quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

5 GOVERNOS

Maria Manuela Aguiar quarta, 5/10/2016, 23:46 para mim I - O GOVERNO MOTA PINTO (1978-79) I - No início de uma participação política em órgãos de soberania, que haveria de se prolongar por mais de vinte e cinco ano, esteve um convite do Prof. Mota Pinto para o seu governo (1978/79), o primeiro a que pertenci. Tinha a particularidade de ser formado por independentes - um dos chamados "governos de iniciativa presidencial", não menos constitucional do que os outros, já que o seu programa passara (sem ir a votos)na Assembleia da República. O anterior, chefiado por Nobre da Costa, objeto de uma moção de rejeição caiu, ao ver o seu programa rejeitado. Com eleições obrigatórias em Outubro de 1979, era, de qualquer modo, um executivo destinado a durar cerca de um ano e foi ainda mais breve, porque os partidos o derrubaram com a ameaça de uma moção de rejeição, perante a qual, Mota Pinto não esperou para apresentar um pedido de demissão, simplificando o processo. E não se manteve em gestão, porque o Presidente Eanes optou pela constituição de um terceiro governo, o último desta série, com uma duração estimada em três meses (embora tenha durado bastante mais), cujo fim era meramente organizar eleições. A maior surpresa foi ter escolhido uma mulher: Maria de Lurdes Pintasilgo. Curiosamente, depois dela, desde que todo o poder foi retomado pelos partidos, não houve mais nenhuma mulher. É obviamente mais difícil a ascensão feminina no puro quadro das maiorias parlamentares, pois os partidos são coutada de homens - eram, então, e continuam a ser, ao menos os tradicionais. Já lá vão 37 anos, quando Thatcher e Pintasilgo faziam história na Europa e não se vê, em Portugal, nenhuma Theresa May no horizonte. Lideranças masculinas nos grandes partidos, dão primeiros- ministros, no masculino, numa perfeita relação de causa e efeito - Quando me perguntam ( perguntam frequentemente....) a razão porque escolhi a política, respondo que não escolhi, de todo, fui convidada pela circunstância de não pertencer a qualquer partido. Para ser uma presença feminina num governo quase 100% masculino... Entrei na aventura,( que à partida seria breve e, como disse, o foi mais do que o previsto ), por me ser difícil dizer "não" ao Primeiro Ministro, que era um amigo de Coimbra e ao parceiro de equipa no Ministério do Trabalho, o João Padrão, um colega de curso (brilhantíssimo!), que se ocupava do Emprego. Hesitei, mas fui bastante pressionada, sobretudo pelo João. Ofereci-me como voluntária para a assessoria no seu gabinete, mas não consegui ser aceite nessa mais modesta, mas mais experimentada posição (desde os governos provisórios prestei serviço nessa qualidade). Tinha as minhas razões...Não queria ser chefe de ninguém, falta-me a paciência para esperar que outros façam as coisas, quando não fazem logo, logo. Não era essa a minha opção de vida - dar aulas na Faculdade ou pareceres num centro de estudos, na Provedoria de Justiça, fazia o meu sonho do presente e do futuro. Aí, melhor usaria o que a Universidade de Coimbra me ensinara, com tempo para o cinema, (quase todos os dias, pelas 18.00), o desporto nos fins de semana, o convívio com a família, as tertúlias de café, em Espinho. Para le e ouvir música (os meus velhos discos de vinil). Não me parecia que na vida política houvesse lugar para tudo isso. Pior ainda, era a convicção de que o mundo do trabalho perderia uma executante suficientemente competente e o mundo da política não ganharia nada com a troca. À mistura com o receio de falhar havia, porém, uma boa dose de curiosidade de conhecer o "outro lado", o lado do "poder" - neste caso, muito relativo e garantidamente efémero. Não sabendo como dizer "não", acabei Secretária de Estado do Trabalho. Fui para um Ministério que conhecia bem: ali mesmo, no arranha-céus da Praça de Londres, no início de 1967. tomara posse como assistente do Centro de Estudos, cerca de um ano depois de ter terminado o curso de Direito (com a média de curso exigida aos assistentes da faculdade ou daquele "centro de estudos - não