domingo, 28 de fevereiro de 2021

ENTREVISTA AO JORNAL DEFESA DE ESPINHO

1 – O Natal está a aproximar-se e a o coronavírus não se vai embora. Tem vivências de outros tempos tão difíceis e delicados? - Estamos a viver nesta quadra do Natal uma realidade de que não existe memória - nem mesmo há um século, durante a "gripe espanhola", no que respeita à mobilidade e paralisia da vida societária. Parece-nos irreal, como se estivéssemos dentro de um filme de ficção científica, não é? E o filme ainda vai a meio, não temos saída para breve e não podemos fazer, a meio, um pequeno intervalo, para conviver à volta de uma mesa. Se o fizéssemos, para gozar o Natal do costume em família alargada, as consequências seriam terríveis. Os responsáveis têm de dizer isto, sem titubear, em vez do discurso facilitista que faz de nós patetas ou crianças grandes - acenando com a miragem de livres celebrações natalícias se nos "portarmos bem" e baixarmos o número de contágios até ao fim da semana anterior. Melhor seria pensar no que vai acontecer na semana ou semanas seguintes, com mais um provável pico de contaminação! É preciso falar claro aos Portugueses, que têm sabido, bem melhor do que as autoridades, tomar as medidas que o bom senso recomenda. Acho que se pode confiar neles, que não é preciso impor as limitações pela força e controle policial, mas que se deve alertar para os perigos. Se me permite, aqui deixo votos de Feliz Natal para todos os espinhenses, este ano vivido mais em espírito do que em abraços... 2 – Ano velho, ano novo! O ano de 2020 será o fantasma de 2021? A pandemia (com maior ou menor dificuldade) será superada? Ou não será assim tão linear… - Infelizmente, já podemos ter uma certeza: uma parte significativa de 2021 será igual a 2020, com máscaras e distanciamento físico. A vacinação em massa é motivo de esperança, se correr pelo melhor. Um "se" complexo... De qualquer modo, como agora todos estamos convertidos em virologistas amadores, eu permito-me avançar a minha previsão: 2021 será dividido a meio, o primeiro semestre igual a este 2020 e o segundo a anunciar a normalização total de 2022! Que bom poder ir a estádios cheios de gente, a lançamento de livros e a exposições, ao cinema Trindade e aos alfarrabistas do Porto, andar sem máscara na rua e sem álcool-gel na carteira, pegar em criancinhas ao colo e viajar para Lisboa, Londres ou Toronto... A "grande vida", a liberdade! 3 – A culpa é do vírus ou é das pessoas? - Olhando o que se passou ao longo destes últimos 10 meses, eu diria que há culpas repartidas. Não somos culpados pelo súbito aparecimento do vírus (ao menos fora do país onde nasceu e cresceu), mas sê-lo-emos, em parte, pela sua persistência. Para já, ele está aí. Veio para ficar. Quando erguemos barreiras, não consegue espalhar-se. Quando baixamos a guarda , multiplica-se vertiginosamente. Culpa dos governos, em primeira linha, por terem tomado medidas ziguezagueantes e dado sinais confusos, como aconteceu em toda a Europa, e não só cá, mas também dos cidadãos, quando se descuidam, por cansaço e impaciência. As chamadas "vagas" da pandemia não se devem ao vaivém do vírus (que permanece, sem mutações de vulto), mas à alternância dos "confinamentos" e "desconfinamentos" apressados... Nada justificou a excessiva abertura no verão, porque o número de casos continuava muito alto. 4 – Tem saudades dos contactos com os emigrantes? A diáspora lusa ainda é o que era? É verdade que tenho muitas saudades. Desde o início do meu trabalho na emigração, iniciado há exatamente 40 anos, por dever de ofício, no governo e no parlamento, e continuado, até hoje, em "voluntariado", este foi o primeiro ano em que não pude fazer uma só visita a comunidades da emigração! Ia partir, em março, para participar no Dia Internacional da Mulher, organizado pelo jornal "Luso-presse" de Montreal e tive de cancelar a viagem, no último momento. Vou mantendo contactos em debates e entrevistas por "zoom", "facebook", "skype"... São estas novas tecnologias que nos vão valendo! 