sábado, 3 de agosto de 2024

Maria Manuela Aguiar terça, 30/07, 17:00 (há 4 dias) para REDAÇÃO, Bcc:mim EFEMÉRIDES 2024 - NO CINQUENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO, O CENTENÁRIO DE SOARES E OS 90 ANOS DE SÁ CARNEIRO 1 - Francisco Sá Carneiro nasceu no Porto, em 1934. Teria completado 90 anos no passado dia 19 de julho. Era dez anos mais novo do que Mário Soares, cujo centenário será celebrado, a partir do próximo dia 7 de dezembro. Sá Carneiro e Mário Soares, os fundadores dos maiores partidos da democracia nascente! Cinco décadas depois, PSD e PS, ainda repartem o centro político, moderado e reformista, com o voto largamente maioritário dos portugueses. Pelo contrário, à sua esquerda e direita, PCP e CDS iam minguando, enfraquecidos pela concorrência eficiente de formações que foram apareceram (e, algumas, desaparecendo), nas margens do “centrão”. Foi, pois, num contexto de maior equilíbrio de forças que os quatro principais partidos portugueses fizeram história por caminhos abertos pela Revolução, com lideranças de tal modo carismáticas e mobilizadoras, que não poderemos compreender inteiramente as metamorfoses da sociedade e da política portuguesa de então, sem refletir o seu pensamento e a sua ação.... 2 - A dia 25 de Abril de 1974, Sá Carneiro estava prestes a completar quarenta anos, Soares ia a caminho dos cinquenta, Álvaro Cunhal era já era sexagenário e Freitas do Amaral ainda não tinha feito trinta e três anos. Este curioso escalonamento de idades é, porém, menos relevante do que outras diferenças, de origem familiar e regional, de perfil, de ideologia e visão estratégica, de empatia com um povo ansioso pela mudança. Diferenças, mas também semelhanças - e não penso na formação académica (eram todos juristas da Universidade de Lisboa), mas na marca das suas qualidades pessoais e políticas na refundação de um regime. Todos eles homens com sentido de missão, norteados por valores, por muito contraditórios que fossem (e eram) as suas mundivisões. 3 – Nas inesquecíveis comemorações do cinquentenário de Abril/74, o foco não esteve nestas quatro personalidades, isto é, na componente civilista da Revolução, mas acho que deveria estar no período restante de programação, até ao seu fecho simbólico em 1976, (no cinquentenário da Constituição da República Portuguesa). Isso não significa desvalorizar a cota parte dos militares, mas antes abranger, num olhar envolvente, as duas metades do todo. Suponho que a Comissão das Comemorações, constituída, com pompa e circunstância, para oficiar o ritual festivo não o fará - e, de qualquer modo, o que quer quer que faça não se nota muito - e os poderes públicos provavelmente também não. Ponho a minha esperança no dinamismo da "sociedade civil", em ONG e em “fora” de debates, quer tenham, ou não, afinidades com formações partidárias. O momento é asado, com a confluência das três efemérides, que dão título a esta crónica. 4 - No caso do Dr. Soares, mais do que esperança, há certezas. A preparação das comemorações do seu centenário está em curso, por iniciativa da Fundação com seu nome (e, agora, também, o de sua Mulher) e que assinalará, entre dezembro de 2024 e 2025, um século na vida do País e do Homem, que esteve na resistência a uma ditadura de quase cinquenta anos, e na construção da democracia, que se estendeu pelos outros cinquenta. A “Fundação Mário Soares e Maria Barroso” vem desempenhando um papel exemplar na preservação de um precioso arquivo (o do fundador e não só), e no debate de ideias – no quadrante político que era o dele, fiel ao seu espírito de abertura ao exterior, ao meio académico, ao mundo da lusofonia. Um paradigma difícil de seguir... 5 – Sá Carneiro, nos 90 anos do nascimento de Sá Carneiro, merece, obviamente, igual reconhecimento pelo muito que lhe cabe na arquitetura da nossa democracia, igual preocupação na preservação do seu legado. Do Instituto Francisco Sá Carneiro (o antigo "Instituto Progresso Social e Democracia", rebatizado após a sua morte), se esperaria motivação bastante para o homenagear nesta data, já que na sua folha de apresentação destaca a “aposta” na "valorização da memória do político singular que nos deu o nome". Muito estranha é, por isso, esta omissão. Invocar o seu nome na Universidade de verão e similares, ou dar à estampa, de vinte em vinte anos, edições de curtos depoimentos sobre a sua pessoa e percurso político (em 2000, uma coletânea intitulada "Francisco Sá Carneiro - um olhar próximo", em 2020, com a chancela da JSD, uma segunda coletânea "40 anos, 40 testemunhos sobre Sá Carneiro") e reedições de escritos pouco cuidadas ou acrescentadas, não me parece esforço bastante... 6 - Nada contra as coletâneas, são textos interessantes de ler e reler, mas não substituem a investigação científica aprofundada, a edição de ensaios críticos, o debate académico, em que se deveria alicerçar a divulgação da sua mensagem. E que dizer do tratamento dos arquivos de Sá Carneiro, da recolha de arquivos de velhos militantes, que, por incúria, se vão perdendo? (nem todos, sei que alguns dos mais importantes foram oferecidos, não ao Instituto, mas à "Ephemera", e é fácil perceber o porquê da preferência...). 7 – Contudo, apesar da inércia das estruturas partidárias, Sá Carneiro teve na sua cidade, na noite de 19 de julho passado, o merecido tributo, por iniciativa de um grupo de militantes portuenses do PSD, reunidos no fórum "Porto Laranja". O fórum organizou um jantar - conferência, com José Pacheco Pereira como orador e com mais de uma centena de participantes (tantos quantos o restaurante comportava). O conferencista começou a sua brilhante intervenção pela mostra de documentos inéditos sobre Sá Carneiro e sobre o PPD nos dias agitados da Revolução, mobilizou ânimos, dialogou com os presentes até muito depois da meia-noite. Só espero que haja mais diálogo com quem possa, assim, esclarecer-nos e entusiasmar-nos. Num país que, cronicamente, descura o seu património acervos, a todos os níveis, e em todos os domínios, Pacheco Pereira, com a sua já famosa "Biblioteca e Arquivos Ephemera", está convertido num verdadeiro "herói da resistência" à indiferença que, em linha reta, leva à destruição de documentos, registos de factos, memórias, a que não escapam algumas das mais altas figuras da Pátria... 8 - Uma das surpreendentes revelações de Pacheco Pereira foi a existência de muitas e sucessivas emendas dos textos de Sá Carneiro, (feitas por sua própria mão), que não têm sido respeitadas, nomeadamente, nas recentes reedições dos "Escritos". E mais ainda: a existência de inúmeros textos inéditos, que permanecem fechados nas gavetas e deveriam ser publicados.. Passo importante para aproximar as novas gerações de um Sá Carneiro, demasiadamente ignorado, apesar de tão citado (geralmente de uma forma sintética ou ligeira), e de tão elogiado, (a traços largos e, tantas vezes, com ambiguidade, por antigos opositores, de fora e, sobretudo, de dentro do partido). Um retrato de luzes e de sombras, delineado em algumas das suas mais ambiciosas biografias, na pena dos autores que me parece ser guiada mais por testemunhos hostis do que positivos. É o caso da obra de Miguel Pinheiro, anunciada como fruto de "cinco anos de trabalho exaustivo", abrangendo 76 entrevistas a familiares, companheiros e adversários. Muito esforço, sem dúvida, prejudicado pela falta de equilíbrio na avaliação ou dosagem de testemunhos, (muitos mais contra do que a favor)… 9 - Assim pensa quem sempre foi "Sacarneirista". Um dia darei sobre ele o meu subjetivo testemunho. Aqui e agora, direi apenas que acompanhei o seu percurso, desde a "ala liberal" ao dia 4 de dezembro de 1980, de longe, como cidadã atenta aos seus escritos e intervenções. E, quando o conheci, de perto, num ano incompleto, como membro do seu Governo, confirmei as sintonias, em toda a sua extensão! Em Sá Carneiro, apreciava as qualidades, e, acima de tudo, dos defeitos que lhe apontavam, um dos quais era ter razão "antes do tempo". Por exemplo, ter razão quando, já em 1974, confiava, em absoluto, na capacidade dos portugueses para viverem a democracia plena, sem paternalismos nem tutelas militares. Portugal foi sempre a sua aposta de alto risco!
Cara Amiga Ainda terei tempo para rever - é raro os meus textos não terem gralhas. Mas envio, desde já, porque não sei se está demasiado extenso ou curto demais... Encontrei uma foto, que já tenho usado algumas vezes. Estará bem? Um abraço Manuela O que distingue Espinho das outras terras? Espinho nasceu, enraizou-se, evoluiu, fazendo história com uma mescla de extraordinárias particularidades, num todo singular. Uma pequena comunidade piscatória conviveu, desde o início, com a indústria conserveira e o turismo balnear vanguardista, no mágico enclave entre Gaia e a Feira, onde crescia em finais de oitocentos, a moderníssima urbe de traçado geométrico. Uma originalidade face aos cânones tradicionais de um país antiquíssimo! A sua vertiginosa ascensão à fama nacional e internacional muito deve, por um lado, ao comboio, que a tornou acessível a visitantes do interior de Portugal e Espanha, e, por outro, à visão de ilustres fundadores, que souberam pragmaticamente realizar a "utopia" de rivalizar com as maiores estâncias de veraneio da Europa. Espinho tornara-se uma verdadeira cidade cosmopolita, muito antes de ser reconhecida como tal, pelo que oferecia a residentes e a forasteiros: mar de grandes vagas e praias de barracas coloridas, cafés, esplanadas e avenidas, comércio florescente, hotelaria, recintos desportivos, a maior piscina da península, casinos, casas de espetáculos, concertos, cinema, teatro... o ambiente cosmopolita do seu dia e da sua noite, a sua vivência internacional! A minha memória de Espinho (nestes 50 anos)? Nas minhas memórias deste último meio século, já não havia o Café Chinês, nem a presença alegre e trepidante de “nuestros hermanos”. E, depois, deixou de haver o vaivém da Avenida, entre palmeiras gigantes e as esplanadas de vários cafés, o magnífico Cine Teatro São Pedro, o bonito cinema do Casino, (de cujas varandas, nos intervalos do filme, olhávamos o oceano) e o comboio a cruzar a cidade e a mostrá-la, ao vivo, aos viajantes, um incomparável cartaz turístico. A proximidade de toda a cidade com o mar perdeu-se, exceto nas centenas de metros de enterramento da linha férrea, e também um Hospital próprio, de reconhecida qualidade, em múltiplas valências. Com tudo isso, que se chamou Progresso - com consequências boas e algumas menos boas - a terra mantém intacta a identidade e o encanto! Somos, o que é cada vez mais raro, em simultâneo, cidade e comunidade: - Somos cidade de dimensão perfeita, onde podemos passear a pé, pelo centro, encontrando amigos, e tudo o que precisamos, num comércio local, que é costume comparar a um “centro comercial ao ar livre”, e onde, à distância de poucos minutos, temos a Biblioteca, o jardim, o Centro Multimeios, a Câmara, os CTT, farmácias, consultórios médicos, bancos, restaurantes e cafés, o mar, a estação de comboio. Um pouco mais a sul, o grandioso Fórum de Arte e Cultura de Espinho, com as elegantes galerias de Arte e o Museu, situado a uns escassos 15 minutos, a pé, da Rua 19, neste contexto já é por muitos considerado relativamente distante… - Somos comunidade autêntica, feita tanto de reencontros quotidianos de amigos, de tertúlias de café, como das realizações coletivas de um poderoso associativismo, que anima a vida cultural de Espinho e lhe dá projeção (nas Artes, música, dança, cinema, com acento nos aspetos da formação, e visibilidade em concertos e festivais), o mesmo acontecendo no campo social e desportivo, com muitas agremiações, clubes e jovens campeões. Os “media”, a imprensa, o ensino, a Escola Profissional, os Liceus (como ainda gosto de os designar…), a Universidade Sénior, as instituições de solidariedade e de beneficência são outras tantas manifestações de cidadania, com que a sua gente individualiza e engrandece a terra. As cidades deviam ser todas assim. Viver aqui é um privilégio! Como vê Espinho nos próximos 50 anos? Espinho, pela dimensão humana e pela coesão comunitária, é, a meu ver, um paradigma da cidade de amanhã a preservar face à vertigem de progresso que aí vem. Autoridades e sociedade civil souberam, em tempo matricial, pensar um projeto de futuro, ajustado às características do lugar, e dar-lhe corpo e alma. Em tempo de prodigiosos avanços tecnológicos, é preciso reconfigurar o legado, com um novo "élan" de criatividade. Sem fazer futurologia, direi que gostaria que Espinho se tornasse uma sociedade mais igualitária, mais aberta à participação das mulheres, mais intergeracional. Há que fixar os jovens com melhores oportunidades profissionais e atividades lúdicas. E, num país demograficamente tão envelhecido, há que apostar no turismo, hotelaria e residências seniores, (para portugueses, para estrangeiros) - aposta estratégica numa cidade/praia, geométrica, quase plana, tão agradável e naturalmente convivial. Esta comemoração simbólica do cinquentenário de Espinho/ cidade acontece num momento em que à frente dos destinos da Câmara Municipal está, pela primeira vez, um Executivo de maioria feminina e presidido por uma Mulher. É mais um motivo para acreditar que os próximos 50 anos começam bem! Qual a sua memória do Dia da Elevação a Cidade? Por coincidência, passeava com a minha mãe, na altura em que o cortejo oficial, encabeçado pelo Presidente do Conselho Marcelo Caetano, atravessava a Rua 19, com a sua comitiva de notáveis, e acompanhado por multidão festiva. Guardo imagens de uma espécie de “procissão laica”, sem andores, e com ostensiva predominância de homens de chapéu e fato escuro. Fiquei encostada a uma montra, a vê-los passar, e perdi de vista a mãe, que se foi juntar ao desfile. Mais tarde, presenciei novo ocasional encontro, quando o ditador seguia no seu carro preto, pela marginal, em marcha lenta, acenando ao povo. Minha mãe, com uma das sobrinhas ao colo, rompeu a barreira de populares, aproximou a menina da janela do automóvel e um sorridente Prof. Marcelo deu-lhe o beijinho da praxe,

quinta-feira, 2 de maio de 2024

MARIA ARCHER – UMA LEITURA FEMINISTA 1 –Maria Archer, nascida no último ano do século XIX, era ainda criança, quando o movimento feminista e republicano dava os primeiros passos, e uma jovem, ausente nas terras do império, quando o seu ímpeto esmorecia, e o cerco da ditadura apressava a sua desagregação. Contudo, estava destinada a continuar, solitária e audaciosamente, esse legado de luta contra o obscurantismo, que condenava a metade feminina à incultura, ao enclausuramento doméstico, à subserviência. Ela própria cumpriu a utopia feminista da “libertação da mulher” pela Cultura e pela autonomia económica, ao fazer da escrita profissão e instrumento de denúncia da situação das suas contemporâneas numa sociedade anacrónica, desumanizada, misógina. Feminista assumida e praticante, ousou romper com o conservadorismo da família aristocrática, por fim a um casamento infeliz, e viver, sobre si, do jornalismo e das Letras - mulher livre num país sem liberdade! Em Portugal, como na Suécia, a atividade literária e jornalística foi um meio privilegiado de combate contra os preconceitos e desigualdades de sexo. Entre nós, teve a pré-história em oitocentos, a fulgurante afirmação coletiva na 1ª República, e um inesperado apogeu com Maria Archer durante o salazarismo. Ninguém melhor do que ela soube recriar, de uma forma realista, crua e eficaz, a atmosfera social e política que moldava o mundo segregado das mulheres. Como dizia Artur Portela, "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante”. Ninguém melhor do que ela escrutinou e denunciou a violência velada dos brandos costumes da sociedade portuguesa, do relacionamento de sexo ou de classe, homens e mulheres imersos na nebulosa de estereótipos, dogmas e falso moralismo, de prepotência e submissão... Ninguém melhor do que ela desconstruiu a imagem da "fada do lar", laboriosamente erguida sobre a falácia da harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia do regime corporativo), e dos apregoados bons costumes, assentes no autoritarismo e subjugação ao "pater familias" no pequeno universo caseiro, e ao ditador no círculo alargado do País. O rigor e a qualidade literária destes retratos de mulheres (e da sua circunstância), a densidade humana das personagens, potenciavam a força subversiva dos romances e contos de Maria Archer, e desencadearam o furor censório do regime…De todas as mulheres resistentes que a ditadura perseguiu, nenhuma pagou um preço tão alto como esta Maria, verdadeira precursora das “três Marias” da década de setenta. É Maria Teresa Horta quem no-lo diz, em 2001, no prefácio da reedição de “Ela é apenas Mulher”: “Com Maria Archer, a tática foi diferente: Apagaram-.na […] arrancaram o seu nome, pura e simplesmente, da História da Literatura Contemporânea Portuguesa”. Acusação de misoginia, que visando o regime, não deixa de abranger todos quantos não perdoavam à romancista o ter ultrapassado os limites que a própria História Literária, dominada por homens, reservava às mulheres escritoras… Maria Archer foi forçada a partir para um longo exílio em São Paulo, de onde retornaria, envelhecida e doente, para morrer, em Lisboa, no esquecimento geral, sem, todavia, ter perdido a esperança na “justiça do tempo”. Esse tempo chegou! E a justiça fez-se, primeiramente, pela via de uma leitura feminista da sua obra, que em nada prejudicou a descoberta da pura qualidade literária da sua escrita, aberta a uma pluralidade de abordagens. No ano do seu 125º aniversário, a segunda vida de Maria Archer desabrocha em comemorações que se cruzam com as do cinquentenário da revolução de Abril. Ela emerge, agora, como figura ímpar para contar a história de um passado opressivo, pautado por regras viciadas de jogo social e político – jogo que ela desvendou e se recusou a jogar. Dessa época nos dá, nas palavras de Maria Teresa Horta, “o único retrato autêntico, de corpo inteiro”, e, na nossa, ressurge como mulher de todos os tempos. De facto, escreveu história do feminismo com a própria vida: o seu exemplo vale para sempre e a história é interminável. Manuela Aguiar in JORNAL DE LETRAS, 27 de dezembro de 2023

quinta-feira, 18 de abril de 2024

D.António Costa 1º Mº. 1878

As mulheres no nosso código, nas nossas leis e nas nossas leis cristãs, mais se parecem com a mulher romana de há 2.000 anos

terça-feira, 26 de março de 2024

VAMOS FALAR DOS VOTOS DA EMIGRAÇÃO

VAMOS FALAR DOS VOTOS DA EMIGRAÇÃO 1 - Esta ano falou-se muito dos votos da emigração, quer nos "media" generalistas, pouco preocupados em aprofundar a matéria, quer pela voz dos mais distintos comentaristas, de quem se pode dizer mais ou menos o mesmo. Só foi tema porque os escassos quatro deputados da emigração podiam decidir a contagem final, e porque o Chega ganhou dois deputados, um deles no lugar de Santos Silva. Na verdade, o Presidente da Assembleia fora derrotado no interior do PS, pelos seus correligionários, que não lhe perdoaram ter apoiado José Luís Carneiro, abandonando-o à sua sorte num círculo demasiado ingrato. Na presente conjuntura, qualquer outro socialista sofreria o mesmo destino. É um erro (comum e repetido) desvalorizar a conjuntura na análise das tendências de voto na emigração, como se não acompanhassem as tendências que se desenham no país. Admito que haja, aqui e ali, fatores internos que influenciam escolhas, mas as diferenças, de comunidade para comunidade, dentro e fora da Europa, são comparáveis às que existem de região para região, no continente e nas ilhas atlânticas. Vejamos o historial de votações, nos círculos da Europa e de Fora da Europa, no último meio século. Na Europa, a regra foi a divisão de deputados entre PS e PSD, com o PS a contabilizar o maior número de vitórias. Contudo, as maiorias de Cavaco e Silva, no país, repercutiram, de imediato, nas comunidades, deixando, ao menos uma vez, o PSD a escassos votos de ganhar os dois deputados. E a última grande maioria (de António Costa) deu, efetivamente, ao PS o pleno de deputados. Era, por isso, expectável a enorme quebra da votação no PS e o substancial aumento do Chega, a prejudicar a recuperação do PSD, mas surpreendeu o seu 1º lugar na Suíça e no Luxemburgo. O que distingue a emigração nestes dois países? Essencialmente, o muito menor grau de integração na sociedade local, revelado pela intenção de regresso, pelo envio de remessas (proporcionalmente muito superior ao da França), pela maior sensibilidade ao abandono pelas autoridades nacionais. A retirada de direitos adquiridos pelo Governo Costa, nomeadamente, no setor da Saúde, (restrições impostas no acesso ao SNS...) teve um efeito tremendo! Tal como no Algarve, a votação maciça na extrema-direita, foi uma forma de protesto! Fora da Europa, à semelhança da Madeira, e de certas zonas do norte e centro do continente, o PSD venceu sempre - e agora, também. De início, repartia os deputados com o CDS, destinatário dos votos da direita. Com o declínio deste partido, esse voto passou, como “mal menor” para o PSD, e acaba de “descobrir” o Chega, (aliás, numa lista encabeçada por um ex-PSD de São Paulo…). O PS tinha fraquíssima adesão, correspondente a franjas ideológicas de esquerda. No Governo, contudo, surgiu com uma face de moderação e pragmatismo e foi crescendo, graças a Secretários de Estado das Comunidades, mais pró-emigrantes do que o próprio partido (penso em José Lello, em José Luís Carneiro). Pela primeira vez, em fins do século XX, e, por duas vezes, recentemente, conquistou um deputado neste círculo, (no 2º lugar, onde, dantes, ficava o CDS). 2 - Em 2024, o PSD ganhou o Círculo Fora da Europa, tendo por cabeça de lista, um antigo Secretário de Estado de boa memória, José Cesário. Conseguiu resultados esmagadores em Macau e em Israel, e amplas vitórias nos EUA, no Canadá e em toda a África. No Brasil, porém, só ganhou em São Paulo… Em certa medida, esta perda para o Chega é culpa do PSD, que promoveu Ventura na famigerada candidatura à Câmara de Loures, tal como o novel Deputado daquele partido no círculo de Emigração. Um acalentado por Passos Coelho, outro por Rui Rio, (como nº 2 da lista anteriormente encabeçada por Maló de Abreu). Digamos que das últimas lideranças do PSD só se salva Montenegro, com o seu já histórico "não é não" à extrema-direita... A nata dos comentaristas políticos não destaca esta evidência, prefere fantasiosas explicações da adesão dos nossos emigrantes a cultos evangélicos, que sustentam o bolsonarismo. Que ideia! Muitos portugueses pertencem, por razões ideológicas, às hostes de Bolsonaro, não por causa do sustentáculo evangélico, mas apesar dele... Constituem, certamente, a mais católica, apostólica e romana ala desse movimento extremista. E são, fundamentalmente, anti- Lula!. Por isso, o vergonhoso ataque do Chega ao Presidente Lula da Silva na Assembleia, em 2023, transformou-se, no seu mais eficaz ato de campanha eleitoral, em 2024. O vídeo da pavorosa cena parlamentar passou, constantemente, nos meios de comunicação e propaganda, que os bolsonaristas puseram ao serviço do partido irmão. E, se houve coisa prejudicial a Santos Silva, na campanha que "virou brasileira", foi o seu (louvável) papel nesse incidente de dimensão internacional. Nos EUA, ao contrário do que alguns temiam, o "trumpismo" pouco pesou no voto emigrante, porque os portugueses separaram as águas, e não "americanizaram" o sufrágio. 3 - Somos um país de emigração tradicional, que teima em abordar este fenómeno de modo ligeiro e estereotipado. Poucos foram os comentaristas que denunciaram outros aspetos do processo eleitoral, designadamente a chocante sub-representação parlamentar dos emigrantes. Marques Mendes foi exceção ao salientar que, nas comunidades do estrangeiro, 334.000 votos elegeram quatro deputados, enquanto, por exemplo, em Leiria 274.000 têm direito a dez, e em Coimbra, 242.000 a nove.... O problema vem de trás, e agravou-se, desde que o recenseamento foi, (e bem!), alargado a cerca de um milhão e meio de expatriados, os que têm cartão de cidadão atualizado. Foi um passo na direção certa, mas a exigir outros ajustes. Com caráter urgente, destacarei três: - O aumento do número de deputados da emigração - A eliminação, no voto postal, da exigência de junção da fotocópia do BI ou do CC, em envelope separado. Em alguns países, mais da metade, e, no conjunto, cerca de 40% dos votos expressos foram anulados por incumprimento deste prescindível requisito. É inaceitável! - A facilitação do voto, conjugando as diferentes modalidades possíveis, voto presencial, por correspondência e eletrónico (solução que eu já defendia enquanto deputada, há mais de duas décadas...). . Os últimos dois anos foram, neste domínio, anos completamente perdidos, por inércia de um Governo largamente maioritário. Esperamos que o futuro Governo, apesar da sua escassa maioria, se empenhe em alcançar os consensos para soluções, que são uma exigência democrática. Obstaculizar estas reformas equivale a retirar, na prática, o direito de voto reconhecido, na letra da lei, aos portugueses de estrangeiro. Equivale a manter o seu tratamento desigual, a sua "capitis diminutio", uma cidadania de segunda, cinquenta anos depois do 25 de Abril de 1974..

