domingo, 18 de março de 2018

MARIA BARROSO

A maior figura feminina do nosso século XX foi, a meu ver, Maria Barroso.
Tem o seu lugar na história da democracia e do feminismo em Portugal e tem, igualmente, um lugar muito especial no coração do Povo, conquistado, sobretudo, pela forma como as pessoas se sentiram, de facto, representadas por ela como a "primeira" das portuguesas não a" primeira dama"- que só as poderia representar através da legitimidade eletiva de outrém... - mas alguém que viram justamente, como personagem principal, como exemplo de inteligência, de cultura e de cidadania da mulher do seu tempo. Alguém que estava tão à vontade a receber ou a visitar os mais famosos e os mais poderosos, como a relacionar-se fraternalmente com o cidadão comum.
A imagem popular de Maria Barroso construiu-se a partir das origens de um admirável percurso de luta revolucionária, um percurso próprio, bem anterior ao encontro de destinos com Mário Soares, mas foi sedimentada durante "os anos de poder" ao lado do Primeiro Ministro e Presidente da República - anos em que conseguiu, como sempre conseguiu, ser ela mesma, numa afetiva cumplicidade com o marido, que não escondia as naturais diferenças, a sua absoluta singularidade e independência de espírito, numa vida que, por isso, nunca ficou na sombra de um grande homem...
Foi no momento em que se despedia da Drª Maria Barroso, surpreso e comovido, que o País redescobriu - ou descobriu - a inteira dimensão da sua personalidade, o pleno significado de uma longa e variada trajetória, que atravessou épocas e regimes, sempre norteada pela coerência de valores cívicos e humanistas. Uma infinidade de testemunhos, de comentários, de artigos, de reportagens, de entrevistas, acabou por dar uma ideia mais exata da excecionalidade da sua ação durante mais de sete décadas.
Foi a jovem que ousou querer ser atriz, integrou o elenco do Teatro Dona Maria II e fez do seu desempenho ou da declamação de poemas bem escolhidos uma arma de luta pela liberdade. - o que, em ditadura, lhe cortou uma brilhante carreira artística, e, depois, também, a segunda carreira profissional, a docência, Foi a resistente, que suportou a prisão e o exílio, primeiro, do pai, e, em seguida, do marido e soube ser mulher e mãe, corajosamente. Foi a militante socialista, única mulher a falar e a intervir, com a força mobilizadora da palavra nos prncipais palcos da política, antes e após o 25 de Abril, deputada eleita à Assembleia da República, parte ativa no movimento que levou Mário Soares a São Bento e a Belém.
Depois, a sua história retoma um curso a que impõe prioridades próprias, que não passam pela intervenção nas instituições do Estado nem pela atividade partidária .É a primeira mulher a presidir à Cruz Vermelha Portuguesa. Distingue-se à frente de uma exemplar instituição de ensino privado.Torna-se, a nível da sociedade civil, no domínio que escolhe para afirmar os valores humanistas, que gostamos de situar no território comum do socialismo democrático e do fraternalismo cristão, uma individualidade cada vez mais admirada e consensual. A conversão, emotiva e sincera, ao catolicismo, vem naturalmente, reforçar o seu sentido de missão, e acrescentar o número dos seus companheiros de projetos, que, para além de Portugal, encontrou, também internacionalmente, em Roma, na esfera da lusofonia (não esqueçamos, em especial, o seu papel no processo de pacificação em Moçambique), como no universo da Diáspora, que percorreu, presidindo, nas 7 partidas do mundo, aos "Encontros para a Cidadania - a igualdade entre mulheres e homens".(entre 2005 e 2009, uma parceria com o governo e várias ONG’S, para a prossecução das políticas de género e cidadania na emigração, a que, octogenária cheia de vigor e entusiasmo, deu a modernidade do seu pensamento e a força da sua palavra, deixando, como podemos testemunhar todos os que com ela participámos nessa saga, um horizonte de esperança num novo relacionamento, mais próximo, mais afetivo entre as pessoas, as gerações e o País.
Na visão de Maria Barroso, na sua luta pela dignidade de cada ser humano, não havia favoritos - :portugueses, africanos, timorenses, refugiados, imigrantes, velhos, jovens, mulheres, homens... Não foi por acaso que deu à sua Fundação, onde levou a cabo um trabalho notável e multifacetado, a felicíssima denominação de PRO DIGNITATE.
Nesta causa cabem todas as que atualmente constituem desafios maiores no novo milénio - os combates por um mundo sem guerras, sem violênciam,sem perseguições políticas e religiosas, sem a miséria provocada por chocantes desníveis de desenvolvimento, de acesso à educação. à livre a expressão da cidadania, ao diálogo sobre um futuro de tolerância e de paz, a partir de uma diversidade de heranças culturais, que se descobrem e aceitam mutuamente. Maria Barroso era um símbolo vivo destes combates. Era e continuará a ser!
O mais admirável foi, assim, um trabalho incessante, concreto, prático, em todas as áreas em que constantemente a solicitavam. Fez de cada dia, um dia de labor sem fim, a resolver problemas, a ajudar, com ação imediata, com uma palavra de encorajamento, um sorriso, com tempo para todos e para tudo...Os compromissos da sua agenda eram quase sempre excessivos, mas Maria Barroso tinha dificuldade em dizer "não" – parte da sua maneira nigualável de estar com ou outros, de corresponder a pedidos, a gestos de amizade. Estava sempre em movimento, plenamente envolvida no presente, com a sabedoria dos que não envelhecem intelectualmente´. Mantinha o interesse na evolução da sociedade, atenta e interveniente, capaz de agir sempre mais e melhor.
Fez tanto e fez tão bem tudo o que assumia como cumprimento da sua ética e do seu gosto de viver na família, na profissão, nas instituições públicas, no puro voluntariado, desde muito jovem até ao último dia que passou entre nós.!
Maria Barroso será lembrada como uma personalidade vanguardista, também, no novo século, como uma Mulher que nos deixou um legado de cidadania verdadeiramente intemporal.
Maria Manuela Aguiar
Agosto 2015-08-30

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