sexta-feira, 25 de julho de 2014

Revolução e feminismo em Portugal - - inc

... entre nós, é legítimo levantar a dúvida : continuará a ser praticamente tudo como dantes,
apenas de uma forma larvada mais subtil? Apesar da perfeita revolução operada na esfera jurídica, no pós 25 de Abril - que essa é perfeita e objectiva! - apesar da igualdade entre os sexos, consagrada na
Constituição, desde 1976, e nas leis, que com ela têm de conformar-se, o nosso parece ser um dos países europeus da "União" onde é mais raro encontrar responsáveis, a alto nível político, que demonstrem, na prática, encarar a matéria do equilíbrio de participação como vertente nuclear de um "avanço civilizacional". Há mais de um século, já Emmeline Pankhurst identificava avanço civilizacional, com o pleno acesso da Mulher ao poder. Ao tempo, em Portugal, os líderes de
uma República, que se olhava como moderna e progressista, recusaram o direito de voto às mulheres, do primeiro ao último dia, e, a meu ver, não foi por acaso. Foi por força de factores culturais, que pesaram mais do que a vontade de seguir os bons exemplos de outras repúblicas e monarquias europeias.
 Este fundo cultural condiciona fortemente o tratamento dado ao debate sobre os papéis de mulheres e homens na sociedade e na vida pública. Se assim é, em termos gerais, mais o é , certamente, no domínio das migrações. Acresce o facto de a emigração portuguesa ter sido, ao longo de séculos, uma aventura predominantemente masculina (5) A emigração feminina cresceu, porém, ao longo de oitocentos e atingiu a igualdade numérica, nos anos 70/80 do século XX (7). E, a partir daí, muitas perguntas se devem pôr... Por exemplo: Qual a parte das mulheres, na construção das
comunidades portuguesas?(8) O que significou para elas a o trajecto migratório, no estrangeiro? (9) Pode a alegada decadência do movimento associativo em certas comunidades, ser combatido com a maior mobilização das mulheres? Há uma consciência disso, por parte delas mesmas, dos dirigentes associativos e dos governantes? Como se vêm as migrantes, na sociedade em que vivem, e face àquela de onde vieram?
"Os Encontros para a Cidadania - A igualdade entre homens e mulheres nas comunidades portuguesas" representaram uma via de procura de respostas para essas e outras interrogações. Com a particularidade de ser empreendida, em conjunto, pela "sociedade civil" - usemos o termo, sabendo, embora, que tem os seus detractores - e o Estado. Proposta por aquela, decisivamente apoiada por este. Mais concretamente, proposta pela Associação Mulher Migrante e subsidiada pela Secretaria
de Estado das Comunidades Portuguesas, com um envolvimento político muito grande dos Secretários de Estado da Presidência do Conselho de Ministros e das Comunidades Portuguesas. Vamos olhar, de perto, esta experiência, que , de algum modo, pode significar o início de uma
ruptura com o passado, que parece pesar sobre nós. O passado de indiferença e de desvalorização da "questão feminina" ou "feminista" -

Mestre António Joaquim

Conheço Mestre António Joaquim e o seu trabalho há muitos anos e é-me difícil dizer se gosto mais da Pessoa, da sua cativante simplicidade e grandeza de espírito, se do Artista, tão ousado e tão bem sucedido no intento de procurar e de conseguir a perfeição pintada numa tela.


Foi, todavia, há poucos anos, em 2010, que o acaso me permitiu acompanhar de perto a aventura que foi organizar, num curto prazo, e viver, no dia a dia, uma exposição, uma grande retrospectiva da sua pintura. O acaso de ser vereadora da Cultura numa Câmara Municipal e de dispor de um espaço condigno à espera de uma inauguração que se queria memorável. O acaso de um encontro imprevisto com Mestre António Joaquim, que me permitiu lançar-lhe, de imediato, o desafio de ser ele a protagoniza-la. E ele, de imediato, aceitou, num gesto espontâneo e generoso - verdadeiramente idiossincrático, a revelar a forma como sempre sabe dizer "sim" aos amigos, dizer "sim" à inovação.

E, graças a esse gesto, veio a ser aberto, em festa, com uma multidão de participantes, vindos do norte e do sul do país, o imenso espaço das galerias do Museu Municipal de Espinho, duas galerias geminadas que parecem correr para o mar, intermináveis... A inauguração marcou, realmente, os anais do Museu e da vida cultural da cidade, com o nome e a arte de Mestre António Joaquim, o tão admirado quase conterrâneo - natural da Feira, a antiquíssima terra mãe de Espinho que o recebia com o maior entusiasmo .

Recordo como um tempo particularmente feliz o desse acontecimento que durou apenas um mês de Setembro, único, intenso, irrepetível. O tempo de viver o presente, que iria"fazer história", de olhar as paredes longas, transfiguradas num deslumbrante mural de obras-primas, guardando imagens, sensações, antecipando a saudade e a memória, que ficaria para sempre.

Eram dezenas de telas, reunidas numa sequência que lhes dava um destino próprio, naquele espaço e naquele tempo particulares, onde pareciam existir só para nós. Através delas seguíamos o percurso de uma carreira fulgurante e multifacetada, numa mostra de talento espelhado em mensagens de luz, de cor, de emoção – no desenho, na aguarela, no óleo, no acrílico, no pastel

Retratos, figurações, gente, terras, paisagens... As famosas portas... O Porto envolto em bruma... O castelo da Feira na lonjura, imperecível, por sobre as efémeras, mas sublimes tonalidades de Outono... Espinho, o mar e a gente, perpetuados m linguagem pictural, na faina, que Unamuno eternizou na escrita. Na cadência de uma "viagem de descoberta" em que víamos e revíamos, todas e cada uma das telas, e em

que nos sentíamos destinatários e como que, de algum modo, participantes no mistério da sua criação, experimentando sensações novas, reinventando sentidos para a beleza pura das imagens...