sexta-feira, 1 de março de 2024

MARIA LAMAS

Maria Lamas é uma mulher verdadeiramente intemporal, que tem um lugar ímpar na história portuguesa do jornalismo e das Letras, da luta contra a violência de uma longa Ditadura e do movimento feminista do século XX. Protagonista maior, em todos estes campos, sujeito de um destino heróico num tempo concreto, que lhe exigiu vencer mil obstáculos, preconceitos e perseguições, que a levou, muitas vezes à prisão e, por fim, a um exílio de muitos anos. Intemporal como exemplo de cidadania vivida audaciosa e apaixonadamente, com uma visão clara do futuro, uma crença na força criativa e subversiva do seu sexo para mudar o velha Ordem, e o velho mundo, sempre, sempre, com uma infinita generosidade. Foi pioneira no jornalismo, que era ofício de homens. Continuadora das tradições e dos valores humanista do feminismo republicano, à frente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, expressão máxima desse associativismo revolucionário, que começou com Adelaide Cabete e suas companheiras e acabou justamente com ela, ao ser extinta pela brutal discricionariedade do regime. E autora de romances, de inúmeros escritos, que foram, nas suas mãos, armas inteligentes de combate estratégico e que culminam na obra monumental "As Mulheres do meu Pais". Não menos admirável foi a sua vida privada, com dois casamentos, seguido de divórcios, que na sociedade de então, eram atos de grande coragem. Sozinha educou as duas filhas, influenciou e inspirou as netas e os netos, através de cujos testemunhos sobre a Avó Maria, ficamos a conhecer melhor o seu encanto como pessoa, a sua beleza de rosto e de espírito, a constante preocupação para com os outros, o seu temperamento afável e bondoso. Nos anos de exílio, em Paris, tornou-se a mãe ou a Avó Maria de um sem número de expatriados, que nela encontravam, invariavelmente, ajuda e amizade

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

AS NOSSAS LEIS E OS SEUS INTÉRPRETES 1 - As leis foram o meu ofício, mas há muito deixaram de ser, Formei-me em Direito na Universidade de Coimbra, no distante ano de 1965. A escolha do curso e da cidade foram, insólitamente, fruto de dois equívocos literários. Ou seja, da leitura de escritores que me fascinaram. O primeiro foi americano Erle Stanley Gardner, o criador de Perry Mason, advogado das causas impossíveis, que fazia justiça contra a (in)justiça do sistema, graças aos seus dotes de investigação criminal e ao poder da sua argumentação na sala do tribunal. O segundo foi o português Trindade Coelho, com a sua obra (autobiográfica) "In illo tempore", o livro de relatos das mais divertidas aventuras e desventuras de uma brilhante e turbulenta geração de estudantes coimbrãos. Eu temia que aquela Coimbra mítica já não existisse, tal qual fora, mas tinha esperança de ainda encontrar, da sua lúdica glória, alguns vestígios. E, de algum modo, encontrei, entre bons e maus, por mais entendendo os excessos da "praxe", em todo o caso muito menos brutais do que hoje vemos em universidades de fresca data, sem genuínas tradições. O que jamais encontrei foram oportunidades de emular Perry Mason, pois os crimes, que preencheram o meu estágio e os primeiros anos de advocacia, no Palácio de São João Novo, não passaram da defesa de pequenos larápios, desavenças de vizinhos ou acidentes de trânsito. Dois dois citados "equívocos literários" nasceu, afortunadamente, a escolha certa, e eu "adorei" (como no meu tempo de juventude se usava dizer) o curso, sobretudo as cadeiras de Direito Civil, e a cidade, "a velha academia", que ainda cantava o fado, em serenatas pela noite fora. Uma das minhas matérias preferidas foi "Teoria Geral do Direito", onde aprendi as regras de interpretação das Leis, assim como a conviver com a eventual inevitabilidade de diferentes interpretações, todas baseadas em bem fundamentada argumentação... . No meu caso, em breve, abandonaria a advocacia de barra em favor de trabalho jurídico de gabinete (estudos, pareceres, legiferação...) e, mais tarde, do ensino universitário em Coimbra, na "minha" Faculdade, e Lisboa. E, por fim, embora a contragosto, me vi em cargos políticos, que aceitei como temporários e se tornaram definitivos, e onde, sempre me preocupei em respeitar Lei, tão bem interpretada e aplicada, quanto me era possível... 2 - Assim sendo, confesso, o meu espanto e incompreensão, pela forma como tantos ilustres juristas, nessa veste ou outra (a de políticos, (juristas e políticos com os quais não posso nem pretendo sequer comparar-me), tomam as leis em mãos e as viram para onde querem ou para onde lhes convém. Não haverá melhor exemplo disso do que o do constitucionalista e Presidente da República, que, logo no ato da posse a um Governo maioritário, informou o Primeiro Ministro que não permitiria a sua substituição no cargo, pois quem ganhara a eleição não fora o seu partido, mas ele individualmente. Ora o que, inequivocamente, dispõe a nossa lei é que quem ganha as eleições legislativas são os partidos. Na verdade, a esse nível nem há hipótese de formação de listas independentes - só permitidas