Tem a palavra a família Aguiar e os seus amigos. Vamos abrir o "Círculo", com duas alternativas, que proponho: Este "Aguiaríssimo" ou o "blogguiar.blogspot.com"
segunda-feira, 28 de março de 2022
Mulheres que irromperam no mundo dos homens - colóquios (síntese)
2 DE FEVEREIRO
GRAÇA GUEDES - O Ciclo de colóquios Maria Archer Eu e Elas, que o Círculo Maria Archer organiza ao longo deste ano para comemorar a vida da grande escritora no 40º ano após a sua morete, inicia no próximo dia 2 de Fevereiro (17 horas) na Galeria da Biodiversidade, Centro de Ciência Viva da Universidade do Porto, uma programação intitulada "Mulheres que irromperam no mundo dos homens", com a intervenção de Graça Guedes, Presidente da Direção da Associação Mulher Migrante e a primeira mulher portuguesa doutorada em Ciências do Desporto e, também, a primeira Professora Catedrática desta área científica nas universidades portuguesas.
A apresentação será feita pelas Prof. Doutoras JOANA CARVALHO, Pró-Reitora da Universidade do Porto e MAFALDA RORIZ, Diretora do Departamento de Desenvolvimento Social, Desporto e Juventude da Câmara Municipal da Maia.
16 DE FEVEREIRO
AGUSTINA O Ciclo de colóquios Maria Archer Eu e Elas - Mulheres que irromperam no mundo dos homens, que o Círculo Maria Archer organiza ao longo deste ano para comemorar a vida desta grande escritora e cidadã do mundo da lusofonia, 40 anos após a sua morte, prossegue no próximo dia 16 de Fevereiro (das 17 às 18 horas) na Galeria da Biodiversidade, Centro Ciência Viva da Universidade do Porto (Rua do Campo Alegre, 1191 - Porto), com a intervenção de NASSALETE MIRANDA, Diretora do jornal "As Artes entre as Letras", sobre "AGUSTINA NA TERCEIRA PESSOA".
Nassalete Miranda falará sobre Agustina Bessa Luís numa faceta menos lembrada da sua biografia: o exercício das funções de Diretora de um histórico jornal mais do que centenário da cidade do Porto, "O Primeiro de Janeiro", em 1986/87. Incursão de Agustina num mundo de homens, em que, alguns anos depois, entre 1989 e 2009, teria como continuadora a conferencista.
9 DE MARÇO
AMÉLIA DE AZEVEDO Quinzenalmente, de 2 de fevereiro a 31 de março, o Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto acolhe, na Galeria da Biodiversidade - Centro Ciência Viva, o ciclo de colóquios Maria Archer, Eu e Elas - Mulheres que irromperam no mundo dos homens, organizado pelo Círculo Maria Archer durante o período da exposição Uma homenagem a Maria Archer no 40.º aniversário da sua morte.
A terceira sessão deste ciclo, com o tema "A Deputada Constituinte AMÉLIA CAVALEIRO DE AZEVEDO, uma democrata antes e depois de Abril", terá lugar no dia 9 de março, pelas 16h00. Assinalando o Dia Internacional da Mulher, o Circulo Maria Archer, em parceria com a Associação de Antigos Alunos do Liceu Rainha Santa Isabel, traz-nos um debate de homenagem às primeiras mulheres eleitas para a Assembleia da República na pessoa da deputada Amélia Cavaleiro de Azevedo, com intervenções de Nassalete Miranda e Maximina Ribeiro e testemunhos de Amândio de Azevedo, Aurora Pereira, Levi Guerra e José Carlos De Azevedo.
16 DE MARÇO
O ciclo de colóquios Maria Archer, Eu e Elas - Mulheres que irromperam no mundo dos homens, organizado pelo Círculo Maria Archer durante o período da exposição Uma homenagem a Maria Archer no 40.º aniversário da sua morte, prossegue no dia 16 de março, com um sessão dupla em que serão recordadas mais duas portuguesas que se destacaram no combate pela liberdade, em tempo de ditadura: Maria Lamas e Ruth Escobar.
MARIA ARCHER E MARIA LAMAS, O PERCURSO DE DUAS MULHERES LUTADORAS
Maria Archer e Maria Lamas eram ainda adolescentes quando a "Liga Republicana das Mulheres Portuguesas" foi criada, nas vésperas da Revolução de 1910, e quando o movimento feminista português atingiu o seu ponto alto, no período histórico da 1.ª República, mas estavam destinadas a continuá-lo, defendendo os mesmo ideais durante o chamado "Estado Novo", com sacrifício das suas carreiras e da sua segurança. Eram mulheres independentes, que viviam do jornalismo, da escrita, e da escrita faziam arma de combate pela Liberdade. Ambas se viram forçadas a partir para o exílio e, no país e no estrangeiros, nos deixaram o seu exemplo de coerência e coragem e, também, obras intemporais de enorme valor literário, etnográfico e político.
Esta sessão contará com a intervenção da Presidente da Direção do Conselho Português para a Paz e Cooperação, ILDA FIGUEIREDO.
TRIBUTO A RUTH ESCOBAR, A PORTUENSE QUE AJUDOU A MUDAR O BRASIL
Nascida no Porto, Ruth Escobar (1935-2017) emigrou ainda adolescente para o Brasil, país onde se tornaria uma das grandes referências e protagonistas do teatro brasileiro, no último meio século. Foi também a primeira mulher eleita no Brasil como Deputada Estadual (de São Paulo) e a primeira representante do Brasil na ONU para o acompanhamento da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Seja como atriz, produtora, empresária, animadora sociocultural, cidadã civicamente empenhada, Ruth Escobar recolhe o reconhecimento dos meios artísticos, culturais e políticos do Brasil.
Esta sessão, um tributo afetivo e afetuoso à vida, obra e memória atriz portuense, contará com intervenções de DANYEL GUERRA, JOSÉ CALDAS e MARIA MANUELA AGUIAR.
31 DE MARÇO
MARIA ARCHER O ciclo de colóquios "Maria Archer, eu e elas - mulheres que irromperam no mundo dos homens" e a exposição de homenagem a Maria Archer, promovidos, na cidade do Porto, pelo Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer, no 40º ano da sua morte, terminou no dia 31 de março.
O colóquio final centrou-se no percurso de vida e na obra Escritora, com a apresentação das comunicações "De olhos bem abertos - Nótulas sobre Maria Archer, em Eu e Elas" de Isabel Henriques de Jesus (CICS.Nova), e "Recordar Maria Archer" de Olga Archer, (sua sobrinha neta). Moderadora: Maria Manuela Aguiar.
Seguiu-se convívio com os artistas participantes na Exposição, nesse último dia da sua abertura ao público, no belíssimo espaço, antiga casa de infância de Sophia de Mello Breyner, que Reitoria da Universidade do Porto pôs à nossa disposição do Círculo Maria Archer.
