sexta-feira, 31 de julho de 2020

O "Diário", de novo

Porto, 20 de Dezembro de 1962

"... A tarde foi ilusoriamente boa, com partes de azar.
A Adília não se encontrou comigo. Andei a vaguear pelas ruas (do Porto). Tinha frio. Vim a casa. Não apanhei o eléctrico, passou por mim cá em cima, já não valia a pena. Encontrei o Manel V. na Citroen, fiz com ele poucos metros (até casa). Depois vim para o Campo 24 de Agosto já com a Mãe ao volante. Virei sozinha para o Padrão, em direcção a Santa Catarina, para me encontrar com a Mª Emília. Ao descer Passos Manuel dou de frente com o Manel, que andava à minha procura. Estivemos na Centenário meia hora, durante a qual o Manel me pareceu eufórico. Uma das suas propostas foi que pusessemos em ordem todas as coisas entre nós e também que eu colaborasse com ele na "Secção de cinema".
A colaboração, em si, não me assusta, mas antes o ambiente Jucf. Com gente desse género sou sempre mal compreeendida. Tenho pouca vontade de que me tornem a chamar "comunista" ou "tedy girl", ou outra nova variante de insulto...
Em todo o caso, achei o rapazinho muito simpático nas suas sugestões.
Depois, andámos com a Emília e fomos parar ao Centro Transmontano, onde estivemos até perto das 6.30 h. Fomos levar a Emília à Rua de Ceuta, estivemos na livraria Aviz, a ver diários. Viemos embora de autocarro.
Já em casa, verifiquei que tinha perdido o guarda chuva. O Manel ainda esteve cá em casa a falar para o Transmontano, mas não conseguiu nada.
Quando ele foi embora, fiquei com receio que não tivesse resistido à tentação de ler o meu diário. Vim ver se estaria aberto. E estava mesmo!
Simplesmente, tinha sido de manhã, conforme confessou, pelo telefone.
Não posso deixar de dizer que este foi um dia horrível - mesmo o que parecia ser melhor era, no fundo, ocasionado por um mal: pela tal longa leitura do diário. A minha 1ª tentação foi queima-lo (o diário). Depois desisti da ideia, porque era uma resposta idiota.
Uma coisa é certa: está afastada a a hipótese de qualquer colaboração com o Manel, que não se limite estritamente ao plano de estudo".

4 comentários:

  1. Escolhi este texto, particularmente insípido, embora, é certo, descreva um dia típico das férias de natal no meu Porto de 60, só porque fazia anos. Exactamente, 47.
    De 20-12-1962 a 20-12-2009.

    ResponderEliminar
  2. Como se vê pelo relato breve, eu não era dada a repouso nas férias, e o meu dia era feito de movimento, ainda que não direccionado a grandes obras: deambulava horas pelas ruas do Porto, onde me sinto mais em casa do que em qualquer outro lugar do mundo; desencontrava amigas, como a Adília, dos tempos do Liceu Raínha Santa, encontrava a Mª Emília, dos primeiros tempos de Coimbra (se exceptuarmos a Rosa Mª Gayoso, a ùnica grande amiga comum à Lecas e a mim mesma), ou o inevitável e omnipresente Manel Q. Tomava um cafézinho aqui e ali, entrava nas livrarias da cidade. Perdia guarda-chuvas, a um ritmo acelarado. Zangava-me e reconciliava-me com o Manel Q.
    Ele lia o Diário às escondidas e eu ficava furiosa - quantas vezes terá isso acontecido?
    O diário, aliás, como ficou provado, inspirava-o e permitia-lhe fazer propostas particularmente aliciantes...
    O cinema era um factor de união. Tinhamos gostos semelhantes - o que se não poderia dizer em muitas outras coisas...
    Mas a Secção de cinema do CADC separava-nos...
    Achava que ele lá passava tempo demais, em prejuízo do estudo, e, até, circunstância menos grave, da minha companhia.
    Não tinha particulares afinidades ideológicas com os meninos direitistas do CADC e eles retribuiam, considerando-me uma perigosa "gauchiste". Não era assim tanto, mas estas apreciações são muito relativas. Concordo que até era, quando comparada com eles...

    ResponderEliminar
  3. Intrigante, intrigante é a referência ao "Transmontano"! Seria um clube? Um café?
    Não me recordo nada! Nem o que era, nem aonde...
    Detesto o passado desaparecido da memória.
    Reconheço-me quando recordo. Quando não, sinto mais a distância entre o que fui e o que sou.

    ResponderEliminar
  4. Que saudades da "Joaninha" da Mãe! Branquinha!
    O Renault - Joaninha, evidentemente. Parecia um carrinho de brincar. Era o único que a Mãe guiava (muito, muito mal...). Mas como não tinha consciência da sua falta de perícia, nunca se atrapalhava. Dava-nos boleia para qualquer lado, sem hesitação, por mais complicado que o trânsito fosse. nem sempre corria bem. Era um susto. Porém, em caso de batida, a Joaninha mostrava grande resistência, tal como a condutora.

    ResponderEliminar