quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

AMM in FACES DE EVA

ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" - UM PERCURSO SINGULAR 1 - NASCIDA COM AS PRIMEIRAS POLÍTICAS DE GÉNERO PARA A EMIGRAÇÃO A Mulher Migrante Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (AMM), foi criada em 1993, por escritura pública de 8 de outubro de 1993 e tem, estatutariamente. por objetivos principais aqueles que a sua própria designação sintetiza: o estudo da problemática das migrações femininas; a cooperação com mulheres profissionais e dirigentes de associações das comunidades portuguesas do estrangeiro e das comunidades de imigração em território nacional: o apoio à integração das mulheres nas sociedades de acolhimento, através de uma ativa participação em todos os domínios, e dá igual destaque ao combate às "idéias e movimentos xenófobos" (Gomes, 2014, p 46). . É uma colectividade que se vê como integrante dos movimentos de reivindicação da igualdade de sexos, no particular domínio das migrações, o mais esquecido não só pelos governos como pelas diferentes correntes do sufragismo novecentista. O que confere à AMM a sua identidade no universo associativo português não é tanto o seu escopo, mas o modo como o desenvolve na área concreta em que interage, e as alianças através das quais o prossegue. Entre as suas singularidades poderemos enumerar: o ser uma associação mista, formada por mulheres e homens irmanados nos mesmos objetivos;.o estar sediada no país, mas voltada para a Diáspora, (em particular, a feminina), embora atenta, também, a fenómenos de discriminação em território nacional - em relação a imigrantes e a emigrantes regressadas e suas famílias; promover, através das fronteiras, um "encontro de mundos" que tendem a isolar-se - os de emigrantes e não emigrantes, de mulheres e homens, de académicos e gente com experiência vivencial do fenómeno migratório ou de diferentes gerações; o combinar, estrategicamente, a actividade de estudo com a ação concreta, a mobilização para a igualdade, pela via de um “congressismo”, renovado à medida de realidades atuais de discriminação sexista; a filiação num projeto anterior à sua criação, que ainda por cumprir, visando, por um lado, mobilizar as portuguesas para a intervenção cívica e, por outro, reclamar a implementação de políticas públicas para a igualdade das comunidades do estrangeiro. A vontade expressa de lançar uma organização internacional de Portuguesas da Diáspora havia sido anunciada, nas conclusões no "1º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo", promovido, em 1985, pela Secretaria de Estado da Emigração, em Viana do Castelo (Centro de Estudos da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, 1986, p 138). Veio a ser concretizada, decorrida quase uma década, pela "Mulher Migrante", fundada por mais de um terço das participantes do 1º Encontro. Encontro pioneiro com que o nosso "antecipou, assim, em 10 anos, o que haveria de ser uma das principais recomendações da IV Conferência Mundial sobre as Mulheres organizada pelas Nações Unidas, em Pequim, em 1995: a indispensabilidade do empoderamento das mulheres, de que são pressupostos a visibilidade e o reconhecimento" (Cunha Rego, 2015, p 24). Portugal era um protagonista improvável deste iniciativa, dada a constância de políticas discriminatórias de interdição ou forte limitação da emigração feminina, antes da revolução de 1974, e, seguidamente, em democracia, a mera proclamação formal da Igualdade, desacompanhada, nas comunidades do estrangeiro, de qualquer ação positiva, A verdade é que o início do processo se deve ao rasgo de uma das primeiras mulheres a ter assento no Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), órgão consultivo do Governo. O CCP era composto por conselheiros eleitos em colégio eleitoral associativo e por jornalistas - todos homens, em resultado do sufrágio, de 1981. Ficava, assim, gritantemente evidenciada a marginalização a que estavam votadas as mulheres no universo associativo das comunidades. Idêntico foi o resultado das eleições de 1983 exclusão, mas na quota do jornalismo surgiram as primeiras mulheres, apenas, duas. E bastou uma, a jornalista de Toronto, Maria Alice Ribeiro, para fazer a diferença, com a sua proposta da realização de um congresso de mulheres, onde pudessem ter a presença e a voz, que lhes faltava no "Conselho". A Secretária de Estado da Emigração, por inerência Presidente do CCP, encetou, de imediato, a preparação do Encontro, que reuniu, no ano seguinte, dirigentes associativas e jornalistas, num formato de