Nota sobre a homenagem a MARIA ARCHER - J AS ARTES ENTRE AS LETRAS
No próximo dia 23 de janeiro completam-se quarenta anos sobre a morte de Maria Archer. É uma data que será comemorada, no Porto, pelo Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer, ao longo do ano, com uma programação de atividades focada nas múltiplas facetas da sua vastíssima obra, e na sua vida, repartida no espaço da lusofonia, num constante cirandar entre realidades culturais de que se tornaria intérprete e mensageira privilegiada.
A sessão de abertura terá lugar no sábado, dia 22, na Galeria da Biodiversidade – Centro de Ciência Viva, às 16.00, com uma conferência de Deolinda Adão (Universidade da Califórnia, Berkeley) sobre “Sussurros de vozes no silêncio – o caso de Maria Archer”, seguida da inauguração de uma exposição de pintura comissariada por Ester de Sousa e Sá, em que os artistas são convidados a falar da sua relação com Maria Archer, tal como a expressam nas sua telas
A 22 de fevereiro, o Instituto de Línguas Comparadas Margarida Losa e o Círculo de Culturas Lusófonas Maria Archer, (com uma Comissão Organizadora de que fazem parte Marinela de Freitas, Lurdes Gonçalves, Nassalete Miranda e eu própria), convocam
uma audiência internacional de interessados para um colóquio "on line" de homenagem a Maria Archer, que reúne investigadores portugueses e estrangeiros dedicados ao estudo da obra de mulheres portuguesas que se destacaram no panorama das Letras e Artes e nos movimentos proto feministas e feministas, de finais do século XVIII aos nossos dias. Com o título, "Maria Archer e outras Mulheres de Referência e (Ir) reverência", se pretende sublinhar o que, para além da diversidade de épocas, lugares e contextos sócio-culturais, todas têm em comum.
Durante o primeiro trimestre deste ano, no lugar e no período de abertura ao público da Exposição de Homenagem a Maria
Archer, que vai até 31 de março, está previsto um ciclo de colóquios presenciais, com regularidade quinzenal, subordinado ao tema " Mulheres que mudaram o mundo dos homens".
Na incerteza que a crise pandémica traz ao nosso quotidiano, não está ainda fechada a planificação do ano, que, assim, continua aberta a novas propostas e sugestões à volta das grandes causas de Maria Archer: a criação literária e artística das mulheres como expressão de liberdade e dimensão de cidadania ,a compreensão da alteridade, a aproximação dos povos da lusofonia, no trânsito da dominação colonial num novo espaço policêntrico, o feminismo como humanismo, as fronteiras do feminino e a desocultação do seu lugar na História.
Maria Archer viveu num presente de que ela já era o futuro, foi incompreendida, perseguida pelo regime, exilada, e, mais ainda, como escreveu Maria Teresa Horta "deliberadamente apagada da História". No ocaso de uma brilhante trajetória que a doença encurtou, já não encontrava ânimo para combater o esquecimento a que fora sentenciada, mas acreditava que novos tempos lhe fariam justiça.
Primeiro nos meios académicos do Brasil, agora também já em Portugal, uma plêiade de investigadores veio dar-lhe razão, cumprir a sua esperança. A comemoração desta efeméride, no Porto, em Lisboa, em São Paulo, e um pouco por todo o lado, é uma etapa do seu percurso de retorno. Quarenta anos após a sua partida, Maria Archer está de volta, para ficar na História das Letras e do jornalismo, da literatura colonial, da democracia, pela qual luta na primeira linha de intervenção, e do feminismo, cujo bandeira, com raras mulheres, empunhou em meio século de ditadura e obscurantismo. Os portugueses vão descobrir que tão fascinante é a obra como a vida de Maria Archer
quinta-feira, 24 de março de 2022
Andamos na saudade de Maria Archer - nos 30 anos da sua morte (2012)
Lisboa, Teatro da Trindade, 29 de março de 2012
ANDAMOS NA SAUDADE DE MARIA ARCHER
Poderão perguntar porque se envolveu a Associação de estudos MM na evocação de Maria Archer, em sucessivas iniciativas - no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional daMulher, 2012, na cidade de Espinho e, agora, em Lisboa, nesta sessão que nos reúne no Teatro Nacional da Trindade.
Responderemos que razões não nos faltam para justificar o empenhamento cívico com que o fazemos. Uma primeira razão tem evidentemente a ver com o facto de Maria Archer ter sido uma portuguesa expatriada. Uma grande Portuguesa da Diáspora, que, desde a sua juventude, passou largos anos em cinco países da lusofonia, e em 3 continentes, olhando sempre em volta, com uma inteira compreensão das pessoas, dos ambientes, dos meios sociais, que soube traduzir em dezenas de escritos de incomensurável valor literário e, também, de muito interesse etnológico, sociológico e político....Seria motivo bastante para nos lançarmos na aventura de partir à procura desse legado multifacetado e vasto, que guarda experiências e segredos de tanta gente e de tantas terras. Mas há mais. Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal, por ter sabido captar as constantes da natureza humana, por se constituir na memória crítica de um tempo português, que foi opressivo e cinzento, pautado por estreitos conceitos e por regras de jogo social e político, que ela inteligentemente desvenda e que põe em causa, sem contemplação Ninguém como ela retrata a vida quotidiana desse Portugal estagnado e anacrónico, avesso a qualquer forma de progresso e de modernidade, em que os mais fracos, os mais pobres não têm um horizonte de esperança, e as mulheres, em particular, são dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação.
Tendo por pano de fundo os estereótipos impostos para o relacionamento de sexos, a entronização rígida dos papéis de género dentro da família e as consequentes desigualdades, distâncias e preconceitos sociais, num doloroso e longo impasse da nossa história colectiva. Maria Archer retrata suas contemporâneas, tal como elas foram, com realismo, que traduz a busca e a evidência da verdade - doa a quem doer e para que se saiba e as gerações futuras não esqueçam.
Maria Archer, talvez a mais feminista escritoras portuguesas, é uma "feminista muito feminina", que ousou ser um ícone de beleza e de distinção, fazer uma carreira no jornalismo e nas Letras, e, em simultâneo, e lutar pela dignidade e pela afirmação das capacidades intelectuais e profissionais então negadas à mulher Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente misógino da cultura portuguesa. Ousou ser Maria Archer, sem pseudônimos..Por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais do nosso tempo do que do seu tempo - uma afirmação que podemos generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos revolucionários em que estiveram a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas e o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, mas iria ser uma das poucas que, no período de declínio desses movimentos e de desaparecimento de uma geração incomparável, continuou, a seu modo, solitariamente, um combate incessante contra o obscurantismo,que condenava a metade feminina de Portugal á subserviência, à incultura e ao enclausuramento doméstico. Foi uma inconformista, consciente das desigualdades e da injustiça em geral, e, em particular, das que condicionavam o sexo feminino, na sociedade portuguesa. A sua escrita, servida pelo talento, pela capacidade de observação e pela coragem foi uma arma de combate político - como dizia Artur Portela "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante".
