terça-feira, 19 de julho de 2011

INTRODUÇÃO

Abordamos neste trabalho a forma como a emigração portuguesa foi vista, no seu próprio país - pelo legislador, em primeira linha, mas também por políticos, estudiosos, opinião pública - ao longo de um largo período, que os bons autores consideram o que cabe no conceito, em sentido estrito. Ou seja, excluindo o tempo da Expansão, e o da colonização, em particular o da colonização do Brasil, muito embora se deva reconhecer que foi nesse passado distante que se criou a tradição de partir para longe, como meio ideal de resolver problemas de sobrevivência, de emprego, de ascensão social, de enriquecimento supostamente fácil...
Houve, de facto, uma linha de continuidade nessa tradição multissecular, assim como na forma como os expatriados se envolveram na vida das sociedades de destino, (parecendo sempre mais ousados e mais solidários, quando fora do um pequeno território ou de horizontes mais limitados...). E até, também, no modo como se relacionavam com a terra de origem, para ela enviando, como regra, uma infinidade de pequenas economias, ou mais raramente, mas com formidável impacte, uma parte de grandes fortunas, em qualquer dos casos prestando auxílio à família e ajudando a terra de origem.
Assim se compreende que, após a independência do Brasil, os fluxos migratórios espontâneos não tenham sofrido nem desvio nem diminuição, bem pelo contrário. Assim
se explica, igualmente, o favorecimento do destino brasileiro, território estrangeiro, em detrimento das colónias de África, por uma corrente da "inteligentzia" portuguesa conhecedora desta sequência de papeis de colonizador e de emigrante, poucas vezes objecto de clara explicitação. Oliveira Martins assume-a, com o habitual desassombro: "[...] a emigração para o Brasil não pode por forma alguma equiparar-se às saídas para países estrangeiros; pois o Brasil, embora politicamente independente, nem renega a sua filiação, nem enjeita a nossa língua. Somos ainda um mesmo povo, governando-se cada qual a seu gosto, por instituições diversas: mas somos ainda um mesmo povo". (Martins, 1994:207).
Quando seleccionamos aquele período temporal, não deixamos de lhe atribuir carácter em larga medida artificial, tanto mais quanto, no olhar do legislador sobre a emigração - que é aquele que essencialmente destacaremos - e na resposta que, com a sua visão do interesse público, dá ao condicionamento das saídas e ao estatuto de direitos do ausente, também não há diversidade de monta.
De facto, desde as Ordenações Filipinas até meados do século XX, as políticas de emigração, ou as manifestações de actividade legislativa, foram pouco mais do que medidas proibitivas ou limitativas dos fluxos migratórios, que assumiam a feição de um êxodo infindável.
Políticas de protecção e direitos de cidadania dos expatriados praticamente não houve. Mas houve preocupação e chamadas de atenção - inclusivamente no próprio parlamento, com a constituição de duas comissões parlamentares de inquérito no século XIX. As conclusões e os remédios propostos, nomeadamente em 1872, não foram, porém, objecto de prossecução...
O mesmo se diga das propostas de doutrinadores, alguns acumulando a dupla veste de investigadores ou cientistas, com a de políticos como Oliveira Martins e Afonso Costa.
Muitas das suas observações e sugestões mantiveram actualidade e vieram, embora muito tardiamente, a ser contempladas na Lei. Noutros aspectos foram "homens do seu tempo" e não conseguiram dar a uma realidade migratória não fundamentalmente diferente da que hoje conhecemos, o tratamento de que somos capazes na actualidade. nomeadamente no campo do Direito.
Este trabalho percorre vários ciclos da vida da emigração, que mais do que seria expectável, se aproximam na psicologia das gentes, no seu comportamento face ao país e na organização social do espaço que habitam, no estrangeiro, criando o seu próprio "mundo português", dentro de outros mundos em que interagem e se integram, as mais das vezes, bem.
As "situações de facto" em que as múltiplas formas de presença dos expatriados se afirmam, multi-secularmente, no país e em outros países, só se convertem em "situações jurídicas" no nosso tempo - no sentido de gerarem direitos individuais e de projectarem instituições e modos de acompanhamento e articulação com os movimentos associativos: escassas décadas de rápida transformação das ideias e das leis, que se confrontam com séculos de denegação jurídica e de descaso político. Um "encontro dos cidadãos com a lei", poderíamos dizer, parafraseando Jean Carbonnier.
Sinal dos tempos, para os que acreditam que o aumento da produção jurídica é parte do progresso geral das sociedades humanas e da sua modernização e desenvolvimento. Não assim, necessariamente, para os que denunciam o carácter excessivo e instável de leis, que se sucedem, porventura, mais permeáveis a jogos de interesses e de influências, em vertiginoso processo de revogação, de alteração...
O novo "direito dos expatriados", situado num paradigma "personalista", por oposição ao "territorialista" é produto desta época - e tendo ganhado terreno no panorama europeu, como se constata numa perspectiva de direito comparado, não deixa de ser, ainda, sede de particularismos nacionais. O caso português é, com alguns dos seus arcaísmos, combinados com laivos de pioneirismo, certamente merecedor de registo - e oferece ao observador um campo de estudo alargado a vários séculos de intenso movimento e de surpreendentes constantes na vida e na acção dos indivíduos.
Também sobre este ramo emergente do Direito, diferentes olhares, visões pluralistas e antagónicas se degladiam, como não poderia deixar de ser, tratando-se de romper tradições.
Tenho a minha (como jurista, como participante, ao longo de um quarto de século, em muitos dos colectivos por onde passou o processo legislativo em Portugal, quer na qualidade de membro do Governo responsável pela emigração quer na de deputada da Assembleia da República, e até, também, a nível europeu, na vertente governamental, primeiro, e, depois, como representante na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e presidente da Comissão de Migrações, Refugiados e Demografia). E com ela escrevo as linhas que se seguem.

EMIGRAÇÃO PORTUGUESA
OLHARES SOBRE A AUSÊNCIA: UMA PERSPECTIVA DIACRÓNICA
MARIA MANUELA AGUIAR

RESUMO
A ausência significava, no paradigma “territorialista” tradicional, a ruptura com a sociedade do país e a perda de direitos de cidadania, direitos políticos, sociais e culturais. Os ausentes eram despojados da própria nacionalidade, se adquirissem uma outra. Porém, o carácter automático da recuperação da nacionalidade, em caso de retorno definitivo, indicava que o legislador oitocentista se dava conta da subsistência dos laços de ligação à pátria durante o período de ausência.
