terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

NOS CAMINHOS DA POESIA (2020)

Chamo-me Maria Manuela e sou de Gondomar, uma terra antiga com nome de rei godo - como outra, que, na Galiza, talvez partilhe conosco esse remoto fundador. Nasci, em junho de 1942, em casa da Avó materna, uma das chamadas "casas de "brasileiros" do norte de Portugal, e desde pequena, ouvi declamar poemas, ao som de música brasileira, e contar histórias felizes de emigração. Era uma família em que todos discutiam política, fraternalmente divididos, e em que quase todos versejavam, embora só tenham vindo a público os de um tio, autor da letra do hino de Gondomar, os de outro tio que glorificou as belezas da terra na lírica de um musical de teatro, e uma coletânea de sonetos de meu Pai, editada postumamente. Mãe e tias maternas eram, todas, discípulas de Florbela e uma Bisavó paterna tornou-se, para mim, figura mítica como poeta repentista, cantando ao desafio em romarias populares, para além de ser admirável contadora de lendas e tradições. Logo que comecei a dominar a escrita, tentei, com menos talento, mas igual propensão, seguir esses exemplos e guardo, no fundo das gavetas, muitos cadernos manuscritos em que posso seguir a evolução da minha caligrafia dos 9 aos 16 anos, período em que estudei num internato de Doroteias, o Colégio do Sardão. A partir do momento em que me libertei da clausura, logo me voltei, não sei porquê, para prosa... No meu último ano do curso de Direito, (em Coimbra), alguns colegas do Porto, à frente dos quais Mário Cláudio, editámos uma revista (A Tábua), na qual o meu contributo foi um poema feminista, assinado com pseudónimo. Depois, a vida levou-me, inesperadamente, para os terrenos da política, e para uma convivência de décadas com a emigração e a Diáspora portuguesas (como Secretária de Estado e deputada). Os vários livros ("Portugal, país das migrações sem fim" e outros)), os muitos artigos para revistas científicas ou jornais, que publiquei, são sobre Migrações, Direitos Humanos, Feminismo... e Desporto (futebol).. O desafio que a Amiga Ester Sousa e Sá me lançou de participar nesta coletânea, (uma honra imerecida!), levou-me a mergulhar no passado, numa torrente de versos inéditos, de cantigas de escárnio e maldizer (ah, como o Colégio era inspirador!), às tão portuenses "quadras de São João", passando por sonetos ... Não resisti à tentação de reescrever alguns desses versinhos, e de incluir, igualmente, aqui e ali, modificado, dando-lhe, enfim, o meu nome, o "poema de intervenção", aparecido in "A Tábua", há 55 anos... Maria Manuela Aguiar Dias Moreira MULHER DO ROSTO DE VENTO Vai Pela Terra-Mãe adormecida que em ti hiberna, as mãos vazias das rendas de outrora, Vai dar sentido ao Dia! Vai Para que a Terra-Mãe Seja em ti, Ao chegar o momento... Vai Rosto de vento Em busca de Alma! Vai da noite moribunda Do ter ser negado Vai Que agonizas No corpo atormentado Os sonhos a viver Num amanhã 2 - VIVER... Queria ser guerreira e vencedora, Queria andar perdida a vaguear, Queria ser o tudo e ser o nada Dos opostos fazer meu caminhar Queria ser a nuvem que se esvai, Como a ilusão de amor de uma donzela, Queria ser o pássaro que voa No rasto de uma antiga Caravela, Seguir o sonho e logo o desfazer Para sonhar mais alto, e mais cair, Entre estrelas, que morrem sem se ver, No sono, devagar, adormecer Deixando, sem saudade, no adeus. A breve eternidade de viver. 3 - QUADRAS DE SÃO JOÃO DO PORTO Balão que sobe nos céus Como miragem de vida Leva com ele o devir De uma promessa esquecida... Deste-me um beijo de noite Perfumado de alecrim E a fogueira que saltámos passou pr'a dentro de mim Os balões e as cantigas Unem-se à luz do luar Que em noites de São João O amor fala a cantar! Quando saltares a fogueira, Cuidado! Vê lá se cais... Ao coração que se queima O amor não volta mais! Na manhã de vinte e quatro. Olhando a cinza eu fiquei Que, ao ver a cinza, lembrava O amor que ontem te dei... Meninas, vamos gozar A noite de São João Ponham sorrisos no rosto, Fogueiras no coração. À suave luz da fogueira Teu coração desenhei A imagem em contraluz Sobre o meu a acharei Quando à noite, no escuro, Uma fogueira acendeste Teus olhos disseram tudo O que tu me não disseste... Zangado estavas comigo São João nos vai casar! Que o amor e os santinhos Sabem sempre perdoar... Uma mensagem seixei Na luz áurea de um balão, Promessa de amor sincero Em noite de São João Meu Porto, que sais à rua Nas festas de São João, Não há no mundo cidade Mais fraterna - não há, não! Meu Porto sem São João Por causa da pandemia, Sem manjerico, alho porro, Festa, balões, alegria...

RUTH ESCOBAR - PARA QUANDO UM LUGAR MERECIDO NA TOPONÍMIA DO PORTO?