Uma saga em que vida e arte se fundem - norteadas por um declarado propósito de valorização do feminino, da libertação da Mulher, e, com ela, da sociedade como um todo. Ela é já uma pessoa livre num país ainda sem liberdade, o que lhe custou o preço de um longo e doloroso exílio ...
Maria Archer é uma grande escritora (ou "um grande escritor", como João Gaspar Simões preferia dizer, alargando o campo de comparação possível). Uma escritora de causas! Ninguém como ela conseguiu corroer a imagem da "fada do lar", meticulosamente construída sobre a ideia falsa da harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da não menos falsa brandura do autoritarismo no pequeno círculo da família ou no país inteiro. É uma retratista magistral da mulher e da sua circunstância...
O regime respondeu em força. Primeiro, tentou desqualificá-la. Sintomática é a opinião de um homem do regime, Franco Nogueira, que, em contra-corrente, num texto com laivos misóginos, a apresenta como apenas uma mulher a falar de coisas ligeiras e desinteressantes, como o destino das mulheres. Não tendo conseguido, no campo da crítica literária os seus intentos, o Poder passou à acção direta: alguns dos seus livros foram apreendidos, os jornais onde trabalhava ameaçados de encerramento. Maria Archer viu-se forçada a partir para o Brasil - uma última e infindável aventura de expatriação, de onde só viria, envelhecida e fragilizada, para morrer em Lisboa.
Contudo, o desterro não era pena bastante... Teresa Horta, no prefácio da reedição de "Ela era apenas mulher" afirma que Maria Archer foi deliberadamente apagada da História. O ser emigrante é já, entre nós, factor comum de esquecimento, como que natural, na memória da Pátria, mas o seu caso foi mais grave, deliberado, doloso, implacável... Dá-nos razão e força suplementar para intervirmos, ainda a tempo de neutralizar o ato persecutório, executado há décadas, restituindo a Maria Archer o lugar que lhe é devido no mundo vivo da cultura portuguesa... Lendo a sua obra em momentos mágicos de reencontro com ela, com a lucidez da sua análise e a elegância do seu estilo, acompanhando-a em incursões ao universo cinzento e confinado em que conviveram as portuguesas e os portugueses durante meio século... Elegância é uma palavra que quadra com Maria Archer, que a caracteriza na maneira como pensou, como escreveu, como se vestiu e apresentou em sociedade, como atravessou uma rua de Lisboa ou de São Paulo, como atravessou uma vida inteira, até ao fim... Ou melhor, até ao seu regresso! Estamos aqui reunidos para a trazermos a uma uma segunda vida, no sentido em que falava Pascoaes: "Existir não é pensar, é ser lembrado" Este não é o primeiro nem será o nosso último encontro sobre a sua personalidade, o seu exílio, o seu retorno... Sobre a obra e a pessoa - qual delas a mais interessante...
Dizia Mariana, a inesquecível personagem de "Bato às portas da vida"; "Ando na saudade de mim, mesmo perdida no tempo", Nós andamos na saudade de Maria Archer, reencontrada em nosso tempo, e em qualquer tempo. A leitura de tantas páginas fulgurantes que nos deixou são, para sempre, porta de entrada na sua intimidade.
Maria Manuela Aguiar
sexta-feira, 11 de março de 2022
A AUDIÊNCIA DO DR.SOARES AO CCP FRANÇA
A AUDIÊNCIA DO DR.SOARES AO CCP FRANÇA
1- Como toda a gente, ouvia falar das cóleras súbitas e passageiras de Mário Soares (eu própria sou muito propensa ao mesmo tipo de explosão). Todavia, 7 anos depois de o conhecer pessoalmente , nunca assistira a nada que se pudesse qualificar nesse preciso comportamento e, nunca mais voltei a presenciar nada de semelhante nos 30 anos seguintes.
Mas o que tive a sorte de testemunhar foi sensacional e fez manchetes em toda a espécie de "media".
2- CCP é a sigla de Conselho das Comunidades Portuguesas. O Conselho era um órgão consultivo do Governo, composto por representantes do movimento associativo e teve, desde o seu começo, em 1981, até ao seu silenciamento, a partir de 1988, e extinção, em 1990, uma vida bastante atribulada, devida, em linha reta, à politização dos conselheiros de França e, sobretudo de Paris. A instituição era de inspiração francesa, mas o modelo original (o Conséil Supérieur des Français de l' Etranger), não nos preparara para o potencial de conflitualidade de que o nosso se revelou capaz. De tal forma o confronto foi constante e radical, nesses anos longínquos, que só eu, a Secretária de Estado que o tinha lançado no mundo das instituições nacionais, consegui lidar com ele - um exercício de paciência, qualidade ou defeito que não é o meu forte. Em 1982/83, quando fui substituída por José Vitorino no 2º Governo de Balsemão, o plenário não foi sequer convocado - uma ilegalidade, em nome da paz e sossego do ilustre governante. Em 1987, quando saí de vez do Palácio das Necessidades, no 2ª Governo de Cavaco Silva, ainda se realizou o plenário, que, à cautela, deixei convocado e em ativa preparação. Mas a sessão plenária de 1987 decorreu num ambiente fúnebre de fim dos tempos, claramente definido no discurso do meu sucessor Correia de Jesus.
O CCP ressuscitaria com José Lello, em 1996, mantendo a designação num novo formato. É agora eleito por sufrágio universal, por emigrantes (muito poucos...) e parece condenado ao "low-profile" em que, mais pacatamente, continua a sua marcha - infelizmente, para quem nele sempre pôs altas expetativas (o meu caso). Ainda por cima surgiu, há alguns anos, um auto-designado "Conselho da Diáspora", composto, fundamentalmente, por empresário e banqueiros, que ocupa o palco mediático que falta ao CCP.
3 - Este preâmbulo é necessário para se compreender o espírito que animava os delegados do CCP- França na audiência concedida pelo Primeiro- Ministro Soares. (eram quase todos comunista, de várias facções, não sendo os do PCP necessariamente os mais agressivos...). As audiências eram simples pretexto para uma conferência de imprensa e funcionavam como altifalantes num comício permanente. Quanto mais elevado o "ranking" do interlocutor, mais amplificação garantia ao confronto. Por isso pediam encontros ao PR, ao PM, ao MNE, a que estes, regra geral, se escusavam, Viam-se, pois, na necessidade de dialogar com a Secretária de Estado que, por dever de ofício, nunca se negava a essa espécie de ritual.
Dessa vez, nem o MNE Jaime Gama nem o PR Eanes lhes abriram a porta, mas alguém convenceu o PM de que eles iriam ao Palácio de Belém no dia seguinte (de facto, nem sequer sei se estava pedida a audiência ao PR - acreditava que sim, mas não acreditava que fosse concedida, porque se tratava de um pequeno grupo, não do órgão em si).
