terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

NOS CAMINHOS DA POESIA (2020)

Chamo-me Maria Manuela e sou de Gondomar, uma terra antiga com nome de rei godo - como outra, que, na Galiza, talvez partilhe conosco esse remoto fundador. Nasci, em junho de 1942, em casa da Avó materna, uma das chamadas "casas de "brasileiros" do norte de Portugal, e desde pequena, ouvi declamar poemas, ao som de música brasileira, e contar histórias felizes de emigração. Era uma família em que todos discutiam política, fraternalmente divididos, e em que quase todos versejavam, embora só tenham vindo a público os de um tio, autor da letra do hino de Gondomar, os de outro tio que glorificou as belezas da terra na lírica de um musical de teatro, e uma coletânea de sonetos de meu Pai, editada postumamente. Mãe e tias maternas eram, todas, discípulas de Florbela e uma Bisavó paterna tornou-se, para mim, figura mítica como poeta repentista, cantando ao desafio em romarias populares, para além de ser admirável contadora de lendas e tradições. Logo que comecei a dominar a escrita, tentei, com menos talento, mas igual propensão, seguir esses exemplos e guardo, no fundo das gavetas, muitos cadernos manuscritos em que posso seguir a evolução da minha caligrafia dos 9 aos 16 anos, período em que estudei num internato de Doroteias, o Colégio do Sardão. A partir do momento em que me libertei da clausura, logo me voltei, não sei porquê, para prosa... No meu último ano do curso de Direito, (em Coimbra), alguns colegas do Porto, à frente dos quais Mário Cláudio, editámos uma revista (A Tábua), na qual o meu contributo foi um poema feminista, assinado com pseudónimo. Depois, a vida levou-me, inesperadamente, para os terrenos da política, e para uma convivência de décadas com a emigração e a Diáspora portuguesas (como Secretária de Estado e deputada). Os vários livros ("Portugal, país das migrações sem fim" e outros)), os muitos artigos para revistas científicas ou jornais, que publiquei, são sobre Migrações, Direitos Humanos, Feminismo... e Desporto (futebol).. O desafio que a Amiga Ester Sousa e Sá me lançou de participar nesta coletânea, (uma honra imerecida!), levou-me a mergulhar no passado, numa torrente de versos inéditos, de cantigas de escárnio e maldizer (ah, como o Colégio era inspirador!), às tão portuenses "quadras de São João", passando por sonetos ... Não resisti à tentação de reescrever alguns desses versinhos, e de incluir, igualmente, aqui e ali, modificado, dando-lhe, enfim, o meu nome, o "poema de intervenção", aparecido in "A Tábua", há 55 anos... Maria Manuela Aguiar Dias Moreira MULHER DO ROSTO DE VENTO Vai Pela Terra-Mãe adormecida que em ti hiberna, as mãos vazias das rendas de outrora, Vai dar sentido ao Dia! Vai Para que a Terra-Mãe Seja em ti, Ao chegar o momento... Vai Rosto de vento Em busca de Alma! Vai da noite moribunda Do ter ser negado Vai Que agonizas No corpo atormentado Os sonhos a viver Num amanhã 2 - VIVER... Queria ser guerreira e vencedora, Queria andar perdida a vaguear, Queria ser o tudo e ser o nada Dos opostos fazer meu caminhar Queria ser a nuvem que se esvai, Como a ilusão de amor de uma donzela, Queria ser o pássaro que voa No rasto de uma antiga Caravela, Seguir o sonho e logo o desfazer Para sonhar mais alto, e mais cair, Entre estrelas, que morrem sem se ver, No sono, devagar, adormecer Deixando, sem saudade, no adeus. A breve eternidade de viver. 3 - QUADRAS DE SÃO JOÃO DO PORTO Balão que sobe nos céus Como miragem de vida Leva com ele o devir De uma promessa esquecida... Deste-me um beijo de noite Perfumado de alecrim E a fogueira que saltámos passou pr'a dentro de mim Os balões e as cantigas Unem-se à luz do luar Que em noites de São João O amor fala a cantar! Quando saltares a fogueira, Cuidado! Vê lá se cais... Ao coração que se queima O amor não volta mais! Na manhã de vinte e quatro. Olhando a cinza eu fiquei Que, ao ver a cinza, lembrava O amor que ontem te dei... Meninas, vamos gozar A noite de São João Ponham sorrisos no rosto, Fogueiras no coração. À suave luz da fogueira Teu coração desenhei A imagem em contraluz Sobre o meu a acharei Quando à noite, no escuro, Uma fogueira acendeste Teus olhos disseram tudo O que tu me não disseste... Zangado estavas comigo São João nos vai casar! Que o amor e os santinhos Sabem sempre perdoar... Uma mensagem seixei Na luz áurea de um balão, Promessa de amor sincero Em noite de São João Meu Porto, que sais à rua Nas festas de São João, Não há no mundo cidade Mais fraterna - não há, não! Meu Porto sem São João Por causa da pandemia, Sem manjerico, alho porro, Festa, balões, alegria...

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