audição semelhante ao do CCP, o que permitiu às participantes fazer amplo e inovador levantamento da situação das diferentes comunidades e dirigir ao Governo um conjunto de significativas recomendações. Estava dado o primeiro passo na implementação de políticas de género. A convocatória anual de uma "Conferência para a Participação das Mulheres", prevista na órbita do CCP, foi inviabilizada pela queda do Governo, seguida, a curto prazo pela do CCP. E, por isso, o segundo passo das políticas públicas, neste campo, que pareceria fácil, tardou 20 anos e seria, novamente, impulsionado, de fora, por proposta da "Mulher Migrante", justamente a coletividade que se considera herdeira da inesperada modernidade desse passado. 2 - Cumprir O PROJETO A associação fundada em 1993, integrava mais de um terço das intervenientes do Encontro de Viana, e apresentava-se como o fórum interassociativo para a cooperação das mulheres da Diáspora, nos termos ali delineado, com exceção da já assinalada singularidade de uma plena abertura a participação masculina, que se deseja tendencialmente paritária (muito embora seja ainda minoritária) e que, de modo algum, se pretendeu impor nas comunidades, onde se reconhece,não haver as mesmas condições para operacionalizar a opção. As mulheres portuguesas nas Comunidades do estrangeiro quase sempre responderam à sua exclusão no associativismo masculino ou com a criação de estruturas próprias, de fins predominantemente beneficentes e de entreajuda (de que são exemplo as grandes sociedades fraternais femininas da Califórnia, a Sociedade Beneficente das Damas Portuguesas de Caracas, a Liga da Mulher da África do Sul), ou aceitando participar no movimento associativo misto "a latere", em departamentos femininos (situação muito comum, sobretudo, na América do Sul). É um quadro em mudança, com a gradual e lenta ascensão das mulheres ao dirigismo, que outrora lhes era vedado num associativismo que impunha na "casa coletiva" que é o centro de convívio, a mesma divisão de tarefas, tradicional no interior de cada família... Organizações focadas na reivindicação da igualdade, que prolonga, adaptando-a a novas realidades o "congressismo" feminista da primeira metade do século passado, eram praticamente inexistentes antes do Encontro de Viana, e, posteriormente, da ação da AMM, nascida dessa dinâmica, em rutura com o passado (note-se, porém que não só o Estado, mas também o movimento sufragista ignorou, um pouco por todo o lado, a situação específica das mulheres expatriadas). . A AMM desempenhou ao longo de mais de 25 anos esse trabalho de mobilização, em duas fases distintas: na primeira década de atividades, com ação mais centrada dentro de fronteiras, em articulação com a Comissão para a Igualdade e os Direitos das Mulheres (CIDM), e em coordenação com delegações e congéneres do estrangeiro (cada qual atuando no seu círculo territorial), na segunda, iniciada em finais de 2005, convertida em parceiro privilegiado de sucessivos governos na implementação de políticas de promoção da Igualdade de género na Diáspora portuguesa. A PRIMEIRA DÉCADA 1995-.2005 A AMM tem existência jurídica desde 1993, mas só no ano seguinte, se apresenta em Barcelos, conjuntamente com a Associação Comercial e Industrial num colóquio sobre a problemática do regresso, ciente de que, para as mulheres, as mais das vezes significa "regressão", perda de estatuto consolidado no estrangeiro, com a independência económica de um salário, e a frequente liderança do processo de integração de toda a família. Em março de 1995, firma a sua imagem com a organização, do maior congresso da Diáspora feminina até hoje levado a cabo no País, sob o lema "Diálogos de género e geração". Contou com apoios de grandes Fundações, a Gulbenkian, a Luso Americana, e a Oriente, e, também do Governo, central e local, traz a Espinho, personalidade dos cinco continentes e os grandes nomes na investigação da emigração, estudantes, técnicos, ex. emigrantes, políticos, representantes das Autonomias, num debate de uma intensa semana de trabalho. Com o acento posto na intergeracionalidade, a sessão inicial foi presidida pela Secretária de Estado da Juventude, a de encerramento pela Drº Maria Barroso, que, desde então, aderiu ao projeto e nele viria a ter papel de primeiro plano. O Encontro Mundial "serviu para dar a conhecer a nossa Associação, foi também a concretização de uma das recomendações do "Encontro de Viana" (Graça Guedes, 2015, p 27), foi prova das virtualidades da novíssima associação, permitindo-lhe o enorme alargamento da sua rede de cooperação