Vozes mais influentes do que a minha tentaram dissuadir o Dr Soares da sua posição, mas ele não recuou.
4 - O encontro, para o qual fui, naturalmente, convocada, teve lugar na Gomes Teixeira. Assisti, sentada num dos sofás, à direita do PM. O desastre anunciava-se desde a primeira fração de minuto, a hostilidade respirava-se no ar, marcava os semblantes fechados dos conselheiros. O Dr Soares, que tinha examinado o CV resumido de cada um dos interlocutores começou, com o seu proverbial à vontade por interpelar o padre operário, que dava nas vistas, com uma berrante camisola vermelha:
"O senhor é que é o padre?"
Ele respondeu que sim, mas rindo abertamente, um pouco a despropósito (era um homem jovial, amplo de estatura, extrovertido, na hora de liderar o combate, que ia iniciar). O Dr Soares atalhou severamente:
"Não é caso para rir! Tenho muito respeito pelos padres".
Senti que a tensão subia... Seguidamente, o Abílio Laceiras tomou a palavra. Sempre gostei do Abílio e continuo a gostar, mas é tudo menos um diplomata e, ali, não sei porquê, atrapalhou-se na exposição e, por fim, como Mário Soares o olhava, dubitativamente, resolveu explicar que se exprimia assim, porque era um homem do interior da Beira.
O Dr Soares ripostou logo:
"Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Salazar também era um homem da Beira e tinha um discurso muito articulado".
Dito certeiro que baixou a temperatura - para glacial - generalizando a discussão, um coro autêntico coro de protestos. O PM dispôs-se a repor a ordem, à maneira de um moderador de debate:
"Fala aquele senhor e os outros falam depois".
Foi o pandemónio! Saltaram das cadeiras, todos ao mesmo tempo, como numa coreografoa bem ensaiada, gritando que se iam embora porque o PM os tinha insultado, mandando-os calar.
O Dr Soares. enquanto eles saíam, (pouco menos que em passo de corrida, atropelando-se uns aos outros), gritava também:
" Isto é uma grande golpada ! Foi para isto que aqui quiseram vir... estava tudo combinado, é tudo encenação!".
Claro que era. Dali, os "enragés" foram diretos para a programada conferência de imprensa, onde contaram verdades a par de "pós verdades"... .Umas das quais foi a mentira absurda, mas eficaz, de que o PM os tinha acolhido mal, com os pés em cima da mesa. Foi essa a principal notícia da imbróglio, uma notícia não só ridícula como completamente falsa. A verdade é que, muito ao seu jeito, o Dr Soares não ficou hirto e colado às costas da poltrona, deixou-se escorregar, lenta, lentamente, e os pés foram ficando um pouco mais perto do tampo da mesa, mas por baixo, não por cima.
5 - Eu, que estivera calada durante as hostilidades - só teria falado se o Primeiro ministro me desse a palavra, como é óbvio - participei, comedida embora, na segunda parte deste episódio, que foi tão intensa, ou mais, do que a primeira.
O Dr. Soares estava irritadíssimo! Ao seu chamamento acorreram vários assessores do gabinete, entre eles o da imprensa, que foi encarregado de redigir um comunicado, denunciando a premeditação de toda aquela trama. Contundente e imediato!. Ninguém achava que isso fosse a melhor ideia, havia que não valorizar a importância das pessoas envolvidas e dos factos passados, dar-lhe apenas a que tinham. Enquanto durou o estado de exaltação, o Primeiro-ministro não cedeu à nossa argumentação e o assessor, muito contrariado, preparava-se para compor o texto, Foram uns dez minutos altamente emotivos e, de súbito, com o simples correr do tempo, mudou de humor e concordou connosco. Eram assim, as suas cóleras, fortes e passageiras, como chuvadas tropicais (subjetivamente a comparação faz sentido - eu ia, então, muito a África e ouvia falar desse fenómeno, que despertava a minha curiosidade, e nunca se materializava, durante as minhas estadas, até que aconteceu, no Zaire, e só por milagre o Mercedes da embaixada "navegou" por uma estrada feita rio, a caminho do aeroporto - uma coisa absolutamente excessiva e grandiosa!
Já com o Dr Soares muito bem disposto, aproveitei para me vitimizar - aliás, sem cair em exagero - dizendo mais ou menos isto:
- Senhor Primeiro Ministro, teve aqui uma pequena mostra do que eu aturo constantemente. Comigo são horas de discussão, tensas, repetitivas, infindáveis. E, depois, disparam os ataques descabelados na comunicação social... É o meu dia a dia. Não com todo o Conselho, há uma maioria construtiva, com quem se pode trabalhar, sem politiquices . Mas este grupo é sempre assim!
A resposta veio pronta:
" Nem mais um escudo para esta gente vir passear e provocar desacatos!".
A ordem podia até ser justíssima, mas não completamente exequível, porque não podia prejudicar o todo pela parte...
Continuaram a ser pagos, como os outros. Os outros para cooperar, sempre e bem, nos objetivos do CCP, estes, às vezes também, apesar das "bagarres
O ERRO DE PUTIN
1 – De um dia para o outro, esquecemos todos a pandemia, a formação do novo Governo, os congressos da oposição, os fundos comunitários - assuntos que desapareceram dos noticiários e desapareceram das nossas preocupações… em larga medida, pela força dos próprios “media” que regem, mais do que nos apercebemos, o que pensamos e sentimos. No lugar que era o de coisas presentemente secundarizadas como menores está a guerra! Uma guerra que entra, continuamente, noite e dia, em nossa casa num ecrã de televisão, como um horrendo e trágico “reality show”. Andamos numa angústia quotidiana, comparável à que nos afligiu durante o genocídio indonésio em Timor Leste, em especial, depois do massacre do cemitério de Santa Cruz,registado em imagens que chocaram o mundo e reequacionaram o destino de uma Nação.
Hoje é domingo. Em Mariupol os cadáveres juncam as ruas, as casas ardem, não há água, nem comida, nem luz. Não sabemos se na próxima 5ª feira, quando estivermos a ler este jornal, o mesmo se poderá dizer de Odessa ou de Kiev… É o inferno, visto por dentro, minuto a minuto, como nunca antes visionaramos nos media e multimedia. “Rios de sangue e de lágrimas”, nas impressionantes palavras do Papa Francisco. já mais de dois milhões de refugiados atravessaram as fronteiras abertas de par em par pela Polónia, Hungria, Roménia, Moldávia, e pela Europa inteira. Aqui, no extremo oeste, mostramos disponibilidade igual - uma excelente e prestigiada comunidade de imigrantes aproximou-nos da Ucrânia, desde o fim do século passado. O Governo português tornou-se, nesta parte da Europa, pioneiro ao abater barreiras burocráticas e ao não pôr limites ao acolhimento de refugiados. E são muitas as autarquias que preparam, no terreno, a receção das famílias, e colaboram na recolha e transporte de bens essenciais para as vítimas da guerra que se encontram ainda no país ou nas fronteiras do leste. Espinho, está na vanguarda dessa campanha, numa colaboração entre a Câmara, a Paróquia, os Bombeiros e a Cruz Vermelha. Nas ruas, os portugueses protestam ao lado dos imigrantes ucranianos, mobilizam-se numa infinidade de gestos simbólicos e aderem a iniciativas de coletividades locais, associações cívicas e humanitárias - no meu círculo familiar, até as crianças quiseram participar e acompanharam os pais nas manifestações do Porto, algumas com a idade que eu tinha, quando os tanques russos entraram em Budapeste...