E é assim em cada nova exposição de António Joaquim, como a da agora, como as que se seguirão - encontro em que temos o privilégio de conviver com o inigualável comunicador que ele é, pela humanidade e alegria que põe na palavra, como na pintura.

ponte de afetos


Navegar num encontro de mares, por espaços que guardam a memórias de naus e caravelas, e construir na viagem uma ponte feita de sentimentos e de convergência de visão das coisas essenciais - como na história antiga, hoje, de novo, nas aguarelas suavemente evocativas, e nas palavras breves e significativas dos poemas  de Isabel Saraiva. Olhares, expressões que se cruzam, que se reconhecem num entrelaçamento de culturas, na admiração das singularidades do outro. É o segredo da amizade que perdura indestrutível na ponte de afectos que vai do Porto a Nagsaki, que do "Dai Nippon" ao Portugal grande da aventura marítima  

Diáspora O outro Portugal

1 - Falar de comunidades portuguesas tornou-se uma outra maneira de dizer emigração. Dá-se -lhes, correntemente, um significado estatístico - a comunidade portuguesa de França conta um milhão de portugueses, a da Africa do Sul  meio milhão... E assim se vão somando milhões, por alto, porque ninguém sabe, com inteiro rigor, quantos são (e, quase sempre, ficam aquém da realidade, num universo em expansão, sempre que novos portugueses começam a ver-se como tal, reclamando a sua ascendência…)
Aprendi, logo na minha primeira visita "à comunidade da América", em 1980, que o que interessava, em termos de presença e influência portuguesa, era essencialmente de ordem qualitativa e não quantitativa - era a organização do grupo, não "a comunidade" abstrata, mas no plural, "as comunidades", num sentido orgânico e dinâmico.
Depois, em muitas outras visitas circulares, a correr de cidade em cidade, recebida nas associações, nas escolas, nas paróquias portuguesas (normalmente sem tempo para ver o resto da cidade) repetiu-se a extraordinária sensação de que regressava ao país, sem nunca dele ter saído... Tudo o que possamos ter lido e ouvido de terceiros não nos prepara, nunca, para o que vamos viver, na convivência com esses outro Portugal, mais emotivo e mais consciente de si, que é, como recentemente afirmava o Prof Adriano Moreira, a "Nação dos afetos" - um espaço extra territorial de saudade e presença lusófona, (em alguns casos já somente lusófila...), onde tem a sua sede um conjunto de instituições, que os cidadãos construíram para suprir a grande ausência do Estado Português, no plano social ou no da cultura.
Esses mundos, nossos, são criados não diretamente pelo movimento migratório -  que seria, como aliás à partida se esperava, fator de dispersão e perda certa -  mas, sim, por um poderoso movimento associativo,  pura "sociedade civil". De país para país, sem qualquer ligação entre si, em cada novo ciclo migratório, a reação dos Portugueses foi espantosamente idêntica. Com dimensão variável, porque são diferentes os meios postos ao serviço do projeto comunitário, por todo o lado encontramos associações de solidariedade, de defesa da língua e da cultura, centros recreativos e  clubes desportivos. A semelhança só pode vir de paradigmas de organização trazidos da terra de origem ("réplicas" de aldeias portuguesas, na expressão de alguns especialistas neste domínio). O orfeão, o rancho folclórico, o teatro de amadores, o clube de futebol... As beneficências (n" misericórdias"), as sociedades fraternais, as escolas, os lares de idosos... A Igreja, as Sociedades do Divino Espírito Santo, que se espalham, às centenas, no mapa da Califórnia e noutros lugares de imigração açoriana...
Se a existência deste imenso património tivesse dependido do mais pequeno gesto do Estado Português, nem uma só dessas estruturas (algumas monumentais, como as do Brasil) teria conseguido erguer-se. Bem poderíamos parafrasear o Presidente Kennedy, mas usando o tempo pretérito: “não lhes perguntem o que o Pais fez por eles, perguntem-lhes o que eles fizeram pelo País”.
 
2 - A obra está por todo o lado, como os próprios portugueses. É uma obra que se deve à reconversão de uma tradicional emigração de homens sós (consentida e privilegiada pelo Estado, sempre sedento das remessas que nessa situação necessariamente mandavam para a terra...) em emigração familiar, com a sua metade feminina - quase invisível na direção das instituições mais antigas, mas determinante em termos de integração na sociedade estrangeira e na vida das organizações de cultura portuguesa,  que, aliás, se vão abrindo à sua participação igualitária,  pouco a pouco...
As instituições mais do que centenárias encontraram sempre continuadores, mas, tal como muitas outras, um pouco por todo o lado,  há algum tempo, começaram a questionar seriamente o seu futuro, visto como dependente da renovação dos fluxos migratórios .
O discurso oficial, no período posterior à adesão à CEE (esse “clube de ricos”), chegou a anunciar o fim dos tempos da nossa emigração! E os Portugueses acreditaram, durante cerca de 20 anos, porque o fenómeno migratório se devera à pobreza, que parecia coisa do passado...
Ora a pobreza está, hoje, de volta ao País, pela mão de um Governo jovem, que não hesita em levar a cabo um programa de empobrecimento geral, de destruição das classes médias. E, assim, um novo ciclo de emigração se desenha, - emigração desmesurada como aquela que há precisamente um século, o Prof Fernando Emygdio da Silva denunciava chamando-lhe “emigração delirante”, Saem todos  os que podem sair -- os mais e os menos qualificados, os mais jovens e os mais velhos, os homens e as mulheres (as mulheres, ainda uma minoria, é certo, mas, pela primeira vez, autonomamente)
Estará à vista a solução para uma segunda vida do associativismo, das comunidades da Diáspora.?
Ninguém pode ter certezas. Tudo vai depender da atitude com que partem. Como desistentes, deixando o País para trás, ou como resistentes, levando o Portugal consigo…
 

Cidadania Feminina

Quando se fala em direitos da cidadania para as mulheres, é comum pensar directamente no sufrágio, na capacidade eleitoral activa e passiva. E, embora este Encontro ponha o enfoque sobre outras formas essenciais de a Mulher se expressar, como igual ao Homem, em diversos domínios, não deixámos de começar pela sua intervenção no mundo, ou, como prefere dizer a Drª Maria Augusta, nos mundos da política.
 Afinal foi justamente neste espaço que se desenrolaram as primeiras lutas das nossas avós sufragistas, aqui bem  lembradas  pela deputada Maria João Ávila, numa excelente introdução que tantas pistas nos dá para o debate
Desde logo com a citação de Abigail Addams, que já em 1776 se dirigia ao Congresso americano nestes termos:
 
"Se as senhoras não receberem cuidado e atenção especiais, estamos determinadas a fomentar uma revolta e não nos consideraremos obrigadas a cumprir a lei , diante da qual não temos voz ou representação".
 