bastava, como em Passárgada, ser amigo do rei...). Um lugar de boas memórias, onde tudo me era familiar, os assuntos, os problemas e até algumas das caras que via nos corredores. Apesar da mudança de regime, o que havia de bom no velho Ministério mantinha-se, antes de mais, a qualidade dos funcionários e dos serviços, com directores- gerais de carreira (à inglesa), que se distinguiam pela competência, bem mais do que por quaisquer tendências ideológicas. (por sinal, coube-me acolhe-los de volta à atividade, a eles e a muitos dezenas de dirigentes que tinham sido saneados, em 1974, e, depois, reintegrados por insuspeita decisão do Conselho da Revolução - foram todos colocados em funções técnicas, para sua tranquilidade´, já que a nossa era imperturbável). Quatro anos apenas depois da revolução, os gabinetes dos membros do governo eram pequenos, como mandava a lei - um chefe de gabinete, dois adjuntos, dois secretários, dois motoristas. E assim foi enquanto estive nos Executivos, até 1987. Depois, parece que as coisas foram mudando, através de expedientes para recrutar "boys" e "girls", com vencimentos "à la carte", sem limitações. Procurei, pois, compensar a minha falta de experiência com uma seleção, norteada pelo princípio da máxima competência possível, Desde já antecipo que resultou, pelo que recomendo a solução. Escolhi os dois adjuntos dentro da "casa" (uma mulher e um homem), trouxe para chefe de gabinete o Manuel Marcelino, colega do Serviço do Provedor de Justiça, uma sumidade na área do Direito Administrativo. As duas secretárias, formadas no ISLA, tinham longo curriculum de gabinetes. Ajudaram-me, de uma forma decisiva, a atravessar o tempo iniciático - uma equipa unida nos bons e maus momentos. E destes, houve alguns. Não tanto pelos conflitos sociais, negociações, greves... verdadeiros "braços de ferro", uma requisição civil, etc, etc. Com o "adversário exterior" lidávamos nós bem. Com o interno, nem sempre... Não foi sempre pacífico o relacionamento com o Ministro e o seu "staff". Vinham do sector privado, convencidos da sua superior eficácia (o ministro até era eficaz, muito melhor do que a "entourage", ao contrário do que se podia dizer da minha, que, por sinal, era 100% "funcionalismo público". A qualidade dos quadros do Ministério acabou por convencer o Dr Eusébio Marques de Carvalho, que fez lentamente a "estrada de Damasco" na Praça de Londres... Mais difícil de converter era o seu chefe de gabinete. Julgava-se o "chefe" dos chefes de gabinete dos Secretários de Estado. Ora não há vínculo hierárquico entre os gabinetes, embora haja entre o Ministro e cada um dos Secretários de Estado. Como explicar-lhe esta evidência? Foi impossível... Ingerência nos assuntos da "minha" gente eu não estava disposta a admitir - e não admiti. Invetivei-o muitas vezes, com palavras duras, que ele ouvia com resignação. Contudo, na primeira oportunidade, recomeçava a dar as suas ordens ao Manel Marcelino. O João Padrão foi o maior obreiro da paz, naquele 16º andar da Praça de Londres! Um homem encantador, com uns vivíssimos olhos azuis, um apurado sentido de humor e da relatividade das coisas. Muito inteligente, um diplomata e um grande amigo. Sempre que eu irrompia no seu gabinete, contíguo ao meu, a relatar um novo caso e a ameaçar demitir-me, oferecia-me um café, desdramatizava, entre sorrisos e amena conversa, e, assim, reduzia a dimensão do incidente... A esta distância, vejo que se tratava de uma falta de "savoir faire" do reincidente, que, aliás, era um homem de boas maneiras e agradável à vista. Não sei se no setor privado esse comportamento é aceitável, porque fui sempre funcionária pública e muito bem tratada! Os meus "chefes" foram, todos, verdadeiros "gentlemen". Ali, na Praça de Londres, o Dr Cortez Pinto, cerimonioso, educadíssimo, e o Doutor António Silva Leal, um sábio, um génio, exuberantemente cordial, descontraído, que se sentava nas escadas do corredor a apertar os atilhos dos sapatos - "para que não tenham a tentação de me fazer ministro", explicava, entre duas sonoras gargalhadas, Depois da Revolução, na Universidade de Coimbra (onde tomei posse a 24 de abril), o Doutor Boaventura Sousa Santos, o Doutor Rui de Alarcão, o Doutor Mota Pinto. Em Lisboa, no Governo, o Doutor Rui Machete, na Provedoria de Justiça, o Coronel Costa Bráz, em meados de 1976, e, poucos meses depois, tendo ido o Coronel para o Governo, organizar eleições livres, o incomparável Dr José Magalhães Godinho - que foi, para mim, o mais próximo e o mais querido de todos. Tinha uma memória fenomenal e muita graça a contar as histórias da História. Era generoso, solidário, carismático e acessível. O mesmo não se diria de Eusébio Marques de Carvalho, com o seu feitio impulsivo e impaciente, e, tal como eu, "estreante" em lides governativas. Acabou por me influenciar mais do que todos os antigos e tão estimados "superiores", tornou-se. em verdadeiro "role model"... Por um espontâneo mimetismo, dei por mim a tomar decisões rápidas e a exigir execução pronta. Com o que, sem que fosse esse o meu objectivo, se construiu a imagem que dei para o exterior "dama de ferro", na esteira daquele "homem de ferro". Imagem mais ou menos positiva, segundo a perspectiva do observador... Mas a essa imagem devo, com certeza, o convite seguinte, para a pasta da Emigração. O tempo era de guerra, de afrontamento e contraditório, na aprendizagem da democracia, a começar no MNE, em guerra aberta com a Presidência. Numa das primeiras conversas com o Doutor Freitas do Amaral, no Palácio das Necessidades, disse-lhe que já se murmurava pelos corredores que eu iria mudar tudo, que não deixaria "pedra sobre pedra". Ao que ele me respondeu que não me preocupasse, porque era um tipo de fama não prejudicava a acção concreta. Talvez fosse "mais a fama do que o proveito", mas é verdade que parti para a inovação possível, mantendo tudo o que encontrei bem, nas práticas ou nas pessoas. Trabalhara os anos suficientes na função pública, ou com a função pública, para acreditar, até prova em contrário, que as pessoas estão nos seus postos para cumprirem tarefas e não para fazerem espionagem ou conta-corrente, a mando de um partido. Suportei, logo na primeira experiência governativa, a pressão para despedir uma secretária, a Ana, que tinha transitado do gabinete do meu antecessor, supostamente comunista. A Ana era, aliás, oriunda do quadro da Presidência do Conselho de Ministros e tinha-me sido recomendada pelo Secretário de Estado, Doutor Xavier de Basto, como muito competente. "Durante duas semanas fez de chefe de gabinete e de secretária, foi formidável, mas agora chegaram as pessoas que eu já tinha convidado e não tenho vaga para ela", dizia-me ele. (ali no alto da presidência, também tinha de respeitar os limites quadro legal...). "Ela conhece bem esse ministério, secretariou o seu antecessor". "Isso é que é pior" - respondi - "o Ministro não quer, por perto, ninguém que tenha vindo dos anteriores gabinetes". O sigilo e a confidencialidade eram importantes, ali, onde se esperava conflitualidade, que veio a verificar-se. Contudo, como o meu amigo e professor de Coimbra, um homem particularmente perspicaz, a recomendava, contratei-a, de imediato. Mas, pouco depois, alguém a denunciou e foi-me sugerido o seu imediato despedimento. Recusei a sugestão, apesar do Ministro me prevenir, muito irritado: "No meu gabinete e no do Secretário de Estado do Emprego toda a gente é de absoluta confiança. Se houver uma fuga de informação é do seu gabinete. "Com certeza! Não vai haver problema!", tranquilizei-o. Isto é, não devo ter tranquilizado, mas, provou-se que tinha razão. Fuga de informação foi coisa que não houve. Nem Ministro nem mais ninguém jamais suspeitou que a Ana também tinha sido secretária e tradutora do Vasco Gonçalves! Imagino a reação, se descobrissem esse passado, aliás, nada secreto... Ela era simplesmente oriunda dos quadros da Presidência, estava a leste de todas as contendas políticas. Foi convidada por uma boa razão, a sua competência. A par do "segredo" estava apenas a outra secretária, a Maria de Lurdes. O que nós nos ríamos, a traçar cenários de pânico se o facto viesse a ser detetado...

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