segunda-feira, 28 de julho de 2014

Colóquio no MNE - notas para a intervenção


A DÉCADA 1974-1984
MOVIMENTOS MIGRATÓRIOS
Os movimentos migratórios neste período não foram directamente influenciados pelo processo revolucionário, com excepção do retorno em massa das colónias de África. 
O grande êxodo dos anos 50 e 60, o maior registado na nossa história, chegava ao fim, com a crise económica europeia e mundial de 73/74, simplesmente porque os mercados d trabalho se fechavam a novos imigrantes.
 No sentido contrário, a descolonização trouxe, em 74/75, de volta ao País,  mais de 800.000 pessoas, em situação dramática, com perda dos seus bens nas colónias, e muitas delas, sem passado próximo em Portugal. No mesmo período, supõe-se que um elevado número de ex-residentes nas colónias (100.000 a 200.000?) terão reemigrado,  sobretudo para a RAS  e para o Brasil. O Brasil foi o único país que abriu as fronteiras a todos os portugueses de África, que aí beneficiavam do Estatuto de Direito Civis e do Estatuto de Direitos Políticos, nos termos do Tratado de Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, celebrado no início de 70.
Também os regressos voluntários cresceram, sobretudo da Europa, atingindo números próximos dos 30.000/ano, em média. É um dos temas, então, mais mediatizados, levantando, infundadamente, receio de novos movimentos maciços e caóticos. De facto, estes portugueses prepararam, em regra, bem a sua reinserção, dando nova vida às terras que haviam deixado.
Com as novas  saídas praticamente limitada ao reagrupamento familiar, assiste-se à "feminização" da emigração, e os fluxos registados até à meia década de 80 são os mais baixos do século XX. As mulheres passam a constituir cerca de metade  das comunidades da emigração.
Mas não cessara a propensão migratória dos portugueses e esboçava-se já, em 84/85, a procura de novas destinos, como a Suiça.
 
II -NOVOS MEIOS INSTITUCIONAIS PARA A EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS DE EMIGRAÇÃO
Em 1974 é criada, no Ministério do Trabalho, a Secretaria de Estado da Emigração (integrando os serviços preexistentes do SNE), no Ministério do Trabalho. Em fins de 1974, a SEE transite para o MNE. Seguidamente, serão abertas algumas Delegações da SEE no estrangeiro e no País- junto de Governos Civis e de algumas Câmaras Municipais, uma primeira tentativa de descentralização em regiões de forte emigração. 
Em 1980, é criado o Instituto de Apoio à Emigração e Comunidades Portuguesas, que resulta da fusão da Direcção Geral da Emigração e do Instituto de Emigração..

III -EMIGRAÇÃO E CIDADANIA - transição do paradigma "territorialista" para o "personalista"

A Revolução veio reconhecer aos Portugueses o seu direito de emigrar livremente e o seu estatuto de cidadania, onde quer que a emigração os leve a radicar-se.
Até 1974, o exercício da cidadania restringia-se ao território nacional, pela imposição inexorável do  "paradigma territorialista", na expressão do Prof. Bacelar de Gouveia. A ausência no estrangeiro implicava a perda de todos os direitos políticos e da própria  nacionalidade (se adoptassem a de outro país e, no caso das mulheres, se casassem com estrangeiros), assim como de direitos sociais ou culturais (maxime, o direito ao ensino da língua, de que o Estado nacional não curava, deixando-o  entregue às vicissitudes do associativismo).
A transição para o" paradigma personalista",  que se vai concretizando na evolução de um "estatuto dos expatriados" norteado pelo princípio  da igualdade, é um "acquis" da Democracia, consagrado na Constituição de 1976 e  aprofundado, progressivamente, em revisões constitucionais e nas leis da República. Um processo ainda em curso, que nesta primeira década deu passos muito  importantes:
 
1 - A elegibilidade e o direito de voto para a AR, em dois círculos de emigração, com um total de 4 deputados - uma representação diminuta, que constitui a única excepção ao princípio da representação proporcional. 
 De fora ficou o sufrágio na eleição do PR , que só viria a ser aprovado na revisão constitucional de 1997, e, também, o voto nas eleições locais e regionais.

2 - A aceitação da dupla ou múltipla nacionalidade (Lei nº 37/81).
 A lei não dava, porém, eficácia retroactiva à reaquisição da nacionalidade e, embora, prevendo a reaquisição fácil, por mera declaração do cidadão, acabou por ser desvirtuada por uma regulamentação, que implicava demoras, custos e obstáculos. Só em 2004 se conseguiu obter consenso parlamentar para um processo efectivamente simples, célere e com eficácia retroactiva . 

3 - A criação, por iniciativa governamental, de um órgão de representação especifica dos expatriados, junto do MNE - o Conselho das Comunidades Portuguesas. 
 O CCP era  composto por um núcleo de representantes eleitos pelas associações de cultura portuguesa (de nacionalidade portuguesa ou não) e por membros da imprensa, com estatuto de observadores e constituía uma plataforma de encontro das comunidades entre si e delas com o governo.  O 1º CCP foi pensado como uma instância para a co-participação nas políticas para a emigração e a para a diáspora, abrangendo, tanto nacionais, como outros lusófonos e lusófilos - uma forma de retomar, em parte, ainda que sob a égide do Estado, o projeto pioneiro de Adriano Moreira na década anterior (a União das Comunidades de Cultura Portuguesa.
 A partir de 1996/ 97, o CCP passa a ser eleito por sufrágio universal, e a representar estritamente os emigrantes de nacionalidade portuguesa.
Uma última referência ao CCP, para destacar o papel que desempenhou na génese das políticas de género na emigração ao ter aprovado. na 1ª Reunião Regional da América do Norte, em  1984, a recomendação da convocatória de um Encontro Mundial de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo (as duas principais componentes do próprio CCP). O Encontro foi realizado no ano seguinte e deixou a sua  marca na história da emigração portuguesa.
 
4 - A instituição oficial do "Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades" .Assim, sem esquecer os emigrantes, se celebra, neste dia, simbolicamente, toda a dimensão humana e cultural da Nação. Vitorino Magalhães Godinho evocou no seu discurso do 10 de Junho  um "Portugal maior", no mesmo sentido em que Adriano Moreira falou de "Nação peregrina" e Sá Carneiro de "Nação  de Comunidades".

Conclusão
O período de 1974/84 foi a grande década de viragem nas políticas para a emigração e a Diáspora,  traduzidas num novo relacionamento entre o Estado e os Emigrantes, entre o Estado e a Nação.
 Ficou  definitivamente adquirido um estatuto de direitos dos expatriados, caracterizado pelo primado dos direitos dos cidadãos sobre o puro interesse do Estado.  O percurso para a plena afirmação dos direitos civis, políticos e culturais dos emigrantes prosseguiria, não sem obstáculos e pulsões contraditórias, nas décadas seguintes. E vai continuar, no caminho do aprofundamento da democracia, que não se faz sem todos os Portugueses.

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