Em Portugal, nos inícios do Século XX, Ana de Castro Osório diria praticamente o mesmo:" Não podemos considerar nossa uma República onde não temos direitos, onde não temos voz para protestar"
 
O eco longo do mesmo sentimento de injustiça e exclusão, tantos anos depois, era o sinal de que muito poucas tinham sido as mudanças...ou os ganhos!
E, agora, no século XXI, depois de mutações radicais, no que respeita às leis da igualdade, mas perante números de gritante" imparidade" de género no campo da participação concreta, do acesso a cargos políticos, em quase todos os países, a pergunta é: o que fazer,  no País e nas comunidades da emigração?

ENTREVISTA DE J RODRIGUES E Mª DO CÉU CAMPOS


1 - A "Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e
Solidariedade" (AEMM) tem esta designação muito longa a fim de chamar
a atenção para as três vertentes em que trabalha, tanto em favor das
estrangeiras em Portugal como das portuguesas no estrangeiro. Grande
parte da sua actividade desenvolve-se dentro do país em colóquios, em
debates, na promoção de estudos e de informação sobre a emigração e a
imigração, em campanhas de sensibilização para a vivência da cidadania
pelos estrangeiros, e, em particular, pelas mulheres. A AEMM está
eleita, por larga margem de votos, para a Comissão Municipal de
Interculturalidade e Cidadania (da Câmara de Lisboa) e para o Conselho
Consultivo da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, é
reconhecida pelo Alto Comissariado para para a Imigração (ACIDI),
colabora com outras associações, com Universidades, centros de
investigação, escolas, Câmaras Municipais. Uma agenda cheia, com a nossa
diáspora feminina sempre presente!
Fora do País, mantemos contacto e cooperação permanente com uma rede de
parceiros, que começou a desenhar-se num Encontro Mundial de Mulheres
da Diáspora, que realizámos em 1995, em Espinho, e que contou com mais de 300
participantes. Ficámos, desde, então, com interlocutores e
representantes em países de todos os continentes. Temos núcleos nos EUA, em
Newark, no Brasil (Rio e São Paulo) e "associações irmãs" na Argentina - já com
um longo e notável percurso - e na Venezuela, esta constituida há poucos meses.
Depois de um novo Encontro Mundial em Novembro de2011, na cidade da Maia, o
ano de 2012 foi um período de expansão, nas Américas, e na Europa, onde destaco o
movimento que se está a iniciar na Inglaterra - as "Lusófonas de
Londres" - e a criação de Academias Séniores em Toronto e Buenos Aires.
Na AEMM, acreditamos nas virtualidades do chamado" congressismo", que
foi tão importante nos inícios do movimento feminista, desde fins do século XIX.
E continua a ser! Debates, seminários, reuniões internacionais, têm-nos servido para
apresentação de estudos e teses científicas, para partilha de experiências, para dar uma visão
comparatista dos problemas e de soluções possíveis. Mas, à força das palavras,
das ideias, tem de seguir-se a força das acções - o que nem sempre se
consegue. Nós podemos levar sugestões, propostas a círculos das
comunidades, mas a obra, quando se afirma, é mérito de quem trabalha
em concreto para implementar os projectos, quer de forma autónoma, quer
com a nossa em colaboração.


2 - A emigração têm feito parte da minha vida ao longo dos últimos 25
anos. É um domínio que me interessa pessoalmente, humanamente, muito
para além de cargos politicos que exerci no passado, cada vez mais
distante. Não pretendo ser uma autoridade na matéria, mas reconheço
que tenho observado, acompanhado e procurado agir em favor da melhoria
do estatuto de direitos e da abertura efectiva à participação
igualitária dos emigrantes, sem esquecer as mulheres.
Vejo a emigração, ao contrário do que se previa e dizia, como uma via
de emancipação das mulheres, porque, em geral, lhes dá acesso ao mundo
do trabalho, e, com isso, autonomia e uma boa integração na nova
sociedade, que acaba por influenciar poderosamente a integração de
toda a família.
Na Europa essa é, de facto, a regra. Nos EUA e no Canadá, também. Por
isso, nesta parte do mapa das nossas migrações há mais semelhanças do
que diferenças, no que respeita à situação das portuguesas. Nos outros
continentes há mais mulheres que se mantêm nas funções tradicionais.
Quanto mais elevado é o rendimento ou estatuto do marido, mais isso
tende a acontecer... Mas praticamente só na 1ª geração. As jovens
enveredam, quase todas, por carreiras profissionais, para orgulho de
suas mães.
No que respeita ao percurso feminino no nosso associativo, os obstáculos têm
sido enormes, embora haja progressos, aqui e ali, não ainda genericamente. Este
é um dos dados de facto que explica a subsistência do associativismo feminino e
que justifica a necessidade do seu crescimento. Pessoalmente, penso
que o equilíbrio de género no dirigismo associativismo é o ideal, a meta final.
Nós, na AEMM, temos como membros de pleno direito mulheres e homens, que,
lado a lado, lutam pelas mesmas causas. As questões de género
respeitam a todos e todos devem contribuir para sociedades mais
justas, mais inclusivas e, por isso, também mais eficazes e até mais
felizes...