Para a progressiva tomada de consciência das formas de vencer o distanciamento físico pela presença dos emigrantes na vida da sociedade portuguesa contribuíram, antes de mais, as remessas, os investimentos, as dádivas para a melhoria das suas terras. Mais tardio foi o reconhecimento de uma outra forma de presença, através da criação, no exterior, de espaços de língua e cultura portuguesa.
A democratização do país, em 1974, veio permitir a transição progressiva para o paradigma "personalista", em que os expatriados gozam de um novo estatuto de direitos, tendencialmente igual aos dos residentes, e as comunidades do estrangeiro são vistas como parte integrante do património cultural da Nação.


I - A EMIGRAÇÃO COMO AUSÊNCIA
«Não nos admiremos. Eram as ideias do tempo.» Affonso Costa
1 - A Ausência, na Sociedade e no Direito
O fenómeno das migrações, sempre multifacetado, envolve componentes muito diversas, em que as formas de ausência e de presença (presença física, mas não só, também afectiva, sentimental, económica, cultural...) se sobrepõem ou se interligam, no plano individual como colectivo, e vão sendo percebidas, ao longo de épocas ou de ciclos, muito diferentemente.
Numa abordagem tradicional, a ausência implica fatalmente uma ruptura, conotada com o abandono ou a desistência de fazer vida e carreira na própria terra. Olhada a emigração por parte de quem fica, assim foi, e em certa medida ainda é, na opinião pública, no juízo do povo e dos vizinhos, assim como em correntes doutrinais mais resistentes a uma nova visão das coisas.
Completamente oposta foi, através dos tempos, a perspectiva, o sentir comum dos próprios emigrantes – aliás, abundantemente expresso em gestos de solidariedade e em directos contributos para o bem-estar das famílias e das comunidades locais, em comportamentos reveladores da ligação à terra de origem, que são uma constante na história da emigração portuguesa dos últimos dois séculos e, a meu ver, até também nos períodos antecedentes. De facto, o móbil de procurar, lá fora, progresso e fortuna e de a repartir com os seus, é compatível com qualquer dos enquadramentos do movimento de expatriação, que conhecemos historicamente - o esforço de colonização empreendido ou incentivado pelo Estado, ou a demanda individual, espontânea, de trabalho no estrangeiro. Autores de diferentes épocas, dão-se conta desta realidade, desde Oliveira Martins, ou Afonso Costa (Costa, 1911:243), até aos nossos contemporâneos Miriam Halpern Pereira ou Joel Serrão (Serrão, 1974: 110).
Mas nem os governantes do Reino, nem, posteriormente os da República e do “Estado Novo”, nem sequer os doutrinadores, em cada um desses períodos, fizeram questão de aventar ou conceder contrapartidas ao contributo dos expatriados.
O universo jurídico é um mundo formal, aparentemente fechado sobre si próprio, com vocação original para a estabilidade, mas capaz de evolução, nos diversos domínios ou ramos do Direito, nomeadamente no domínio particular das migrações. Constata-se, porém que, entre nós, mudou pouco ao longo de séculos, porque o legislador se limitou a seguir conceitos e preconceitos firmados e não procurou fazer pedagogia ou induzir transformações (objectivo ao seu alcance, mas mais fácil em períodos de mudança radical de regime político e constitucional, como foi o posterior à revolução de 1974, em Portugal - o primeiro, aliás, a tornar-se portador de inovação significativa nas políticas de emigração, ao contrário do que acontecera na transição da Monarquia para a República, e da República para a ditadura).
O peso que os emigrantes iam ganhando na economia do País foi amplamente reconhecido, mas não do ponto de vista jurídico. O nosso ordenamento ignorou, pura e simplesmente, a prevalência dos laços de ligação à terra sobre as forças de dissolução da ausência. A saída para o estrangeiro continuou a ser, obstinadamente, vista como um corte com a comunidade nacional, se não mesmo como uma deserção. Por isso, a ausência, ainda que temporária, tinha repercussão imediata na esfera do Direito: total suspensão do exercício de direitos políticos, principal atributo da cidadania e a cessação de quaisquer prestações e apoios do Estado, no campo social e cultural - restando uma incipiente protecção consular (cuja insuficiência foi, vezes sem conta, denunciada pelos próprios agentes consulares mais responsáveis, em ofícios, que podem ser consultados nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros).
O Estado começou por se preocupar, fundamentalmente, desde o início da Expansão, em diminuir o caudal imparável dos fluxos migratórios, com medidas proibitivas os restritivas (Serrão, 1974:106). Só mais tarde, já em pleno século XX, sobretudo na segunda metade, se nota a preocupação de, a par do controlo dos movimentos migratórios, assegurar aos emigrantes um apoio centrado no acompanhamento e fiscalização das condições de transporte marítimo - como é sabido, causa de muitas queixas, sofrimentos e fatalidades, que faziam notícia frequente na imprensa. Maria Beatriz Rocha Trindade denomina-as, expressivamente, "políticas de trajecto de ida". De facto, a protecção cessava no fim da viagem transoceânica, ficando os homens, a partir daí, entregues a si próprios, face às dificuldades que quase sempre os esperavam.
Neste contexto sociopolítico, não surpreenderá que, apesar da influência que a emigração teve, e tem, na sociedade portuguesa - com cerca de um terço da população a viver fora do País, desde o século XVI - não haja sido dado tratamento autónomo e sistematizado aos efeitos da ausência dos cidadãos no exterior, onde, em regra, permaneciam com morada conhecida, em contacto com familiares e amigos.
A temática da ausência, de que se ocupava, demoradamente, o Código Civil de 1867, era apenas a que configurava o desaparecimento “em parte incerta” (artigos 55º a 96º do Código Civil). A "ausência", nesse sentido, tanto podia verificar-se no contexto da emigração como não, pois, como é óbvio, o facto de uma eventual "evasão" para "parte incerta" no estrangeiro não precludia a aplicação da lei geral...
Mudámos, entrementes, o Código Civil, em consecutivas reformas, de maior ou menor monta, mas ainda hoje não é, em primeira linha, nesse Código, mas na Constituição e em outras leis, como as eleitorais, ou como as que regem o regime de segurança social, de fiscalidade, de serviço militar ou de ensino, que terá de procurar-se a regulamentação dispersa de um "estatuto dos ausentes", composto pelos seus direitos e deveres - que o mesmo é dizer as formas de valoração jurídica da ausência ("hoc sensu"). Acrescente-se também o direito penal, já que a emigração clandestina foi criminalmente sancionada quase até ao termo do chamado “Estado Novo” - questão não despicienda, pois se estima em cerca de um terço do total, através dos vários ciclos migratórios, os que afrontavam as normas proibitivas da saída…
A liberdade de circulação, aclamada ao nível dos princípios, desde os tempos da Monarquia Constitucional, era, contudo, na “praxis”, obstaculizada por múltiplos expedientes burocráticos, por regulamentação prevendo taxas e alcavalas, pelo custo desmesurado de passaportes (Costa, 1911:166). E, como já acentuei, só se alcança em Portugal, plenamente, com a Constituição de 1976.
