segunda-feira, 12 de abril de 2021

Entrevista As A entre as L - na íntegra

Este ano o Encontro da AEMM tem como tema geral "Expressões femininas da cidadania". Que aspectos esperam abordar a partir desse "mote"
As muitas faces femininas da cidadania!
Os direitos e a prática da cidadania, no caso particular das mulheres da Diáspora, têm estado no centro das iniciativas da AEMM, desde o seu início, há 20 anos. Cidadania no sentido mais amplo do conceito. E são as suas formas várias de exercício que consideraremos, ao longo do Encontro, passando da política e do associativismo, para a iniciativa empresarial, ou para a afirmação do “feminino” no espaço da cultura" – onde, aliás, o feminismo nasceu, em Portugal, com o envolvimento de notáveis escritoras e jornalistas. Não as esqueceremos, sobretudo as que foram emigrantes. As primeiras palavras serão  para Maria Lamas, que viveu a dolorosa experiência do exílio, em Paris. Uma cidadã exemplar, que faria neste mês de Outubro, 120 anos.
Sabemos que a emigração feminina, ainda hoje, é muitas vezes tratada num capítulo aparte, como que num pequeno compartimento isolado de uma casa grande. Neste congresso, pelo contrário, queremos olhar a evolução do fenómeno migratório actual a partir da história ou das histórias de vida das mulheres, da sua capacidade de afirmação e de influência nos destinos que partilham com os homens, nas comunidades portuguesas do estrangeiro.
E queremos não só traçar as grandes linhas do movimento, da marcha colectiva para o futuro, mas também revelar os rostos da mudança, as individualidades que se destacam em diferentes domínios. O que poderemos designar por "mulher excepção", com o fenómeno migratório como pano de fundo. Para combater estereótipos ultrapassados ou que é preciso ultrapassar.
Ouviremos, sem dúvida, muitas narrativas de vida mobilizadoras para outras mulheres, para as mais jovens... Mas é importante não tomar a parte pelo todo, a excepção pela regra. Isto é, não esquecer as discriminações que permanecem. para uma maioria..
Provavelmente, em muitos casos se aventará um "e se não fossem emigrantes?". As respostas serão, necessariamente subjectivas, mas nem por isso menos significantes de uma visão do país e da diáspora, num confronto dinâmico... A terra pequena que se deixou pelo espaço largo onde se fez caminho e êxito..."A terra do chiculate" - para citar o título de um livro de Isabel Mateus, que virá de Londres para o Encontro…
  O primeiro tema do debate será "Mulheres Migrantes na política -um princípio de paridade". Há paridade nesta área, ou procuram aqui denunciar a falta dela?
 Paridade não há em Portugal, e poucos são os países onde existe. Digamos que vai havendo, em alguns domínios. O mundo é ainda feito de repúblicas dos homens - veja-se o retrato de uma cimeira europeia ou mundial de governantes, ou a relação dos prémios Nobel, ou a lista dos mais ricos do planeta...
 A paridade é uma utopia …mas temos de acreditar que, um dia, deixará de o ser, usando os meios possíveis para alcançar a igualdade, acompanhando o processo no seu curso, denunciando discriminações, oferecendo paradigmas de direito comparado, aperfeiçoando e fazendo cumprir regras jurídicas… Cuidando das boas práticas
 A emigração tem sido, contra o previsto e o previsível, um factor de mais igualdade entre géneros, pelo menos no caso português. Mas, sem dúvida, mais no campo da cultura do que no da política, ou em qualquer outro – um firme sinal de esperança para mutações profundas da sociedade, que só podem começar neste domínio.
O enfoque na questão cultural não esteve nunca ausente das nossas preocupações, mas tornou-se cada vez mais central, como veio evidenciar o Encontro Mundial da Maia, em 2011. Quando aí ouvi o deputado Paulo Pisco afirmar que nas nossas comunidades a mulher já igualou o homem nesta área, não só concordei, como antevi que nas reuniões seguintes essa “primeira igualdade” seria muito referenciada, como alavanca das demais…
A Lei da Paridade foi uma medida positva para ajudar à igualdade entre os sexos?
A Lei procura cumprir o princípio da Paridade, de uma forma modesta e gradual – garantindo, para já, apenas um mínimo de 1/3de cada um dos sexos nas listas eleitorais.
Num país onde os partidos, são estruturas herméticas – tradicionalmente inacessíveis às mulheres – foram os partidos mais fechados os que mais se opuseram às novas regras… Ninguém ousará desafiar o princípio em abstracto, mas são muitos, no campo conservador, os que contestam os meios de o impor em concreto, por força da lei
O veto do PR à força vinculativa da ordenação “paritária” das listas - foi um primeiro sinal de desconforto...E a relutância dos partidos mais conservadores em a respeitar inteiramente e, mais ainda, em ir além dos mínimos assegurados, é um entrave a uma autêntica paridade. Mas, mesmo assim, a lei tem mostrado eficácia, assegurando uma maior participação das mulheres. É imprescindível que se mantenha.
Alguns criticam-na por "fabricar" artificialmente a igualdade. Eu julgo que os partidos políticos, a começar pelas  organizações da juventude. pelas chamadas "jotas" , é que, de uma forma artificial, sem olhar a  capacidade de trabalho, em regra, promovem os amigos e marginalizam as mulheres...  Por isso, "quotas" não põem em causa o mérito,  antes abrem portas a quem se presume ter méritos iguais aos privilegiados do interior das fortalezas partidárias. As quotas são, assim, uma fenda na muralha... 
 Neste painel do Encontro, os obectivos principais serão os de confrontar experiências de outros países e de conhecer o brilhante trajecto das primeiras portuguesas que fazem carreira política nos países de destino.
 Quem são hoje as mulheres da diáspora?
 Agora, como no passado, mulheres de coragem, e de trabalho, também. O seu papel e a seu relevo no quadro global das migrações não será muito diferente, hoje, do que era na segunda metade do século XX - a percepção que deles se foi ganhando é que é mais ajustada às realidades. Primeiramente, devido a investigação científica, a estudos pioneiros, como, por exemplo, os de Engrácia Leandro, em Paris, na década de 90, depois, também, graças a uma maior atenção por parte dos “media”, dos políticos, das próprias organizações das comunidades - tradicionalmente um espaço de direcção exclusiva de homens.
A emigração revelou-se uma via inesperada de emancipação para um sem número de mulheres portuguesas, no seu trânsito de uma sociedade rural para meios urbanos, onde aproveitam a influência de novos paradigmas de relacionamento familiar e, sobretudo, da autonomia pessoal que lhes dá o acesso a trabalho remunerado ( às vezes mais ou melhor do que o do marido)...
Actualmente dá-se muita visibilidade a um novo perfil de mulheres emigrantes, mais qualificadas e independentes -  as que partem por sua conta e risco e que estão conhecendo o sucesso profissional noutros patamares.
 De todas, das primeiras gerações, aparentemente mais conformistas, e das jovens, em regra, mais audazes e conscientes da sua competência profissional, se faz o mundo da emigração feminina, cada vez mais complexo e heterogéneo.
 Todavia, apesar de progressos que se registam, a esfera da emigração feminina permanece ainda relativamente opaca ou periférica. Daí a preocupação da AEMM de chamar a estas Encontros de âmbito internacional, tanto investigadores universitários, como emigrantes que, elas próprias, pelo seu percurso de vida, combatem os tradicionais estereótipos do “segundo sexo”.
  