À Comissão de Toponímia da Câmara Municipal do Porto Tenho a honra de apresentar a V. Excelências uma proposta de homenagem a Ruth Escobar, pela inclusão do seu nome na toponímia da cidade onde nasceu e onde viveu os primeiros 16 anos, até dia em que emigrou para São Paulo. Aí a encontrei, muitas vezes, quando era Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas e Deputada pela Emigração, nas décadas de oitenta e noventa. Ruth Escobar era já, nesse tempo, a portuguesa da sua geração mais conhecida e reconhecida no Brasil, como atriz, produtora teatral, mulher de Cultura, ativista dos Direitos Humanos, política carismática, voz poderosa na defesa de causas. Uma imigrante singular, que o Brasil admirava pela inteligência, pela audácia e pelo modernismo. Aos compatriotas, como eu, impressionava também o orgulho com que se afirmava portuguesa do Porto.. Não é por acaso que a sua autobiografia, publicada em 1987, começa com esta frase: "Lembro-me do trajeto invariável de todos os dias: da Rua do Bonjardim subo a João das Regras, atravesso a Praça da República, desço a Rua dos Mártires da Liberdade, e entro na Praça Coronel Pacheco - onde ficava o Liceu Carolina Michaelis". O Liceu onde descobriu a vocação teatral, representando, um a um, todos os Diabos, dos Autos de Gil Vicente.. Esse primeiro capítulo do livro "Maria Ruth" é, todo ele, dedicado à cidade do Porto, aos passeios ao Palácio de Cristal, ou à Foz, às sessões de cinema no Rivoli, às festas de São João. As boas recordações da adolescência são, sobretudo, dos ambientes portuenses com que se identifica. Como diz "só consigo lembrar os barulhos de fora, da rua, da cidade, dos outros. De dentro de casa, do dia a dia, nada..." Nas suas próprias palavras: "quando embarquei para o Brasil, no Serpa Pinto, com a minha mãe, levava também a certeza de um destino, pois soube que tudo o que sucedeu na minha vida, mesmo antes do meu nascimento, estava moldado por uma força universal, cósmica, transcendente". E, na verdade, foi cumprindo os seus sonhos de jovem imigrante a um ritmo vertiginoso. Aos 18 anos editava uma revista "Ala Arriba" e na qualidade de jornalista (amadora) corria o mundo e entrevistava uma longa lista de líderes famosos como Foster Dulles, Krushev ou Nasser. As suas reportagens eram disputadas por revistas como a "Life" e por prestigiados jornais de S, Paulo e Lisboa, Entre os 20 e os 30 anos. impôs--se como empresária e produtora de teatro e, depois, como atriz talentosa. No Teatro a que deu o nome, (já não Maria Ruth dos Santos, mas Ruth Escobar, apelido do segundo marido, o poeta e dramaturgo Carlos Escobar), levou a cena tanto os prediletos autos Vicentinos como peças contemporâneas. Em 1963, inovou com a criação do Teatro Nacional Popular, que chegava às periferias do Estado, a muitos milhares de pessoas, com espetáculos de grande qualidade (Martins Pera, Suassuna...) em palco improvisado num velho autocarro. O seu terceiro marido o arquiteto Wladimir Cardoso, viria a ser o cenógrafo de peças de enorme êxito artístico - como "Cemitério de automóveis" de Arrabal, com montagem do argentino Vitor Garcia, e encenação da própria Ruth: Uma dupla que, em 1969, com "O balcão" de Jean Genet, venceria todos os prémios do ano, no Brasil. A partir de 1964, na casa dos seus 30 anos, Ruth atravessou o período conturbado da ditadura e.o seu teatro converte-se em espaço de luta pela liberdade, apesar das ameaças, interrogatórios, prisões, ataques de comandos para-militares e violência sobre os atores e sobre ela. Nesta década trouxe a Portugal alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" . Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que o 2.ª Festival, em 1976, veio aprofundar. Ruth voltou a fazer história, como pioneira no domínio da política, ao tornar-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só a nacionalidade portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos do Brasil e da ONU, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, e como empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes . A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . A sua última grande produção seria, por sinal, uma encenação de "Os Lusíadas". .Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" da França, a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal A sua morte, a 5 de outubro de 2017, foi sentida no Brasil e nas Nações Unidas, onde deixou uma imagem inspiradora. Em Portugal. passou por um quase total silêncio O Município do Porto poderia, agora, destacar este raro percurso cívico, artístico e político da Cidadã Portuense Ruth Escobar, mantendo viva a sua memória na toponímia da cidade. Desde já agradeço a atenção que a proposta venha a merecer a apresento a Vossa Excelências, com elevado apreço, os meus melhores cumprimentos A partir de 1964, na casa dos seus 30 anos, Ruth atravessou o período conturbado da ditadura e.o seu teatro converte-se em espaço de luta pela liberdade, apesar das ameaças, interrogatórios, prisões, ataques de comandos para-militares e violência sobre os atores e sobre ela. Nesta década trouxe a Portugal alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" . Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que o 2.ª Festival, em 1976, veio aprofundar. Ruth voltou a fazer história, como pioneira no domínio da política, ao tornar-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só a nacionalidade portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos do Brasil e da ONU, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, e como empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes . A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . A sua última grande produção seria, por sinal, uma encenação de "Os Lusíadas". .Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" da França, a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal A sua morte, a 5 de outubro de 2017, foi sentida no Brasil e nas Nações Unidas, onde deixou uma imagem inspiradora. Em Portugal. passou por um quase total silêncio O Município do Porto poderia, agora, destacar este raro percurso cívico, artístico e político da Cidadã Portuense Ruth Escobar, mantendo viva a sua memória na toponímia da cidade. Desde já agradeço a atenção que a proposta venha a merecer a apresento a Vossa Excelências, com elevado apreço, os meus melhores cumprimentos A partir de 1964, na casa dos seus 30 anos, Ruth atravessou o período conturbado da ditadura e.o seu teatro converte-se em espaço de luta pela liberdade, apesar das ameaças, interrogatórios, prisões, ataques de comandos para-militares e violência sobre os atores e sobre ela. Nesta década trouxe a Portugal alguns dos seus maiores sucessos, "Missa leiga" e "Cemitério de automóveis" . Em 1974, organizou o 1.º Festival Internacional de Teatro de S Paulo, levando ao Brasil as melhores companhias do mundo e contribuindo para um movimento renovador das Artes dramáticas brasileiras, que o 2.ª Festival, em 1976, veio aprofundar. Ruth voltou a fazer história, como pioneira no domínio da política, ao tornar-se a primeira mulher eleita e reeleita deputada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ao abrigo do Tratado de Igualdade de Direitos entre Portugueses e Brasileiros, pois teve sempre só a nacionalidade portuguesa). Foi também a primeira Presidente do "Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres" e, durante anos, a Representante do Brasil nas Nações Unidas para o acompanhamento da Convenção contra a discriminação das Mulheres Depois de quase uma década nos palcos políticos do Brasil e da ONU, regressou, nos anos noventa, aos palcos do teatro, como intérprete, e como empresária e promotora de festivais internacionais, em novos moldes, mais abrangentes de outras artes . A sua herança teatral, enraizada no Gil Vicente da juventude, e no vanguardismo em que projetou a sua criatividade ao longo de décadas, mudou a face do moderno teatro brasileiro . A sua última grande produção seria, por sinal, uma encenação de "Os Lusíadas". .Em vida, Ruth Escobar recebeu as maiores condecorações brasileiras, a "Legião de Honra" da França, a "Ordem do Infante D Henrique" de Portugal A sua morte, a 5 de outubro de 2017, foi sentida no Brasil e nas Nações Unidas, onde deixou uma imagem inspiradora. Em Portugal. passou por um quase total silêncio O Município do Porto poderia, agora, destacar este raro percurso cívico, artístico e político da Cidadã Portuense Ruth Escobar, mantendo viva a sua memória na toponímia da cidade. Desde já agradeço a atenção que a proposta venha a merecer a apresento a Vossa Excelências, com elevado apreço, os meus melhores cumprimentos Maria Manueça Aguiar Dias Moreira

