domingo, 18 de março de 2018

SINTO-ME BRASILEIRA 1 - Se o Presidente Marcelo pudesse ainda surpreender-me pela positiva, te-lo-ia conseguido ao afirmar, no Rio de Janeiro: "Sou Presidente de Portugal, mas sinto-me brasileiro". Não adivinhava esta completa identidade de sentimentos com o nosso presidente, no que ao Brasil respeita e foi, evidentemente, uma alegria constata-lo. Alegria e, igualmente, grande vontade de indagar o "porquê". Se um dia o reencontrar, não perderei a oportunidade de fazer a pergunta. Sabemos que lá, do outro lado do Atlântico, viveram, durante algum tempo, os seus Pais, vive, atualmente, o seu filho, nasceram os seus netos, que são luso-brasileiros. Visita-os com frequência, naturalmente, e "está por dentro" das realidades locais .Muitos serão levados a concluir que este quadro familiar é a causa da sua especial sensibilidade para a compreensão das afinidades entre os dois países, Possivelmente é, mas outras razões, não menos determinantes, poderão coexistir... Penso no meu próprio caso. Como quase toda a gente, no norte, e, nomeadamente, na região do Porto, tenho inúmeras ligações ao Brasil, por onde andaram antepassados diretos, tanto do lado materno como paterno. Contudo, os únicos protagonistas dessas aventuras com quem convivi foram a Avó materna, Maria Aguiar, e os irmãos mais velhos da minha mãe, alguns deles nascidos mesmo no centro histórico do Rio de Janeiro, na Rua 7 de Setembro. A Avó passou pouco mais de uma década nessa cidade, entre 1910 e 1922 - segundo nos contava, os anos mais felizes da sua vida com o marido tão prematuramente perdido, já depois do regresso definitivo a Gondomar. Dos trópicos só trouxe boas recordações, que partilhava connosco em narrativas nostálgicas, sublinhando sempre as belezas naturais do Rio, que descrevia como o paraíso terreal. Na sua "casa de brasileiro", no centro de Gondomar (sem palmeiras, mas com variadas árvores de frutos tropicais) reunia uma sempre crescente descendência em festas animadas, onde a música que se tocava e cantava era brasileira, a gastronomia, em larga medida também (até no Natal!) e o chá preferido era o mate. Nascida e criada nesta casa, com a sua assumida marca brasileira, olhava o Brasil com imensa simpatia, mas como uma realidade fascinante, exótica e, por isso mesmo, definitivamente alheia. 2 - Uma visão em tudo semelhante à que imperou no imaginário popular, através de séculos, e que levou, por sugestão das "estórias" que se ouviam e da convivência com as experiências (e as fortunas...) trazidas no vai-vem das migrações, ao êxodo de populações de regiões inteiras, sobretudo das terras de Entre o Douro e Minho, que o Estado, em vão, tentou travar. Era a diferença - de dimensão, de clima e paisagens, de oportunidades, de futuro - o que mais atraía, irresistivelmente, a nossa gente, intelectuais e analfabetos, pobres e ricos, homens e mulheres. Para os que são apaixonados pelas crónicas das "bandeiras" paulistas ou da expedição amazónica de Pedro Teixeira e da escrita de Guimarães Rosa ou Érico Veríssimo , como eu, ou para simples e ingénuas moças da aldeia, como aquela de que vou falar, a mensagem que fica do grande país da lusofonia tem, afinal, a mesma aura de grandiosidade e de encantamento, a mesma força afetiva... A Avó Maria relatava , com detalhes e muita graça, o episódio que sintetizo em duas palavras. Um verão do início dos anos 30, foi, como era habitual, com os sete filhos para a praia, durante o mês de agosto, e levou, para tomar conta dos meninos, uma jovem empregada, recém chegada do interior. A rapariga não cabia em si de contente, porque ver o mar era o seu maior sonho. Mas, no dia em que tinha, enfim, todo o Atlântico diante de si, era a viva imagem da tristeza e desapontamento. A Avó, espantada perguntou-lhe: "Então, não gostas, das ondas, deste mar tão bonito? E ela respondeu, simplesmente:"Gosto, mas não vejo o Brasil do outro lado". 3 - "O Brasil do outro lado do mar". Ela não estava destinada a contempla-lo, nunca. Eu, sim, tive essa sorte. E uma grande surpresa logo à chegada, no aeroporto do Galeão, que serve o Rio de Janeiro - nada de especial, de facto, é apenas um aeroporto, como tantos. Contudo, mal pus o pé no chão e respirei a primeira golfada do ar quente de um outono tropical (era abril de 1980), senti-me brasileira - antes mesmo de ser saudada, por uma numerosa comitiva de homens, quase todos falando com sotaque carioca (tal com cá, lá é enorme variedade de sotaques)... Foi, pois, mais a terra do que a língua comum, o que logo me "naturalizou"!... Ia em missão oficial, a primeira de muitas, a que obrigava o estar no Governo, à frente do pelouro da emigração. A sensação de estar em casa, de pertencer àquele País era tão forte, que só estranhava as distâncias. Tomar o avíão, em viagens que duravam 5 ou 6 horas, até Manaus ou Belém, idem para aterrar, depois, em Porto Alegre ou S Paulo causou-me, então, nesse périplo pioneiro uma espécie de vertigem de irrealidade. Depois, fui-me habituando. Não sei explicar o ocorrido, assim, tão de repente. E não sou caso único. Uma vez à conversa, por puro acaso, com uma antiga deputada e ilustre jurista, Margarida Salema - a irmã de Helena Roseta - descobri que lhe sucedeu precisamente o mesmo, sob o sol tropical, na mesmíssima terra escaldante do Galeão. Porém, nem todos são assim abençoados... Quantos portugueses habitam anos e anos, ou uma vida inteira no Brasil, gostam da gente, dos costumes, da sociedade, em que são tratados como iguais, e não se sentem tão brasileiros como eu, que sempre lá fui de passagem... Mistérios que o coração tece, com a história, conhecida ou desconhecida, das famílias e dos povos em singular mistura.

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