a nível autárquico. Uma tal “personalização” de eleições nos líderes partidários, mesmo sabendo o seu peso real no contexto eleitoral, é completamente abusiva. Neste momento, está a custar ao país o preço de uma descabida convocação de novas eleições. Para que o prejuízo não seja maior, resta-nos esperar que. a 10 de março, os resultados tragam nova maioria (improvável) ou uma solução de respeito pelo vencedor das eleições, com a viabilização de um Governo minoritário, pela simples abstenção do opositor principal, como nos ensina a lição dos grandes políticos que marcaram décadas de uma democracia, a celebrar já o seu cinquentenário Mas há mais e ainda mais chocantes interpretações desviantes da lei, por parte de Tribunais (começando pelo próprio STJ!) e das magistraturas judiciais. Um caso recente chocou o país: a detenção por 21 dias dos três famosos arguidos da Madeira, o ex Presidente da Câmara do Funchal – “ex” porque, instaurado o processo, se demitiu de imediato - e dois empresários, à ordem de um juiz, que, aliás, 21 dias depois, lhes não aplicou qualquer medida de coação. Ora, o prazo que a lei dá ao juiz para tomar tal decisão é de dois dias, (isto é, quarenta e oito horas…. Em outros países com uma jurisprudência rigorosa dos mais altos tribunais, prazos semelhantes são rigorosamente cumpridos. Quem vê as séries muito realistas do Fox Crime, ou Star crime, sabe bem que o Ministério Público, na Grã-Bretanha, nos EUA, na França e, em qualquer outro “Estado de Direito” não pode levar os arguidos a um juiz, para recolher as provas depois. Aqui, por vezes, como na Madeira parece ter sucedido, em vez de apresentar provas dá-se “espetáculo de pesquiza” de dados ou indícios. A “operação Funchal”, com dois aviões militares, 200 ou 300 investigadores policiais e uns quantos magistrados (mais os jornalistas que chegam sempre primeiro, chamados sabe-se lá por quem…) foi puro espetáculo, dir-se-ia a saída de uma reportagem da guerra colonial, encomendada pelo regime. A “guerra” possível no império que resta (um “império dos pequenitos”, com as ilhas atlânticas e a zona marítima exclusiva, que não é pequena herança. O mar, muito à portuguesa, não se explora, é claro, e para as Ilhas manda-se um “Governador Geral”, que não se chama assim, e que não tendo sido eleito por ninguém, faz as vezes, como última sobrevivência colonial… 3 – De má interpretação e má aplicação das leis está a nossa República cheia! E as consequências do espetáculo midiático, centrado no mundo da política, está à vista de todos, como um rastilho de incêndio que, se continuado, ameaça tornar o sistema ingovernável. Ninguém escapa! De alto a baixo, estão todos sob suspeita… o Presidente, (num episódio luso-brasileiro rocambolesco, e sem pés para andar), o Primeiro-Ministro (ouvido numa suposta escuta, que pode ter sido só um engano no nome, pois Costas há vários?), um Presidente de Governos Regional, e uma infindável fileira de autarcas. Os processos podem até “morrer na praia” .... veja-se o recentíssimo desfecho do processo de Caminha, ou do supremamente aberrante processo de Matosinhos (em que foi posta em causa a prerrogativa da Presidente de Câmara escolher, livremente, o seu chefe de gabinete, como se esse cargo não fosse, por natureza, de confiança pessoal!). Pouco importa, o mal está feito, é irreversível. Para já, vimos mais alto magistrado da Nação ser enxovalhado, o Primeiro Ministro cair, e, com ele, o Governo e a Assembleia da República, o Presidente do Governo Regional da Madeira cair também), arrastando, ou não, o Governo e a Assembleia Regional, e os autarcas tombarem, um atrás de outro. E não tinha que ser assim!... Há que resistir à força intimidatória da suspeita que pode, a qualquer momento, recair sobre um cidadão exemplar, envolvido, ou não, na “res publica”. É absolutamente crucial que se dê o menor significado possível à figura de arguido, assim procurando restituir, na vida coletiva e na opinião pública, o pleno significado à velha e, pelo visto, desvalorizada “presunção de inocência”! Os titulares de cargos, estando de consciência tranquila, têm o dever de não se demitirem, neste novo contexto de ameaça à durabilidade de governos e assembleias, legitimados por maiorias. Sigam o exemplo de dois sucessivos presidentes da Câmara do Porto, Rui Moreira e Rui Rio (este arguido oito vezes, durante os seus mandatos autárquicos, manteve-se no posto até ao fim e saiu com o curriculum impecável) Esperemos que, também, o Senhor Presidente deixe de colaborar, ativamente, no abate de assembleias e governos, sustentados por maioria. Pode começar por poupar a Assembleia Regional da Madeira a eleições antecipadas, ao contrário do que fez no País. É uma forma de dizer “mea culpa”, em relação ao passado, e de diminuir, futuramente, os efeitos prematuros e precipitados da ação da Justiça sobre a Política, deixando ambas seguir, até à decisão final dos processos, um curso paralelo. Para a estabilidade do sistema, e tranquilidade do povo, muito contribuirá, assim, a sua própria não interferência política... Poupe-se e poupe-nos, Senhor Presidente!