MEMÓRIAS DA PROVEDORIA DE JUSTIÇA

MEMÓRIAS DA PROVEDORIA DE JUSTIÇA COM JOÃO CAUPERS NA LUTA PELA IGUALDADE 1 - Espantada com o que se tem dito e escrito sobre João Caupers, o novo Presidente do Tribunal Constitucional, que, na semana passada, foi tema obrigatório de comentário das nossas elites bem pensantes, nos mais excelentes jornais e programas televisivos, que costumo, respetivamente, ler e ver (em regra, com agrado, concorde ou discorde), não posso resistir à tentação de engrossar o caudal mediático, como cidadã, sem pretensões à superioridade intelectual e moral, que parecem arrogar-se todos aqueles vultos. Com uma pequena vantagem, a meu favor: ao contrário da maior parte deles, conheço João Caupers, trabalhámos, durante anos, como assessores do Provedor de Justiça. Foi há muito tempo, tinha eu trinta e poucos anos, e ele bastante menos - sendo o mais jovem e o mais brilhante de todos nós. A Provedoria de Justiça era, também, uma instituição nova, inspirada no "Ombudsman" nórdico, criada em 1976, no quadro da democracia nascente, que precisava de refazer a sua arquitetura jurídico-constitucional e de a habitar, mudando costumes e mentalidades. Neste aspeto, nenhuma estrutura era mais desafiante do que o Serviço e a figura do Provedor de Justiça - entidade à qual os cidadãos podiam, (podem), recorrer contra erros e abusos da administração pública. Os portugueses sabiam bem o que era o Poder constituído - o poder de legislar, decidir, executar, julgar e punir pela força da Lei. Era-lhes, todavia, culturalmente estranha a ideia de uma magistratura de influência, ancorada apenas na força da razão, para fazer justiça, com autoridade essencialmente moral. O Provedor recebe as queixas dos cidadãos, avalia-as face ao Direito, e se reconhecer o sua boa fundamentação, aceita-as e dirige ao governo recomendações, instando-o a cumpri-las Se a resposta for insatisfatória ou incompleta, resta-lhe dar publicidade à matéria, e, se for caso disso, pedir a inconstitucionalidade da norma ou da decisão concreta. Os "media" e a opinião pública são as melhores armas de que dispõe, numa sociedade livre, com a credibilidade que lhe vem da independência perante o poder político, da reputação de que goza, da excelência dos seus juízos de valor. O primeiro Provedor de Justiça, em 1976, foi um "capitão de Abril", o então Tenente-coronel Costa Braz. O segundo, o Dr José Magalhães Godinho, grande advogado, corajoso democrata, durante o antigo regime, e um verdadeiro humanista.Tal como João Caupers, tive o privilégio de trabalhar com ambos e de acompanhar de perto a forma como souberam corporizar a instituição. A política afastou-me da Provedoria, em definitivo, a partir do início da década de 80, e não pude seguir, de perto, a sua trajetória mas ficou-me a impressão de um progressivo apagamento, apesar dos nomes ilustres que ali se sucederam, até que, finalmente, o cargo foi entregue a uma mulher, Maria Luísa Amaral - a mulher certa - e, com ela, retomou o antigo fulgor. A sua mais recente tomada de posição aponta à inconstitucionalidade das alterações à legislação eleitoral autárquica, engendradas pelo bloco central parlamentar... 2 - Comecei a minha vida profissional como assistente de um centro de estudos juslaborais (em alguns períodos acumulado com o ensino universitário) e, depois, como assessora do Provedor de Justiça. Lugares de gabinete, onde, não havendo promoções, competição, rivalidade, éramos todos amigos e solidários. Não sei se em funções desta natureza, isso acontece como regra. Talvez eu tenha sido um caso muito afortunado... Na verdade, não só os colegas, mas também os "chefes" foram excecionais, a ponto de não recordar o mínimo incidente desagradável numa década muito feliz. Não posso, obviamente, dizer o mesmo do que se seguiu em outras funções, (que não estavam nos meus planos), em Governos e no Parlamento, onde, como se sabe, não é praticamente impossível encontrar o mesmo grau de harmonia e boa vontade. Na minha primeira experiência governativa - com o Prof. Mota Pinto num governo de independentes, de nomeação presidencial, para o qual fui chamada precisamente por não ter filiação partidária - levei comigo, como Chefe de Gabinete, o colega da Provedoria, Manuel Marcelino, uma sumidade em Direito Administrativo. E quando, em março de 1979, descobri, esquecido numa gaveta, um anteprojeto de lei sobre a igualdade no emprego, logo decidi constituir uma equipa para lhe dar rápida sequência, já que aquele governo tinha um limitado horizonte de vida. Para a finalizar, em tempo útil, era essencial a condução com competência jurídica, dinamismo e sensibilidade para as questões da igualdade. Eu era politicamente independente, mas com convicções políticas assentes - social-democrata à sueca, naturalmente feminista e defensora do sistema de quotas, que só havia de chegar a Portugal no século XXI, com uma quase geral oposição dos conservadores de direita (e até de alguma esquerda...). Em 1979, não era fácil encontrar alguém com este perfil, com a consciência das discriminações de género subsistentes. Mais uma vez olhei para o meu serviço de origem, reconhecido pelo valor da sua assessoria jurídica. Mulher ou homem? Um homem, concluí, porque era tempo de mostrar a luta pela igualdade como causa comum e vital para o progresso da sociedade, não matéria que respeitava apenas ao "gueto" feminino. De todos os meus colegas, o que, a meu ver, melhor se ajustava ao exigente perfil assim predefinido, era, sem dúvida, o jovem João Caupers. Sempre apreciei nele a rapidez de raciocínio, decisão e argumentação, combinados com uma postura frontal e um sentido de humor, que, em Portugal, é coisa rara e nem sempre bem compreendida. Ideologicamente, considerava-o tudo menos conservador - se o fosse, em 1979, nem entenderia o alcance da legislação que queríamos ultimar. João Caupers aceitou de imediato, o desafio, e o curtíssimo prazo previsto, para concluir a missão. E, como era de prever, cumpriu-o de uma forma exemplar. 3 - O anteprojeto foi, como disse, achado, no meu gabinete da Praça de Londres - onde estava há vários governos (de curta duração e com outras prioridades) e fora preparado pela Comissão da Condição Feminina. O objetivo era compilar legislação dispersa sobre a matéria, o que serviria, também, pondo o enfoque na questão da Igualdade. A minha intenção era ir mais longe, tendo como paradigma o Ombudsman (ou Provedor) para a Igualdade da Suécia, cuja prioridade é garantir o equilíbrio de género no mercado de trabalho, dando, em condições de igualdade, preferência ao sexo subrepresentado na profissão.Tive do Secretário de Estado do Emprego João Padrão, meu colega de curso, imediata e absoluta concordância. Por despacho conjunto, constituímos o grupo de trabalho, que integrava representantes da Comissão da Condição Feminina, sob a presidência de João Caupers. O prazo foi cumprido, ouvidos sindicatos e entidades patronais, e o texto final, veio a converter-se em lei, colocando Portugal na vanguarda da Europa e merecendo os maiores encómios de organizações internacionais, Digo-o com o à vontade, porque as fórmulas originais encontradas, tiveram o meu incondicional apoio, mas não são minhas - têm a inconfundível marca de João Caupers. O texto era absolutamente inovador, não se limitava à codificação de normas, antes criava uma instância tutelar e fiscalizadora, a "Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego" (CITE), instituição de natureza tripartida (com representantes do Governo, dos Sindicatos e Associações Patronais) - um "Ombusman" à portuguesa! O acento tónico foi colocado na luta contra as assimetrias salariais, em função do sexo, contra uma conceção do trabalho feminino como inferior, mais barato. mão de obra de recurso. Para as desocultar, estabelece-se a comparação entre as condições aplicáveis a mulheres e a homens, para a mesma tarefa, como o mesmo grau de formação, anos de experiência, etc. É o que na economia do diploma se chama o confronto com o "homem comparável". A diferença de tratamento dada a uma trabalhadora em idênticas circunstâncias, obriga a empresa ao ónus de provar que o desfazamento salarial resulta de outro factor, que não o sexo. E a lei vai a ponto de impor a nulidade das normas que pretendem prever categorias profissionais exclusivamente femininas, com remunerações inferiores às aplicáveis a tarefas equivalentes de profissionais masculinos, passando a aplicar-se "ope lege" estas últimas, do mesmo modo às mulheres. A solução sueca não era, então, fácil de aceitar entre nós (nem então nem hoje, quatro décadas depois...), mas por outras vias, afinal, se delineava um normativo de combate às discriminações, que permitia à CITE ir aperfeiçoando os conceitos de "trabalho igual" e de "valor igual". 4 - Nestes últimos 40 anos, só reencontrei João Caupers, uma vez, já Conselheiro do Tribunal Constitucional, na homenagem a um amigo da então novíssima instituição, que era a Provedoria. Pareceu-me "muito igual a si próprio". Os seus pares do TC, que o escolheram para a presidência - tornando-o "primus inter pares" - têm, claramente, por ele a mesma admiração que aqui lhe manifesto. A polémica é absurda, tendo ele nos seus escritos rejeitado inequivocamente todas as forma de discriminação ou tratamento menos digno, em função das escolhas sexuais de qualquer minoria. Comentários sobre "lobbies", deste ou daquele grupo, situam-se no puro domínio de liberdade de expressão, como muito bem disse Miguel Sousa Tavares, (uma das poucas vozes lúcidas, que se ouviu no meio de tanto barulho). Tinha razão Ana Gomes, quando lembrava que, por vezes, há tiques de Órban em bocas de esquerda...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