3 - A ideia da igualdade de género faz hoje um percurso triunfante em
sociedades democráticas, mas não podemos esquecer que é coisa muito
recente - décadas, menos de um século - e que em grandes regiões do
mapa-mundi, persistem situações de verdadeira escravatura das mulheres.
A revolução democrática passa pelo interior da família, que agora assume o seu
governo em diarquia de marido e mulher, iguais em direitos e em poder
de decisão. Famílias mais dialogantes também em relação aos filhos.
Com os homens a assumirem crescentemente a parentalidade, as
obrigações no lar e as mulheres a intervirem, como cidadãs e
profissionais, fora de casa, onde estavam tradicionalmente
"emparedadas" .
Eu adiro ao adjectivo que usou:equilíbrio salutar! O equilíbrio é sempre
salutar. Permite a cada um escolher o seu caminho, sem a barreira dos
preconceitos, que predeterminavam as funções de cada sexo. É no
pluralismo de opiniões, de sensibilidades e de culturas, no qual se
engloba a componente de género e geração, que a democracia caminha e
se aprofunda. Por isso, para acelarar o ritmo das transformações, no
campo da política, sempre defendi o sistema de quotas para chegar à
paridade, com base na presunção realista da igualdade de capacidades entre os
sexos. Como costumo dizer, "à sueca"! Os resultados estão à vista,
tanto na Suécia e outros países nórdicos, como no sul da Europa, com a
Espanha à frente.. A recente introdução de quotas para mulheres e
homens na administração de empresas privadas, em países pioneiros,
como a Noruega ou o Canadá, traduziu-se em ganhos enormes de
produtividade e de lucros. Mostram-no os números, objectivamente. E
não creio que sejam fruto de uma superioridade feminina, mas sim da
conjugação criativa de modos diversos de ver e de actuar de homens e
mulheres. É o efeito do equilíbrio salutar, que a AEMM tanto se
empenha em promover em clubes e associações.


4 - Ao longo dos anos, fizemos várias visitas semelhantes, quase
sempre preparadas com antecedência, mas concentradas no tempo de
estadia, que é sempre breve. A forma como decorrem, o número e qualidade
das intervenções podem ser um bom preságio, mas o mais importante é o dia seguinte...
É a sequência! Temos essa experiência vivida desde os "Encontros
para a cidadania", que levamos a cabo em vários continentes e países,
entre 2005 e 2009, com o apoio muito directo do Secretário de Estado António
Braga. Uma forma de parceria que prosseguimos com o Dr José Cesário.
Devemos-lhe o estímulo e o apoio para a realização do Encontro
Mundial de Mulheres da Diáspora em Novembro de 2011. A partir daí, a
convite de participantes desse Encontro, relançamos iniciativas de
mobilização das mulheres das comunidades, para maior intervenção, com
desenvolvimento de projectos, como o das universidades seniores (ou
academias e tertúlias de convívio para os mais idosos), ou a recolha
de narrativas de vida, que são meio insubstituivel de fazer a própria
história da emigração no nosso tempo.
Ultimamente, temos posto o acento também no domínio cultural, na
defesa da língua, nas artes pláticas, na escrita - aquele em que as
mulheres são já iguais aos homens. Há que realçar esse facto, para
que sirva de estímulo a outras mulheres. Foi o que procuramos fazer em
2012 em diversas comunidades, em algumas já com resultados visíveis.
Noutras, caso da Alemanha, que foi a última do ano, é cedo para fazer
o balanço. Foi através da Maria do Céu Campos, uma das mais activas
participantes no Encontro Mundial de 2011 e a nossa principal
interlocutora na Alemanha, que obtivemos o contacto de Maria Kosemund
e das outras organizadoras das reuniões de Mainz e Wiesbaden. Acredito
que tentarão concretizar as principais propostas aí apresentadas. E queremos
continuar o trabalho noutras regiões, com outras comunidades.

5- A meu ver, na Alemanha, como um pouco por todo o lado, há no
associativismo lugar para maior intervenção feminina, em outros
moldes, em outros patamares. Estar na cozinha, assegurando uma das
principais fontes de receita dass colectividades, manter "a casa em
ordem", como acontece na sua própria casa, é certamente importante.
Mas porque não poderão também pertencer às direcções? Aí poderão
inovar, tornar as sedes mais atraentes para os jovens, que tendem a
afastar-se, para os mais velhos (que lá poderiam, como em algumas já
acontece, ter o seu "centro de dia", a sua "universidade sénior", a
sua margem de intervenção), para as próprias mulheres, para acolher os
emigrantes que estão a chegar... Hoje, em muitas regiões do mundo,
fala-se de decadência do associativismo, da dificuldade de encontrar
dirigentes. Dar lugar às mulheres duplica o campo de recrutamento e
pode trazer interessantes propostas, num novo relacionamento de género
e geração.
Acredito que isso aumentará a convivialidade e o dinamismo social, que
pode igualmente ser favorecido por esquemas mais informais de
organização, como grupos de reflexão e de intervenção social, círculos
culturais, literários, musicais, simples tertúlias de amigos, vindos
dessas "minorias" mais marginalizadas, se souberem atraí-las à sede
das associações.
Na nossa mais recente publicação,, uma revista que tem por título
"Entre Portuguesas num mundo sem fronteiras", entrevistámos o Dr José Cesário
e fizemos manchete com esta sua declaração "sem Mulheres, não há reforma no
associativismo". É verdade e é bom que os governantes o reconheçam.


6 - A história da emigração portuguesa mostra que os laços de ligação
ao País não se perdem com o enraizamento noutras sociedades. Pelo
menos no que respeita às primeiras gerações. E, às vezes, também até
nas gerações seguintes, muito por mérito e influência das Mães e das
Avós, que ensinam aos jovens a sua língua e a afeição à sua cultura.
Os governos não conseguem alterar isto! Sabemos bem que não só a
Alemanha, mas quase todos os países europeus de imigração desenvolvem,
mais ou menos abertamente, políticas de pura assimilação dos estrangeiros,
ao contrário do que acontece nas Américas, em países construidos por gente
de todas as origens e, por isso, conscientes de uma identidade nacional feita de
diversidade étnica e cultural.
Ao longo da minha vida na política lutei sempre pela dupla nacionalidade, dentro
e fora do país, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na
qual fui representante de Portugal durante 13 anos. Considero que dupla nacionalidade
corresponde à dupla ligação genuina, sentida a duas Pátrias, unidas no percurso
migratório individual. Como nós amamos Mãe e Pai a 100%, também podemos
amar duas culturas e dois países a 100%.
Acredito que as Portuguesas da Alemanha serão sempre portuguesas e
espero que se sintam, também, alemãs, correspondendo à vontade da
Alemanha de as tratar como tal. E ainda bem - ainda bem que superou a tese
dos imigrantes como "trabalhadores convidados".