Os  problemas da mulheres migrantes são muito diferentes hoje?
No passado, as mulheres saiam para reunificação familiar, agora não necessariamnte. Não em muitos casos .
Mas a história que está a acontecer só vai ser feita dentro de largos anos... Temos, é certo, a lição de experiências concretas, de ciclos sucessivos de grandes êxodos, e podemos, até certo ponto, extrapolar, avançar hipóteses -  mas certezas não há. Até o facto de a emigração, tanto feminina como masculina, ser, em média, mais qualificada, pode degenerar em sentimentos de frustração, se não forem devidamente aproveitadas as capacidades de cada um – ou da cada uma. E esse é um risco a ter em linha de conta para um número significativo de novos emigrantes, ao menos numa primeira fase. Conhecemos muitos casos concretos, embora com a esperança de que consigam fazer valer os seus títulos académicos, ou o seu estatuto profissional, no médio e longo prazo.
Estamos, pois, colocados perante um crescendo avassalador de um fenómeno a que nos habituámos, ao logo de séculos. Mas não nesta dimensão! E não em democracia... Muitos políticos tinham já profetizado o fim dos tempos da nossa  emigração. Enganaram-se...
Este êxodo é  um tremendo  indicativo de descrença no futuro do País, é uma  fuga colectiva ao descalabro em que nos sentimos mergulhados... Vão todos, os mais e os menos qualificados,  tradicionais e  novos perfis da emigração portuguesa, mulheres e homens… Jovens, muitos jovens, que talvez não voltem nunca…Só não se vão ainda mais,  porque não podem, travados por crises alheias - porque a Europa não vive um "boom" económico, como acontecia em sessenta, no tempo do "salto"...
Esperemos que à nova emigração corresponda um novo associativismo, ou uma renovação do antigo. Sem  essas estruturas organizacionais, os emigrantes  dispersar-se-ão e poderemos perde-los para o todo nacional... São problemas, interrogações que tentaremos colocar em agenda, sem conhecer antecipadamente respostas, com o propósito de  saber mais e de ajudar na procura de soluções.