IDALINA DE SOUSA depoimento


Maria Manuela Aguiar mariamanuelaaguiar@gmail.com

quinta, 22/08, 13:49 (há 11 horas)
para Mariaeu

um depoimento da Drª Idalina Sousa (Câmara de Espinho)

A mesa da reunião, tenha o formato que tiver, é sempre redonda.

As ideias correm soltas, ágeis, desabridas, até, mas sobretudo aladas, porque livres nos
voos precisos e solidários, sábios e clarividentes.

Nós, fascinados, sentimo-nos pequeninos e, exaustos, arriscamos:

_ Sra. Dra, dê-nos um pouco de tempo para…

_ Tempo? É por isso que este País não anda para a frente

Logo depois o olhar diz, imperioso:

_ Vá lá cresçam! Quero-vos a meu lado. Ombro a ombro.

Pára por uns segundos …sorri e conta uma das suas histórias com um sentido de
humor surpreendente, que confirma a sua inteligência superior e nos faz rir, rir…

E então à mesa, cada vez mais redonda, as ideias jorram, atropelam-se, depois
discutem-se, nascem mil projectos e multiplicam-se as demandas que não param
nunca.

A senhora, a grande senhora, como já se ouve nos corredores da cidade, calcorreou
os quatro cantos do mundo e sabe, como poucos, aceitar as diferenças e que este é
um dos mais nobre desígnios da acção cultural, um dos caminhos obrigatórios para a
verdadeira igualdade e desenvolvimento.

A senhora não pára. Não pára nunca. E como pode parar se, para tantas e tantos, o
mundo, às vezes, parece que gira ao contrário?