7 - Gostaríamos de contribuir para um melhor conhecimento do papel das
portuguesas na sociedade alemã, para um movimento de cooperação entre
elas e de poder dar testemunho dessa realidade nas nossas
publicações, divulgando-a junto das nossas associadas em outros
países. De ser um elo de ligação entre as Portuguesas da Alemanha e as
Portuguesas com quem já cooperamos noutras latitudes.
Referirei alguns dos projectos que lançámos para cumprir as
recomendaçõe do Encontro Mundial de 2011: as Academias Séniores de
Artes e Saberes (ASAS). a recolha de histórias de vida, de que já
falei, o levantamento da situação das mulheres no dirigismo
associativo, o acompanhamento da nova emigração, com estudos,
estatísticas, abordagem dos seus problemas, enfoque nas suas realizações,
debate sobre as duplas pertenças e a capacidade muito
feminina de preservar o património cultural (as mulheres guardiãs da
cultura e promotoras de integração, como disse), e ligado a este
aspecto, a preservação da memória, a homenagem a mulheres
excepcionais, que foram forçadas ao exílio, como Maria Lamas e Maria
Archer, jornalistas, escritoras, que dedicaram a vida à luta pelos
direitos da mulher, e pela liberdade e democracia para Portugal e que
nós lembrámos, recentemente, numa sucessão de colóquios, no Teatro da
Trindade, em Lisboa, no Guarani, no Porto, em bibliotecas, em escolas,
com publicações, cujo lançamento é ocasião para novos debates. Isso tem
acontecido no país, de norte a sul, e é nosso propósito estender a
iniciativa às comunidades, destacando exemplos da emigração do passado
para pensar a do futuro.
Há muito mais a fazer, na linha das propostas feitas pelas Emigrantes no
congresso de 2011! Pergunta-me como resolvemos a questão de encontrar
locais para as nossas reuniões. Em regra, contamos com outras instituições
que nos abrem as portas, em salas de associações, anfiteatros de municípios
ou universidades, bibliotecas públicas... E Embaixadas e consulados
que nos têm apoiado de forma extraordinária, sempre que pedimos a sua mediação.


8 - Sim , nós somos uma associação que não faz política partidária. O
nosso partido são as mulheres, as emigrantes, os seus direitos, como
dizia a notável republicana e feminista Ana de Castro Osório. Estamos
unidas pela causa da plena cidadania feminina e temos trabalhado bem
com governos de diferentes partidos, contribuindo para a execução de
programas para a emigração. com a componente de género - num ambiente
de consenso e com uma constância, que não se verificará em outros
aspectos das políticas para as comunidades. Continuamos o espírito de
um memorável 1º Encontro de Mulheres, na cidade de Viana do Castelo,
em 1985, que foi, por sinal, o primeiro convocado por um governo de um
país de emigração. Esse Encontro veio a inspirar a criação da AEMM,
alguns anos depois, em 1993. Na sua matriz está a vontade de
cooperação Estado- Sociedade Civil, com respeito pela autonomia das
respectivas esferas.. Uma herança que queremos continuar e que tem encontrado
receptividade nos sucessivos governos..


9 . Um jornal prestigiado, um jornal que vive no centro das
comunidades portuguesas e lhes dá voz, é, evidentemente, um
interlocutor esplêndido! Queremos contribuir para transformações de mentalidades
e atitudes a imprensa é instrumento fundamental para atingir esses fins, para
promover a mudança de opiniões, o combate aos preconceitos.
Estou a lembrar-me de uma série de debates que realizámos, há alguns
anos, nos EUA e no Canadá sobre "acção e representação das mulheres
nos media" - e em que foi bem destacado o papel dos jornalistas e dos
jornais nos avanços registados na forma de ver e reconhecer as
emigrantes.
Em nome da AEMM agradeço esta oferta de cooperação e, desde já,
manifesto o nosso desejo de corresponder. À Maria do Céu Campos e ao
José Rodrigues já os consideramos aliados para muitas futuras acções.

 
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terça-feira, 17 de junho de 2014

A REVOLUÇÃO DO 25 DE ABRIL

O mundo de emigração e da Diáspora


A minha primeira palavra é de agradecimento à Prof Doutora Maria Fernanda Rollo pelo convite para participar neste grande congresso sobre a revolução do 25 de Abril, sobre o seu significado para Portugal e para os Portugueses, com a promessa, que viria a ser cumprida, de liberdade e de democracia. Para todos os Portugueses, também para os da emigração e da Diáspora. Deles falarei em breves palavras.
A revolução do 25 de Abril é, neste domínio, uma data maior, a maior de todas, porque veio trazer a liberdade, rompendo com os obstáculos de ordem jurídico- administrativa à decisão individual de emigrar, rompendo com políticas multisseculares de limitação ou proibição das saídas - mais ainda para as mulheres do que para os homens.
 Na verdade, o êxodo sem fim dos portugueses pelo mundo, num contínuo encadeamento de ciclos, não fora, nesse passado longo, nunca, inteiramente livre.
E a democracia nascente vinha também restituir aos emigrantes o seu direito de cidadania, de participação política, contra uma tradição de absoluta exclusão da comunidade nacional, uma verdadeira "capitis diminutio", que os atingia mal atravessavam a fronteira terrestre para viver no estrangeiro. Foi, pois, uma revolução de princípios e conceitos, com imediato reflexo a nível dos direitos individuais.
A centralidade dada às questões da emigração revela-se, na cronologia das medidas políticas tomadas nesta área, antes de mais, pela criação, logo em 1974, de uma Secretaria de Estado da Emigração. A nova Secretaria integrava os serviços preexistentes do Secretariado Nacional da Emigração, a partir dos quais se haviam planificado e executado, nas vésperas da Revolução, as primeiras medidas de apoio social e cultural às comunidades do estrangeiro, sobretudo na Europa. Todavia, é com o novo regime que essas políticas embrionárias se vão desenvolver, nomeadamente no que respeita à representação política, à aceitação da dupla nacionalidade, à defesa activa dos direitos dos portugueses, à atenção dada ao associativismo, ao ensino da língua, à informação (alguns anos mais tarde, potenciada com as emissões da RTPI, um privilegiado instrumento ainda hoje subaproveitado),  ao apoio ao regresso voluntário ao País, através de um conjunto de benefícios fiscais e de empréstimos a juros bonificados. para aquisição de casa própria ou para lançar empreendimentos - medidas cuja eficácia se viria a comprovar nos anos seguintes. A reinserção de centenas de milhares de portugueses, vindos, sobretudo, de França e de outros países do nosso continente, foi de tal modo por eles planeada neste contexto, que se consumou numa infinidade de regressos "invisíveis”.
Estou já a pensar na década seguinte, antecipando  avanços  conseguidos: a revolução significou, no imediato, a vontade de consolidar um  “estatuto dos expatriados”, mas só depois este foi sendo materializado, em novas configurações de direitos, e em práticas, a um ritmo lento, que é o ritmo a que mudamos preconceitos e mentalidades. Há ainda muito por fazer para uma "cidadania de iguais",  fora das fronteiras geográficas, isto é, para corporizar o projecto de representação política e de igualdade de direitos no campo social e cultural, erradicando, de vez, o "paradigma territorialista" dominante até 1974. Até então, a ausência no estrangeiro implicava a perda de todos os direitos políticos e da própria nacionalidade (se os portugueses voluntariamente adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, mesmo contra sua vontade, automaticamente, pelo casamento com estrangeiros) e\ de outros direitos, como o do acesso ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava - as primeiras políticas de intervenção, em meados do século XX,  limitavam-se ao acompanhamento da viagem atá ao ponto de chegada, onde os emigrantes ficavam entregues a si próprios. Foi a dinâmica do associativismo, que, nos países de acolhimento, soube, quase sempre e por todo o lado, substituir-se ao Estado.
O trânsito para o" paradigma personalista", na definição de Bacelar de Gouveia, ir-se-á concretizando num estatuto de direitos de cidadania à medida da Nação e não só da terra portuguesa.
Um novo Direito, um "acquis" da Democracia.
 O nº 1 do art. 46º da Constituição de 1976 estabelece que : "Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos políticos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos". Pela primeira vez, os portugueses emigrados são eleitores de representantes na Assembleia da República, mas não ainda com um “voto igual”. De facto, o nº 2 do art. 152º, restringe a aplicação do sistema proporcional aos círculos territoriais e o regime de exceção vai servir para impor, na lei eleitoral, um teto de apenas quatro representantes em dois círculos próprios da emigração, europeia e transoceânica, com menos de 2% do total dos membros da Assembleia, para uma população que se estima em 30% - embora se deva reconhecer que são muito menos de 30% os potenciais recenseados no estrangeiro.
Nos outros actos eleitorais, a Constituição de 1976 exigia a residência no território nacional (art. 124 para o PR) ou na área territorial da autarquia (art. 246º nº1 para as freguesias e art. 252º para os municípios). No que respeita às regiões autónomas, não há dispositivo semelhante, mas a questão não foi  equacionada nos respectivos estatutos político administrativos.
O sufrágio na eleição presidencial viria a ser alcançado, entre públicas controvérsias e difíceis negociações inter partidárias, na revisão Constitucional de 1997,  com as exigências formuladas no nº2 do art. 121: "A lei regula o exercício do direito de voto dos cidadãos portugueses residentes no estrangeiro, devendo ter em conta a existência de laços de efectiva ligação à comunidade nacional".
 Mais restritivo é ainda o nº 2 do artº 115, que prevê a sua participação nos "referenda" apenas "quando recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". Nos referendos já realizados os emigrantes não foram consultados, por terem sido vencidas as propostas que lhes davam esse direito.
 Não poderei alongar-me, aqui, sobre as vicissitudes de processos de legiferação, em que fui interveniente, ao longo de mais de 20 anos, sempre em favor do alargamento do estatuto político dos expatriados, a nível nacional, autonómico e autárquico, com base em exemplos do direito comparado -  como o de Espanha que atribui aos seus expatriados o direito de voto a todos os níveis. Direi, apenas, em síntese que, a meu ver, entre nós, os partidos atuaram, regra geral, de acordo com as suas subjectivas expectativas sobre o sentido de voto dos emigrantes. Os que se consideravam por ele prejudicados desenhavam o cenário fatal de uma enorme expansão do eleitorado da diáspora, artificialmente engendrada pelos prosélitos do sufrágio. Ao fim de 40 anos de experiência democrática já não restam dúvidas sobre o irrealismo dos receios: no estrangeiro o universo eleitoral é reduzido e estável, com cerca de 260.000 recenseados e cada vez maiores taxas de abstenção.  Na Espanha, só a Galiza tem muito mais eleitores do estrangeiro e, sobretudo, muito mais votantes.