O estatuto dos ausentes era, pois, repito, de sinal negativo, consistindo no esvaziamento total de direitos políticos e, em regra, de direitos às prestações do Estado nacional, em todos os sectores, do social ao cultural. A ida para o estrangeiro significava uma verdadeira "capitis diminutio" - o interesse dos indivíduos, mormente o seu direito de emigrar, era subordinado ou sacrificado ao interesse público, tal como foi, em concreto, entendido, sem grande contestação, até 1974.
O Direito, na sua marcha para plasmar novas realidades (ou, eventualmente, novas avocações da realidade…) pode ser uma resultante tanto de avanços científicos e doutrinais como de projectos ou propósitos políticos, porventura incutidos pelos media, por grupos, sindicatos, movimentos de cidadãos, correntes de opinião que se constituem em fonte de inspiração, de influência e poder... No domínio da emigração, foi assim sendo imposta, em cada momento histórico, uma leitura da realidade não necessariamente coincidente com a verdade, tal como viam os seus protagonistas. A distância interposta entre os emigrantes e os centros de decisão política (e legislativa) era a distância geográfica, mas não só: era, também, uma marginalização de ordem social e política, que só foi - ou vai sendo... - superada pela sua capacidade de se fazer ouvir e compreender, levando à progressiva tomada de consciência geral das suas situações e dos problemas ...
Políticas de sistemática protecção social e de apoio cultural aos emigrantes, em Portugal como em termos de Direito comparado, são relativamente recentes – coincidindo o seu início, em vários casos, com o termo da trágicos conflitos e provações colectivas - a última grande guerra mundial, a descolonização (em Portugal, tardia mas não menos determinante de uma maior solidariedade social, que directamente beneficiou os expatriados). Uma reviravolta que, no caso português, tivera a sua pré-história nas primeiras tímidas medidas de protecção social suscitadas pelo dramatismo de que se revestiu a chamada “emigração a salto” para a França e outros países vizinhos, a partir da década de 60.

2- Do Paradigma “Territorialista" ao "Personalista"
Voltemos ao Código Civil de 1867 para analisar as motivações do multisecular descaso dos poderes públicos pela sorte aos emigrantes, .
Não haverá disposições mais reveladoras do modo de ver tradicionalmente o emigrante do que as que regem, uma vez perdida, durante o tempo de estada no estrangeiro, a nacionalidade portuguesa, e a sua reaquisição, na hipótese de regresso. A perda automática era determinada pela atribuição de nacionalidade estrangeira - uma cominação que constituia, então, a regra, com uma argumentação que ainda hoje sustenta, em muitos países do mundo, a mesma solução: antes de mais, o dever de lealdade ao Estado, visto como "exclusivo" e "individual". Uma partilha de sentimentos e afectos em relação a dois países, ironizam alguns autores, assumia um carácter semelhante à do crime de bigamia: "In this concept, dual nationality is viewed as analogous to bigamy, amounting to a kind of cheeting in both polities" (Aleinikoff e Klusmeyer, 2002:29).
Hoje, a tese contrária pretende basear-se na melhor compreensão da natureza humana, dos fenómenos de integração em sociedades abertas ao interculturalismo (por oposição àquelas que pretendem forçar, directa ou indirectamente, a “assimilação” dos estrangeiros), num quadro global de diluição de conflitos bélicos entre nações dadoras e receptoras de migrantes. Privilegia-se a vontade de dupla pertença, da dupla cidadania, como a mais próxima do ser e querer das pessoas.
Portugal só veio a abolir o princípio da unicidade de nacionalidade em 1981 – não sem controvérsia, dentro e fora do parlamento… Em oitocentos, o Código de Seabra aderia à tese da unicidade - nada de extraordinário se pode apontar a essa opção. Extraordinário é, sim, o disposto no seu articulado, no respeitante à reaquisição da nacionalidade: após estipular que "perde a qualidade de cidadão português o que se naturalizar em país estrangeiro" dizia o art.º 22º que "pode, porém, recuperar essa qualidade, regressando ao reino com ânimo de domiciliar-se nele, e declarando-o assim perante a municipalidade do lugar, que elegeu para domicílio". O artigo seguinte, sobre os efeitos da recuperação da nacionalidade, não dá a esta reaquisição, eficácia retroactiva: "[...] as pessoas só podem aproveitar desse direito desde o dia da sua reabilitação".
A denegação da retroactividade sublinha, de algum modo, o carácter de ruptura irreparável da ausência, pelo tempo em que perdura. Mas o legislador mostra perfilhar as concepções dos especialistas na matéria que só vêem vantagem numa emigração se ida e volta, com a reinserção dos homens (ainda que num prazo dilatado pela necessidade de atingirem os seus objectivos económicos). Por isso, os emigrantes não se "desnacionalizam", em definitivo, pois em caso de retorno uma simples manifestação da vontade os reinvestia no pleno exercício dos seus direitos de nacionais, sem o que o Estado tivesse meios de se opor!
Note-se que, na época, mais combatida ainda do que a emigração desmesurada, era a que se destinasse, com toda a probabilidade, a integração definitiva no estrangeiro. Boa emigração, útil para os protagonistas e para o Estado só a temporária... - temporária, ainda que de muito longa duração, num entendimento diverso do que hoje damos ao conceito.
Aqui residia, a meu ver, o verdadeiro fundamento da norma que facultava a reaquisição da nacionalidade por livre decisão individual. Estranhável é que se tenha perdido tão pertinente visão global do ciclo migratório, e o intuito de facilitar, sobretudo, a reintegração na comunidade de origem, adoptando, em posteriores leis da nacionalidade, solução menos "acolhedora", menos liberal, menos eficaz. Na verdade, todas as leis seguintes vieram impôr, para além de uma complexa e quase sempre morosa tramitação burocrática, o "direito de oposição" do Estado à recuperação da nacionalidade. Poder discricionário que foi mantido na chamada "lei da dupla cidadania", embora não no texto da Lei nº 37/81 de 3 de Outubro, que previa a reaquisição por “mera declaração do interessado", sem mais exigências, mas pela via da regulamentação, ao operar uma interpretação restritiva da norma, que prevaleceria por mais de duas décadas.
A admissão incondicional do pedido de recuperação da nacionalidade só veio a ser imposta (ou reposta, para os que defendem que a Lei de 81 foi descaracterizada pela citada regulamentação...) pela Lei Orgânica nº 1/2004 de 15 de Janeiro.