(DES)GOVERNO SEM ALTERNATIVA

Maria Manuela Aguiar DE VEZ EM QUANDO SEM ALTERNATIVA 1 – Os grandes homens e as grandes mulheres revelam-se em tempos de crise, pela capacidade em passar do remanso da normalidade à gestão inteligente e eficaz do desconhecido, de catástrofes inimagináveis. Para nossa infelicidade, a pandemia de 2020/21 veio patentear a inexistência de políticos com esse perfil entre os que nos governam – ou desgovernam. O PM e o PR, agora reeleito, não conseguiram “agir”, mas tão só “reagir” à situação, e fizeram de conta que assumiam, não assumindo, as suas responsabilidades no caos em que tentamos sobreviver. Para além deles, no parlamento e nos partidos de oposição não parece haver ninguém com peso e influência na matéria. E os poucos que levantam a voz são, de imediato, intimidados com o labéu de “traidores à pátria”. E, assim, entramos no “inferno português” das chamadas segunda e terceira vagas, que, após breve hiato estival, sucedeu ao ambíguo “milagre português” da primeira vaga – o qual, creio eu, só foi possível graças ao atempado confinamento de março 2020, por iniciativa dos próprios cidadãos, impressionados pela imagens que chegavam de Itália, e contra a teimosa renitência governamental. Por isso, tendo o povo sido incitado a relaxar no verão, com multidões nas praias, e um público apelo à vinda dos turistas ingleses e espanhóis, (sem testes nem controlo à chegada, salvo na Madeira e nos Açores – bendita seja a Autonomia…), e tendo, depois, atravessado o outono, despreocupadamente, e passado o Natal em “shoppings” sobrelotados e festas de família, nos vemos, em janeiro de 2021, no topo da lista negra, em número de mortos pela pandemia (proporcionalmente à população) – perdido que foi, há muito e por completo, o rasto às cadeias de contágio. De bom, avulta o esforço constante dos profissionais de saúde, em cada um dos hospitais, (que até para transferirem doentes das unidades que esgotam recursos, pedem e dão apoios num eixo bilateral). e o de todos aqueles autarcas, que têm sabido estar no terreno, junto dos munícipes. Num programa de televisão a que assisti, recentemente, os presidentes das Câmaras de Gaia (PS), Viseu (PSD) e Loures (PCP) falavam, em tal sintonia, das soluções encontradas face aos ciclópicos problemas trazidos pela Covid, que, se não soubéssemos a sua cor política, era difícil adivinhá-la. Fui sempre regionalista e sinto-me, agora, não direi reforçada nas minhas convicções, porque já eram inabaláveis, mas com mais e melhores argumentos para as defender. Madeira, Açores e muitas autarquias são prova bastante da superior eficácia e sensibilidade destes governos de proximidade, quando comparados com o desnorteado governo da República. 2 – Cronologicamente, o último erro de monta a apontar aos nossos políticos é o da realização das eleições presidenciais, a 24 de janeiro, em plena pandemia! Na véspera, o número de mortos (272) e o de novos casos diários (mais de 15.000), constituíam novos recordes, mas nem isso moderava o entusiasmo de apelar ao voto, por parte de candidatos, governantes, CNE ou comentaristas dos “media” – todos, em uníssono, assegurando que o ato era realizado em condições de perfeita segurança. Quod erat demonstrandum… Com o meu pessimismo de hipocondríaca (caraterística, por acaso, partilhada com o Senhor Presidente da República), logo admiti como muito provável o aumento de contágios e de fatalidades, mormente nos grupos de risco – os velhinhos que a DGS quer sempre cautelosamente confinar, exceto quando está em causa o “superior interesse” de ganhar uma mão cheia de votos. Ora a democracia não morreria, se os mais vulneráveis escolhessem, sem pressões, ficar em casa, ao abrigo da exposição ao vírus e às intempéries, até porque os políticos não trataram de lhes dar, de facto, as condições de um voto seguro e fácil – por correspondência, ou meios digitais. E nem sequer, ao contrário do que acontece em países verdadeiramente preocupados com os seus idosos, (como os EUA, ainda no mandato de Trump, e, agora, no de Biden, a Alemanha da Senhora Merkel, a maioria dos nossos parceiros europeus), os colocaram na primeira linha de vacinação anti-Covid. Só por força de uma alteração de 25.ª hora, os maiores de 80 anos, que residem “em liberdade” (isto é, os que não cumprem autênticas penas de prisão em lares de idosos), serão, ao que parece, requalificados na lista de precedência de vacinação. (De fora fica, estranhamente, a faixa etária dos 70/79 anos). Em suma, estas eleições deveriam ter sido adiadas, em outubro ou novembro, quando as cadeias de contágio já cresciam assustadoramente, pela via de uma revisão – relâmpago de um artigo da Constituição na Assembleia da República. Em alternativa, poder-se-ia ter previsto, no texto constitucional, a faculdade do voto por correspondência, (de que já há experiência no nosso sistema eleitoral), e até do voto eletrónico, que é o futuro. Segundo a sondagem do “Expresso”, na véspera das eleições, ainda 57% dos portugueses queria o adiamento, contra uma minoria de 37%. Um povo bem mais avisado do que os seus representantes eleitos! Na verdade, só o adiamento do processo e (ou) a votação postal teriam garantido o voto a todos os cidadãos, nomeadamente os emigrantes e os que, por razões de saúde, ou de confinamento profilático, a partir do dia 14 de janeiro, viram, na prática, denegado esse direito. O PR soube lembrá-los como desculpa para a elevada abstenção, mas não contribuiu “ex ante”, para que fossem criadas efetivas condições de sufrágio universal. Uma palavra de especial agradecimento é devida aos milhares de portugueses que permaneceram por mais de doze horas nas mesas de voto, arriscando voluntariamente a sua saúde, apesar de todas as precauções certamente tomadas. 3 – O desenlace eleitoral não trouxe surpresas de maior. O Porto acompanhou o resto do país, muito embora, com Ana Gomes mais destacada à frente de Ventura e o portuense Mayan Gonçalves com votação superior à da sua própria média nacional. Ventura foi, em alguns “media” estrangeiros, chamado o “Trump português”. Talvez goste da comparação e não podem negar-se algumas similitudes de caráter, de pensamento e de estilo arruaceiro… Ambos atraem o eleitorado do “país profundo”, interior, menos letrado e menos desenvolvido, e, saliente-se, masculino – é sabido que, nos EUA, Trump ganhou na metade masculina, e Biden venceu, largamente, no país, graças às mulheres de todas as raças e idades. Em Portugal, Marcelo estará em Belém por mais cinco anos, sem polémicas nem contestação. É de outra ordem a dúvida que ficou no ar: em que medida podem estes resultados ser extrapolados para as próximas eleições legislativas? Uma sondagem da Universidade Católica, feita à boca das urnas, veio dar-nos uma primeira ideia sobre a redistribuição dos sufrágios de Marcelo (que colheu de todas as esquerdas à direita democrática), e os reequilíbrios partidários que se adivinham: um PS (com 35%), um PSD (com 23%), ambos em perda, mas continuando a dominar o largo “centrão” do espectro político. À esquerda e à direita, porém, anuncia-se que nada permanecerá como dantes. A extrema-direita (com 9%) e o centro- direita, do Iniciativa Liberal (com 7%) relegam o CDS/PP para uns residuais 2% – o mesmo que o PAN. O BE consegue segurar 8%, o PCP, derrotado no seu antigo reduto alentejano pelo discurso incendiário de”O Chega”, mantém a posição, (recuperando alguns fiéis tresmalhados) e o “Livre” não vai além de 1%. Que política de alianças permitiria o quadro em que esta sondagem profetiza? Uma nova “geringonça”, não menos instável? Uma (praticamente) impossível reedição do “Bloco Central” de Mário Soares e Mota Pinto? De fora, por força da estatística, e não só, deve ficar o paradigma açoriano… Brada o Ventura que o PSD não pode ser governo sem “O Chega”. Bem pelo contrário: o PSD não pode, a meu ver, nunca, ser governo com “O Chega”! Ganhará, sim, talvez, no plano interno, com ou sem CDS, um novo parceiro possível, ideologicamente distinto, mas decente e democrata – o IL – depois de, a nível internacional, ter pertencido, por largos e bons anos, à Internacional Liberal. No horizonte próximo, este (des)governo não se verá, provavelmente, ameaçado por qualquer alternativa. Não se sabe, porém, se o Presidente andará mais desperto e pronto a “apagar fogos”…