 Creio que o clamor sobre a anunciada avalanche de votos "de fora", que, redobrou a partir da aprovação da Lei nº 73/8, popularmente chamada "lei da dupla nacionalidade",  se ficou a dever a confusão entre emigrantes recentes  - os que, tendo passaporte português, podem recensear-se voluntariamente e, em larga maioria, note-se, não o fazem -  e os da Diáspora, cuja ligação ao País passa por laços afectivos e pela intervenção cultural, não pela política. A meu ver, há que deixar aos próprios emigrantes e seus descendentes a escolha da forma de manifestação dos seus sentimentos de pertença, não sendo, pois, legitimo nem desvalorizar nem pretender retirar à minoria de participantes na vida política os seus direitos inalienáveis, em nome de uma maioria que se reconhece em outras formas de "ser português".
Um organismo criado na confluência destas diferentes vertentes de afirmação de pertença foi o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), nos moldes originalmente propostos pelo DL nº 373/80. Nele tinham assento representantes eleitos das associações, independentemente de serem ou não de nacionalidade portuguesa. Era uma órgão consultivo do Governo, presidido pelo MNE, uma plataforma de encontro e articulação de acções entre comunidades dispersas e praticamente desconhecidas entre si, e de co-participação nas políticas destinadas a um mundo tão plural. Um órgão de consulta pensado para as duas vertentes, para a emigração antiga, com a força das suas aspirações e projectos culturais, e para a mais jovem, com a pressão dos seus problemas e reivindicações sociais.  Nem sempre foi fácil o diálogo entre ambas e teria sido talvez  preferível, como continua a propugnar Adriano Moreira, a instituição de estruturas específicas para cada uma delas.
No CCP,  a última acabou por ter mais visibilidade e mais voz, deixando na sombra os consensos naturais no domínio cultural - que é sempre, por excelência, o lugar de uma solidária partilha das raízes matriciais - e focando, essencialmente, as questões laborais, sociais e políticas do quotidiano, as divergências ideológicas e partidárias, que, fora como dentro do país, se confrontavam na sociedade portuguesa. Foi, assim, o espaço de uma esplêndida vivência democrática, que, porém, desde a primeira hora, marcou o Conselho com uma imagem de conflitualidade mais do que de cooperação e solidariedade, que, por sinal, existiram em muitas matérias. Terá sido essa aparência mediática que, a partir de 1988, levou o governo a suspender as suas convocatórias, a silencia-lo, antes de o substituir por uma estrutura insólita, composta  de múltiplos colégios eleitorais, que era patentemente inoperacional.
 Em 1997, o CCP ressurgiu em novo figurino, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal, ou seja, reservado a emigrantes com nacionalidade portuguesa.
O Conselho teve, assim, várias vidas entrecortadas, um percurso acidentado, em cuja fase inicial pude intervir mais diretamente, como membro do governo, em representação do MNE. Depois, por inerência de funções, como deputada do círculo de “Fora da Europa”,  continuei a colaborar nos trabalhos de conjunto, acreditando sempre na sua capacidade de ser o grande "forum" democrático da emigração. Uma espécie de 2ª Câmara consultiva, uma "assembleia"  - título que passou a assumir, ultimamente, o antigo "Conséil" francês. Uma instituição que deveria ser consagrada na arquitectura da Constituição, para ficar ao abrigo do poder discricionário dos governos. O tema foi discutido na AR, em 2004, por iniciativa da Sub comissão das Comunidades Portuguesas, a que eu, então, presidia . A ideia persiste,  foi ali analisada construtivamente por eminentes constitucionalistas e pode vir a ser lei, um dia, não sabemos se e quando...
 No domínio das políticas da emigração e da diáspora avança-se a par e passo. Falar de uma e outra, em conjunto, não significa esquecer que há uma gradação no conhecimento e reconhecimento público, que subvaloriza a realidade da diáspora face à da emigração do presente.  Os movimentos migratórios sempre foram vistos, e ainda o são, numa perspectiva principalmente economicista. -  envio das remessas, investimentos e benfeitorias locais, o chamado "comércio étnico", tudo o que é materialmente palpável - desvalorizando outros aspectos, como o esforço para expandir o espaço cultural português na densa rede de instituições, de que são feitas as comunidades portuguesas. Na ligação entre movimentos migratórios e diáspora, aqueles surgem como causa (ou concausa) e esta como sua dimanação, graças à enorme propensão associativa, com que nos  temos singularizado, em todos os tempos e lugares. Comunidades organizadas, espaços de vivência nacional...
Sabemos que a revolução de 74 veio derrubar uma ditadura, pôr fim ao impasse de uma guerra sem sentido e sem futuro, fechar um ciclo colonial e repor o Estado nas suas fronteiras geográficas europeias. Não veio, antes pelo contrário, pôs fim a essa presença universal dos portugueses, que sempre teve "vida própria" numa espontânea convivialidade, em relações de vizinhança e de cooperação, à margem dos desígnios ou poderes do Estado.
É certo que a nossa tradição migratória começou o seu curso ligado ao projecto do Estado de expansão marítima e de colonização de possessões, mas logo o transcendeu. Um projeto estatal  aparentemente desmesurado e para o qual não havia paradigma, não havia lições a aprender... Era enorme o risco de perder o certo pelo incerto, mas nunca faltou gente para servir a incerteza  da aventura, indo cada vez mais longe, dominando um todo geográfico cada vez mais vasto, a partir de uma população de somente cerca de um milhão pessoas. Logo no século XVI, o movimento envolve quase um terço da população total – mais de 280.00 homens, segundo Vitorino Magalhães Godinho. Uma impressionante média anual, que sobe no século seguinte para cerca de 8.000, no século XVIII para 40.000 e atinge novos máximos nos séculos XIX e XX. Estamos a falar, globalmente, de números na ordem de milhões. E as partidas assumiam, como disse, cada vez mais, o carácter de aventura individual, privilegiando o imenso Brasil. As políticas que procuravam regular os fluxos migratórios iam inevitavelmente no sentido de os restringir, ou mesmo de os proibir. Movimentos incessantes,  uma autêntica cultura de expatriação...
Talvez por isso os historiadores da emigração portuguesa (Joel Serrão, por exemplo) não resistam a olhar as partidas ininterruptas  de 500 anos e não apenas de 150 ou 200 anos de migrações, em sentido estrito. De facto,  não se consegue traçar, com precisão, os contornos da passagem de um ao outro dos fenómenos – o último a suscitar maior confronto entre vontade do Estado e a do povo, entre uma emigração que os governos não pretendiam naquela dimensão, ou para aquelas paragens. Ou que queriam apenas temporária, mas que os protagonistas converteram em definitiva, sobretudo quando se generalizou a saída de mulheres, de famílias inteiras. O regresso definitivo era a parcela menor  e não aumentou após a independência do Brasil, que continuou a atrair vagas (crescentes...) de portugueses.
As duas grandes migrações de retorno aconteceram só na segunda metade do século XX: a da Europa, voluntária,  bem preparada, gradual, ano após ano, atingindo o auge nas décadas de oitenta e noventa -  e a de Africa, no curto período da descolonização, súbita e dramática, com cerca de 800.000 retornados a Portugal e muitas dezenas de milhares a reemigrar. O Brasil foi, então, único país que abriu as fronteiras a todos os portugueses, sem olhar a idade, formação profissional, saúde  ou fortuna. Um gesto de fraternidade muito concreto, a não esquecer!