5 – O que é “ganhou” enquanto secretária de Estado das Comunidades Portuguesas? E o que é ficou por fazer? - Ganhei uma outra visão do nosso País, da nossa gente, do modo como recria espaços de vivência e cultura nos cinco continentes do mundo. Quando dizemos que somos uma "Nação de comunidades", mais Povo do que território, estamos a fazer o retrato de uma realidade, que anda muito esquecida no nosso dia-a-dia, dentro de fronteiras. Raras vezes olhamos esta dimensão, o que ela nos acrescenta e engrandece. Os emigrantes, pelo contrário, são de uma dedicação e solidariedade sem limites para com a terra de origem, e é por isso que a transportam consigo e a recriam, visivelmente, no meio associativo, em manifestações coletivas ... A Diáspora não é uma estatística. Pouco importa, de facto, a quantidade, a mera soma de portugueses radicados numa determinada cidade ou região, o que mais conta é a capacidade de criar estruturas, instituições, e, através delas, assegurar o convívio, as festas, os rituais, os valores identitários, legados aos mais novos. Uma comunidade em sentido sociológico é isto. Não são números, são sentimentos e gestos concretos. Ficou muito por fazer nas ajudas concretas (os meios foram sempre poucos), na mobilização, no estabelecimento de redes de contacto e convívio entre comunidades que se ergueram por si, sem apoio do Estado... Este ano comemora-se o 40º aniversário da criação do Conselho das Comunidades (um projeto de Sá Carneiro, que me coube executar no seu Governo), que prossegue esse objetivo fundamental - promover o reencontro dos emigrantes entre si e com o País. 6 – Ser “portuga” por esse mundo fora enche a alma e dá alento para quem vai à procura de uma vida melhor? - Sim, dá, quase sempre, uma vida melhor! O sucesso dos que partiram incita os outros, família, vizinhos, a seguirem o seu exemplo. Esta é, em síntese, a história da nossa emigração! Os portugueses, aos milhões, ganharam essa aposta, individualmente, o País ganhou uma inesperada e espantosa componente extra-territorial, para além das esperadas e astronómicas remessas, mas continua na cauda da Europa, ao menos no que respeita a desigualdades, baixos salários, trabalho precário, inferiores expetativas de carreira - desfasamentos que são a causa mais eficaz da expatriação secular, imparável, até hoje... Já tenho dito, e repetido, que a revolução de 74 foi a única verdadeira revolução da Liberdade, aquela que veio , enfim, conceder o direito de emigrar, incondicionalmente, e, todavia, mais de quatro décadas depois, os governos ainda não conseguiram dar aos cidadãos o "direito de não emigrar", ou seja, de viver confortavelmente na sua terra... 7 – Já ninguém parte com uma mala de cartão… E nem todos cantam… - Não sei se estou inteiramente de acordo com a afirmação. De facto, embora o que mais chame a atenção seja a chamada "nova emigração" de jovens altamente qualificados (um autêntico "brain drain", que devia arrepiar os nossos governantes...), a maioria ainda é muito parecida à do passado longínquo, a tal da "mala de cartão", símbolo de pobreza e falta de bagagem académica e profissional. Em muitos casos, é apenas um movimento sazonal, como revelam as estatísticas oficiais. A presente crise vai ter consequências neste setor, mas não é fácil prever quais. Pode, suponho, travar, conjunturalmente, novos movimentos, sobretudo nas migrações de perfil tradicional, mas, depois, vai depender do ritmo de recuperação no nosso e nos outros países. Certo é, sim, que os candidatos mais qualificados, os médicos e enfermeiros que agora faltam no SNS, os engenheiros, ou os cientistas, encontrarão sempre menos obstáculos... 8 – Foi também um privilégio ter sido vereadora da Cultura de Espinho? Cidade que lhe diz tanto e que adotou para viver… - Foi uma experiência surpreendente. E eu gosto de surpresas - das boas surpresas, é claro... Nunca imaginei que o "governo local" revelasse potencialidades, que não ficavam atrás do governo central - mesmo para quem, como eu, vinha de um pelouro com ação "planetária", sem fronteiras. Não esperava encontrar tanta competência e tanto entusiasmo nos meus colaboradores - os melhores que tive, depois de ter estado em funções em cinco governos da República. Fiquei, contudo, com a ideia de que não será nada fácil encontrar funcionários de tanta qualidade humana e profissional em serviços municipais similares, de norte a sul do País... Aqui em Espinho, sei que me saiu a sorte grande! Era um verdadeiro prazer reunir com as chefias e pensar, em conjunto, o desenvolvimento dos programas culturais, dando continuidade ao que vinha de trás (não eliminei nada, era tudo válido e de qualidade) e preparando novos projetos, exigidos, desde logo, pela comemoração do centenário da República. Não tínhamos dinheiro para nada, mas não nos faltavam ideias e boa vontade . É incrível o que se conseguiu levar a cabo nessas condições, em 18 meses... Sentávamo-nos à volta da mesa redonda, o debate fluía, quando chegávamos ao fim, os projetos estavam totalmente reformulados e eram de todos -já nem sabíamos quem tinha proposto o quê... Dramático foi, porém, neste ambiente tão caloroso, a morte da Drª Isabel e, depois, da Drª Beatriz, duas grandes senhoras - inesquecíveis! Desse quarteto admirável, só a Drª Idalina e o Dr Bouçon continuam em plena atividade na Câmara. Naquele belo edifício da antiga conserveira, que eu sonhava ocupar com uma diversidade de núcleos de animação, como um museu do violino (o Engª Capela propunha-se montar ali uma autêntica oficina de "luthier"), um clube de jazz (com um grande nome à frente), um café, com vista para o mar... Falo do que não aconteceu. O que aconteceu é sabido. Gostei particularmente de dar uma contribuição para pôr "nomes às coisas", às Galerias Souza Cardoso, à Biblioteca José Marmelo e Silva... Se tivesse estado na Junta de Freguesia, lá teria sugerido que a bela galeria do 1º andar, se chamasse "Conde de Ferreira". Nada mais justo, pois o edifício foi doado por ele (para a escola primária) à cidade de Espinho... Compreende-se a reconversão dos edifícios a outras finalidades, mas não o esquecimento dos beneméritos, que em Portugal é a regra, não a exceção. 9 – Mas também tem orgulho em ser da dita terra do nabo e das nozes? Ainda lá estão as origens… É verdade que sim. Até nisso me sinto identificada com os emigrantes, no duplo sentimento de pertença à terra de origem, Gondomar (onde morei apenas dez anos, mas onde a família materna remonta, nuns ramos, ao século XVI e, noutros, ao século XVIII), e a Espinho, que foi o meu paraíso de férias, desde a infância, e que escolhi para viver há mais de 45 anos. No verão de 1950, meus pais prolongaram a estadia na pequena casa de férias da Rua 7, que, há muito, pertencia aos meus bisavós, e eu cheguei a frequentar, ao longo do 1º trimestre, a Escola da Rua 23 . 10 – Em Gondomar não andaria tanto... e tanto a pé como em Espinho… Tem rio mas não tem mar. E o mar de Espinho o que é que lhe diz? Em Gondomar, nem sequer tinha o Douro à vista, porque sou do centro de São Cosme... Mas nasci e vivi com os meus Pais em casa da Avó materna, um casarão, cercado de dezenas de árvores, de todas as formas e feitios, e com um extenso terreno nas traseiras, onde podíamos correr e brincar à vontade. Éramos terríveis, trepavamos às árvores, como se estivéssemos na nossa "selva" privativa, saltávamos das janelas do 1º andar, por cima de roseiras altas... Milagrosamente, nunca nos magoamos. Mas confesso que o mar me fazia falta. Era sempre uma alegria vir para Espinho no verão, os mergulhos nas ondas altas da praia azul, a natação na piscina, o vaivém na Avenida, os cinemas (60 filmes por mês, com a programação do S. Pedro e do Casino)... Que saudades! 11 – Sendo uma fervorosa adepta do Futebol Clube do Porto, já alguma vez sentiu uma indómita vontade de descer da bancada do antigo estádio das Antas ou do novo estádio do Dragão para entrar no relvado e mudar o “o jogo” ou rematar à baliza? Como me compreende!... Fui uma fanática do futebol, desde pequena. De todos os desportos, mas mais do futebol e do ciclismo, por sinal, os mais populares. Agora, sou mais do género "treinador de bancada" e, em vez de querer entrar em campo, o que me apetecia era mandar para lá alguns dos "imortais" que não têm sucessor, como Baía na baliza, Gomes nos remates certeiros, ou Deco a jogar e a fazer jogar... Ou, se fosse um pouco mais atrás, Pedroto, depois Pavão, a darem jogo, e Jaburu a marcar golos. Jaburu, brasileiro de Minas Gerais, como Yustrich, era uma espécie de cruzamento entre Hulk e Jardel - mais Hulk, porque corria, velozmente, o campo todo... 12 – Jogava à bola quando era mais nova? Era tecnicista ou era bola para a frente? - A partir da 3ª classe, tornei-me aluna do Colégio do Sardão, que parecia um colégio inglês, cheio de recintos desportivos, ginásio,"court" de ténis, campos de basquete, volei, andebol. Pertenci às equipas de todas as modalidades (embora sem atingir o escalão da Graça Guedes que viria, depois, a ser campeã nacional de voleibol em Espinho). Só o futebol