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

AMM - UM TRAJETO DE 25 ANOS

aria Manuela Aguiar Espinho | Portugal Email: mariamanuelaaguiar@gmail.com A ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" - UM TRAJETO DE 25 ANOS Setembro de 2020 Resumo: Os resumos devem ter no máximo 650 caracteres e até 5 palavras-chave. Por fim, sugerem-se um conjunto de pistas para aprofundamento da investigação mais complexa e inovadora na área da exclusão digital. Esse trabalho é particularmente relevante tendo em atenção a falta de investigação em profundidade sobre diferentes níveis de clivagens digitais em Portugal e na União Europeia, mas também por ser necessário compreender melhor como é que os media digitais baseados na Web podem contribuir para o aumento do interesse e da participação cívica e política. Por fim, sugerem-se um conjunto de pistas para aprofundamento da investigação mais complexa e inovadora na área da exclusão digital. Palavras-chave: Exclusões/Clivagens Digitais; Media Digitais Baseados na Web; Internet/Web; Usos políticos dos Media Digitais; Participação Cívica e Política. Abstract: As a consequence of having a theoretical discussion about the digital divide so dispersed along different academic fields, we depart from a situation where the conceptual overlap, difficulties of operationalization and diffuse conceptualizations are the norm. Therefore, an extensive state of the art was required. … Keywords: Digital Divide; Web Based Digital Media; Internet/Web; Digital Media Political Use; Civic and Political Engagement. DRAFT | 12.9 ORIGENS A "Mulher Migrante- Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade" (AMM) nasceu, indiretamente, do diálogo entre governo e movimento associativo, que, no início da década de 80 do século passado, foi o grande destinatário das políticas públicas designadas, no discurso oficial, por "políticas de reencontro". Em termos institucionais, seria através da implementação e regular funcionamento do "Conselho das Comunidades Portuguesas" (CCP), fórum de âmbito mundial, de caráter representativo e consultivo, que se lhes deu, em larga medida, concretização. O 1º CCP era composto por dirigentes escolhidos pelos seus pares, num colégio eleitoral associativo, e por jornalistas - no conjunto, cerca de sessenta, todos homens. No segundo processo eleitoral, em 1983, apenas duas mulheres, ambas oriundas da quota de jornalistas, tiveram assento neste órgão, que espelhava, fielmente, a real desigualdade de sexo no dirigismo comunitário. Bastou, porém, uma mulher, Maria Alice Ribeiro do Canadá, para mudar o "status quo", ao recomendar ao governo, em 1984, a convocação de um congresso de mulheres da diáspora, onde pudessem ter a presença e a voz que lhes faltava no plenário do CCP. O governo deu cumprimento à proposta, e o "1º Encontro de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo", patrocinado pela UNESCO, teve lugar em Viana do Castelo, em junho de 1985. Com esse feito, Portugal transformou-se em país europeu pioneiro, "antecipando em dez anos os esforços das Nações Unidas para o empoderamento das mulheres na sociedade e na política" (Cunha Rego, 2015: 24). Desse encontro, cheio de ensinamentos e partilha de experiências, duas conclusões seriam portadoras de futuro: a ideia de criarem uma organização transnacional que lhes desse força coletiva e visibilidade, e a institucionalização do diálogo com o governo, através de mecanismos de audição periódica das mulheres. A queda do Governo, em 1987, inviabilizou o início dos trabalhos da recém - instituída "Comissão para a Participação e Promoção das Mulheres", que, deveria funcionar, com regularidade, na órbita do CCP. Do lado da sociedade civil, a instância de âmbito internacional em que queriam unir-se tardou, também, em avançar. Só em 1993, a AMM, constituída por escritura pública de 8 de outubro, se veio apresentar como herdeira desse projeto, contemporâneo do início das políticas de género na imigração, em cujo relançamento, vinte anos depois, seria chamada a cooperar. SINGULARIDADES DA ASSOCIAÇÃO "MULHER MIGRANTE" A Associação tem por finalidades estatutárias aquelas que a sua própria designação sintetiza: o estudo da problemática das migrações femininas, a cooperação com mulheres profissionais e dirigentes de associações portuguesas no estrangeiro e de imigrantes em Portugal, o apoio à integração das mulheres nas sociedades de acolhimento, através da ativa intervenção, e o "combate a ideias e movimentos xenófobos" (Gomes, 2014: 46), a que se quis dar todo o destaque na sua divisa: "Não há estrangeiros numa sociedade que vive os Direitos Humanos". Assume-se como integrante dos movimentos de reivindicação da igualdade de sexos, no domínio das migrações, com a consciência de que, aquém das declarações jurídicas de igualdade, as discriminações de género resistem às leis, convertendo as mulheres, de facto, em "estrangeiras no seu próprio país". Num universo associativo feminino da diáspora, ao tempo mais do que hoje, quase exclusivamente dominado por preocupações sociais e culturais (beneficência, solidariedade, defesa da língua e das tradições) o colocar a ênfase em matéria de cidadania era, em si, uma singularidade. E várias outras podia, à nascença, reclamar, como o ser: sediada no país, e voltada, fundamentalmente, para a diáspora feminina; partilhada por mulheres e homens feministas (no sentido em que Ana de Castro Osório falava de feminismo, como "humanismo integral" ), formada por emigrantes (integrando cerca de um terço do total de participantes no Encontro de 1985) e não emigrantes; abrangente, ao colocar, lado a lado, militantes de outros universos associativos, em particular, o feminino, o jovem e o sénior, os sindicalistas, os "media", os investigadores, através dos quais combinava a vertente de estudo e o intervencionismo social. Ao longo de 25 anos de atividade, que neste ano de 2020 se perfazem, a AMM tem sido um "fórum" interassociativo de reflexão e debate, a que nunca faltou o enquadramento científico e vontade de combate no terreno. Com esse perfil revelou virtualidades logo num primeiro empreendimento, o congresso mundial de 1995, que trouxe a Espinho, para uma semana de trabalho sobre temáticas de género e geração, cerca de 400 participantes, mulheres líderes de comunidades dos cinco continentes, políticos, jornalistas, funcionários da administração pública e grandes nomes da comunidade académica. Um "encontro de mundos", que raramente se aproximam e dialogam abertamente, de igual para igual, paradigma de inúmeras outras reuniões em que a AMM prosseguiria o seu escopo de lançar sobre o fenómeno da emigração um olhar global, inclusivo da metade feminina, pela via de um "congressismo" capaz de analisar situações, repensar estratégias e desencadear as dinâmicas da ação direta. No seu percurso, distinguiremos duas fases: 1 - a década 1995/2005, na sequência do congresso de Espinho, é caraterizada pelo alargamento da rede de delegações e de congéneres, entretanto criadas no estrangeiro - cada qual atuando na sua área territorial - e pela militância no interior do país, em colaboração com a CIDM, o Alto Comissário para as Minorias Étnicas, autarquias, paróquias, escolas. Atenta ao evoluir da situação na diáspora, tanto quanto aos problemas sociais da chamada "nova imigração" (que chegava do leste europeu a um país impreparado), e aos suscitados pelo retorno definitivo de centenas de milhares de portugueses, no fim de ciclo das migrações de 60 e 70 - sabendo, sobretudo que, para as mulheres, o regresso significava, em inúmeros casos, regressão, perda do estatuto de independência económica, lá fora ganho, pelo acesso a emprego remunerado e por uma superior capacidade de inserção social. 