O retorno de África vinha em contra corrente, depois da maior emigração de sempre, que fora a dos anos cinquenta e sessenta, apenas estancada, em setenta, pela crise económica mundial. Saíram então quase 2 milhões (para a Europa mais de 1.200.000, para novos destinos transoceânicos, como a Venezuela, Canadá, RAS, Austrália, mais de 500.000). A chegada, em 74/75, de quase um 1.000.000 de portugueses parecia uma situação impossível de gerir. Não foi. Fica para a nossa história e para exemplo geral, o modo como superaram perdas e mágoas inenarráveis, encontraram lugar no país e contribuíram para o seu desenvolvimento. Sucesso assente em políticas de integração, na solidariedade familiar, mas principalmente nas próprias pessoas, no seu perfil empreendedor, na sua vontade de recomeçar a vida, num meio tão diferente, relativamente tão pequeno. Impressionante foi a sua aceitação local, o seu ascendente, revelado no número dos que foram eleitos para cargos autárquicos, logo nas primeiras eleições livres. Um tema a merecer mais estudo e mais destaque do que o que lhe tem sido dado.
  É sobre as causas sociais e económicas da emigração portuguesa que as atenções se têm concentrado. Há as estatísticas das partidas dos homens, a que se juntam as do retorno das remessas. Por trás dessa densa cortina de números, mal se adivinhavam outros feitos, outras verdades. A Diáspora era praticamente ignorada, não só pelos políticos, como pelos tratadistas e investigadores da nossa emigração. Até à convocação dos Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, em 1964 e 1967, por iniciativa de Adriano Moreira, presidente da Sociedade de Geografia, ninguém dedicara mais do que uns breves parágrafos à existência de comunidades portuguesas, organizadas numa base institucional, que lhes garantia a sobrevivência, para além das primeiras gerações de imigrantes (coisa que ninguém imaginara possível).
Ora, de facto, tudo o que políticos e académicos viam como compensação de um êxodo de tamanha dimensão - as riquezas do comércio, da exploração de recursos de vastas possessões, e, em cada época, as remessas de emigrantes, tiveram o seu tempo e com ele se desvaneceram. O que resiste é a parte que escapou à perceção de todos -  a criação pelos Portugueses de um incomensurável espaço de lusofonia e de lusofilia, a língua, as comunidades portuguesas, e para além delas, um mundo de memórias que hibernam, à espera de uma chamada, de uma aproximação, para ressurgir. Citando Jorge de Sena :“solúvel e insolúvel este povo, na memória dos outros e na sua própria”.
 Serão estas as  maiores das retribuições de um êxodo excessivo - a virtude do excesso…
 Em primeiro lugar, a língua. A língua, viva em todos os continentes, é muito mais o resultado desta expatriação voluntária, em massa, e do relacionamento quotidiano entre os portugueses e os seus vizinhos de outras falas, do que do poder soberano exercido num território. O uso da língua não se decreta sem falantes!
 Veja-se o caso paradigmático do Brasil, para onde foram tantos portugueses, contrariando leis e ditames dos governos, que procuravam canalizar essa corrente migratória para as colónias de África (onde, aliás, nem sequer estavam criadas as condições efetivas para o seu aproveitamento). Medidas polémicas, contra as quais se insurgiram os que viam nas novas correntes migratórias condição necessária para preservar a herança linguística e afetiva num Brasil independente, aberto ao acolhimento de outros europeus. Afonso Costa foi um dos que tomou partido, claramente: "Não cometamos o crime de lesa pátria de embaraçar a emigração para o Brasil ou de ali nos deixarmos vencer por qualquer outro povo migrante".
 Em causa via, certamente, a língua, sobre a qual Joaquim Nabuco, discursando no Gabinete de Leitura do Rio de J, no 4º centenário de Camões havia proclamado:
“A tua glória não precisa mais dos homens. Portugal pode desaparecer, dentro de séculos, submergido pela vaga europeia, ela terá em 100 milhões de brasileiros a mesma vibração luminosa e sonora ”  (100 milhões, então, mais de 200 milhões agora!).
António Cândido, no 4º centenário da Descoberta do Brasil, celebrado a 19 de Maio, no Teatro de São João, do Porto, enunciara, por outras palavras, a mesma ideia - força: “Temos uma longa vida nacional. Não nos escasseiam meios de a nutrir, não nos falece a coragem para a defender. Mas, se, por fatalidade acabássemos, se (…) uma terrível catástrofe geológica submergisse esta parte do continente europeu (…) lá ficariam no Brasil para sempre, o seu sangue, a sua alma, a sua língua.
E, noutro passo: “Poderá a história ser esquecida, poderá o interesse volver-se contrário: resistirá a tudo a afinidade espiritual, a aliança pela língua será eterna.”
Língua europeia, americana, africana, asiática, universal. Legado de partilha de vida, de convivência de gente comum, que a força do poder imperial não contaminou…
 Uma última referência às comunidades da emigração - comunidades inteiramente construídas pelos cidadãos, perante o absoluto descaso do Estado.
O fim do império coincide com a atenção dada às comunidades, antes apenas se podendo excecionar as realizações de Adriano Moreira, os dois grandes Congressos, dos quais emergiram a “União das Comunidades de Cultura Portuguesas" e a "Academia Internacional de Cultura Portuguesa".
Vitorino Magalhães Godinho afirmou numa celebração oficial do dia 10 de Junho: “Há um Portugal maior do que o Império que se fez e desfez e que é constituído pelos portugueses, onde quer que vivam”
Também Sá Carneiro vê um  Portugal maior :“Foi uma Nação de colónias. Hoje não é apenas uma Nação territorial, é uma Nação populacional, uma Nação de povo (...)“uma Nação de Comunidades”. “É uma cultura, mais do que uma organização rígida”.
  A existência da nossa Diáspora precedeu, assim, em vários séculos o seu conceito, o seu reconhecimento. Diáspora que soube organizar-se, para sobreviver, através de um poderoso impulso associativo. No Brasil, o primeiro e o máximo paradigma, com os Gabinetes de Leitura, os Liceus e os Grémios Literários, instituições muito prestigiadas, com as Beneficências e os seus hospitais, que estão entre os maiores e melhores do país, com grandes clubes sociais e desportivos. Por todo o lado onde se fixaram, os portugueses deram vida duradoura a organizações centradas naquelas três áreas (cultura, apoio social, tradições de convívio),  associações idênticas nos seus propósitos, apesar de se ignorarem entre si. Semelhança que se deverá ao facto de se inspirarem em modelos da terra de origem.
Portugal, o país das migrações sem fim...  Assistimos hoje a um dramático recomeço de ciclo , a exigir dos governos o cumprimento dos seus deveres constitucionais em políticas de defesa dos direitos dos emigrantes e de difusão da língua e da cultura.
O êxodo dispersa agora os portugueses por uma multiplicidade de países em todos os continentes, acentuando a que já era uma das características da nossa emigração.
Mais emigrantes, mais mulheres, esperança de mais diáspora futura, mais Portugal no mundo.

Maria Manuela Aguiar

Teatro Nacional Dona Maria II
21 de abril de 2014