era proibido às meninas, mas eu organizava jogos clandestinos. Uma ve, fui apanhada e chamada à Mestra.Geral, com muito receio de apanhar o castigo máximo. Mas não, com muita graça, a normalmente severa e temida senhora disse-me;" Não é jogo próprio de meninas, mas como eu sei que és uma apaixonada, vou abrir uma exceção: tu podes jogar futebol, as outras não".. Como organizadora dos torneios proibidos, eu escolhia a minha posição de "avançado-centro" e marcava muitos golos, As minhas colegas ainda hoje dizem que era ótima, mas eu sei que não. Muita energia e velocidade,tinha!. Técnica ou visão do jogo em campo, não... Era, como diz, "bola para a frente". Às vezes, até me perdia e saía com bola pelo retângulo fora.. Note: não me limitava a adiantar a bola, saia, eu também, com a bola no pé... No andebol, o nosso treinador, Edgar Tamegão (o único homem, para além dos padres, admitido, em funções naquele colégio de Doroteias) fez um teste para guarda-redes, e mandou-me logo para a baliza. Aí, era surpreendentemente eficaz, tinha nascido para aquilo, mas não gostava nada... Sentia-me "confinada", na minha área. Para além de jogar, também fazia relatos imaginários, que entusiasmavam as minhas companheiras nos recreios. Nesses relatos, o FCP ganhava sempre, com inúmeros golos, tão gritados, que a pretensa locutora ficava rouca... E é tão feminista?! - Continuo igual ao que fui, sempre. Sabe, a minha avó materna, Maria Aguiar, cidadã e paroquiana muito interventiva e influente, mas extremamente conservadora, passava o tempo a interditar atividades: "uma menina não faz isso!". Não trepa às árvores, não joga a bola na rua, não anda pendurada nos elétricos... E eu pensava: "Mas porque não? Sou tão capaz como os primos, em qualquer dessas brincadeiras". Assim nasceu o meu feminismo. Não é nada contra os homens, é contra os preconceitos. Pela igualdade. - 13 – A igualdade do género ainda conversa de treta nos tempos de hoje? - Para mim, é uma causa pela qual vale a pena lutar, num tempo em que não só tantas discriminações permanecem, como até se começa a negar a sua existência, ou, ainda pior, num verdadeiro retrocesso civilizacional, a justificá-las como sendo boas. Esse discurso de uma extrema direita agressiva e brutal, que grassa nos EUA de Trump e em outras partes do mundo, e já chegou cá, ainda em miniatura, constitui a maior ameaça ao futuro da democracia. Hoje, na Europa, o perigo vem da extrema direita. Antifeminismo, racismo e xenofobia andam a par, como se constata pelo discurso dessa extrema-direita. E têm de ser combatidos com as mesmas respostas, com os mesmos valores humanistas. O feminismo, como eu o vejo, é uma componente do humanismo perfeito, não é um machismo ao contrário. Apela ao bom entendimento e solidariedade entre os sexos, como entre nacionais e estrangeiros. Com esta visão das coisas, depressa compreendi os problemas centrais da emigração, porque defender os excluídos, os marginalizados, sejam as mulheres, os estrangeiros ou os negros, é missão da mesma natureza. 14 – A violência doméstica é sinal primitivo ou da sociedade que vive de aparências, silenciosa e inativa quando o problema é dos outros e de quem sofre? - Certamente que é um sinal primitivo, embora subsista em sociedades que se consideram avançadas. É sempre um sinal de cobardia exercer a violência sobre os fisicamente mais fracos. E é um comportamento inqualificável, qualquer forma de descaso ou a condescendência da parte de quem pode e deve intervir - o Poder. Quer se trate de mulheres ou homens, crianças ou velhos. O mais chocante e recente caso, em Portugal, foi o assassinato de Ihor, um indefeso estrangeiro por agentes do SEF. Chocante, o silêncio das autoridades neste caso, e a demissão da Diretora Geral só agora, dez meses depois. Não foi violência doméstica, mas foi um crime infame no interior de uma sala escondida e fechada, como são os espaços em que, quase sempre, se exerce a violência doméstica. 