terça-feira, 12 de julho de 2022

Maria Manuela Aguiar segunda, 27/06, 02:42 para mim O MEU VERÃO EM ESPINHO 1 - Tenho saudades do verão em Espinho, nos anos da minha infância. Esse verão, essa cidade (que ainda não o era), tinha a sua mítica Avenida bordejada de palmeiras gigantes, sempre cheia de multidões elegantes, nos seus trajes de passeio, sentadas em mesas coloridas nas esplanada dos cafés, ou desfilando num vaivém infindável, vagaroso, quase solene. Tinha quiosques graciosos - daqueles que Maluda gostava de pintar - , e onde eu, desde que aprendi as primeiras letras, comprava, às terças e sextas, "O Mosquito", e mais a sul, diariamente, chocolates. Chocolates sorteados...Éramos convidadas a perfurar a superfície de papelão de bonitas caixas retangulares, libertando bolinhas de cores, que tombavam, em baixo, num mostrador de vidro. A cada cor correspondia um diferente tamanho do produto. Uma espécie de máquinas de jogo para crianças - o nosso casino... Minha irmã acertava, muitas vezes, no prémio maior, que correspondia à pequena esfera dourada. Eu jamais! Ao Casino, é claro, só íamos ver cinema, alternando com as sessões do Teatro São Pedro. Ambas as salas de espetáculos eram grandes e esplêndidas, e ofereciam um filme por dia - o que elevava dava ao cartaz mensal uns fabulosos 60 títulos! A programação era divulgada quinzenalmente, em mini- livrinhos colecionáveis, que se desfolhavam como livros de contos - com sínteses de guiões muito chamativas. Ainda tenho alguns, guardados como relíquias. Felizmente, os pais e os avós eram grandes cinéfilos, pelo que, em Espinho, raro era o dia em que, ou uns ou outros, não nos levavam ao seu e nosso “show” favorito. Semanalmente, pelo menos uma vez (talvez à 4ª ou 5ª-feira, já não tenho a certeza), o Casino oferecia um bónus extraordinário, num dos dois intervalos mediante um ligeiro aumento do preço do bilhete: a exibição de um cantor ou cantora dos mais famosos do País - dos que, habitualmente, davam concertos nos seus salões. Recordo-me bem, por exemplo, de Tony de Matos ou das rivais Simone de Oliveira, ainda muito jovens e com vozes fantásticas... Os intervalos eram obrigatórios, para ir ao barzinho tomar uma bebida, comer um bolo, porque os baldes de pipocas ainda não tinham sido inventados. No casino - que era um belo edifício, então moderno - até se podia vir às varandas ver o mar ou o movimento da Avenida.. 2 - No que respeita à cronologia da minha agenda de férias espinhenses, devo dizer que comecei pelo meio, ou mesmo pelo fim, porque tanto os passeios na avenida, como as sessões da Sétima Arte ou eram noturnas, ou, quando muito, ocupam as tardes. Uma excelente alternativa era jogar dominó ou damas nos cafés – o Café Palácio, ou o Costa Verde, os nossos favoritos. O Chinês já não existia – era ainda do tempo de juventude da geração anterior, já não da nossa. Mas a tradição das tertúlias e do jogo no café, estavam bem vivas. Pedíamos uma limonada e uns pasteis, mais um tabuleiro de damas…(nada de Coca-cola, note-se, que fora banida pelo “Estado Novo” salazarista) De manhã, com bom ou mau tempo, o destino era a Praia Azul, com as suas riscas azuis e brancas, à FCP. Ainda hoje mantenho o gosto de nadar com sol ou chuva - tanto me faz. Água por baixo, e água caindo do céu ligam bem – cedo aprendi isso com meu pai. Não que chuva fosse coisa frequente, em agosto ou setembro. A ventania, sim, todavia, as mais das vezes, só levantava a partir da tarde (do princípio da tarde). E o “nosso mar” nem sempre se mostrava hospitaleiro, mas quando se encrespava em vagas altas, e a corrente arrastava, à hora do banho havia, logo ali ao lado, sucedâneo de uma piscina, que era a quinta essência da modernidade. Para os frequentadores habituais, os preços atrativos (lembro-me de comprar as senhas de entrada em pacotes), e, em qualquer caso, nunca lhe faltava uma abundante e elegante clientela. E não tinha, ainda, a concorrência da verdadeira “piscina natural”, que é a praia da baía, mais recentemente formada por novo paredão, um mais eficiente quebra-mar… No plano atmosférico, Espinho continua obviamente na mesma – com um clima que é, para mim, uma das suas simpáticas invariáveis, porque detesto o excessivo calor estival do nosso interior - e, neste aspeto, o interior começa a poucos quilómetros da costa. E à vista, à superfície, havia o comboio, que chagava a apitar e atravessava o centro da vila com as suas máquinas negras, lançando nuvens de fumo para o ar. Comboios de passageiros, que paravam, todos, na estação, e logo seguiam viagem, e comboios de mercadorias, que, não poucas vezes, sabe-se lá porquê, na Rua 7, suspendiam a marcha e bloqueavam a passagem para a praia por tempo indeterminado. (o que nos levava, com alguma ousadia, a atravessar as carruagens, pelas extremidades). Ponte sobre a linha férrea só havia na Rua 19 – e bem pitoresca! Sempre gostei de comboios, como quase todas as crianças e muitos adultos, entre os quais me conto ainda… Sempre imaginei Espinho, com uma série se pontes, ao longo da linha, entre o Rio Largo e o bairro piscatório – pontes de desenho variável, que poderiam tornar-se um original cartaz turístico, fazendo da nossa cidade, digamos, uma “Veneza ferroviária”. Um amigo arquiteto, a quem eu, já muito depois de consumado o fatal enterramento da linha, descrevia o meu projeto imaginário, disse-me que não era tão mirabolante como eu julgava, e que teria, de facto, sido equacionado por uma minha alma gémea… 3 - Com este olhar nostálgico sobre uma outra época, que é de uma geração envelhecida, não pretendo sequer esboçar um julgamento da evolução que nos trouxe ao presente. Compreendo que Espinho mudou, em larga medida, enquanto parte de um todo, (o país, o mundo...). Esteve na vanguarda do turismo balnear, quando oferecia tudo quanto o veraneante esperava dos areais, do mar, de distrações lúdicas. O próprio conceito se transformou, deslocando geograficamente a massa de turistas, os mais e menos ricos, por igual, para os “paraísos” de sol escaldante e águas tépidas. E, assim, até os mais bairristas dos espinhenses natos, no verão, rumam aos Algarves, tal como o comum dos nortenhos. (o que eu só faria por penitência!). Contudo, Espinho continua a ser uma terra perfeita para residir e não como “cidade-dormitório, mas como verdadeira comunidade, que mantém o seu caráter identitário, com as tradições populares, o admirável tecido organizacional, e, com ele, uma vida cultural absolutamente invejável, que anima a rede de modernas infraestruturas, públicas e privadas – de que são “ex-libris”, nomeadamente, a programação musical, os festivais de cinema, o desporto, o ballet, o teatro, a universidade sénior… Nesta vertente cultural devo, porém, apontar a mais estranhas das lacunas: a falta de sessões regulares de cinema, apesar da existência de duas salas, que são das melhores do país inteiro - a do Casino e a do Multimeios. Não se lhes pede qua abram para oferecer 60 filmes por mês… só quatro, um por semana! Tenho tudo o que preciso na cidade do Cinanima e do FEST - só vou ao Porto ou a Gaia para ver cinema nos centros comerciais, onde as salas são exíguas, mas a escolha é grande...

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