e matriz de futuro. Desta década, a AMM chamaria à interlocução sobre a facticidade das migrações femininas, as suas congéneres da Diáspora, associações de imigrantes lusófonos, políticos, nomeadamente autarcas e serviços regionais, administração pública e investigadores (muitos dos quais se tornaram seus ativos membros). A sistemática publicação de atas e comunicações de conferências e colóquios era seguida de apresentação em vários pontos do país, dava, assim, azo à multiplicação dos debates sobre as migrações, femininas e globais. O país estava a converter-se em polo de atração maciça de migrantes vindos do leste europeu, e revelava impreparação no seu acolhimento e legalização. A AMM foi das primeiras ONG' a promover junto do poder local, ações de sensibilização e de esclarecimento. A CIDM continuava a ser parceiro privilegiado e na presidência de Maria Amélia Paiva, tomou a iniciativa (inédita no historial da instituição) de promover um colóquio sobre: "Mulheres Migrantes - Duas faces de uma realidade". A AMM, representada pela presidente Rita Gomes, fez parte da organização O décimo aniversário da AMM, comemorado em 2004, num grande encontro internacional, seria patrocinado pela FLAD e pelo SECP Carlos Gonçalves, num envolvimento que prenunciava já o recomeço de preocupações com a problemática da igualdade.. UM NOVO CONGRESSISMO PARA A IGUALDADE Dos "Encontros para a Cidadania" (2005.2009) aos Encontros Mundiais de 2011 e 2013 Um novo "congressismo" para a igualdade Em 2005, a AMM entrou, numa segunda fase, marcada pela estreita cooperação com a SECP, para a execução de um ambicioso plano governamental para a promoção da igualdade. De facto, foi a Associação que desencadeou o processo, ao propor ao Secretário de Estado António Braga a comemoração do 20º aniversário do mítico Encontro de Viana, em novo Encontro para fazer o ponto de situação das desigualdades subsistentes. O Secretário de Estado quis ir além de um grande evento isolado, e, inesperadamente, convidou uma pequena (embora singular) associação, como "parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género" (Aguiar, 2011, p 109), incumbindo-a de organizar, ao longo do seu mandato (2005-2009), reuniões de mobilização para a vivência da Igualdade, Governo e AMM optaram pelo modelo de "congressismo" com que fizeram história as organizações feministas do começo de novecentos, adaptando-o a novos tempo e contextos. Com a designação de "Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens, esses "fora" de livre análise, diálogo e mobilização para a mudança, tiveram sempre a presença de um membro do Governo, António Braga ou Jorge Lacão (Secretário de Estado da Presidência, com o pelouro da Igualdade), e de Maria Barroso, Presidente de Honra, e assumiram caráter internacional (com representação das comunidades de cada uma das grandes Regiões: América do Sul, (Buenos Aires, em 2005), Europa, (Estocolmo, em 2006), América do Norte, costa Leste, (Toronto, em 2007), África (Joanesburgo) e América do Norte costa Oeste, (Berkeley), em 2008. A organização esteve a cargo de Associações locais - a AMM da Argentina, a Federação das Mulheres Lusófonas (PIKO), a Cônsul- Geral, antiga presidente da CIDM, Maria Amélia Paiva, coadjuvada por várias associações luso-canadianas, a Liga da Mulher da África do Sul e Deolinda Adão da Universidade da Califórnia-Berkeley (também associada da AMM). É de realçar o facto de todos os eventos terem tido, em proporção variável, significativa participação de homens, do mundo associativo, académico e político, um positivo sinal dos tempos e, em alguns casos, também de políticos daqueles países. Em 2009, em Espinho, o" Encontro dos Encontros", com a intervenção dos relatores de cada um dos "congressos" e muitas dezenas de participantes (predominantemente investigadores), permitiu fechar ciclo, em jeito de balanço, e olhar em frente, com a propositura de outras medidas Em 2011, logo após tomar posse, o Secretário de Estado José Cesário chamou a AMM á co- participação no seguimento das políticas encetadas pelo predecessor, com aceleração de ritmo e de frequência das acções, essenciais à mobilização imparável e crescente. Com ele (2011-.2015), o "congressismo" atingiu o seu ponto alto, com a alternância bienal de congressos no País (em 2011, na Maia, lançando um olhar retrospetivo e prospetivo sobre as nossas migrações, começou por uma homenagem a Maria Archer e Maria Lamas, mulheres da diáspora e da resistência, e 2013, no Palácio das Necessidades, falando de novas expressões de cidadania, para além da política e do voluntariado, á cultura, às artes e á economia) e de múltiplos encontros e conferência nas várias comunidades da Diáspora (em 2012, ano europeu do envelhecimento, com o lançamento do Projecto ASAS - Academias Seniores de Artes e Saberes) e em 2014, a comemoração sobre 40 anos de migrações em liberdade – seu significado no Direito e na Vida - um ciclo de conferências, que teve a abertura presidida pelo SECP por Maria Barroso, no Palácio das Necessidades e prosseguiu, nas comunidades da Europa e das Américas, e, através de docentes, que são associadas da AMM na universidades de Berkeley, Toronto, Sorbonne, UAB- Lisboa… O enfoque colocado no associativismo, a partir dos debates do 1º Encontro, justifica-se pela simples constatação de que é, em regra, mais fácil às emigrantes afirmaram o seu estatuto de cidadania nas sociedades de acolhimento, quando regidas por normas e costumes mais igualitários, do que no interior das comunidades portuguesas, e suas instituições, onde continuam a ver-se segregadas. E, por isso, se entendeu que a ação governamental, deveria incidir nesse terreno, onde não necessitava de diálogo bilateral com outro governo porque tudo se passava - e se passa - entre portugueses.Tem sido esse, também, o domínio prioritário de ação da AMM, cuja vocação matricial é a cooperação interassociativa e transnacional e uma das constantes da sua atuação tem sido a criação de oportunidades para reflexão e debate sobre a reformulação dos papéis de género ou o reconhecimento do papel das mulheres em cenários improváveis onde, afinal se conclui que tem todo s cabimento, apesar de nunca antes haver sido tentado. Por exemplo nos festejos de 10 de junho, que, em muitas comunidades, são manifestações de vulto, com programação cultural variada durante dias, quando não semanas. As primeiras experiências ocorreram em Newark, nas grandes comemorações organizadas pela Fundação Coutinho, e em Montreal, em conjunto com o Consulado, o CCP e o Carrefour Lusophone, uma associação de jovens. O mesmo aconteceu em outros eventos das comunidades, em que outras são normalmente as temáticas tratadas: os Encontros (anuais) das comunidades do Cone Sul da América, a Convenção da Associação dos Portugueses Estrangeiros (APE), Bienais de Artes Plásticas, como as de Espinho (em 2013) e a de Gaia (em 2019), as celebrações do Dia Internacional da Mulher, onde, em Portugal, raras vezes as emigrantes têm visibilidade - e a a AMM trouxe ao presente a memória de Maria Archer, de Maria Lamas ou do do sucesso coletivo de toda uma geração que partiu "a salto" para França. Inédito foi, também, envolver a Federação das Associações Portuguesas de França num colóquio em que foram homenageadas mulheres presidentes de associações na região de Paris, (tendo o êxodo desse primeiro colóquio levado a "Federação" integrar na sua agenda anual a efeméride, como ocasião de balanço sobre o estado das discriminações). Na mesma linha de desocultar o papel real das mulheres migrantes, ou de denunciar a distorção da sua imagem, se integraram os seminários sobre "Mulheres Migrantes - os multimédia enquanto espaços de ação e representação", realizados, no Canadá e EUA, para audiências de jornalistas, investigadores, e estudantes, na U Massachusetts-Dartmouth, na Rutgers University, de Newark e em Toronto. Não menos importante tem sido, como é óbvio, o trabalho de cooperação com ONG's e movimentos femininos, como "A vez e a voz da Mulheres" , "A voz das Avós", "Mulheres em Movimento", para além dos já mencionados e, naturalmente, da rede de instituições e individualidades associadas à AMM. A preocupação de pôr o acento tónico nas questões de cidadania e a de valorizar todas as formas de militância feminina mais tradicionais somaram-se sempre na trajetória da AMM. Em 2015, a fraca proporção de mulheres eleitas para o CCP, ainda longe da meta da paridade, mostra, agora, como em 1985, onde estão, ou não estão, as mulheres da Diáspora, mas a vitória retumbante das dirigentes da AMM nas eleições da Argentina e da Venezuela é reveladora da importância da vertente do associativismo que vem fomentando. Mais do que enumerar a longa lista de realizações e publicações da "Mulher Migrante", os muito nomes que a marcaram, desde a fundação - lembraremos só a memória de Maria Barroso, Rita Gomes e Alice Ribeiro - procuramos aqui focar momentos-chave de uma caminhada, mostrar o espírito que a animou, os meios a que recorreu, que foram afinal, a forma como fez valer as causas nas circunstâncias que se lhe ofereceram.

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