É de referir que houve, anteriormente, uma tentativa infrutífera de repristinar a regra de recuperação automática da nacionalidade sancionado no Código Civil de 1867 –alargando-o às situações de permanência no estrangeiro, para tal dando à mera inscrição consular o mesmo efeito da declaração produzida, em caso de regresso, pelo emigrante oitocentista, perante as autoridades locais. (Aguiar, 1999: 156). Refiro-me ao Projecto de Lei nº 140/VIII que, apesar de não ter alcançado vencimento, constituiu um exemplo incomum de procura de uma solução para o futuro claramente inspirada na originalidade de velhas tradições jurídicas.
Em 2004, encerra-se o último capítulo deste processo, que aglutinou não só políticos, mas “activistas” do que veio a considerar-se uma causa maior nas comunidades portuguesas de todo o mundo: não só é derrogado o “direito de oposição” estatal, como é garantida a retroacção dos efeitos da livre reaquisição da nacionalidade por mera declaração de vontade. O cidadão é, doravante, o decisor único da sua pertença nacional, independentemente do lugar ou país de residência.
Um parêntesis, para olhar o que acontece na Europa, onde, neste campo, subsiste a divisão, no plano doutrinal e nos ordenamentos jurídicos internos – decorrente de experiências concretas muito diversas de países de origem e de destino das migrações. A nível do Conselho da Europa, a polémica prolongou-se por décadas, devido à inflexibilidade de dois blocos antagónicos, formados pelos Estados membros, que se afrontavam, mostrando pouco disponibilidade para negociar concessões…
A Convenção de 5 de Maio de 1963 sobre a Redução dos Casos de Nacionalidade Múltipla, só veio a ser revogada, em 1997, pela Convenção Europeia sobre a Nacionalidade. Todavia, perante a irredutibilidade de alguns desses membros – nomeadamente a Alemanha, a generalidade dos países nórdicos, e não só… - o “Conselho” não foi além de uma posição de neutralidade na matéria.
Também não há consenso europeu na defesa do reconhecimento de um estatuto de direitos dos emigrantes, como mencionaremos adiante.
No caso português, esse reconhecimento tem já um suporte constitucional, não só no que respeita à liberdade de circulação (art.º 44º), como em relação a novos direitos, que se englobam no "Direito dos Expatriados", uma construção jurídica em marcha, integrando "normas constitucionais, legais e regulamentares de direito interno e regras de direito internacional, tratados, convenções e princípios gerais de direito", como Barbosa de Melo teorizou no colóquio da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (APCE) sobre "Os laços entre os europeus residentes no estrangeiro com os seus países de origem", realizado em 1997. No relatório da APCE baseado sobre os estudos preliminares, os debates e conclusões do colóquio, este Direito emergente foi considerado a resultante de um processo evolutivo centrado no cidadão, e na possibilidade do seu relacionamento com o Estado em novos moldes: " the emerging law of expatriates has citizens interests at heart and not directly the interests of states" (Aguiar and Guirado, 1999).
Os cidadãos vêem reconhecidos os direitos inerentes à qualidade de nacionais, independentemente da sua residência no estrangeiro – e, através deles, se impõe ao Estado a reestruturação das suas instituições e das suas leis, para que correspondam à dimensão humana do Nação e não apenas a uma organização territorial.
Segundo Bacelar de Gouveia, a nossa Constituição ensaia, desde 1976, gradualmente, a transição do paradigma "territorialista" para um paradigma "personalista” ou “nacionalista”. Caminhamos, assim, nem sempre em linha recta, antes com episódicos desvios, para a "desterritorialização" dos direitos dos emigrantes (um neologismo muito utilizado, em qualquer da línguas oficiais, nas actas do colóquio e do relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, acima referidos).
A Lei Fundamental portuguesa denuncia pulsões contraditórias entre a vontade de aumentar os direitos de participação de todos os cidadãos, e a de "dar menos direitos a quem está fora do território, porque não contribui para os impostos..." , como afirmou o constitucionalista na audição parlamentar organizado pela Subcomissão das Comunidades Portuguesas, para examinar e reequacionar os "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", (Gouveia, 2004:61).
Hoje, já não se discute a possibilidade teórica do exercício de direitos políticos a partir do estrangeiro, mas a sua denegação ou consagração, mais ou menos alargada conhece, “de jure constituto”, variadas formas de concretização. Entre elas se conta a adopção de mecanismos específicos de representação de migrantes.
Um dos precursores do estabelecimento de tais mecanismos, Emygdio da Silva, eminente investigador e professor de Direito, que chegou a propô-los, no começo do século XX, como sucedâneo para outras modalidades, então utópicas, de participação eleitoral de emigrantes, não precisaria de repetir agora o seu cauteloso comentário sobre a ousada proposta de um autor italiano, seu contemporâneo: "[…]sem pretendermos erigir em sistema as fantasias de um deputado italiano que, na Revista Económica Internacional aventava a ideia de que ao parlamento do seu país viessem representantes das colónias italianas em países estrangeiros [...]" (Silva, 1917: 211).
Na verdade, as "fantasias" há muito se erigiram em sistema, no Direito em vigor em muitos Estados – incluindo em Portugal e na Itália, ainda que, em outros países, nomeadamente do norte da Europa, se mantenha o apego ao dogma da "territorialidade" -tal como no século XIX o teorizava Locke. Podemos, pois, também nesta questão, nesta "vexata questio", constatar a existência de uma Europa plural, confrontada com muitas e diferentes sensibilidades no domínio das políticas migratórias...

II - EMIGRAÇÃO - FORMAS MÚLTPLAS DE PRESENÇA

"[...] Que ideia nos fazemos nós de Portugal: Somos o povo sediado no chão europeu, demarcado pelos nossos maiores, ou o povo que deve ser tomado e considerado independentemente do território que ocupa em cada tempo?”
António Barbosa de Melo

1 - No Interior do País
A constatação das manifestações de presença, ou de pertença, dos expatriados foi irrompendo, cedo, despertada pelos "influxos financeiros" provocados pelos "fluxos migratórios" para o exterior - relação de causa e efeito, crescentemente valorizada, nos meios políticos ou académicos, como na sociedade em geral. Para o que contribuíam, sobremaneira, as características do nosso “emigrante tipo”, o seu modo de se integrar num outro país sem perda de ligação ao seu. Porquê? Antes de mais porque a emigração portuguesa envolvia, numa primeira fase, quase exclusivamente homens, que partiam sós, mas com o objectivo de executar um plano familiar de melhoria das condições de vida. A primeira modalidade de cumprimento desse projecto era o envio maciço de remessas: para as famílias a garantia de escapar à faixa larga de miséria ou de pobreza, para o Estado uma inesgotável fonte de divisas, indispensável ao equilíbrio das contas externas.
No primeiro quartel do século XX, Fernando Emygdio da Silva escrevia: "...É da emigração de miséria que a Pátria tira, depois, o ouro com que salda a conta da sua desorientação económica e dos desperdícios financeiros. É da miséria que vem a nossa maior riqueza: do pária nostálgico e atavicamente aventureiro... é que vem o ouro [...] não se esquecem de nos enriquecer com as remessas, que ainda ali não representam um excesso, mas, a maior parte das vezes, a privação, ao menos nos primeiros anos." (Silva, 1917:107).
Oliveira Martins, Afonso Costa, Anselmo de Andrade, Artur Bello, Vieira da Rocha, Egmydio da Silva são alguns dos autores que, nas suas estimativas, nos traçam os gráficos da enorme dependência nacional face ao prodigioso volume de remessas da emigração (Silva, 1917: 105).
Estas prestações, tábua de salvação da economia portuguesa, configuram, assim, o modo mais antigo e mais reverenciado de os emigrantes aqui estarem presentes, não estando... E vão condicionar as políticas de emigração familiar,com fortes restrições à saída de mulheres e de menores, que é combatida em toda a medida do possível. Afonso Costa qualifica o êxodo de mulheres como "[…] uma depreciação do fenómeno migratório […]", porque: "[…] é quando a família do emigrante fica na Pátria, que ele envia mais regularmente as suas economias" (Costa, 1913: 182). Não anda longe desta preocupação Emygdío da Silva, para quem o número de mulheres expatriadas, que, se verifica entre 1906 e 1913 (127% de aumento!) "é uma constatação tremenda". Com idêntica justificação:"[…] perigo de desnacionalização e cessação de remessas[…]” (Silva, 1917: 132).
Vão os Homens, chegam as divisas, com as quais, de muito longe, imprimem marcas no território, influenciam a modernização de costumes, o consumo, o comércio, os transportes... Constroem ou reconstroem as casas, que, pelo seu porte, pelo gosto arquitectónico, inspirado em modelos estrangeiros se distinguem na paisagem rural ou na malha urbana, dando origem a críticas ambíguas ou díspares, a reacções de admiração, de mimetismo, de emulação, de inveja... Em qualquer caso, com elas conseguem testemunhar a "libertação" da pobreza antiga e escrever na pedra das moradias (no cimento, no azulejo, no ferro...) uma história de sucesso individual, que, em si, é, porventura, a manifestação de presença subjectivamente mais desejada. "Pour ces immigrés de première génération, il importe, surtout de rester portugais en France, mais encore plus de réussir le projet d’émigration qui leur permette de s’affirmer au Portugal comme ayant eu une réussite exemplaire […]". " La réussite du projet n'est envisagée et n'a de sens que si elle est reconnue et donc traduite en réalisation - le plus souvent la construction d’une maison dans la communauté villageoise d'origine. […]" (Cunha, 1988:61).
As migrações podem mudar de rumo, de continente, de estatuto económico, que nem por isso há descontinuidade na predominância deste investimento em casas, quintas, terras que têm valor, quase sempre, sentimental, afectivo, para além do valor de mercado...
Dos palácios, palacetes, "chalets" dos "brasileiros" do século XIX e inícios de novecentos (Rocha Trindade, 2008: 143), passamos às vivendas modernas de "franceses", "venezuelanos" e outros, das mais diversas proveniências que, desde 60 e 70, proliferam em todas as regiões de forte emigração - edificações de raiz ou modificação de fachadas e arranjos estruturais ou de pormenor, com benfeitorias e traços ostensivamente "estrangeirados" . Como que a dizer que a aventura pelo mundo fora valeu a pena. Nada de muito diverso do que ocorre, por exemplo, em Cabo Verde ou na vizinha Galiza (Mora: 2oo8:284).
Outra forma de dizer o mesmo, quaisquer que sejam as motivações subjacentes - da legítima vontade de afirmação à solidariedade mais desinteressada e genuína - é a construção de obras de beneficência, a contribuição para instituições locais, o impulso dado ao melhoramento das condições de vida nas suas terras. Há uma tradição de generosidade, que teve um ponto alto, com as grandes fortunas do Brasil, e que se continua, à medida das posses de cada um, em cada novo ciclo migratório.

2 – Nas Comunidades do Exterior
Se a presença dos emigrados através do bem-fazer nas terras de origem era bem conhecida dos conterrâneos, já não o era a vivência na sociedade de destino. A sua "descoberta" surpreende, quando chega avalizada pela autoridade intelectual dos primeiros estudiosos, que têm o privilégio de visitar as instituições fundadas pelos portugueses na “Diáspora”. Afinal, proclamavam eles, os emigrantes levavam consigo Portugal - não o deixavam, simplesmente, para trás...
Mas não são muitos os estudiosos da emigração que, no princípio do século passado, reconhecem a existência dessa rede de organizações e dão testemunho do seu significado: Afonso Costa, Emygdio Silva são excepções à regra.
Afonso Costa informa: "... além disso, formaram-se colónias portuguesas em São Francisco, Oackland, em New Bedford e Providence, Boston e Brooklin, tendo com principal fonte da emigração os Açores". E caracteriza a sua agregação nestes termos: "As colónias portuguesas resistem, têm individualidade, mantêm o nome, a língua, os usos portugueses", acrescentando que a formação das "colónias": "[...] torna a emigração útil para a Pátria, perdendo o carácter de abandono da Pátria". É uma verdade, que intuiu antes de muitos na sua época: o "abandono da terra" cessa pela integração numa a "colónia" ou "comunidade" de vivência portuguesa.
Por seu lado, Emygdio da Silva salienta "o sentimento associativo geral" entre os colonos portugueses do Brasil e tece interessantes considerações, como esta: "[…] a generosidade é a mais alta tradição da colónia portuguesa". (Silva, 1917: 278). Deixa-nos, também, uma relação circunstanciada das associações mais importantes, algumas das quais ainda hoje o são: a Caixa de Socorros Mútuos Dom Pedro V, o Gabinete de Leitura, o Clube Ginástico Português, no Rio de Janeiro, a Sociedade Portuguesa de Beneficência e o Centro Português de Santos, os Gabinetes de Leitura de Salvador e de Recife e outras notáveis instituições de Belém, Belo Horizonte, Manaus, São Luís de Maranhão, Curitiba.
Todavia, não creio que ambos estes grandes conhecedores das comunidades oriundas da emigração, na sua época - e muito menos quaisquer outros... - tenham tido plena consciência de que estavam perante formações capazes de sobrevivência para além do fim dos tempos da emigração (isto é, da primeira geração de emigrantes), ainda por cima, alicerçadas naquela emigração familiar que queriam evitar a todo o custo: a que não tinha retorno, a que se considerava votada à fatal "desnacionalização".