2 - a partir de 2005, numa "segunda vida", a AMM expandiu a sua ação fora de fronteiras e dedicou grande parte da sua energia à tarefa de coparticipação com a Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas na equacionar e levar à prática a componente de género que, desde então, as políticas públicas passaram a integrar. Assim, numa nova era, se assiste ao verdadeiro ressurgimento do espírito que animou o mítico "Encontro de Viana. CONGRESSISMO PARA A IGUALDADE Os "Encontros para a Cidadania" e os Congressos Mundiais de Mulheres Migrantes A celebração de uma efeméride pode esgotar-se em si mesma, ou, pelo contrário, ser o ponto de rotura face a um passado de inércia, como aconteceu com a proposta de comemoração dos 20 anos do 1º Encontro, dirigida pela AMM ao Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. António Braga decidiu ir além do solicitado e programar ações para a legislatura, instando a "Mulher Migrante" a converter-se em "parceiro privilegiado para o desenvolvimento de políticas de género" (Aguiar, 2009, 109). De facto, incumbindo-a de planificar e operacionalizar os "Encontros para a Cidadania - a Igualdade entre Mulheres e Homens", em grandes regiões da emigração portuguesa, a fim de fazer o ponto de situação, promover a valorização da contribuição feminina, o seu empenhamento cívico, e, como meta, a "igualdade de género, independentemente de serem ou não residentes em Portugal" (Lacão, 2009: 11). Era, tardiamente embora, a primeira vez que um Plano Nacional para a Igualdade abarcava a Nação inteira, não esquecendo a sua diáspora Com a Presidência de Honra de Maria Barroso, o comparecimento de um membro do Governo (António Braga ou Jorge Lacão, Secretário de Estado da Presidência), e a coordenação da AMM, os encontros tiveram lugar em: Buenos Aires (o da América do Sul, em 2005), Estocolmo, (o da Europa, em 2006), Toronto, costa Leste, e Berkeley, costa Oeste, os da América do Norte, em 2007, Joanesburgo, (o da África, em 2008). O processo de execução local ficou a cargo de ONG's femininas - a AMM da Argentina, a Federação de Mulheres Lusófonas (Piko, com sede na Suécia), a Cônsul-Geral de Toronto, Maria Amélia Paiva, coadjuvada por uma comissão de ONGs femininas luso-canadianas, Deolinda Adão, professora da universidade de Berkeley, representante da AMM nos EUA, e a Liga da Mulher da África do Sul. Os encontros tiveram significativa presença masculina do CCP, do meio associativo, académico e político. Em 2009, o "Encontro dos Encontros” em Espinho, procedeu, a partir da explanação das relatoras de cada reunião regional, ao balanço final, numa perspetiva comparatista de situações muito diversas, e fechou este primeiro ciclo, com a propositura de mais iniciativas, numa linha de continuidade. Em 2011, o Secretário de Estado José Cesário convidou a AMM a colaborar, do mesmo modo, na prossecução das políticas, em novos moldes, num crescendo de ritmo e esforço mobilizador, através da convocação bienal de congressos mundiais, alternando com multiplicação de encontros de proximidade, nas comunidades. Nesse mesmo ano, mulheres dos cinco continentes vieram à Maia para historiar, numa perspetiva diacrónica, o percurso de luta pela igualdade e até ao presente e ao devir que se desenha em cada diferente comunidade, evocando, à partida, os exemplos das líderes feministas do início de novecentos e de Maria Archer e Maria Lamas, suas continuadoras, no país e nas terras de exílio, antes de restauração da democracia, Em 2013, no Palácio da Necessidades, onde as mulheres puderam, pela primeira vez, dialogar diretamente, com o governo, foram sublinhadas novas expressões da cidadania, assim, se alargando o campo em que deve incidir a tarefa fundamental, que o artº 109 da Constituição incumbe aos Estado de promover a igualdade real entre sexos. Em 1912, nos colóquios, direcionados a diversas comunidades, deu-se primazia ao associativismo sénior, divulgando o modelo português das chamadas universidades ou academias seniores, que, entre nós, são maioritariamente frequentadas, e até dirigidas por mulheres, da geração mais velha. Em 2014, olhou-se o panorama de “40 anos de migrações em liberdade" uma data que é ainda mais importante para os mais discriminados, como as mulheres e os emigrantes - numa série de conferências e reuniões organizadas com associações e com a Universidade Aberta de Lisboa, e as universidades de Berkeley, San José da Califórnia, Sorbonne e Toronto. Nos últimos anos, a Associação "Mulher Migrante" vem homenageando, em conferências e em publicações, personalidades que são fonte de inspiração, por terem feito das suas vidas prova da qualidade humana que lhes conferia o estatuto de igualdade, muito antes das as convenções e as leis da República o admitirem- caso de Archer, Maria Lamas, Maria Barroso, Ruth Escobar, Natália Correia, figuras nacionais, assim como outras das próprias comunidades, muitas delas pioneiras do "Encontro" de Viana, que não pode deixar no esquecimento, designadamente, Malice Ribeiro, Fernanda Ramos, Manuela Chaplin, Benvinda Maria, Mary Giglitto, Laura Bulger, Berta Madeira... A prioridade ou saliência reconhecidas pela AMM ao campo do associativismo, um legado do encontro de Viana, mantêm-se, ancoradas na constatação, ainda atual de que tem sido bem mais fácil a afirmação do estatuto cívico e profissional das emigrantes nas sociedades de acolhimento do que no interior das comunidades portuguesas e suas instituições, onde a rígida e tradicional divisão de trabalho entre os sexos é comum, poucas sendo as que conseguem ascender a cargos diretivos. Os progressos que, desde a década de oitenta do século passado, se podem registar são globalmente poucos, lentos e muito desiguais na geografia das comunidades, em prejuízo da regeneração do tecido associativo, que necessita de se redimensionar na junção da metade feminina, de, com ela, se adaptar à evolução das migrações. Para o demonstrar, a AMM vem, crescentemente, ensaiando a composição paritária dos seus eventos, levando o debate sobre a reconfiguração dos papéis de género a cenários improváveis, onde, como a experiência comprova, tem perfeito cabimento, caso da agenda cultural dos festejos do 10 de junho, dos grandes Encontros dos Portugueses do Cone Sul da América, de comemorações do Dia da Comunidades Luso- Brasileira, das tertúlias de Academias do Bacalhau, das Bienais de Artes Plásticas (a Bienal de Espinho, a de Gaia, que se considera "uma Bienal de causas") ... Nem por isso a AMM desvaloriza o papel histórico, ainda hoje insubstituível, das diversas formas de ativismo feminino, ONG's em que se corporizam (nas quais se incluem as suas próprias delegações e associações filiadas), movimentos com os quais, na sua trajetória de vida, tem somado colaborações, nomeadamente "A vez e a voz da Mulheres", "Mulheres em Movimento", PIKO, Liga das Mulheres da RAS, Sociedade das Damas Portuguesas de Caracas. Da periferia em que, no associativismo das comunidades, foi colocado o feminino, se pretende, agora, por diferentes vias, atingir a igualdade, ainda utopia. Nas últimas eleições para o CCP (em 2015), a fraca proporção feminina, não obstante se lhes aplicar a Lei da Paridade, veio comprovar quão longe estamos dessa meta! Contudo, num contexto geral dececionante, a inesperada vitória eleitoral das dirigentes das Associações “Mulher Migrante", quer na Argentina, quer na Venezuela foi, por contraste, revelador da importância da expansão do associativismo de pendor cívico, que a AMM vem fomentando. Aqui deixamos um simples apontamento de momentos chave de uma caminhada, do impulso que a moveu, dos instrumentos de que se serviu - que foram afinal, o modo como fez valer as suas causas nas circunstâncias que, em tempos irrepetíveis, se lhe ofereceram. Não procedemos a uma enumeração da longa lista das suas realizações, ou das muitas individualidades que a marcaram, construindo o seu pensamento, desde a fundação. Apenas lembraremos a memória de Rita Gomes, que, por largos anos, encabeçou e sustentou o projeto e com ele se identificou. Nesse projeto cabe todo um coletivo complexo e heterogéneo, de mulheres, que a história da emigração, padronizada no masculino, sempre ocultou, mas que, na realidade, se emanciparam pelo trabalho, se abriram à modernidade de outras sociedades, foram e são, verdadeiras construtoras de pontes entre nações e culturas. Referências bibliográficas: Aguiar, Maria Manuela; Guedes, Graça; e Santiago, Arcelina [coord.] (2015). Entre portuguesas. Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Espinho: Associação Mulher Migrante. Aguiar, Maria Manuela; Guedes, Graça; e Santiago, Arcelina [coord.] (2014). 1974-2014. 40 anos de Migrações em Liberdade. Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Espinho: Associação Mulher Migrante. Aguiar, Maria Manuela e Aguiar, Maria Teresa [coord.] (2009). Cidadãs da Diáspora. Edição Mulher Migrante - Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, Lisboa/Vila Nova de Gaia: Associação Mulher Migrante.