Os Estados democráticos do Ocidente avançaram com sanções extraordinárias, que isolaram a Rússia e a transformaram de um dia (o dia da invasão), para o outro (o dia seguinte) num Estado pária (muito embora falte ainda, a maior de todas, o boicote total ao petróleo e ao gás russo...).
É uma constatação que tem tanto de novo surpreendente, como a monstruosa aventura imperialista de subjugar, pelas armas, uma pacífica Nação independente.
2 - Nos canais noticiosos, a escolha é entre as imagens que mais parecem um apocalipse terror, filmado em Hollywood, do que terror na vida real, e as que mostram os corredores de fuga: um êxodo de proporções bíblicas, protagonizado por gente vestida como nós, a contar os seus dramas pessoais num inglês, que falam como nós… São quase somente mulheres, com os filhos pequenos pela mão, e, pormenor comovente, em muitos casos, também o cão ou o gato, que trazem consigo, em vez de uma mala com bens materiais. Para trás deixaram tudo, a vida de família, de trabalho, de convívio, a vida fundamentalmente igual à nossa, que tinham na semana anterior… E, ao olhar os que ficam ou os que partem, com a mesma coragem, há uma pergunta nos ocorre, constantemente: e se fossemos nós?
Países que ergueram muros arame farpado contra os refugiados do Médio Oriente, igualmente sobreviventes de conflitos pavorosos, ou os aprisionaram em miseráveis campos de internamento, estão hoje a receber generosa e exemplarmente todos os que escapam à barbárie russa. Temos tendência a ver neste fenómeno a pura emergência de uma fraternidade europeia, que, há muito, parecia perdida. Será, em parte, uma verdade, que nos é grato descobrir (e talvez ajude a uma melhor compreensão outras vítimas inocentes de conflagrações, que vai haver mais tarde) , mas é muito mais do que isso. Uma agressão desta natureza, perpetrada por uma potência nuclear, que está nas mãos de um tirano omnipotente, cuja crueldade o situa nos patamares do estalinismo e cuja sanidade é discutível, representa uma ameaça civilizacional – e, consequentemente, suscita reação planetária. A Europa está muito perto da fonte do perigo, e, em particular na zona de fronteira, conheceu bem demais o “czarismo soviético” dominador, e, a uma maior distância temporal, a intimidatória vizinhança do czarismo propriamente dito…
E assim Putin está a mudar o mundo, mas não em conformidade com os seus planos originais. Quis destruir a Ucrânia e recriou-a com uma alma heroica, mesmo que venha a derrotá-la, conjunturalmente, pela força bruta. Quis dividir e subverter a UE, e provocou o efeito contrário, promovendo a unidade europeia que tardava. Quis agitar o fantasma da NATO e ressuscitou uma velha aliança, classificada como obsoleta a anacrónica e deu-lhe uma razão de ser e um futuro. Essa foi a primeira batalha que perdeu. A segunda será a da frente económica. Os milhares de oligarcas que o sustentam, nas mais aviltantes formas de capitalismo, talvez consigam contornar algumas das sanções, habilidosamente, mas a Rússia não. O seu povo está condenado à miséria, por muito, muito tempo, talvez por gerações. A Ucrânia há-de levantar-se primeiro!
3 - A Europa acreditou, piamente, na racionalidade de Putin. Porém, ao ter pactuado com ele, fechando os olhos a desmandos e a crimes, ao ter-se submetido à sua dependência no campo energético, ofereceu-lhe uma aparência de não haver limites para o que estava disposta a suportar. Pela inércia, involuntária e leviana, iludiu o bárbaro, no seu jogo de ambição desmedida, sempre feito de frio cálculo… De facto, a invasão da Ucrânia não começou há dias, mas há oito anos, em 2014! Começou pela anexação da Crimeia, avançou por Donetsk, pela região de Donbass, deixando um rasto de milhares de mortos, sem que norte-americanos e europeus tomassem, atempadamente, as medidas aplicadas no presente. Nesse contexto, se preparou Putin para ocupar o resto da Ucrânia, em fevereiro de 2022, esperando uma insignificante resistência interna e externa. Enganou-se – levado pela experiência do passado recente... viu-se confrontado com uma gigantesca onda de reação, no quadro das relações internacionais, assim como no teatro de guerra. A possível vitória militar sobre a Ucrânia, como ele já aprendeu, não se fará sem a derrocada financeira da Rússia. E um governo fantoche em Kiev, será derrubado, a prazo, quando ele morrer ou talvez antes... O maior erro de Putin é pensar, se é que pensa, que a identidade ucraniana não existe. Existe e é europeia. Basta ver onde procuram refúgio mais de 95% dos ucranianos: não é nos braços da Rússia, é no Ocidente!
Na UE, em Portugal, um pouco por todo o lado, vamos também pagar um preço elevado para resistir à intimidação nuclear de Putin, e pôr termo à dependência energética da Rússia. E, também, para acabar com a excessiva dependência militar da América - de Biden, hoje, de um eventual segundo Trump, amanhã - erguendo o braço europeu da NATO. Não para a guerra, mas para a PAZ. É o preço a pagar pelo valor da Liberdade.
Espinho 6 de março de 2022
sábado, 19 de fevereiro de 2022
MARIA ARCHER no seu tempo futuro
MARIA ARCHER NO SEU TEMPO FUTURO
Por ocasião dos 40 anos da sua morte
1 - No dia 23 de janeiro, completam-se 40 anos sobre a morte de Maria Archer, grande escritora e jornalista, para quem a escrita começou por ser narrativa acutilante de experiências de vida em muitas partes do mundo da lusofonia e tornou-se, crescentemente, ato de cidadania, denúncia de um modelo opressivo e misógino de família e sociedade.
O regime ditatorial não só a perseguiu e forçou ao exílio no Brasil, como, deliberadamente procurou apaga-la da história, no dizer de Maria Teresa Horta, prefaciadora da reedição de um dos seus mais lidos romances (“Ela era apenas mulher”). No ocaso de uma trajetória literário, que a doença encurtou, Maria Archer estava consciente disso e não encontrava em si o ânimo para contrariar o esquecimento a que fora sentenciada, mas sempre acreditou que o futuro lhe faria justiça.
Numa quase total invisibilidade voltou a Lisboa, em 1979, e veio a morrer três anos depois. Parecia ter deixado, de uma obra vastísssima obra, apenas um ou outro livro sobrante nas prateleiras de alfarrabistas, e de um imenso talento a recordação prestes a extinguir-se juntamente com os derradeiros leitores da sua geração.
2 – A segunda vida da Maria Archer começou no Brasil (mais do que em Portugal), com o renovado interesse de um pequeno grupo de académicos na sua obra tão polifacetada, que vem sendo objeto de estudo e de divulgação em artigos, publicações, conferências, teses de mestrado e doutoramento. A esperança de Maria Archer num reencontro com o futuro estará em vias de se cumprir! E só pela via do reconhecimento de um indiscutível valor literário, mas também pela via do seu pioneirismo de surpreendentes textos de natureza etnográfica sobre os povos e culturas de África colonial lusófona ou sobre a condição das mulheres portuguesas durante o Estado Novo e pela sua corajosa luta pela liberdade
As comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, vão, com certeza, lançar em simultâneo, um olhar sobre a evolução de cinco décadas de democracia e de cinco décadas de resistência à ditadura e aqui Maria Archer não pode ser esquecida! Não o é num projeto que está em investigação na Universidade Nova, como não foi numa iniciativa com que, nesta linha, o jornal Público se antecipou, homenageando, há alguns meses, mulheres cujos livros foram proibidos pela Censura. Nessa seleção, entre dez publicações, duas são de Maria Archer. Está em formação uma vaga de fundo que trará a público a memória da sua vida, como a comemoração do centenário da República trouxe a de Carolina Ângela ou Ana de Castro Osório. E nem terá de esperar até então. A efeméride que neste mês de janeiro celebramos vai coloca-la em foco nos meios académicos. O Porto receberá o ato inaugural, como ela, por certo, gostaria. Tinha orgulho na sua ascendência irlandesa, e, afinal, esta foi a cidade para onde imigrou, no ano de 1720, o seu primeiro ascendente, um aristocrata oriundo de Kilkeny, Lancaster.
Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, o Circulo de Culturas Lusófonas Maria Archer , esperamos levar a bom termo uma agenda em que abordaremos, sucessivamente, as temáticas da criação literária e artística das mulheres portuguesas, das migrações, da cidadania e da Diáspora, do diálogo no universo da lusofonia. A 22 de janeiro no Porto, pelas 16.00, abrimos a programação, inaugurando na Galeria da Biodiversidade, a exposição “Vivências”, comissariada por Ester de Sousa e Sá, antecedida por uma mesa redonda com os pintores que, na tela, procuraram deixar a sua interpretação da personalidade, do espírito, do mundo de Maria Archer. Seguir-se-á, em fevereiro e março, um colóquio sobre “Maria Archer e outras Mulheres de referência e de (Ir) reverência”, e um ciclo de conferências com periodicidade quinzenal.
40 anos depois da sua partida, Maria Archer, regressa, intemporal para ficar na História das Letras e do Jornalismo, da Literatura Colonial, do Feminismo e da Democracia.
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
AMM in FACES DE EVA
ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" - UM PERCURSO SINGULAR
1 - NASCIDA COM AS PRIMEIRAS POLÍTICAS DE GÉNERO PARA A EMIGRAÇÃO
A Mulher Migrante Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (AMM), foi criada em 1993, por escritura pública de 8 de outubro de 1993 e tem, estatutariamente. por objetivos principais aqueles que a sua própria designação sintetiza: o estudo da problemática das migrações femininas; a cooperação com mulheres profissionais e dirigentes de associações das comunidades portuguesas do estrangeiro e das comunidades de imigração em território nacional: o apoio à integração das mulheres nas sociedades de acolhimento, através de uma ativa participação em todos os domínios, e dá igual destaque ao combate às "idéias e movimentos xenófobos" (Gomes, 2014, p 46).
. É uma colectividade que se vê como integrante dos movimentos de reivindicação da igualdade de sexos, no particular domínio das migrações, o mais esquecido não só pelos governos como pelas diferentes correntes do sufragismo novecentista. O que confere à AMM a sua identidade no universo associativo português não é tanto o seu escopo, mas o modo como o desenvolve na área concreta em que interage, e as alianças através das quais o prossegue.
Entre as suas singularidades poderemos enumerar: o ser uma associação mista, formada por mulheres e homens irmanados nos mesmos objetivos;.o estar sediada no país, mas voltada para a Diáspora, (em particular, a feminina), embora atenta, também, a fenómenos de discriminação em território nacional - em relação a imigrantes e a emigrantes regressadas e suas famílias; promover, através das fronteiras, um "encontro de mundos" que tendem a isolar-se - os de emigrantes e não emigrantes, de mulheres e homens, de académicos e gente com experiência vivencial do fenómeno migratório ou de diferentes gerações; o combinar, estrategicamente, a actividade de estudo com a ação concreta, a mobilização para a igualdade, pela via de um “congressismo”, renovado à medida de realidades atuais de discriminação sexista; a filiação num projeto anterior à sua criação, que ainda por cumprir, visando, por um lado, mobilizar as portuguesas para a intervenção cívica e, por outro, reclamar a implementação de políticas públicas para a igualdade das comunidades do estrangeiro.
A vontade expressa de lançar uma organização internacional de Portuguesas da Diáspora havia sido anunciada, nas conclusões no "1º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo", promovido, em 1985, pela Secretaria de Estado da Emigração, em Viana do Castelo (Centro de Estudos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 1986, p 138). Veio a ser concretizada, decorrida quase uma década, pela "Mulher Migrante", fundada por mais de um terço das participantes do 1º Encontro. Encontro pioneiro com que o nosso "antecipou, assim, em 10 anos, o que haveria de ser uma das principais recomendações da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres organizada pelas Nações Unidas, em Pequim, em 1995: a indispensabilidade do empoderamento das mulheres, de que são pressupostos a visibilidade e o reconhecimento" (Cunha Rego, 2015, p 24).
Portugal era um protagonista improvável deste iniciativa, dada a constância de políticas discriminatórias de interdição ou forte limitação da emigração feminina, antes da revolução de 1974, e, seguidamente, em democracia, a mera proclamação formal da Igualdade, desacompanhada, nas comunidades do estrangeiro, de qualquer ação positiva, A verdade é que o início do processo se deve ao rasgo de uma das primeiras mulheres a ter assento no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), órgão consultivo do Governo. O CCP era composto por conselheiros eleitos em colégio eleitoral associativo e por jornalistas - todos homens, em resultado do sufrágio, de 1981. Ficava, assim, gritantemente evidenciada a marginalização a que estavam votadas as mulheres no universo associativo das comunidades. Idêntico foi o resultado das eleições de 1983 exclusão, mas na quota do jornalismo surgiram as primeiras mulheres, apenas, duas. E bastou uma, a jornalista de Toronto, Maria Alice Ribeiro, para fazer a diferença, com a sua proposta da realização de um congresso de mulheres, onde pudessem ter a presença e a voz, que lhes faltava no "Conselho". A Secretária de Estado da Emigração, por inerência Presidente do CCP, encetou, de imediato, a preparação do Encontro, que reuniu, no ano seguinte, dirigentes associativas e jornalistas, num formato de audição semelhante ao do CCP, o que permitiu às participantes fazer amplo e inovador levantamento da situação das diferentes comunidades e dirigir ao Governo um conjunto de significativas recomendações. Estava dado o primeiro passo na implementação de políticas de género. A convocatória anual de uma "Conferência para a Participação das Mulheres", prevista na órbita do CCP, foi inviabilizada pela queda do Governo, seguida, a curto prazo pela do CCP. E, por isso, o segundo passo das políticas públicas, neste campo, que pareceria fácil, tardou 20 anos e seria, novamente, impulsionado, de fora, por proposta da "Mulher Migrante", justamente a coletividade que se considera herdeira da inesperada modernidade desse passado.
2 - Cumprir O PROJETO
A associação fundada em 1993, integrava mais de um terço das intervenientes do Encontro de Viana, e apresentava-se como o fórum interassociativo para a cooperação das mulheres da Diáspora, nos termos ali delineado, com exceção da já assinalada singularidade de uma plena abertura a participação masculina, que se deseja tendencialmente paritária (muito embora seja ainda minoritária) e que, de modo algum, se pretendeu impor nas comunidades, onde se reconhece,não haver as mesmas condições para operacionalizar a opção.
As mulheres portuguesas nas Comunidades do estrangeiro quase sempre responderam à sua exclusão no associativismo masculino ou com a criação de estruturas próprias, de fins predominantemente beneficentes e de entreajuda (de que são exemplo as grandes sociedades fraternais femininas da Califórnia, a Sociedade Beneficente das Damas Portuguesas de Caracas, a Liga da Mulher da África do Sul), ou aceitando participar no movimento associativo misto "a latere", em departamentos femininos (situação muito comum, sobretudo, na América do Sul). É um quadro em mudança, com a gradual e lenta ascensão das mulheres ao dirigismo, que outrora lhes era vedado num associativismo que impunha na "casa coletiva" que é o centro de convívio, a mesma divisão de tarefas, tradicional no interior de cada família...
Organizações focadas na reivindicação da igualdade, que prolonga, adaptando-a a novas realidades o "congressismo" feminista da primeira metade do século passado, eram praticamente inexistentes antes do Encontro de Viana, e, posteriormente, da ação da AMM, nascida dessa dinâmica, em rutura com o passado (note-se, porém que não só o Estado, mas também o movimento sufragista ignorou, um pouco por todo o lado, a situação específica das mulheres expatriadas). .
A AMM desempenhou ao longo de mais de 25 anos esse trabalho de mobilização, em duas fases distintas: na primeira década de atividades, com ação mais centrada dentro de fronteiras, em articulação com a Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres (CIDM), e em coordenação com delegações e congéneres do estrangeiro (cada qual atuando no seu círculo territorial), na segunda, iniciada em finais de 2005, convertida em parceiro privilegiado de sucessivos governos na implementação de políticas de promoção da Igualdade de género na Diáspora portuguesa.
A PRIMEIRA DÉCADA 1995-.2005
A AMM tem existência jurídica desde 1993, mas só no ano seguinte, se apresenta em Barcelos, conjuntamente com a Associação Comercial e Industrial num colóquio sobre a problemática do regresso, ciente de que, para as mulheres, as mais das vezes significa "regressão", perda de estatuto consolidado no estrangeiro, com a independência económica de um salário, e a frequente liderança do processo de integração de toda a família. Em março de 1995, firma a sua imagem com a organização, do maior congresso da Diáspora feminina até hoje levado a cabo no País, sob o lema "Diálogos de género e geração". Contou com apoios de grandes Fundações, a Gulbenkian, a Luso Americana, e a Oriente, e, também do Governo, central e local, traz a Espinho, personalidade dos cinco continentes e os grandes nomes na investigação da emigração, estudantes, técnicos, ex. emigrantes, políticos, representantes das Autonomias, num debate de uma intensa semana de trabalho. Com o acento posto na intergeracionalidade, a sessão inicial foi presidida pela Secretária de Estado da Juventude, a de encerramento pela Drº Maria Barroso, que, desde então, aderiu ao projeto e nele viria a ter papel de primeiro plano. O Encontro Mundial "serviu para dar a conhecer a nossa Associação, foi também a concretização de uma das recomendações do "Encontro de Viana" (Graça Guedes, 2015, p 27), foi prova das virtualidades da novíssima associação, permitindo-lhe o enorme alargamento da sua rede de cooperação e matriz de futuro.
Desta década, a AMM chamaria à interlocução sobre a facticidade das migrações femininas, as suas congéneres da Diáspora, associações de imigrantes lusófonos, políticos, nomeadamente autarcas e serviços regionais, administração pública e investigadores (muitos dos quais se tornaram seus ativos membros). A sistemática publicação de atas e comunicações de conferências e colóquios era seguida de apresentação em vários pontos do país, dava, assim, azo à multiplicação dos debates sobre as migrações, femininas e globais. O país estava a converter-se em polo de atração maciça de migrantes vindos do leste europeu, e revelava impreparação no seu acolhimento e legalização. A AMM foi das primeiras ONG' a promover junto do poder local, ações de sensibilização e de esclarecimento. A CIDM continuava a ser parceiro privilegiado e na presidência de Maria Amélia Paiva, tomou a iniciativa (inédita no historial da instituição) de promover um colóquio sobre: "Mulheres Migrantes - Duas faces de uma realidade". A AMM, representada pela presidente Rita Gomes, fez parte da organização
O décimo aniversário da AMM, comemorado em 2004, num grande encontro internacional, seria patrocinado pela FLAD e pelo SECP Carlos Gonçalves, num envolvimento que prenunciava já o recomeço de preocupações com a problemática da igualdade..
UM NOVO CONGRESSISMO PARA A IGUALDADE
Dos "Encontros para a Cidadania" (2005.2009) aos Encontros Mundiais de 2011 e 2013
Um novo "congressismo" para a igualdade
Em 2005, a AMM entrou, numa segunda fase, marcada pela estreita cooperação com a SECP, para a execução de um ambicioso plano governamental para a promoção da igualdade. De facto, foi a Associação que desencadeou o processo, ao propor ao Secretário de Estado António Braga a comemoração do 20º aniversário do mítico Encontro de Viana, em novo Encontro para fazer o ponto de situação das desigualdades subsistentes. O Secretário de Estado quis ir além de um grande evento isolado, e, inesperadamente, convidou uma pequena (embora singular) associação, como "parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género" (Aguiar, 2011, p 109), incumbindo-a de organizar, ao longo do seu mandato (2005-2009), reuniões de mobilização para a vivência da Igualdade, Governo e AMM optaram pelo modelo de "congressismo" com que fizeram história as organizações feministas do começo de novecentos, adaptando-o a novos tempo e contextos. Com a designação de "Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens, esses "fora" de livre análise, diálogo e mobilização para a mudança, tiveram sempre a presença de um membro do Governo, António Braga ou Jorge Lacão (Secretário de Estado da Presidência, com o pelouro da Igualdade), e de Maria Barroso, Presidente de Honra, e assumiram caráter internacional (com representação das comunidades de cada uma das grandes Regiões: América do Sul, (Buenos Aires, em 2005), Europa, (Estocolmo, em 2006), América do Norte, costa Leste, (Toronto, em 2007), África (Joanesburgo) e América do Norte costa Oeste, (Berkeley), em 2008.
A organização esteve a cargo de Associações locais - a AMM da Argentina, a Federação das Mulheres Lusófonas (PIKO), a Cônsul- Geral, antiga presidente da CIDM, Maria Amélia Paiva, coadjuvada por várias associações luso-canadianas, a Liga da Mulher da África do Sul e Deolinda Adão da Universidade da Califórnia-Berkeley (também associada da AMM). É de realçar o facto de todos os eventos terem tido, em proporção variável, significativa participação de homens, do mundo associativo, académico e político, um positivo sinal dos tempos e, em alguns casos, também de políticos daqueles países.
Em 2009, em Espinho, o" Encontro dos Encontros", com a intervenção dos relatores de cada um dos "congressos" e muitas dezenas de participantes (predominantemente investigadores), permitiu fechar ciclo, em jeito de balanço, e olhar em frente, com a propositura de outras medidas
Em 2011, logo após tomar posse, o Secretário de Estado José Cesário chamou a AMM á co- participação no seguimento das políticas encetadas pelo predecessor, com aceleração de ritmo e de frequência das acções, essenciais à mobilização imparável e crescente. Com ele (2011-.2015), o "congressismo" atingiu o seu ponto alto, com a alternância bienal de congressos no País (em 2011, na Maia, lançando um olhar retrospetivo e prospetivo sobre as nossas migrações, começou por uma homenagem a Maria Archer e Maria Lamas, mulheres da diáspora e da resistência, e 2013, no Palácio das Necessidades, falando de novas expressões de cidadania, para além da política e do voluntariado, á cultura, às artes e á economia) e de múltiplos encontros e conferência nas várias comunidades da Diáspora (em 2012, ano europeu do envelhecimento, com o lançamento do Projecto ASAS - Academias Seniores de Artes e Saberes) e em 2014, a comemoração sobre 40 anos de migrações em liberdade – seu significado no Direito e na Vida - um ciclo de conferências, que teve a abertura presidida pelo SECP por Maria Barroso, no Palácio das Necessidades e prosseguiu, nas comunidades da Europa e das Américas, e, através de docentes, que são associadas da AMM na universidades de Berkeley, Toronto, Sorbonne, UAB- Lisboa…
O enfoque colocado no associativismo, a partir dos debates do 1º Encontro, justifica-se pela simples constatação de que é, em regra, mais fácil às emigrantes afirmaram o seu estatuto de cidadania nas sociedades de acolhimento, quando regidas por normas e costumes mais igualitários, do que no interior das comunidades portuguesas, e suas instituições, onde continuam a ver-se segregadas. E, por isso, se entendeu que a ação governamental, deveria incidir nesse terreno, onde não necessitava de diálogo bilateral com outro governo porque tudo se passava - e se passa - entre portugueses.Tem sido esse, também, o domínio prioritário de ação da AMM, cuja vocação matricial é a cooperação interassociativa e transnacional e uma das constantes da sua atuação tem sido a criação de oportunidades para reflexão e debate sobre a reformulação dos papéis de género ou o reconhecimento do papel das mulheres em cenários improváveis onde, afinal se conclui que tem todo s cabimento, apesar de nunca antes haver sido tentado. Por exemplo nos festejos de 10 de junho, que, em muitas comunidades, são manifestações de vulto, com programação cultural variada durante dias, quando não semanas. As primeiras experiências ocorreram em Newark, nas grandes comemorações organizadas pela Fundação Coutinho, e em Montreal, em conjunto com o Consulado, o CCP e o Carrefour Lusophone, uma associação de jovens.
O mesmo aconteceu em outros eventos das comunidades, em que outras são normalmente as temáticas tratadas: os Encontros (anuais) das comunidades do Cone Sul da América, a Convenção da Associação dos Portugueses Estrangeiros (APE), Bienais de Artes Plásticas, como as de Espinho (em 2013) e a de Gaia (em 2019), as celebrações do Dia Internacional da Mulher, onde, em Portugal, raras vezes as emigrantes têm visibilidade - e a a AMM trouxe ao presente a memória de Maria Archer, de Maria Lamas ou do do sucesso coletivo de toda uma geração que partiu "a salto" para França. Inédito foi, também, envolver a Federação das Associações Portuguesas de França num colóquio em que foram homenageadas mulheres presidentes de associações na região de Paris, (tendo o êxodo desse primeiro colóquio levado a "Federação" integrar na sua agenda anual a efeméride, como ocasião de balanço sobre o estado das discriminações). Na mesma linha de desocultar o papel real das mulheres migrantes, ou de denunciar a distorção da sua imagem, se integraram os seminários sobre "Mulheres Migrantes - os multimédia enquanto espaços de ação e representação", realizados, no Canadá e EUA, para audiências de jornalistas, investigadores, e estudantes, na U Massachusetts-Dartmouth, na Rutgers University, de Newark e em Toronto.
Não menos importante tem sido, como é óbvio, o trabalho de cooperação com ONG's e movimentos femininos, como "A vez e a voz da Mulheres" , "A voz das Avós", "Mulheres em Movimento", para além dos já mencionados e, naturalmente, da rede de instituições e individualidades associadas à AMM. A preocupação de pôr o acento tónico nas questões de cidadania e a de valorizar todas as formas de militância feminina mais tradicionais somaram-se sempre na trajetória da AMM.
Em 2015, a fraca proporção de mulheres eleitas para o CCP, ainda longe da meta da paridade, mostra, agora, como em 1985, onde estão, ou não estão, as mulheres da Diáspora, mas a vitória retumbante das dirigentes da AMM nas eleições da Argentina e da Venezuela é reveladora da importância da vertente do associativismo que vem fomentando.
Mais do que enumerar a longa lista de realizações e publicações da "Mulher Migrante", os muito nomes que a marcaram, desde a fundação - lembraremos só a memória de Maria Barroso, Rita Gomes e Alice Ribeiro - procuramos aqui focar momentos-chave de uma caminhada, mostrar o espírito que a animou, os meios a que recorreu, que foram afinal, a forma como fez valer as causas nas circunstâncias que se lhe ofereceram.
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