Componente cultural continua a ser uma aposta destes Encontros, especialmente nas Artes plásticas Encontram nesta área em concreto mais necessidade de intervenção?
As iniciativas que a AEMM desenvolve, num ano de comemorações (que é sempre, sobretudo, um ano de especial reflexão, retrospectivamente e prospectivamente) vão continuar a ter um enfoque especial nesta componente – que não sendo a única, é, porventura, a mais marcante – por várias razões, que levaria tempo a enumerar exaustivamente. Refiro apenas algumas: em primeiro lugar, o facto da ligação das comunidades a Portugal se originar e se fortalecer  no seu âmbito, com o ensino da língua e o culto das tradições, das artes, da música, do teatro, da dança, no quadro de um associativismo omnipresente. Depois, a evidencia de que as mulheres estão, quase sempre, à frente dos projectos e acções, neste domínio, directa ou informalmente. E a certeza da importância estratégica do chamar a atenção para esta realidade, reconhecendo o seu mérito e incentivando a sua plena afirmação, aos olhos da comunidade e do País. O que significa não só valorizar o trabalho feito pelas pioneiras, como também abrir portas a outras mulheres, nomeadamente à frente das organizações das comunidades. Fala-se muito em crise no dirigismo associativo e as mulheres podem ser a melhor resposta à falta de voluntários…De preferência, em paridade, que é um apelo à colaboração e ao diálogo de género e de geração -  logo, uma virtude.
Preocupações de sempre....
Já, pelo contrário, o acento nas Artes Plásticas é coisa mais recente, e, faço questão de o salientar, muito fica a dever-se à Drª Nassalete Miranda, que foi a impulsionadora e a comissária da 1ª exposição colectiva de Mulheres, realizada em 2011, durante o Encontro Mundial na Maia.
O lugar cimeiro das artes na nossa Diáspora pertence a grandes nomes femininos – Vieira da Silva, Isabel Meyrelles, Paula Rego… Há que partir à descoberta de mais talentos, de mais Artistas.
Uma nova colectiva será inaugurada durante o Encontro de Lisboa, reunindo pintoras da Diáspora e outras cujas obras têm corrido o mundo.
São iniciadas no EncontroMundial as comemorações dos 20 anos da AEMM. Há outras acções previstas?
Este Encontro de Outubro dá continuidade a um primeiro Colóquio, que teve lugar em fins de Maio, em Espinho, no contexto da II Bienal Internacional “Mulheres d’Artes, com a participação do SECP  Dr. José Cesário. O tema foi “Migrações e artes no feminino” . Nas belíssimas galerias do museu de Espinho, mais de 200 convidados. Para um olhar sobre inter influências culturais, sobre a especificidade (ou não) do feminino na arte, e, também, sobre percursos de vida muito concretos… com inesquecíveis introduções das Professoras Ana Gabriela Macedo, da Universidade do Minho e Isabel Ponce de Leão, da Universidade Fernando Pessoa
Esse colóquio foi seguido, em Agosto, de um Encontro, na mesma Bienal e na mesma linha de análise e diálogo, com estudantes dos cursos de língua portuguesa da Professora Deolinda Adão, nas Universidades de Berkeley e S. José (Califórnia) e de alunos finalistas das Escolas Secundárias de Espinho.  Muito vivo, muito participado!
Ainda este ano esperamos organizar um terceiro Colóquio sobre “As Mulheres na Carreira Diplomática” . No Brasil, abrirá uma nova Delegação da AEMM, por iniciativa da Dr.ª Berta Guedes, que foi candidata à Prefeitura dessa cidade, nas últimas eleições. E, finalmente, em Dezembro, esperamos lançar a publicação das actas do Encontro Mundial.
O que pode adiantar sobre as ASAS, Universidades Seniores?
A criação de Universidades Seniores nas comunidades foi um desafio que a Doutora Graça Guedes lançou em Joanesburgo, em 2008, durante os “Encontros para a Cidadania”, apresentando o exemplo da US de Espinho. Hoje, na África do Sul, por iniciativa da “Liga da Mulher Portuguesa”, as US são uma realidade nas principais comunidades portuguesas do país!
Em 2012, levámos a vários colóquios, na Europa e nas Américas, o projecto de um modelo menos ambicioso, mais próximo da “tertúlia – animação cultural” : as “ASAS” – Academias Seniores de Artes e Saberes.
 Para já, estão em funcionamento, as ASAS em Villa Elisa, (junto a Buenos Aires), com direcção de Violante Martins, fundadora da Mulher Migrante Portuguesa da Argentina, e no Canadá, com a orientação da Profª Manuela Marujo, da Universidade de Toronto, e, ao que me disseram há pouco, também em Wiesbaden, na Alemanha, São processos que levam o seu tempo, dependem de dinâmicas locais...
Mas a ideia que preside às Universidades Seniores, embora com outras designações, tem  inspirado diversas iniciativas muito válidas, destinadas  aos mais velhos em associações e paróquias das comunidades. Por exemplo, no Canadá,  é o caso do "First" de Toronto ou, em Montreal, da Igreja de Santa Cruz, esta com mais de 500 participantes.  Acho que teremos boas outras surpresas, se fizermos um levantamento  geral, e isso ajudará, pela força do exemplo, do "ver para crer", à criação de novas ASAS …Mais importante do que “quem faz o quê” , é que as coisas aconteçam para servir as pessoas, para as tornar mais felizes e mais activas e intervenientes, em todas as idades. Ainda e sempre, uma questão de cidadania

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