terça-feira, 6 de julho de 2010

ENTREVISTA TORONTO - Drª HUMBERTA

1 - A Associação Mulher Migrante tem tido um papel importante na abordagem das questões do género e do fenómeno das migrações. Em termos práticos como avalia o papel da mesma?
Para quem não conhece a “Associação Mulher Migrante” diria duas palavras sobre a sua instituição, em 1994 : com ela se pretendia dar continuidade ao primeiro Encontro Mundial de Mulheres Migrantes no Associativismo e no Jornalismo, que se realizou em Junho de 1985, pela mão do governo português, cumprindo uma recomendação de Maria Alice Ribeiro, feita através do Conselho das Comunidades em finais de 84 (Maria Alice Ribeiro, a inesquecível jornalista de Toronto e Conselheira das Comunidades!).
Uma das propostas do Encontro (que foi, graças a qualidade e ao entusiasmo dessas mulheres de elite que nele participaram, um sucesso, para alem de ser um evento pioneiro a nível nacional e europeu), pretendia que fosse criada uma organização transnacional capaz de continuar o trabalho encetado de motivar crescentemente as mulheres para a vida comunitária, promovendo reuniões e congressos periódicos.
Eis o que se propunha fazer a Associação, considerando-se herdeira desse projecto e agregando um núcleo de mulheres e homens interessados na problemática das migrações femininas - tanto nos aspectos teórico, de estudo, de conhecimento da realidade, tal como nos aspectos práticos, de acção concreta.
Fazendo um breve balanço destes 16 anos de vida, eu diria que a Associação, enquanto rede de organizações internacionais, tem tido dificuldade de expansão, e de assegurar um funcionamento regular a esse nível, continuando aquém do que desejaríamos que fosse.
Pelo contrário, dentro do pais excedeu as expectativas, tornando-se um verdadeiro parceiro dos departamentos governamentais para a igualdade e para a Emigracao, ao longo destes anos, de uma forma constante e eficaz. Tem contribuído, assim, decisivamente, para a emergência de uma componente de género nas politicas de emigração, que, antes e depois do 25 de Abril, quase não existia ( a menos que, antes de 74, se considerasse como tal as proibições ou limitações acrescidas que as mulheres sentiam para sair do pais...).
Foi sobretudo através do que alguns chamam “congressismo” – dialogo e reflexão em congressos, seminarios, colóquios, reuniões conjuntas entre ONG’s e governo – que se avançou neste domínio, desde o grande encontro de 85.
A Mulher Migrante foi organizadora do segundo Encontro Mundial de Mulheres Migrantes em 95, responsável por muitas iniciativas num circulo mais restrito de especialistas no pais e no estrangeiro, e, mais recentemente, pelos “Encontros para a Cidadania”, que, entre 2005-2009, se levaram a efeito em quatro continentes do mundo para apelar a intervenção civica e politica das mulheres, contando com o patrocínio e a presença de membros do Governo - os Secretários de Estado Jorge Lacão e Antonio Braga.


2- Sabemos que se deve a mulher imigrante o transporte de muitas das tradições e tem sido elas a base invisível do sucesso de muitas das empresas que em diversos ramos da economia estabeleceram o nome de Portugal no estrangeiro: da restauração, limpeza, importação de produtos ligados a gastronomia tradicional, agências de viagens, instituições culturais, imobiliária, creches privadas entre muitos outros. Todavia este poder não tem equivalência em termos de visibilidade ou de poder de decisão. Porque do seu ponto de vista?


Concordo em absoluto com as afirmações sobre a importância do papel das mulheres na vida das comunidades do estrangeiro. Sem elas nem sequer haveria verdadeiras comunidades de língua e cultura portuguesa, pois foi decisiva a entrada das família inteiras nos clubes, mulheres, jovens, para alem dos homens que tradicionalmente os encabeçam, para lhes dar a sua vertente cultural – o ensino da língua, a musica, a dança, o teatro, as festas tradicionais, a gastronomia.
Mas as mulheres, no passado, (no presente as coisas estão a deixar de ser assim...) reproduziam nestes espaços colectivos, o seu papel tradicional no interior da família, aceitando um lugar apagado, ainda que relevante, o que as tornava praticamente invisíveis.
Só se pode sair desta situação por determinação das próprias mulheres e de todos os que compreendem que esse apagamento das suas potencialidades não aproveita a ninguém. As comunidades precisam, cada vez mais, da activa intervenção, do entusiasmo de mulheres, das jovens. Há que lhes dar autoconfiança e orgulho de serem o rosto feminino da comunidade, em instituições mais fortes e equilibradas, do ponto de vista de género e de geração. Em alguns pontos do mundo a sobrevivência das comunidades ja depende dessa sua atitude inovadora!



3 O debate da mulher imigrante nos Órgãos de Comunicação Social tarda. Os problemas são inúmeros. Este e sem duvida um encontro de toda a utilidade. O que espera ele possa trazer para melhorar a situação da mulher repórter na diáspora?

– Sim, tarda e, por achar que sim e que resolvemos apresentar ao SECP Antonio Braga este projecto de organizar em colaboração com os consulados de Portugal de cada área, com meios de comunicação e associações das comunidades e com universidades locais, seminarios sobre “a Acção e representação das mulheres nos media e nos multimédia”.
Com estas iniciativas, queremos, antes de mais, chamar a atenção para o desfasamento entre as contribuições da mulher para a comunidade e para o pais e a sua imagem nos media, quer nacionais, quer também, em gradações diferentes, nos das comunidades da diáspora. Dizia Elina Guimarães que a mulher estava ausente da história porque a sua parte nela não era contada. O mesmo se pode, em certa medida dizer da história do quotidiano, que se regista nos media: lemos as noticias do jornal, assistimos ao telejornal e não ficamos a conhecer o que faz a metade feminina nas artes, na politica, no desporto, na universidade... A proporção de noticias, de reportagens de fotografias sobre os feitos de homens e mulheres e espantosamente desequilibrada, indo alem do próprio desequilíbrio que persiste em certos domínios da vida societal e politica, em desfavor do sexo feminino.
Acho que este fenómeno se pode combater de varias formas, começando por estudos sobre o conteúdo e a iconografia dos media e a sua divulgação e discussão publica – uma legitima e elegante forma de pressão. E, bem assim, por acções concretas, por uma exigência maior das próprias mulheres em ganharem o seu espaço, escrevendo artigos de opinião, utilizando os novos meios tecnológicos - mais acessíveis a todos - lançando campanhas na Net, em blogues, contando as suas experiencias de vida, fazendo carreira nos media, pela qualidade da formação e pela vontade de intervir. Fazer pedagogia, estimular a leitura dos media, com uma maior sensibilidade para os estereotipo sexistas, para a ausência de atenção aos problemas e as realizações das mulheres, na sociedade de hoje. Das mulheres em geral e das mulheres migrantes em particular (eu acrescentaria, no que respeita aos media nacionais, de mulheres e de homens migrantes, porque a nossa emigracao e diáspora anda muito esquecida da Opiniao publica ...).



4 - Falta de formação profissional contínua, a inexistência de uma ligação laboral/sindical que garanta justiça salarial e contratual, acesso aos lugares de decisão nas redacções, um sistema de apoio, informação e uma regulamentação que reconheça o seu trabalho a par dos colegas portugueses para fins de segurança social é algumas das questões levantadas por muitas jornalistas nas comunidades.
Que reposta pode ser dada por parte das entidades portuguesas?

- A resposta a essa questões justas e pertinentes, em termos de medidas concretas, não esta ao alcance de uma ONG com a Mulher Migrante, mas cabe perfeitamente no ambito dos nossos objectivos de estudo e de proposta de soluções, nomeadamente após debates públicos, em colóquios ou reuniões de trabalho, metodologia que, como referi, temos privilegiado.
Assim, num próximo seminário poderíamos dedicar-lhe um espaço adequado. Se houver interesse na nossa colaboração para o fazermos em Toronto ou em Lisboa, em Espinho, num futuro próximo, desde já manifesto toda a disponibilidade.
Poderíamos chamar a essas reuniões as autoridades competentes e ouvir da sua boca a reacção – positiva, esperemos, embora nem tudo possa, eventualmente, ser resolvido do mesmo passo... Pela minha parte, entendo que, como regra geral, devemos olhar solidariamente os portugueses do estrangeiro, como nacionais com os mesmos direitos face ao Estado. No domínio do jornalismo há que saber encontrar a formula concreta para aplicar o principio geral. Em diálogo, naturalmente!


5 - Sem dúvida que a entrada da mulher na tomada de poder nos OCS tem trazido consigo mais justiça e uma imagem mais real dos assuntos abordar pelos media. O que acha pode ser feito junto dos empresários e direcções redactoriais para que haja mais pluralidade e justiça nas redacções comunitárias? Sem dúvida que a entrada da mulher na tomada de poder nos OCS tem trazido consigo mais justiça e uma imagem mais real dos assuntos abordar pelos media. O que acha pode ser feito junto dos empresários e direcções redactoriais para que haja mais pluralidade e justiça nas redacções comunitárias.



Como em todas as profissões e domínios da vida social uma intervenção maior das mulheres, enquanto metade da humanidade tradicionalmente discriminada, assim com a intervenção de grupos minoritários, de estrangeiros representa um enorme enriquecimento, para alem de ser um acto de justiça.
Em Portugal, como e sabido, as jovens são, por puro mérito das classificações, hoje, uma maioria nas universidades e começam a ser maioritárias em muitas profissões que lhes estavam vedadas pela lei , como a magistratura ou a diplomacia, ou pelos usos, como o jornalismo. Mas a sua presença, em massa, nos media portugueses, hoje em dia, contribuindo para a qualidade do jornalismo que temos, com já contribui, não significa por si so uma mudança na forma de representar as mulheres nos media. Para isso seria necessário que elas próprias estivessem conscientes do problema existente (umas estarão, outras não...) e que tivessem acesso aos centros de decisão, de forma igualitária. Estamos longe disso... Uma razão mais para não parar o trabalho, que, na medida das nossas modestas possibilidades, estamos determinadas a continuar: porque não, por exemplo, novas acções de sensibilização desses aliados preciosos que são os directores e empresários dos media.




5 - A terminar questões da língua.
As questões salariais e laborais não atraiam jovens para os OCS. A par disso há o problema da língua Portuguesa. Muitos dos que escrevem para os jornais em português, por questões de idade e outras, acabarão por abandonar o que para muitos não passa de hobbies. Como chamar jovens profissionais interessados/as pela profissão ou pela língua para garantir o futuro da nossa média.


– Na agenda da Mulher Migrante para a promoção da participação feminina, os media tem um lugar central, a par do associativismo, porque são os pilares em que se fundam as comunidades, os meios através dos quais se afirmam e se dão a conhecer. Por isso e tão importante que as portuguesas neles estejam presentes e deles se sirvam para potenciar meios de valorização e de transmissão da língua, dos projectos, das aspirações. Estamos conscientes da importância de lutar pela língua, através da “media”, de a engrandecer literariamente e como veiculo de formação e informação. Acho que seria possível por em pratica um sistema de intercâmbios com estudantes dos cursos de jornalismo existentes nas universidades portuguesas, ou dar bolsas de estudo para sua frequência, ou facilitar, em larga escala, estágios nos meios de comunicação “de referencia”. Independentemente do problema do estatuto salarial e laboral, sem negar a sua importância num jornalismo de qualidade, que possa atrair os melhores (o que tem muito a ver com outra questão impossível de abordar em poucas palavras - a capacidade empresarial dos próprios meios de comunicação e a receptividade e apoios que encontram nos meios associativos e empresariais de cada comunidade), creio que também e preciso motivar os jovens para a aprendizagem da língua e para a admirável “aventura” de fazer com essa bela língua, ainda que sem as condições materiais mais aliciantes, jornalismo de causas, de ” intervenção” – intervenção em prol da cultura, da democracia, da igualdade, das tradições portuguesas, e também da historia, que o grande jornalismo pode e deve traçar em cada época, em cada comunidade. Eu sei que há nas nossas comunidades profissionais tão bons ou melhores do que os melhores que estão no pais. Preciso e que os jovens, de ambos os sexos, sejam apoiados, nas suas comunidades e, também através de programas governamentais, como os que referi, e outros, para que aceitem o grande desafio do jornalismo em português

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