15 – A política faz parte da sua vida, ou a sua vida é que faz parte da política? - Vou mais pela primeira, no sentido de que a política pode e deve fazer parte da vida de todos nós - a política enquanto atividade cívica, exercício da cidadania... Tenho uma especial admiração pelos que se envolvem na sua comunidade, quer através de partidos, quer pelo trabalho nas instituições da chamada sociedade civil - dirigentes associativos, bombeiros, voluntários das mais diversas formas de solidariedade, seja na emigração, seja dentro do País. 16 – Era uma deputada respeitada por todas as bancadas na Assembleia da República, fosse à direita, ao centro ou à esquerda. E também havia “fait-divers” e momentos de convivência com outros quadrantes partidários? - Fui educada assim, na minha família, onde sempre conviveram os opostos, primeiro monárquicos e republicanos, depois, democratas e salazaristas, anglófilos e germanófilos durante a guerra, filiados ou simpatizantes de vários partidos, após o 25 de Abril. Depois, estudei em Coimbra, onde era normal a convivência entre colegas de esquerda e direita. Eu tinha quadrante ideológico, era Social democrata "à sueca", como Sá Carneiro, e PPD, desde 74, mas independente, sem filiação partidária. E foi isso que, paradoxalmente, em 1978, me levou a um governo de "independentes", chefiado pelo Doutor Mota Pinto. Por isso, depois de aderir ao PSD, em 1980, mantive, esontaneamente, esse tipo de comportamento, quer no governo, quer na Assembleia da República. Sei que não era muito comum, por exemplo, ser mais amiga de Miguel Urbano Rodrigues, do PCP, ou de Carlos Luíz, do PS-emigração, de Paulo Portas e Anacoreta Correia, do CDS, ou de Natália, do PRD, do que da maioria dos colegas de bancada. No hemiciclo de São Bento, em 1981, os meus primeiros debates foram com um especialista de emigração do PCP, Custódio Gingão, que era extremamente aguerrido. Eu respondia no mesmo tom e os nossos despiques eram tremendos! Até que um dia me lembrei de lhe agradecer, a meio de uma intervenção, dizendo que ele me estava a ajudar imenso no meu "tirocínio parlamentar". Era verdade... A partir daí, ficamos amigos, as discordâncias de fundo mantiveram-se, é óbvio, mas o tom esmoreceu bastante, de parte a parte... Histórias não faltam, falta-me o tempo para as contar... 17 – O filme “Snu” trouxe-lhe gratas recordações? - Vi-o mais do que uma vez, na sala de cinema e, depois, na televisão, Como filme é "assim-assim", não fica na história do cinema português, mas a intenção foi boa, é uma merecida homenagem a Snu, bem interpretada por uma excelente atriz e bem retratada (tanto quanto sei, só estive com ela em encontros breves). Já o Dr. Sá Carneiro é, no capítulo político, sem culpas para o ator, muito mal apresentado... Homem firme, capaz de rupturas, como se sabe, reagia, invariavelmente, como mandava uma esmerada educação: sem levantar a voz, com um perfeito controle de si, em qualquer situação. O tom podia ser frio e cortante, mas era, sobretudo, muito civilizado. Ver no ecrã um Sá Carneiro aos gritos, ou a bater com as portas, é inverossímil, é um disparate! Dele é, assim, dada uma imagem completamente distorcida, e ao gosto dos seus maiores inimigos. Estranhei que ninguém do PSD oficial o dissesse. 18 – Para além de Sá Carneiro, também nutria simpatia pessoal por Mário Soares e por Mota Pinto… E era uma das “mães” de Paulo Portas… Sim, e, para completar o quadro, pode acrescentar o General Ramalho Eanes. Sei que todos estes grandes políticos, que tanto admiro, não se admiravam, necessariamente, entre si... Todos democratas, mas trilhando caminhos diferentes, com diferentes programas, estratégias e "timings" para atingir o mesmo fim - frequentemente, em oposição frontal, uns aos outros. Sá Carneiro tinha mais o sentido da urgência, queria uma democracia "à europeia", no imediato, acreditava na capacidade do Povo para a viver livremente, sem a tutela militar do "Conselho da Revolução". O General Eanes, como Presidente, estava à frente do Estado, das Forças Armadas e do Conselho da Revolução, cuja ação via como fundamental na construção progressiva da arquitetura democrática. Estive convictamente com Sá Carneiro e considero que a História lhe deu razão, porque o Povo estava preparado para a democracia, então tanto como hoje... Mas a História, quatro décadas depois, também mostra o General Eanes como um Português exemplar, que, afinal, queria tudo para o País, não para ele próprio. Não agia com um projeto de poder pessoal. Tivemos muita sorte com a qualidade destes "pais fundadores" da nossa democracia (não esquecendo Freitas do Amaral e Amaro da Costa, no quadrante da democracia cristã, centrista e soidária). Já não há políticos com essa estatura! E talvez nunca mais haja tantos, num mesmo cenário temporal. Foi um autêntico "milagre português". Pessoalmente, sentia por Sá Carneiro verdadeira fascinação, considerava Mota Pinto um homem de inteligência fulgurante e de uma imensa generosidade, e Mário Soares um político perfeito. E todos, incluindo o General, tinham uma virtude, para mim muito importante: o sentido de humor! Muito pessoal, em cambiantes muito diversos, mas no mesmo grau elevadíssimo! Com todos mantive um relacionamento amigo e tão descontraído quanto possível, tratando-se de altas figuras da Pátria e sendo todos mais velhos do que eu... Paulo Portas é outro caso, no sentido de que não é um pai, mas sim um filho, muito precoce, da democracia. Conheci-o, em reuniões do PSD, com 14 ou 15 anos, e logo o achei-o um rapaz super inteligente, vivíssimo, encantador. Não era a única das militantes do partido a pensar assim, e, por isso e, quando fui apresentada à Mãe, a Drª Helena Sacadura, não fiquei admirada com essa frase tão divertida: "Sei muito bem quem é. É uma das mães do Paulo!". Tal como o filho, é encantadora. 20 – Qual era o presente que gostaria de receber no Natal? No Natal confesso que prefiro dar presentes a recebê-los. Este ano, espero oferecer a toda a família e a alguns amigos um livro que está a ser ultimado na gráfica - um blogue, com histórias soltas de várias gerações de Aguiares. Um blogue transposto da internet para o papel... 21 – Figuras nacionais que mais admirou e/ou admira? E estrangeiras? No campo político, as personalidades estrangeiras que mais me marcaram foram John Kennedy, Mandela, Trudeau (o pai do atual). Mais recentemente, Hillary Clinton... Portugueses, os que conheci de perto e de que já falei. Fora da política, onde é mais fácil encontrar grandes mulheres, Agustina, Amália, Natália Correia, Maria Barroso (que foi política também, mas não só). E as nossas feministas de novecentos, como Ana de Castro Osório, Maria Archer, Maria Lamas e as "sufragettes" inglesas, lideradas por Mrs Pankhurst (que nunca conseguiu ser eleita deputada, mas tem a sua estátua em frente ao Parlamento mais famoso da Europa). 22 – Quais são os livros preferidos? E os autores que mais aprecia ou quem melhor se identifica? - Tenho muita dificuldade em responder a esta questão, porque não há, para mim, uma predileção por um género literário que exclua os outros... Gosto de biografias e autobiografias, políticas ou não (li há pouco a de Woody Allen, vou começar a de Obama, sobre a sua presidência, e tenho em lista de espera a de Virginia Woolf, 1927/41). Também sou fã de livros policiais - Agatha Christie, Ruth Rendell, Sara Paretsky e outras -falo, assim, no feminino, porque é uma área hoje, surpreendentemente, dominada pelas mulheres... E de romancistas, os do passado, mais Eça do que Camilo, mais Marmelo e Silva do que Vergílio Ferreira, e os mais recentes, como Mário Cláudio ou a incomparável Agustina. Brasileiros como Luís Montello e Érico Veríssimo, e os da língua inglesa, a minha língua estrangeira favorita. São tantos! Ultimamente, ando entretida a ler Alice Munro, Julian Barnes, Philip Roth... Desde que abriu a Bertrand em Espinho, tenho os cantos da casa cheia de livros novos, em fila, à espera de vez... Comprar também é um prazer! 23 – E quais são os filmes da sua vida? E ainda vai ao cinema, mas sem pipocas… - A minha geração, como a dos meus pais e avós, ainda tem a paixão pelo cinema (e sem pipocas ...). Sou, aqui em Espinho, uma das pessoas mais assíduas nas sessões da tarde do Multimeios. Para dar uma resposta breve, direi que vejo tudo, só evito ficção científica e terror. Tenho muitos"filmes da minha vida"... de Orson Welles, de Ingmar Bergman, da "Nouvelle Vague" da minha juventude, Godard, Truffaut, Agnès Varda... Italianos, também. Revi agora, há pouco, os de Fellini na televisão. Mas o meu género preferido é, definitivamente, a comédia e o realizador Woody Allen... 24 – Quem é ou foi (ou é) o melhor treinador e o melhor futebolista? - Esta é uma pergunta de resposta mais fácil no que respeita a treinador do que a jogadores. Treinador: Yustrich! Venceu o primeiro campeonato da minha vida, em 1956, contra tudo e contra todos, e ficou para sempre no coração dos portistas dessa geração. Eu estava nas Antas, com o meu Pai (éramos ambos sócios), no jogo final e decisivo contra a Académica, que "pôs o autocarro em frente da baliza"! Tinha quase 14 anos... Sofri muitos desgostos, na fase anterior a Pinto da Costa. Jogadores fantásticos, são tantos! Se tenho de indicar um , só pode ser o DECO, o nosso Maradona. Genial

PREFÁCIO MULHERES MIGRANTES PORTUGUESAS RJ 2006

A crónica das migrações foi smpre maioritariamente escrita por homens e sobre a ação de homens. As mulheres , mesmo quando estão presentes na aventura comum e tem parte igual de esforço, de coragem, de mérito no curso dos acontecimentos e nas transformações operadas, são a metade da narrativa ausente - esquecida, silenciada... E, por isso, para repor toda a verdade dos factos é preciso dar-lhes a palavra para que falem de si próprias, da sua visão da sociedade em que se integram, do projeto que as levou ao estrangeiro, das mudanças extraordinárias que a transição para um novo meio provocou nas suas vidas. O depoimento de tantas dezenas de emigrantes transforma esta publicação num instrumento de combate ao silenciamento ou à subavaliação do papel das mulheres e constituiu um contributo original e eficiente para aprofundar o conhecimento das nossas comunidades do Brasil e, em especial do Rio de Janeiro. O Rio, a mística terra da promissão para sucessivas gerações de portugueses, que atravessaram o Atlântico, rumo ao sudoeste e que ficaram paa sempre ligados à construção da maior das nações lusófonas, "sob outro céu e outras estrelas". Não vamos negar a importância de elaborar a história destas migrações, de fora, do lugar do observador que estuda o fenómeno com o rigor, o distanciamento,a disciplina metodológica que a ciência , para a compreensão, num quadro global, dos factores de ordem tão diversa (social, cultural, económica), que estão na origen de constantes movimentações humanas, ao longo dos séculos e no espaço largo do mundo inteiro, assim como do seu impacto no desenvolvimento do nosso país e no daqueles para onde se dirigiram. É um enfoque no coletivo, em que cabem a regra e a exceção - tanto trabalho recompensado, mas também tantas desilusões... Muitos são os homens e mulheresque se reconhecem nos traços desse imenso fresco, nos contornos que a mole humana aí vai assumindo - na descrição, nos registos, números e tendências gerais, a que subjazem os seus sonhos e realizações. Porém, só quando individualizamos alguns rostos e escutamos algumas vozes que detalham experiências muito pessoais podemos recuperar ou desvendar a dimensão vivencial dos planos e expetativas, da solidão e dos afetos, das oportunidades, e das realizações, e, com tudo isso, vislumbrar a infinita riqueza das singularidades de que se tece a tipificação, a fria estatística, a imagem ou o estereótipo de grupos ou categorias de expatriados De algum modo, é como se fossemos à procura das lágrimas de Portugal". dissolvidas no "mar salgado" do "mar sem fim" dos poemas Pessoanos. Lágrimas, sentimentos de mágoa, de saudade... Nesta obra coletiva se consegue, assim, na primeira pessoa e no feminino, uma significativa revelação da história vivida pela nossa gente, num dado tempo e lugar. Ficamos à espera de mais, em outras comunidades, países, continentes. Qual de nós não gostaria de receber resposta a perguntas que já não pode fazer a antepassados que pertencem a uma época finda? O testemunho destas protagonistas da nossa emigração contemporânea é aqui oferecido, não só aos seus amigos de agor, mas, também, a gerações futuras para que se revejam e se orgulhem das suas avós - tal como eu própria relembro minha avó materna, de quem tive a felicidade de ouvir, de viva voz, inesquecíveis contos do Rio de Janeiro dos inícios do século passado. Acredito que pelas confidências e mensagens nele sentidamente expressas, este livro será para guardar na casa da família, para passar de pais para filhos e netos. como testemunho de uma herança cultural, que é muito sua, embora pertença, em simultâneo, ao Brasil e a Portugal.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

UMA LIÇÃO DE VIDA