CCP VOTO NA AR

GRUPO PARLAMENTAR   Grupo Parlamentar do PSD apresenta Voto de Congratulação pelos 40 anos do Conselho das Comunidades Portuguesas PROJETO DE VOTO N.º …. /XIV/1.ª DE CONGRATULAÇÃOPELO 40.º ANIVERSÁRIO DA CRIAÇÃO DO CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS Ao longo das últimas quatro décadas, o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) assumiu um papel central no plano da representação e da organização das comunidades portuguesas no estrangeiro. Embora a sua estrutura tenha evoluído profundamente, passando de um órgão representativo do movimento associativo para uma espécie de parlamento, com os seus membros eleitos diretamente pelos cidadãos eleitores, a verdade é que o CCP soube ser absolutamente central no domínio do debate das grandes questões que afetaram as nossas Comunidades.Faz assim pleno sentido, assinalar de forma especial, o momento em que, há 40 anos, por iniciativa de Manuela Aguiar, a então Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas do Governo liderado por Francisco Sá Carneiro, se realizou o Congresso que deu origem a este Conselho.Assim, a Assembleia da República, reunida em Sessão Plenária, assinala os 40 anos do Conselho das Comunidades Portuguesas, felicitando muito especialmente a Dra. Manuela Aguiar e todos os representantes das mais diversas Comunidades, que participaram na sua criação.  Palácio de São Bento, 23 de setembro de 2020  Carlos Alberto GonçalvesDeputado GP PSD  - Círculo Eleitoral da EuropaVice-Presidente da Comissão deNegócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas