quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

REVIVER MARIA ARCHER - Olga Archer Moreira

Reviver Maria Archer Senhora Dra. Manuela Aguiar, Senhora Professora Doutora Isabel Henriques de Jesus, Senhoras e Senhores, Apresento os meus agradecimentos ao Círculo Maria Archer na pessoa da Sra. Dra. Manuela Aguiar, pela organização do ciclo de colóquios “Maria Archer Eu e Elas- Mulheres que irromperam no mundo dos homens”. Ao imaginar como vos deveria apresentar Maria Archer recordei-me de um Inquérito às Mulheres Portuguesas que o semanário O Diabo, dirigido por Ferreira de Castro, corria o ano de 1935, lançou. Penso que nada será mais autêntico do que reencontrarmo-nos com Maria Archer através das suas próprias palavras. Permitam-me, então, que vos recorde alguns dos considerandos de Maria Archer sobre questões, ainda e sempre, tão actuais como “A mulher, o feminismo–O trabalho feminino – A época em que a mulher foi mais feliz”. “Fala a escritora Maria Archer Maria Archer, escritora e jornalista, respondendo ao nosso inquérito, começa por nos manifestar as suas impressões sobre a dificuldade de se dar uma resposta concisa e genérica a determinadas perguntas que é costume fazer-se em relação à vida espiritual das mulheres. E diz: MA -As aspirações da Mulher são muitas: a maior parte delas, porém, não se confessa. Acima de tudo a Mulher deseja o reconhecimento da sua categoria de criatura socialmente humana. É que, presentemente a mulher é ainda um animal doméstico. O Diabo - Quanto ao feminismo… qual a sua maior preocupação? MA - A de conseguir para a mulher a independência em todos os seus aspectos. O Diabo - Que impressões possui sobre o trabalho feminino? MA - O trabalho é sempre um meio de subsistência. Para a mulher, entretanto, não chega a ser isso. No futuro, o trabalho será aquilo que havemos de ver quando o futuro fôr presente. O Diabo – Houve alguma época da existência da humanidade em que a mulher tivesse sido feliz? MA – Uma: a do matriarcado. O Diabo – Efeitos do desenvolvimento intelectual da mulher? MA – De princípio, um mal, porque a mulher, por seu intermédio, perde a faculdade de admirar os homens. Em relação ao lar, esses efeitos são mínimos: o lar é um campo mais próprio para manifestações afectivas do que manifestações intelectuais. Perante os filhos a intelectualidade da mãe deve forçosamente manifestar-se benéfica. Na vida social, depende do carácter dela.” E como afirmou Maria Teresa Horta, no prefácio à reedição do livro Ela é apenas Mulher: “Tudo o que Maria Archer dizia, era proibido.” Assim vos apresentei Maria Archer, a irreverente, de seu nome Maria Emília Archer Eyrolles Baltasar Moreira. Nasceu em 4 de janeiro de 1899, em Lisboa. Foi a mais velha de uma prole de seis. Um rapaz e 5 raparigas. A sua vida juvenil passou-a quase toda em África. No longínquo ano de 1910 aportou em Moçambique. Maravilhou-se com a paisagem que diariamente lhe inundava o imaginário e apelidou-a de “ilha de coral branco” (Archer, 1940). Aí “fascinada com o encanto da sua alma oriental” (Archer, 1940) publicou o seu primeiro artigo no jornal O Ocidental em 1913. Em 1916 rumou até à Guiné, “a verdadeira África maravilhosa” (Archer,1940). Aqui viveu durante dois anos. Em 1990, Leopoldo Amado na comunicação A Literatura Colonial Guineense afirmou que «as condições nas duas primeiras décadas do século XX não eram propícias ao florescimento literário, pelo que se exceptuarmos a actividade jornalística que esporadicamente publicava alguns poemas saudosista-coloniais, que saibamos, não foi publicada outra obra literária-colonial que não a de Maria Archer e Fernanda de Castro. Maria Archer apresenta-se-nos como a primeira literata-colonial e é reconhecida como a “poeta do exotismo”». Em agosto de 1921, e já em Faro, casou com Alberto Teixeira Passos, que tinha conhecido anos antes na ilha de Moçambique. Os primeiros cinco anos de vida do jovem casal e do filho de Alberto foram vividos em Ibo, Moçambique. O seu matrimónio resistiu 10 anos. Após a separação Maria Archer terá feito uma Carta Precatória para Depósito de Mulher Casada, informando que estava a viver em casa de família em Lisboa (Botelho,1994) e em 1931 encontrava-se já, oficialmente, separada do marido. Nesse ano navegou até Angola para viver com os pais e aí permaneceu até 1935. O seu primeiro livro foi editado em Angola, em 1935. Um livro de novelas e de contos intitulado, Três Mulheres, em parceria com Pinto Quartim. Aqui colaborou no Última Hora, no Pátria, no Comércio de Angola e no Angola Desportiva. Após o regresso a Portugal, e ainda no curso do ano de 1935, publicou o romance África Selvagem – a sua estreia na literatura colonial portuguesa. Sobre o romance África Selvagem escreveu Augusto Pinto no Diário de Notícias: “Há muito que não líamos em língua portuguesa livro que tanto nos agradasse” salientando, entre outros predicados da obra, a «linguagem rica, de uma perfeita plasticidade e de um colorido brilhante como só grandes escritores sabem utilizar» (Quartim, 1936). O Diário de Lisboa considerou Maria Archer “a revelação da literatura portuguesa de 1935” (Quartim, 1936). E Pinto Quartim assim enalteceu Maria Archer “Não foi preciso uma convivência demorada para me certificar de que estava em frente de mais um brilhantíssimo desmentido, não só a suposição idiota de que a Mulher é um ser sem cérebro, para quem só há duas condições: dona de casa ou cortezã, como também a essa baboseira tão repetida de que a Mulher inteligente e culta perde todo o seu modo de ser feminino….E reparei, ao mesmo tempo, que a essa mulher, intelectual e artista, não faltava nem a graça feminil, nem a garridice ou coquetterie própria do seu sexo…E relembrando o seu vivificante convívio intelectual, mais em mim se fortifica a convicção de que não há superioridade de um sexo sobre outro, mas apenas a superioridade de algumas individualidades sobre a massa.” (Quartim, 1936). Após o regresso de Angola participou em múltiplas conferências promovidas pela Sociedade de Geografia de Lisboa subordinada ao tema “Bárbaros no século XX”, no Ateneu Comercial de Lisboa, no Clube dos Fenianos no Porto, na Voz do Operário sobre o tema “Negros de Angola”, além das 20 conferências sobre Angola aos microfones da Emissora Nacional. Também nos Liceus Maria Archer marcou presença em palestras dirigidas aos alunos. Em Lisboa viveu, empenhada e militantemente, do seu trabalho de escrita para jornais e revistas e dos direitos de autor dos livros que publicou e que, amiúde, tanta polémica provocaram pela incomodidade causada ao pensamento dominante. O teatro esteve, também, presente na vida de Archer. Escreveu algumas peças, aventurou-se numa carreira teatral segundo nos confidenciou num artigo publicado no Suplemento Cultural do jornal O Estado de São Paulo de 16 de março de 1956, intitulado “Em prol do teatro brasileiro no Brasil”. Elucidou-nos, quase dez anos passados, que se afastou após contactos com grupos do meio artístico português por os considerar demasiado artificiais, o que não a satisfazia.” Mulher de ação pela palavra, pela escrita, sempre atenta ao que a envolvia, quer fora como dentro do próprio país, com uma compreensão rara das pessoas, dos ambientes e dos meios sociais, traduziu a experiência vivida em inúmeros escritos de grande interesse etnológico, sociológico e político. Escreveu sobre os seus ideais, sobre África, sobre a luta pela dignificação da mulher. Ainda hoje muitas lutas femininas se continuam a fazer para alcançar direitos iguais de participação política e cidadania, de acesso a educação e a profissões reservadas ou dominadas por homens. Ondina Braga, no artigo Maria Archer: o espírito lutando com as sombras, refere que João Gaspar Simões lhe teceu os maiores elogios: “Prosadora vigorosa, as suas histórias moldadas à maneira de Maupassant, num estilo mais másculo que feminino abordam problemas ousados nas relações da mulher com o homem e nas da situação daquela numa sociedade pouco afeita ainda a reconhecer direitos iguais aos dois sexos.”(as cited in Grande Dicionário da Literatura Portuguesa) e afirmou também “A escrita foi para Archer uma arma de combate político que Artur Portela refere como: "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante"(Diário de Lisboa, 5 de março 1953). Para João Gaspar Simões, citado por Ondina Braga no artigo Maria Archer: o espírito lutando com as sombras, “Maria Archer é um exemplo. Escreve, escreve sem desfalecimentos nem transigências, compreendida umas vezes incompreendida outras, mal compreendida quase sempre.” (João Gaspar Simões, 1951) Os seus livros sobre África são pontes para a meditação mágica, para a beleza. A densidade da escrita enleia-nos tal floresta tropical. A sua escrita é a conjugação da água e do fogo, a simbiose da terra e do mar. Foi a única mulher a escrever seis dos setenta títulos que integram a coleção Cadernos Coloniais, publicados entre 1935 e 1941. Maria posicionou-se no mundo dos homens. Em 1945 Maria Archer aderiu ao Movimento da Unidade Democrática (MUD). Em 1949 Archer apoiou a campanha do General Norton de Matos, nomeadamente através do artigo publicado no jornal Sol de 8 de janeiro com o título “O General Norton de Matos visto por Maria Archer”. Viveu a revolta de ver alguns dos seus livros apreendidos. No ano passado o jornal Público publicou alguns dos livros censurados, cerca de 21, e escolheu entre muitos, os dois livros de Maria Archer, Casa Sem Pão e Ida e Volta de uma Caixa de Cigarros. Viveu tempos onde sombra e luz dançaram ferozmente numa orquestra sensível… onde o compasso errado, podia impossibilitar o milagre da vida E, inconformada e perseguida, com dificuldade em subsistir pelo seu trabalho, obteve um visto temporário, o qual não lhe permitia trabalhar no Brasil, no Consulado Geral do Brasil em Lisboa com validade de 90 dias. E os 90 dias multiplicaram-se e foram 24 anos de vida de Maria Archer no Brasil. Partiu de Portugal em 5 de julho de 1955 viajando até ao Brasil onde no dia 15 de julho desembarcou no Porto de Santos. Na hora de embarcar dois amigos a acompanharam, Aquilino Ribeiro e Ferreira de Castro. Não nos olvidemos que Maria saiu de Portugal sozinha. E sozinha, sem família, trilhou o seu caminho no Brasil. À época as mulheres, de um modo geral, quando saiam do seu país era para acompanharem a família. Em 19 julho de 1957, segundo o Diário Oficial de São Paulo n.º 159, o deputado Cid Franco do Partido Socialista Brasileiro, defendera Maria Archer e dera-lhe voz, afirmando que Maria Archer não era comunista, mas sim uma grande escritora e deu a conhecer excertos da carta que Archer lhe escrevera onde reitera que “não possui nem possuiu a qualidade de ser filiada no Partido Comunista embora confesse o mais profundo respeito pelas heróicas pessoas que professam essa perseguida ideologia política”. Archer antecipou o futuro quando publicou no Brasil, em 1959, Os Últimos Dias do Fascismo Português, livro que relata o julgamento do capitão Henrique Galvão, deu ainda à estampa Terras onde se fala Português (1957), África sem Luz (1962) e Brasil, Fronteira da África (1963) e colaborou nos Jornais O Estado de S. Paulo, Semana Portuguesa e Portugal Democrático. A equipa que fundou o Portugal Democrático era marcada pela sua pluralidade política. O núcleo do Comité era formado pelos jornalistas Miguel Urbano Rodrigues, Carlos Maria de Araújo, Paulo de Castro, João Alves das Neves, João Santana Mota e Vitor da Cunha Rego, e tinha como presenças permanentes Adolfo Casais Monteiro, Fernando Lemos, Francisco Lopes, João Alves das Neves, Pedroso de Lima, João Santana Mota, João dos Santos Baleizão, João Sarmento Pimentel, Maria Archer, Miguel Urbano Rodrigues, Vítor da Cunha Rego e, do Recife, os matemáticos Alfredo Pereira Gomes e Manuel Zaluar Nunes. Maria Archer participou em diversas tarefas do jornal durante todo o seu período, até ao 25 de abril, e ao longo de anos organizou atividades de apoio a presos e exilados políticos e pelo fim da censura, em nome da União das Mulheres Portuguesas. A sua contribuição, através de escritos, foi mais efetiva entre 1956 e 1962. Maria Archer irrompeu, mais uma vez, no mundo dos homens. Já em Portugal o mesmo acontecera. Em 27 de maio de 1962, no Cine-Teatro Paramount, teve lugar o Ato público de solidariedade aos trabalhadores e aos povos de Espanha e Portugal. Nos ficheiros do Departamento de Ordem Política e Social (DEOPS) encontra-se a referência a este evento com as seguintes informações: “Levamos ao conhecimento dessa Chefia que, segundo nossos observadores, realizou-se na manhã de ontem dia 27, das 9:10 às 12:50 horas no Cine Teatro Paramount, à Av. Brigadeiro Luiz Antônio, o anunciado ato público de solidariedade aos trabalhadores e aos povos de Espanha e Portugal. Os trabalhos, que contaram com a presença de cerca de 900 pessoas (lotando a platéia e os camarotes), foram presididos pelo deputado Cid Franco, tendo ainda tomado à mesa, os seguintes elementos: dep. José da Rocha Mendes Filho; dep. Germinal Feijó; dep. Paulo de Tarso; dep. Jethero de Faria Cardoso, João Louzada, Gen. Humberto Delgado, Luiz Carlos Prestes, dr. Walter Dias, (advogado da Associação dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas de Jales); e entre outros esteve presente Maria Archer (da União Brasileira de Escritores - UBE),….”. Uma vez mais Maria Archer invadiu o mundo dos homens. Maria Archer foi ainda assessora do deputado federal Ulysses Guimarães. Miguel Urbano Tavares num artigo publicado em 21 de abril de 2000 no Jornal de Notícias, com o título “Portugueses hostilizados numa terra fraterna” refere: “(…) Mas foi a partir do final dos anos 50 que a corrente dos exilados políticos adquiriu um volume torrencial. Ao Brasil chegaram em diferentes anos e na sequência de acontecimentos e perseguições políticas de natureza também diferente, muitos portugueses que, em permanências de longa ou breve duração, marcaram com a sua presença a vida brasileira (…). Outros nomes a lembrar são os escritores Adolfo casais Monteiro, Carlos Maria Araújo, Sidónio Muralha, Jorge de Sena, Castro Soromenho, Maria Archer, Mário Henrique Leiria (…).” De novo surge a menção a Maria Archer entre os homens exilados políticos. Em 1965 foi publicado, em Portugal, o livro Sarça Erótica de António Nobre e outros. São 13 os escritores presentes (António Nobre, Teixeira Gomes, Raúl Brandão, Justino de Montalvão, Henrique de Vasconcelos, António Patrício, Manuel Laranjeira, Leonardo Coimbra, Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, José Migueis, Maria Archer.) deles um apenas é mulher, chama-se Maria Archer e apresenta-nos a sua novela Eros e Psiché. No prefácio da obra Petrus diz-nos “ Fechar este ciclo de novelas, que é de certo modo um roteiro das várias tendências e possibilidades que neste campo, se tem revelado a partir do simbolismo, com uma história de feminina lavra é, por isso, um acto de justiça que reveste especial significado por reacender a gratidão de que é digna uma grande escritora expatriada, que com invulgar coragem e fina percepção dos profundos instintos humanos, enriqueceu a novelística nacional, com algumas obras primas, como essa extraordinária novela que se chama Uma Mulher como Outras, interditada inexplicavelmente pela nossa anacrónica Mesa Censória. Maria Archer não carece deste preito para ser uma grande escritora, mas é fora de dúvida que nela se encontra admiravelmente personificada e actual capacidade artística e psicológica da Mulher Portuguesa.” (Petrus,1965) Ao relembrarmos os seus livros que abordaram temas tão delicados e incómodos como a condição da mulher ou a ausência de liberdade no país da altura recordemos que, também os laços de sangue falaram pela pena de Maria Archer e essa união afetiva foi retratada no conto Eu vi o pelicano abrir o peito, de 1944, no livro Eu e Elas – Apontamentos de uma romancista (Archer, 1944) em que Maria Archer, através da sua pena, suplica justiça para um jovem que quer crescer e não tem meios. Aos 17 anos, o sobrinho prodígio vê vedada a possibilidade de frequentar a sonhada universidade. A mãe, em desespero, apela à irmã que, com a forte arma da palavra, comova “aqueles que poder têm para ajudar o sobrinho”. Hoje, aqui, no Porto, viemos ao encontro de Maria Archer escritora, jornalista, conferencista, tradutora, quarenta anos após a sua morte. E será que se mantem atual a obra de Maria Archer? Escutemos o que Guilherme Bordeira nos confidenciou sobre o livro Ela é Apenas Mulher: ” Perante um fresco tão significativo não só de personagens com histórias cruzadas, mas também revelador de um quotidiano do Portugal dos anos 40, apraz-nos pensar que bela série de época para televisão daria este livro.” (Bordeira, 2014). Curiosa esta confidência. Corriam os anos 80 do século XX quando uma revista portuguesa noticiava: “Telenovela Portuguesa em Preparação – Realizada por Ferrão Katzenstein, a primeira novela “made in Portugal” vai chamar-se Os Aristocratas e é uma adaptação da obra de Maria Archer. Trinta e seis episódios a cores com quarenta minutos cada, a iniciar no próximo ano, tal é o projecto que neste momento toma forma na RTP.” Mas foi Vila Faia, em 1982, a primeira telenovela “made in Portugal”. Recentemente, em 15 de março de 2021 foi publicado pelo Cinema Sétima Arte o seguinte artigo: Ukbar Filmes e RTP produzem 10 telefilmes realizados por mulheres. “Contado por Mulheres” é a nova aposta audiovisual da produtora Ukbar Filmes e da RTP1, em coprodução com a Krakow Film Klaster (Polónia), que pretende dar voz a dez realizadoras para criarem dez histórias baseadas em obras literárias de autores portugueses. Rodados entre abril e agosto deste ano (2021) em diversos locais da região Centro, com o apoio das respetivas Câmaras Municipais e candidato ao Fundo do Turismo e do Cinema. “10 livros, 10 realizadoras, 10 telefilmes, 10 espaços. Um mesmo universo.” é o mote do projeto que pretende ir aos calabouços da censura do Estado Novo e devolver ao grande público a força de Soeiro Pereira Gomes, Maria Archer, Bernardo Santareno, Carlos Oliveira até aos desafios dos nossos dias com Maria Judite de Carvalho, Teolinda Gersão, Ondjaki, Mário Zambujal e Mário de Carvalho. Contado por Mulheres é uma aposta em boas histórias, dos melhores autores portugueses procurando fazer chorar, rir, sentir dramas de épocas ou ir até aos sensíveis desafios morais da atualidade. Mas acima de tudo entreter com personagens inspiradoras.” Das dez mulheres convidadas para realizar os dez telefilmes: Anabela Moreira realizará Há-de Haver uma Lei, inspirado na obra de Maria Archer e adaptado por Manuel do Ó Pereira. As gravações do Há-de Haver uma Lei decorreram em Tomar, em julho de 2021. Os dez telefilmes estavam previstos estrear em horário nobre da RTP1 no último trimestre do ano de 2021.” Não foi o livro Aristocratas, não foi o livro Ela é Apenas Mulher, mas sim o Há-de Haver uma lei que sofreu uma adaptação para um telefilme. Ainda não o vimos. Maria estaria, certamente, orgulhosa. Em outubro de 1949 sobre o livro Há-de Haver uma Lei Maria Archer foi assim elogiada por João Gaspar Simões: “Disse que Maria Archer não era uma escritora – mas um verdadeiro escritor. (…) é perante um grande escritor português que nos encontramos, um dos maiores contistas que a nossa literatura tem conhecido (…) Em qualquer país civilizado a autora de Há-de Haver uma Lei… teria, pelo menos, meia dúzia de editores, e dos principais da nação, a disputá-la como seu best-seller. Entre nós, que vemos? Maria Archer … inscreve na capa do seu livro, ali onde costuma figurar a firma do editor, esta legenda que é um labéu para a nossa corporação de livreiros: «Edição da Autora – Lisboa, 1949»! Esperem o juízo do tempo, e verão! Quando em 2049 se celebrar o centenário do aparecimento de Há-de Haver uma lei… todos os editores portugueses dignos desse nome baixarão os olhos, envergonhados, ao ouvir esta tremenda efeméride: em 1949 Maria Archer, autora de duas dezenas de volumes, teve de publicar a expensas suas o seu livro de contos Há-de Haver uma lei… pois não havia então em Portugal um único editor capaz de perceber que este livro era uma colecção de obras-primas do conto português” (Simões, 1949). Fruto da força das suas convicções e ideais em que se empenhou de alma e coração várias foram as travessias dos oceanos que empreendeu. Destaquemos dois momentos. Um, em que, perseguindo o sonho da liberdade de pensamento e de escrita, navegou até ao Brasil onde viveu 24 anos; outro, quando cruzando, de novo, o oceano regressa ao País que a viu nascer e que nunca esqueceu, em 26 de abril de 1979, concretizando o seu desejo de morrer em Portugal, conforme artigo publicado no jornal A Luta de abril de 1977 com o título “Maria Archer quer morrer em Portugal” tendo por base uma carta do capitão Sarmento Pimentel publicada no Primeiro de Janeiro. Regressou doente, seis anos após ter obtido a anelada permissão do Professor Marcelo Caetano: “… Sra. D Maria Archer pode vir para Portugal quando quiser. Não será incomodada.” com um novo regime político. No regresso, vinte e quatro anos volvidos desde o dia em que deixou Portugal, dificilmente reconheceu as irmãs e os sobrinhos. No entanto, esta mulher de horizontes, viajada e ousada, admirada por muitos e silenciada por alguns, manteve, até ao fim, inalterada, apesar das agruras da vida, uma das suas características: a vaidade feminina. Foi no interregno dos seus silêncios que conheci Maria Archer. Tinha 80 anos. Vivia num mundo só seu, com as lágrimas da alma, vogando na brisa de abril. Partiu em 23 de janeiro de 1982 para a sua última viagem. Raul Rego (1982), no artigo “Maria Archer”, escrito dias após sua morte, sublinhou: “Ela era uma mulher livre, escritora de garra, senhora de si e impondo-se pelo talento”, o que na altura, não agradava a muitos, a ponto da sua obra Ida e volta de uma caixa de cigarros (1938) ser apreendida. A mulher que não se escondeu atrás de pseudónimos e que contraventos e marés perseverou em sonhar e lutar por um mundo melhor, por um mundo de e com liberdade, por um mundo onde homem e mulher são iguais, permanece viva na memória de Almada, Almodôvar, Amadora, Cascais, Faro, Ferreira do Alentejo, Oeiras e Seixal. Estas edilidades homenagearam-na, discretamente, num quase anonimato, entre 1975 e 2010, marcando, de forma perene, as ruas dos seus concelhos. Também esta iniciativa marcou e relembrou Maria Archer a mulher de mil rostos, a mulher que se metamorfoseou em testemunha rara, em memória crítica de um tempo português, espinhoso e cinzento, regulado por preconceitos e discriminações, por regras de jogo algo viciadas, que desmascarou, sem temor e cujo exemplo de inconformismo apela à militância cidadã. Ao Circulo Maria Archer que segundo Manuela Aguiar (2019) pretende, afinal, sobretudo, assegurar uma segunda vida a Maria Archer, projeto perfeitamente possível, porque, como dizia Pascoaes, existir não é pensar, é ser lembrado", muito obrigada. Olga Archer Moreira Aguiar, Manuela – A Modernidade de Maria Archer, Porto, 11 de outubro de 2019 Amado, Leopoldo (1990). A Literatura Colonial Guineense. Revista ICALP, 20-21, pp. 160-178 Archer, Maria (1940) Roteiro do Mundo Português, Edições Cosmos Archer, Maria (1945) Eu e Elas Apontamentos de Romancista, Editorial Aviz Archer, Maria O Estado de São Paulo de 16 de março de 1956 – p.10 Arquivo do Estado (seção Deops), São Paulo/SP, Arquivo DEOPS 41-E-5-14 Bordeira, Guilherme. (2014). Acerca de Maria Archer, p.52 Botelho, Dina – Ela é apenas Mulher – Universidade Nove de Lisboa – Dissertação de Mestrado em Estudos Anglo Portugueses – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Lisboa – 1994 p.34 Diário Oficial Estado de São Paulo, Ano LXVII – n.º 159 – Sexta-Feira, 19 de julho de 1957 Horta, Maria Teresa (2001), prefácio ao Livro Ela é Apenas Mulher de Maria Archer, p. X O Diabo, Lisboa, 03/11/1935, Ano II, n. º71 O Estado de São Paulo, 16 de março de 1956, p.10 Quartim, Pinto (1936, janeiro). Maria Archer A revelação da literatura portuguesa de 1935. Ilustração de Angola Rego, R. (1982, fevereiro, 2) Maria Archer. Diário Popular, p.3 Sarça Erótica. Arte e Cultura, Porto. Edição da Petrus, 1965, p.16 Simões, João Gaspar (1949, outubro 30). Átomo, pp.15-16 Tavares, Miguel Urbano (2000, abril, 21). Jornal de Notícias https://www.cinema7arte.com/ukbar-filmes-e-rtp-produzem-10-telefilmes-realizados-por-mulheres/ (acedido em 20 de março de 2021) Palavras-Chave: Maria Archer Escritora, Exílio Feminismo Direitos das Mulheres Revelação

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