Estavam, evidentemente, certos quanto ao decréscimo de retornos no quadro da emigração familiar, mas não, como agora sabemos, no que respeita à capacidade de resistência à "dissolução cultural" das comunidades formadas por terceiras e quartas gerações de portugueses, que, por exemplo, na Califórnia - um destino de não regresso, por excelência - continuam a falar a língua e a manter vivos costumes e rituais religiosos trazidos por antepassados.
Esta outra e insuspeita da forma de presença - a das comunidades organizadas, a que as mulheres e os jovens deram densidade e futuro - só vem a ser reconhecida e a influenciar as políticas de emigração, nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Mais exactamente, a partir de 1980, com a criação do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), um órgão representativo das organizações dos portugueses do estrangeiro, destinado a ser um interlocutor privilegiado na definição e execução das políticas culturais e sociais, uma "[…] instituição medianeira entre a sociedade civil e o Estado" (Aguiar, 1986:83).

III - POLÍTICAS DE REENCONTRO
«Portugal é mais uma cultura do que uma organização rígida» Francisco Sá Carneiro

1 - A Representação das Comunidades da Diáspora
O reconhecimento da pertença dos emigrantes a uma Nação populacional ou "Nação de Comunidades", é coisa recente. Julgo que poderemos situar o ponto de viragem, nesta visão abrangente de nós mesmos, no I Congresso das Comunidades Portuguesas, realizado pela Sociedade de Geografia, em Setembro de 1964, a que se seguiu, dois anos depois, um segundo Congresso. Em muitas das intervenções fica bem patente, o reconhecimento da abrangência dos expatriados no todo nacional, por vezes em frases lapidares, como a de Gonçalves Cerejeira: “Onde está um português, aí está Portugal! “. Ou a de Adriano Moreira, ao defender que “a emigração não significa, de algum modo, o repúdio da condição originária de português. O portuguesismo é o património comum dos portugueses das sete partidas do mundo” (Moreira, 1981:345).
Na audição parlamentar de 2004 sobre a temática da representação dos "ausentes", a que já aludimos, Adriano Moreira (o principal impulsionador destes Congressos, na qualidade de presidente da Sociedade de Geografia) foi convidado a traçar o quadro de preparação dessa iniciativa e dos seus objectivos. Segundo ele: "A ideia traduziu-se numa espécie de sistematização do que era a presença de Portugal no mundo, do ponto de vista das comunidades. Utilizamos uns conceitos operacionais que as arrumavam em três espécies". A primeira era composta pelos emigrantes de 1ª geração, a segunda pelos seus descendentes, que mantinham ligação às raízes, a terceira pelas comunidades filiadas na cultura portuguesa - obra também dos emigrantes, que "[…] aculturavam os povos por onde passavam". (Audição 2004:100).
Pelo empreendimento, inédito em Portugal, pela consciência da existência de um património histórico, que havia que preservar e potenciar, pela estratégia de criação de uma base institucional, para prosseguir esse intento (com a criação da União das Comunidades - que teve efémera duração - e da Academia Internacional da Cultura Portuguesa), os dois Congressos da Sociedade de Geografia são precursores das políticas ditas "de reencontro", empreendidas a partir do final da década seguinte.
O primeiro "Congresso Mundial das Comunidades Portuguesas", depois de 1974, foi, como historiou o deputado Carlos Luiz, organizado por uma Comissão que integrava elementos do Conselho da Revolução, sob a presidência de Vitor Alves, com o apoio do Presidente Ramalho Eanes (Audição 2004:36), mas viria a ser adiado para Junho de 198 e levado a cabo por uma segunda comissão organizadora, presidida por Rosado Fernandes, por indicação do Governo. Foi, não efectivamente o pioneiro, mas o primeiro realizado sob a égide do Estado, com a presença de portugueses dos cinco continentes mundo, dirigentes das instituições em que se estrutura o espaço universal da cultura portuguesa, alguns dos quais haviam também respondido à chamada da Sociedade de Geografia, na década de 60 (apresentando comunicações, que se encontram publicadas na revista da Academia Internacional da Língua Portuguesa, incluindo aquela em que Adriano Moreira fala de Portugal, como "Nação peregrina", uma expressão muito glosada até ao presente (Moreira, 1973: 57). Novas designações da mesma ideia (sobre a diáspora portuguesa) fizeram curso - por exemplo, o "Portugal maior" de Vitorino Magalhães Godinho ou a "nação de comunidades" de Francisco Sá Carneiro. Entrou, assim, definitivamente, no léxico político a significar um novo "olhar", uma nova concepção de nós e da nossa emigração de omnipresença.
Em 1980, foi criado, como dissemos, um órgão consultivo de representação das comunidades, livremente eleito no interior do movimento associativo, cuja capacidade de agregação e autenticidade se pretendia potenciar. Na óptica governamental, "[…] para garantia dessa autenticidade se baseou o processo de eleição dos representantes nas associações, que são a estrutura organizacional e os centros de vida das comunidades portuguesas do estrangeiro" (Aguiar, 1986:84). Do preâmbulo da Lei nº 373/80, resulta claramente a intenção de aproveitar a força, o engenho e a autoridade de quem tem obra feita, respeitando a independência dessas instituições perante o Estado e face ao próprio "CCP", enquanto instituição: "O Conselho " […] de modo algum pretende substituir-se aos movimentos preexistentes, pois se pressupõe ser condição de êxito deste projecto a vitalidade e capacidade de afirmação das próprias associações."
É na real autonomia da "sociedade civil" face ao Estado, trazendo ao "forum" de debate os seus próprios projectos, assim como no enfoque dado à força organizacional das comunidades, que este Conselho - ao contrário dos que mais tarde o haviam de continuar, em moldes distintos, à margem do centro de gravitação associativa - estava próximo do principal escopo e das preocupações metodológicas do movimento precursor de sessenta, como se evidencia nas palavras do próprio do Prof. Adriano Moreira, referindo-se aos congressos que dinamizou: "Qual foi o método que utilizamos? Foi partir em primeiro lugar da capacidade dessas associações e, por isso, o nosso ponto de referência foram as associações, sobretudo do Brasil, que era sempre o maior campo de observação" (Audição: 2004:63).
A "União" projectada na década de 60, poderia, creio, ter dotado o movimento associativo das comunidades do estrangeiro de uma estrutura federativa, semelhante á que, de há muito, existe na maioria dos países europeus de emigração. Mas, como vimos, foi uma experiência logo interrompida. O CCP da década de 80 visava colmatar essa lacuna, e, do mesmo passo, dar início a um novo ciclo nas políticas para as comunidades portuguesas, como ressaltava do discurso oficial (Aguiar, 2009:259).
Nem um nem o outro dos objectivos seriam atingidos, de forma duradoura. O órgão consultivo foi perdendo a sua centralidade e capacidade de interlocução, por falta de consulta e audição governamental. Acabaria substituído por um novo "Conselho", que integrava um complexo conjunto de colégios eleitorais e que nunca funcionou, na totalidade.
Em 1996, o CCP é reactivado, numa terceira configuração, passando a ser eleito por sufrágio directo e universal. O distanciamento do mundo associativo, acrescido da ambiguidade da sua própria natureza dual (órgão representativo, eleito directamente pelos emigrantes, órgão consultivo do governo...) não lhe tem dado a facilidade de interacção com o governo, a administração pública e os media nacionais de que gozou, o “Conselho” na sua primeira fase (Aguiar, 2009:260).
É, em qualquer caso, o órgão de manifestação da "presença" dos expatriados, por excelência. Poderá, dar-lhes, com mais meios e mais facilidades de audição, como reclamam , a voz e visibilidade que ambicionam ter no país (e não têm tido).
Assim o julgou, também, a Subcomissão das Comunidades Portuguesas, que, por decisão unânime dos seus membros, promoveu duas sucessivas audições para reflexão sobre os modelos que melhor serviriam o seu futuro: o primeiro, em 2003, orientado para a procura de inspiração em soluções de direito comparado e na experiência de vida de órgãos semelhantes existentes na Suíça, em França, Itália, Espanha e Grécia; o segundo, a que fizemos várias menções, em 2004, para a avaliar a eventual "constitucionalização" do órgão, conferindo-lhe um carácter quase senatorial.
Constitucionalistas como Barbosa de Melo e Bacelar de Gouveia, assim como Adriano Moreira, intervieram no debate. Para Barbosa de Melo, a consagração da existência e das competências do CCP no texto da Constituição Portuguesa pode ser uma vantagem: Constitucionalizar, sim, " mas constitucionalizar como órgão do Estado português e não como órgão de Governo ou como órgão da Assembleia da República. Do que se trata aqui é de um instrumento para o exercício dos direitos fundamentais e constitucionais dos nossos compatriotas emigrados perante o Estado no seu conjunto". (Audição 2004:33).
Aberto à aceitação de uma emenda constitucional, mas recomendando prudência, Bacelar de Gouveia, acompanha-o: "É preciso não nos entusiasmarmos em demasia com a ideia da constitucionalização. Há muitas constitucionalizações e não só uma [...]" (Audição, 2004: 63).
Outro tanto se poderia dizer do CCP, independentemente da sua entrada no "santuário" que a Lei fundamental configuraria, colocando-o fora do alcance do poder discricionário dos governos.

2 - Novos Direitos dos Expatriados
A igualdade de direitos dos expatriados face aos residentes é hoje um reivindicação generalizada, ao menos nos países de "diáspora" - uma reivindicação para a qual o CCP foi, aliás, um instrumento de primeiro plano .
Na sua plenitude, a igualdade está longe de ser alcançada em Portugal. Faz parte do ideário de alguns partidos políticos, mas não, nos mesmos termos, nas de outros. Por isso, desde 1974, temos caminhado, a par e passo, numa incessante busca de equilíbrios e de consensos, na Constituição e nas leis, para a afirmação gradual, progressiva de um estatuto de novos direitos culturais, sociais e políticos. O "estatuto dos expatriados".
Direitos Culturais
O Estado, assume, no Capítulo III, art.º 74 da Constituição, a incumbência de " assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa", mas incumpre largamente esse dever - e mais em determinados quadrantes geográficos do que noutros... Mais nas comunidades transoceânicas do que na Europa, a levantar a suspeita de que se vem privilegiando a emigração temporária, ao menos na visão oitocentista, isto é, a emigração de retorno, a longo prazo, como é (ou se pensava que fosse...) a do nosso continente. Por outras palavras: a língua é ensinada, sobretudo, na perspectiva do apoio à reinserção dos jovens de 2ª geração e negligenciada como instrumento de preservação das comunidades de cultura portuguesa no mundo, nos destinos transoceânicos, da América do Norte à Oceânia, com algumas excepções (como Macau, Maputo e, em certa medida, a República da África do Sul).
Se a nível dos cidadãos não há igualdade de tratamento, nesta área estratégica, o mesmo acontece no plano institucional. O mundo associativo ao qual fizemos referências, tendo embora finalidades semelhantes ao que lhe serve de modelo em Portugal, deve-se inteiramente à iniciativa privada, apesar de prosseguir, em simultâneo, o singular escopo de alargar o espaço da presença portuguesa, universalmente. Dentro de fronteiras poucas ONG's atingiriam os seus objectivos sem a robusta componente do apoio estatal, a ponto de se falar a seu respeito, frequentemente, de "subsídio - dependência". Fora do País, pelo contrário, a verdade é que nenhum centro social e cultural, grande ou pequeno, nenhum clube ou sociedade beneficente existiriam, se tivessem esperado por verbas do erário público para avançar... Mesmo quando algum apoio acabaram por receber, no conjunto, ele foi, e é, diminuto.
Direitos sociais
Ao contrário do que acontece no domínio cultural, a Constituição não faz, no capítulo II, dedicado aos "Direitos e Deveres Sociais", qualquer expressa referência aos emigrantes.
É certo que o art.º 63, no seu nº 1º, determina: "Todos têm direito à segurança social", tal como o art.º 74, no seu nº 1º, assegura: "Todos têm direito à educação e cultura". Todavia, neste outro capítulo, "todos" já são apenas todos os que residem no território... Uma das várias contradições flagrantes da nossa Lei Constitucional, no que às consequências da ausência do território respeita.
Tradicionalmente, como é sabido, o Estado quase se limitava a apoiar o repatriamento dos seus nacionais, em situações de extrema miséria. Um gesto de solidariedade que não configurava um direito, e ainda hoje se não encontra regulamentado como tal, apesar de ter sido, aprovado, na generalidade, um diploma que não chegou a ser apreciado na especialidade, nem objecto de votação final global. (Aguiar, 2006:68).
Em anos recentes, pelo menos desde a década de 80, a Secretaria de Estado da Emigração concedia apoios pontuais em outras situações de necessidade, através dos seus serviços no estrangeiro, mas só em 1999 o Governo instituiu o Apoio Social a Idosos Carenciados (ASIC). Uma prestação de montante variável, de país para país, atribuída, com restrições, longe de ser o equivalente de pensões não contributivas ou de mínimos de rendimento, tal como são garantidos dentro de fronteiras...
Em Direito comparado, há, actualmente, bons exemplos de sistemas de assistência na doença e na velhice, nomeadamente em países de emigração semelhante à nossa, como a Espanha ou a Itália - o que aumenta o sentimento de abandono de que os portugueses mais pobres se queixam, sobretudo em sociedades onde coexistem com emigrantes europeus melhor protegidos pelos Estados nacionais (caso do Brasil e daa América de língua espanhola).
Direitos Políticos
O restabelecimento da democracia em 1974, veio dar aos emigrantes, pela primeira vez, direitos de participação na vida pública: em primeira linha o de eleger quatro deputados, em dois círculos eleitorais próprios - uma excepção ao princípio constitucional da proporcionalidade, pelo método de Hondt .
Com a adesão à CEE, na qualidade de cidadãos europeus, ganharam o direito de voto nas eleições para o Parlamento Europeu, embora só desde 2004 esse direito tenha sido alargado aos que vivem fora do espaço da União Europeia (Aguiar, 2006:85).
Foi preciso esperar pela revisão constitucional de 1997 para conseguirem o direito de voto na eleição do Presidente da República, após décadas de luta, que o CCP encabeçou. O sufrágio foi-lhes concedido com restrições. Têm capacidade eleitoral passiva apenas aqueles que comprovem, nos termos do nº 2º do art.º 121, "laços de ligação efectiva à comunidade nacional". Limitações cerceiam, igualmente, a participação dos emigrantes em "referenda" nacionais, admitida apenas quando "recaiam sobre matéria que lhes diga também especificamente respeito". O entendimento sobre a qualificação da matéria que especificamente "também" lhes respeita nunca foi pacífica - mostram as experiências havidas ser questão em que os partidos, a começar pelos dois maiores, costumam divergir, obstaculizando a participação.
Para além da diversidade de universos eleitorais - para legislativas, para os "referenda" e para as presidenciais - há ainda a dualidade de modos de votação, visto que nas legislativas os emigrantes votam por correspondência, nas presidenciais e europeias, por sufrágio presencial. (Machado, 2009:41)
E estão totalmente excluídos da participação nas eleições locais e autonómicas - que é facultada nos países europeus, dos quais nos sentimos próximos neste domínio.
Um sistema que prima pela falta de coerência e de unidade...
A ausência implica, ainda, em determinados condicionalismos, variáveis conforme as latitudes, forte diminuição dos direitos de cidadania. Ora, ao contrário do que acontece com as prestações sociais, ou com a extensão da rede de ensino, que acarretam custos substanciais, a concessão do voto não, pelo que as restrições estabelecidas só podem, evidentemente, resultar de uma visão limitativa sobre a "comunidade polítca nacional", uma menorização do emigrante no seu relacionamento "político" com o país.
Foi quase sempre difícil o consenso nesta matéria entre os dois partidos do "chamado "bloco central", PS e PSD, que, por si só, perfazem a maioria qualificada de dois terços, exigida para qualquer alteração constitucional ou para a aprovação de leis orgânicas, como são as eleitorais. A divisão e o dissenso estendem-se, nalgumas dessas questões, ao interior dos partidos. No que respeita ao alargamento do sufrágio, é o caso do PS. No PSD, aparentemente mais unido na reivindicação de igualdade de direitos políticos para todos os portugueses - uma constante dos seus programas eleitorais - podem apontar-se, por exemplo, mudanças radicais na forma de conceber a representação específica dos emigrantes, o Conselho das Comunidades.
CONCLUSÃO
"Le Portugal est maintenant un petit pays de 90.000 kilométres carré, plus les iles atlantiques. Cependent, il est beaucoup plus que cela et il essaye de s’organiser comme nation en un petit territoire mais avec un peuple immense, dispersé sur tous les continents [...]"
Francisco de Sá Carneiro, Primeiro- Ministro, discursando perante a APCE em 21 de Abril de 1980
A emigração portuguesa mudou desde os seus primórdios, mudou, mesmo que consideremos, apenas, a que aconteceu, em vários ciclos, no século passado, mas mudou certamente menos do que as leis, o discurso político ou a opinião pública sobre a sua natureza e consequências.
Olhares, discursos (no plural...) absolutamente distintos daqueles sobre uma realidade migratória, que mantém muitos traços comuns: a realidade da saída de homens e mulheres - estas hoje, cada vez mais, em pé de igualdade - que abandonam o território por razões económicas e em massa (contra todas as expectativas geradas no período que se seguiu ao ingresso de Portugal na CEE); a existência de uma vasta rede de organizações de solidariedade e de fins culturais que decorrem da vivência colectiva no estrangeiro, em "comunidades"; a manutenção de relações de toda a ordem como país de origem, incluindo o envio de poupanças ainda vultosas.
No entanto, essas remessas, completamente ofuscadas pelos "fundos comunitários" deixaram de estar no centro das atenções, e outros aspectos da emigração a ser, entre outras razões por essa, mais valorizados. É o caso da própria dimensão humana do que correntemente se designa por "diáspora" e do património cultural, construído e preservado em muitos países do mundo, nas comunidades oriundas da emigração.
Em termos de estatuto jurídico, os emigrantes viram, desde 1974, respeitado e, desde 1976, consagrado constitucionalmente, o direito de livre circulação, e passaram a beneficiar de políticas de protecção extensivas a todo o ciclo migratório, da partida ao regresso. O princípio da igualdade entre todos os cidadãos, independentemente da residência é hoje aceite, embora ainda dele se não tirem todas as suas possíveis consequências.
Ênfase muito especial é dado a uma nova imagem do emigrante, nos anos que se seguiram à adesão à CEE: "A ideia matriz de Pátria de Comunidades - e não de emigrantes - enfatiza naturalmente, o orgulho de sermos portugueses e, através do apelo à nossa História, aos nossos valores, e às nossas tradições, traduz-se num combate permanente à visão miserabilista da emigração". (Jesus, 1990: 69).
Convirá precisar que no "paradigma personalista" - na tipologia de Bacelar de Gouveia - me parece caberem, por igual, políticas mais orientadas por a visão atomística do cidadão, predominante até na linguagem corrente - no hábito generalizado de dar à palavra "comunidade" o seu conteúdo meramente estatístico, afirmando, por exemplo, "[…] a comunidade portuguesa de França é de cerca de um milhão de pessoas […]" - e uma outra mais institucionalista, que olha as comunidades organizadas, dotadas de coesão, de identidade e de solidariedade, herdeiras dessas outras já referenciadas pelos tratadistas do início de novecentos. Em suma, o movimento associativo, com a sua visão dinâmica do património cultural português, e a sua capacidade de lhe dar vivência colectiva e futuro.
Fevereiro, 2010

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