorativa - talvez, não tenho a certeza, os 10 anos das primeiras eleições autárquicas - e o Presidente dirigiu-se a mim. Como eu tinha, dependurado ao pescoço um vistoso rolo de raposas, o Doutor Soares, puxando as extremidades das raposas, a medida que ia falando, com pretensa severidade, indagou: - "O que andou a fazer nos Açores, num congresso separatista?" E eu, logo imaginando de onde viera tão estranha informação, afirmei, com a mais genuína das convicções - " Estive nos Açores, sim, mas num magnífico congresso entre muito bons portugueses. Alguém lhe fez um relato errado, Senhor Presidente" Não o convenci: - ":De modo nenhum, Senhora Doutora! Até porque não há comunidades açorianas, só há comunidades portuguesas". Enquanto, distraidamente, continuava a puxar as pontas do longo e lustroso rolo de raposa, eu mantive as minhas certezas e permiti-me discordar (achei sempre fácil quer discordar, quer concordar com o Dr Soares porque ele gostava de ouvir opiniões, eventualmente contrárias): - "Mas claro que há comunidades açorianas, minhotas, algarvias, madeirenses, etc etc... Portugal é um país unido, e simultâneamente multicultural e o que pode, realmente, fomentar o separatismo é negar esta realidade". Não sei se aceitou a minha argumentação. Em qualquer caso, mostrava-se muito bem disposto. A conversa ficou por ali, porque fomos chamados a entrar na sala - e nunca mais falámos no assunto. Creio que quis, sobretudo, ouvir a minha versão dos acontecimentos. Não assim Cavaco Silva, que nunca abordou o assunto comigo - era em tudo o oposto de Mário Soares, e, alem disso, para ele, os Secretários de Estado haviam sido reduzidos à condição de meros "ajudantes de ministros" (certamente, só pedia explicações a ministros!).. Convicta de que quem tinha encaminhado as novas sobre o Congresso de Angra ao Presidente também as teriam dado ao chefe do Executivo, aproveitei para contar a história, na primeira oportunidade, que foi uma ida a Paris na comitiva do Primeiro- ministro - a história pormenorizada da conversa com o Presidente, não do congresso propriamente dito, que assim, por via indireta, ilibava de suspeitas de independentismo. O único comentário do Prof Cavaco Silva não dizia respeita ao fundo da questão. Foi uma simples e inesperada pergunta: "O presidente puxou pelas raposas? Em público?" . Mais me surpreendeu o espanto do Professor que o facto do Dr Soares ter engraçado com as raposas, o que me pareceu um gesto divertido, que, aliás, aligeirava a pesada acusação de "separatismo"...

terça-feira, 25 de julho de 2023

FUTEBOL FEMININO A LONGA MARCHA PARA A IGUALDADE 1 – Desde criança que o desporto foi a minha paixão - o desporto jogado e o desporto espetáculo. E, precisamente porque era tão importante na minha vida, tive desde muito cedo a consciência das barreiras que se erguiam às mulheres para a sua prática. Eu podia, em meados do século XX, romper com muitos tabus, podia estudar, tirar um curso universitário, ter uma profissão liberal, ou ser funcionária pública, viajar sozinha pelo mundo, fazer política… Tudo aparentemente, em condições de igualdade com os rapazes da minha família e geração. Durante a ditadura, é certo que me era vedada a carreira diplomática, a magistratura e me restava, no setor público, o acesso às carreiras de Notariado e Registos…), mas a partir de 1974, todos os obstáculos legais caíram, de repente…. A Cultura, a Ciência, a Política, abriam as suas portas às mulheres, com o Estado obrigado pela Constituição a promover ativamente a igualdade de facto. Não assim no Desporto, em geral e no futebol em particular. Como muitas raparigas pude, no meu tempo de juventude, testar a minha aptidão nos exames do liceu e da universidade, mas nunca saberei até onde poderia ter ido no relvado de um estádio de futebol. Claro que dei os meus pontapés na bola, mas não fui longe. Comecei por conseguir jogar com rapazes nas ruas de São Cosme de Gondomar. Foi o meu Primo Ernesto, o grande "craque" da equipa, que me impôs, contra a vontade geral. Não queriam meninas, a pretexto de que choravam ao menor encontrão. O Ernesto foi perentório: "A minha prima não chora!" Promessa cumprida. Surgiram frequentes queixas, mas não nesse capítulo. Contra as preconceituosas previsões, eu era muito rápida, muito determinada e sarrafeira. Mais tarde, no Colégio do Sardão, tornei-me organizadora e interveniente de partidas de futebol. O Colégio, para além das virtudes pedagógicas que faziam a fama das Doroteias, tinha condições admiráveis para o exercício físico. "Indoors", com um ginásio enorme e bem equipado (com pouca utilização…), e "outdoors" com "court" de ténis, ringue de patinagem, e campo de jogos polivalente para vólei, basquete e andebol - tudo no cenário idílico de uma formosa quinta. Os meus torneios eram clandestinos, embora disputados no retângulo de terra batida, à luz do dia, durante o recreio. Havia uma vigilante, dempre mais concentrada na leitura de um livro edificante do que nas nossas correrias, o que explicará que, numa longa história de infração e reincidência, só tenha sido denunciada uma vez. Coisa séria...fui chamada à Mestra-Geral e preparava-me para um pesado castigo. Talvez escrever 500 vezes "o futebol não é para meninas" num caderninho, ou, muitíssimio pior, perder a habitual saída de fim de semana. Tive uma boa surpresa. A Mestra-Geral limitou-se a lembrar, em tom benigno, que o "O futebol, como sabes, não é um jogo apropriado para meninas", terminando com uma rara nota de humor: "Em todo o caso, como sei que gostas muito de futebol, vou abrir uma exceção - tu podes jogar, as outras não”. 2 – Nos anos cinquenta do século passado, não somente a Diretora do meu Colégio pensava assim, mas o mundo inteiro! Todos os desportos estavam ao alcance dos homens, enquanto as mulheres tinham acesso restrito aos que eram “apropriados” para elas. A “natureza” feminina, na visão de época, servia de fundamentação para quaisquer limitações impostas pelas autoridades, instituições, famílias, ou pelos costumes. E assim este domínio se tornou, em sociedades democráticas, a última fronteira de uma cultura de desigualdade de género! É, de facto, muito devagar, palmo a palmo, modalidade a modalidade, que o real desempenho feminino em antigos desportos “proibidos” vai conseguindo arrasar falaciosos preconceitos. Sendo a natureza imutável, o que mudou foi, é claro, a sua perceção... O mais impressionante exemplo, neste domínio, será o dos jogos olímpicos da era moderna. Relançados em 1896 por Pierre de Coubertin, foram, tal como na Grécia antiga, vedados a mulheres. Cedendo aos protestos feministas, o Comité Olímpico Internacional (COI), em 1900, permitiu a participação feminina nas duas modalidades “apropriadas” a senhoras de sociedade: o ténis e o golfe. Em 1912, a COI juntou-lhes a natação. De alargamento em alargamento, cem anos depois, seria a vez do boxe! A partir de 1991, a luta contra a discriminações faz o seu curso, só admitindo novas modalidades abertas, por igual, aos dois sexos. Em 1996, a Carta Olímpica consagra expressamente a promoção da igualdade de género. E em 2022, a COI apresenta, finalmente, uma composição igualitária (50% de cada sexo). Em 2024, nos Jogos Olímpicos de Paris anuncia que a participação de desportistas, mulheres e homens, será rigorosamente paritária e as provas femininas transmitidas, também, em horário nobre… 3 – O futebol anda muito longe do ideal olímpico da criação de condições para a igualdade de género, de estatuto, de oportunidades. É desporto e é negócio (de biliões, que a Arábia Saudita, esse paraíso da misoginia, eleva a alturas jamais imaginadas). Ora desporto e negócio são forças que têm jogado em sentido contrário. No retângulo desportivo, os progressos do futebol feminino são extraordinários, como testemunha este campeonato do mundo, que decorre nas antípodas. Porém, na esfera do Poder, (FIFA, UEFA, Federações nacionais, coletividades), tudo como dantes... A “colonização” do futebol feminino pelas instituições, dirigentes, clubes e interesses do futebol masculino é evidente e está para durar. Quando se olha o panorama português, esta asserção é menos chocante do que em outros cenários, porque há ainda um ostensivo desnível no futebol jogado por um e outro sexom assim como no número de praticantes, consequência do descaso do Governo, das escolas, das famílias e, "last but not least", do desinteresse da esmagadora maioria dos clubes portugueses, pequenos, médios e grandes. Devemos reconhecê-lo, saudando os clubes- exceção (o pioneiro Boavista, o SCP, o SLB, o Braga...), e, sobretudo, as “navegadoras”, que, logo na 1ª jornada, tão bem se bateram contra uma das potências europeias e foram derrotadas por um golo isolado e bastante duvidoso … Além disso, embora não acompanhe de perto as competições nacionais femininas, parece-me que a noss Federação "acordou", finalmente, para o problema e tem tido um papel positivo nos avanços registados. Há, todavia, outros países do mundo onde a relação de qualidade do jogo jogado por mulheres e homens é a inversa. E aí a “colonização”, de que eu falei, assume foros de escândalo. É o caso paradigmático dos EUA (equipa campeã do mundo e 1º lugar no ranking feminino, enquanto no masculino ocupa um modesto 11º, sem pretensão a títulos) e do Canadá (7º no ranking femnino e 47º no masculino...). E é, em tons um pouco menos contrastantes, a realidade da Austrália (10ª no ranking feminino, 27º no masculino) e da Nova Zelândia (onde os homens estão no fundo da lista, no 103º lugar e as mulheres ao nível mediano de Portugal, no 22º). Neste 1º grupo, em que as jogadoras mais se destacam e são mais populares, estão países onde o futebol (ou "soccer") está muito longe de ser o desporto-rei. Talvez aqui possamos agregar a China (14º em mulheres, 80º em homens) Japão (11º e 20º...). Num 2º grupo, que também, de algum modo, já começa a apontar para a injustificada dependência ou subalternização do desporto feminino, incluirei aqueles onde o “ranking” do futebol de ambos os sexos é semelhante, ou equilibrado: a Inglaterra (4º lugar nos dois rankings), a Alemanha (2º no feminino e 15º no masculino, mas antiga campeã da Europa e do mundo, que pode vir a sê-lo, de novo), os Países Baixos (9º nas mulheres, 7º nos homens), os países nórdicos, o Brasil. Ou, longe do topo da classificação, as Filipinas (136º/135º). Não podemos negar que o futebol feminino é, historicamente, tardio, nascido do futebol masculino (como uma Eva da improvável costela de Adão...), mas é tempo de traduzir a importância que efetivamente foi ganhando, em participação nas estruturas federativas, na composição das equipas técnicas, no estatuto das e dos atletas, dos treinadores e treinadoras...No que a estes respeita, os números atuais revelam o grau de discriminação: em 32 seleções presnetes no Mundial só 12 são treinadas por mulheres (Brasil, Inglaterra, Alemanha, Canadá, Suíça, Itália, Costa Rica, RAS, Noruega, Nova Zelândia, Irlanda e China). Na 1ª Copa feminina, em 1991, havia apenas uma. O ritmo tem aumentado vagarosamente e, apesar disso, nas oito anteriores edições do Mundial há, (por feliz acaso?), uma perfeita paridade de vitórias - quatro de selecionadoras (duas da Alemanha, duas dos EUA) e quatro de selecionadores. Neste aspeto, há um desempate à vista. Ainda não me atrevo a fazer prognósticos. Nesta primeira jornada, o destaque vai para as sumptuosas goleadas das brasileiras de Pia Sundhage (com uma estreante, Myr Borges, a fazer história com um “hat-trick”) e das alemãs de Martina Voss- Tecklenburg. Para já, remeto-me a deixar uma sugestão: se gostam de futebol, sem preconceitos de género, não percam, os jogos, ou, ao menos, os resumos no canal 9.

domingo, 25 de junho de 2023

CCP 40 ANOS

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terça-feira, 30 de maio de 2023

AS BANDEIRAS DE JOACINE 1 . Joacine Katar Tavares Moreira entrou, com 37 anos e um brilhante curriculum académico, no hemiciclo de São Bento no meio de um turbilhão mediático. Dão nas vistas as muitas bandeiras de que se cerca para fazer história na Assembleia da República. É o tê-las, em conjunto, nas suas mãos, não cada uma delas, que a convertem em grande pioneira.
É mulher, negra, nascida no estrangeiro, (naturalizada aos 21 anos) e gagueja, como 100.000 outros portugueses, a quem demonstra que nada lhes é impossível, nem mesmo intervir em debates televisivos e discursar na tribuna parlamentar. Sabe o que quer e sabe o que diz, ainda que o diga, por vezes, mais devagar.  Não são, pois, repito, aquelas particularidades, "de per si" que a tornam um fenómeno político nacional, mas antes o facto de as empunhar, todas, orgulhosamente. É feminista, dirigente associativa de um movimento de mulheres negras,e combate com o seu exemplo, ativamente, diferentes formas de discriminação (a própria gaguez incluída). Não sendo do seu partido e não a acompanhando em todos os pontos do seu programa, gosto, sempre, de a ver afrontar e pôr, assim, a nu uma longa lista de preconceitos. 2 - Aos ataques que sofreu, antes das eleições, acresce, o que, no período seguinte, se deve enquadrar no puro domínio da xenofobia. Refiro-me ao episódio suscitado pelo simples agitar de uma bandeira da Guiné Bissau na festa da noite eleitoral do "Livre". De imediato se levantou um coro de protestos, e logo circulou uma petição, que reuniu cerca de 18.00 assinaturas, na vã tentativa de impedir a sua investidura como deputada, acusando-ou de não ser portuguesa ou de faltar aos deveres de patriotismo. A questão da nacionalidade entrou na liça! E não costuma entrar, ao menos no desporto, quando as protagonistas trazem medalhas de ouro para Portugal - casos de Naide Gomes, (que, por sinal, representou o país de origem, São Tomé e Principe, até ao ano 2000). ou o de Patrícia  Mamona, de ascendência angolana, para só falar de fantásticas atletas, no feminino. É certo que, na modalidade desportiva mais popular, o futebol masculino, houve já, como agora aconteceu no campo da política, afloração de opiniões e atitudes xenófobas, visando, note-se, sobretudo os brasileiros, que representavam a seleção nacional, incluindo Deco, sempre o incomparável "maestro"  da equipa. De África, a principal vítima, até hoje, terá sido o internacional Rolando, defesa do FCP (e da seleção), criticadíssimo por ter festejado um título europeu do clube com uma bandeira de Cabo Verde, sua terra natal, sobre os ombros -  gesto, a meu ver, muito bonito, que terá enchido de alegria os cabo-verdianos e servido para reforçar as suas ligações afetivas ao Porto e ao nosso País. Aqueles 18.000 peticionários, que se julgam bons patriotas, são precisamente o contrário: maus e mesquinhos portugueses, incapazes de compreender o espírito fraternalista da nossa história partilhada com outros povos, e a realidade da CPLP, como herança, presença e futuro desse espírito no universo em expansão da lusofonia. 
A pertença à CPLP é, para Portugal, pelo menos tão importante, como a pertença à UE. Ora uma verdadeira Comunidade de povos não se faz com leis e proclamações solenes, mas com a proximidade e a aceitação de pessoas concretas. Pessoas concretas como a Doutora Joacine. 3 - Os tais 18.000 zelosos peticionários ignoram, pelo visto, que a nossa Constituição e as nossas leis admitem, sem restrições, a dupla (ou múltipla) nacionalidade. e até, atualmente, também, a dupla participação política, no País de origem e no de residência. Mais ainda: consagram um estatuto especial de direitos civis e  políticos para os cidadãos de países de língua portuguesa, sob condição de reciprocidade. Uma espécie de "cidadania lusófona", muito mais lata do que a "cidadania europeia", pois permite o voto em todos os sufrágios, de nível local ou nacional, assim como a capacidade de ser eleito para as autarquias e para a Assembleia da República ou de ser membro do Governo ou da Magistratura Judicial. Para já, só entre Brasil e Portugal existe a necessária reciprocidade, estando em vigor, desde 2001, um estatuto de igualdade de direitos políticos -  o mais avançado que se conhece na Europa e no mundo. Se Joacine fosse brasileira  podia aceder ao cargo de deputada, ao abrigo do artº 15ª da Constituição da República, mesmo sem adquirir a nacionalidade portuguesa... É, pois, como cidadã naturalizada portuguesa, no pleno gozo dos seus direitos, que está em S Bento e pode, obviamente, deixar-se fotografar, tanto com bandeiras da CPLP, como com a da União Europeia, cuja omnipresença aparentemente não incomoda, do mesmo modo, os nacionalistas extremados que subscreveram a petição.