1 - O Doutor Carlos Pereira de Lemos recebeu, no início deste ano de 2018, a "Ordem da Austrália", país onde se fixou há muitas décadas. É uma honraria que o Governo aí concede a muito poucas individualidades, através de um processo exemplarmente democrático. Qualquer cidadão pode propor a atribuição de uma condecoração, dirigindo o pedido ao "Conselho da Ordem". O processo de apreciação é sempre muito rigoroso e, em regra, longo (mais de um ano ou um ano e meio...). O parecer é dado, após analise detalhada e ponderação do merecimento do curriculum e da conduta ética do candidato, ao da vida . A decisão final cabe ao Governo, sem a intervenção do Chefe de Estado, que apenas pode ser proponente, como um cidadão comum, embora as suas propostas tenham prioridade de avaliação sobre as demais. A prestigiada "Ordem da Austrália", concedida em diversos graus, é a única, ao contrário do que é comum na Europa e em outros continentes. O Doutor Lemos foi condecorado no grau correspondente a "serviços meritórios". Assim, se juntou a sua Mulher, a Doutora Molly de Lemos, que,também, foi distinguida, no grau equivalente a "serviços excecionais", como pedagoga e investigadora, com larga e valiosa bibliografia publicada. Não sei se em toda a Austrália haverá um outro caso, em que marido e mulher, ambos imigrantes, sejam membros da Ordem e da associação a que podem pertencer, exclusivamente, as personalidades a quem foi outorgada!. A este ilustre Português, nascido no Minho há 92 anos, já tinha sido atribuída a "Ordem de Mérito" de Portugal,que lhe foi entregue, em 2002, pelo Presidente Sampaio e a "Ordem de Timor", recebida em 2015, em Dili, onde passou duas semanas, na companhia de sua mulher, a convite do Presidente Alkatiri, de cujas mãos recebeu a comenda. (Timor, terra de recordações felizes, dos seus primeiros anos de casados!). A meu ver, é especialmente significativo este reconhecimento plural dos Estados, aos quais deu não só a qualidade do trabalho profissional, como do contributo cívico, e até, também, o afeto, graças ao qual tão bem soube aproximar, fraternalmente, pela ação concreta, os Povos dos três países. Quem realiza grandes feitos, nem sempre é tão consensual... Qual foi o segredo que lhe permitiu escapar a sentimento da inveja, a rivalidades e quezílias? Porventura, a força da sua simplicidade e simpatia, os gestos constantes de solidariedade, o sentido inato do que é certo e justo, que já revelava na infância, e que lhe permitiu envolver-se em empreendimentos que tão bons foram para os outros como para si próprio.. Um dos maiores terá sido, creio, o audacioso projeto, que leva a sua marca, de princípio a fim: erigir um monumento aos nossos navegadores dos mares do Sul, em Wallongong, onde os portugueses deixaram o rasto das suas caravelas 250 anos antes de Cook - capitão Cook, que (ainda) está na história oficial como o descobridor da Austrália. O monumento é, para os portugueses, lugar de culto,( e aí realizam o seu maior festival), e, para todos, uma atração de turismo cultural. O nome Dr Lemos foi, em mais uma merecida homenagem, dado a uma das ruas do centro da cidade!. 2 - Quando, há quase quatro décadas, conheci o Doutor Carlos de Lemos, em Melbourne, já ele tinha um notável curriculum académico e profissional, era o líder das nossas comunidades, e, defendia, por igual, os direitos dos portugueses e dos timorenses que, então, em massa, procuravam refúgio em terras australianas. Pouco depois, seria nomeado cônsul honorário de Portugal em Melbourne, e, até hoje, tem desempenhado a sua missão com um tal brilho e eficácia, que levou o Secretário de Estado José Luís Carneiro, a distingui-lo, há dias, na reunião mundial dos cônsules honorários de Portugal, como um verdadeiro "primus inter pares". E a declarar, publicamente, em 20 de abril, no encerramento do colóquio de Monção, que uma das razões determinantes da sua presença era a de prestar homenagem à obra deste admirável compatriota, ali, em Monção, terra de onde partiu, de comboio, para a primeira das inúmeras viagens que o levaram a cumprir o destino extraordinário, que a sua autobiografia retrata escrita direta, simples e expressiva . Para mim, como certamente para a generalidade dos leitores, a autobiografia e um relato fascinante que não para de nos surpreender e encantar. De facto, apesar de uma amizade de longa data, as nossas conversas centravam-se, sobretudo, nos temas das migrações, da história ou da política nacional e internacional, e nunca tínhamos falado dos tempos de infância ou juventude. Tomei por certo que tão fino e culto diplomata teria nascido numa das belas e antiga casas minhotas e frequentado os melhores colégios. A autobiografia, (que tive o privilégio de ler, antes mesmo de publicada, e de prefaciar), constituiu um "choque de realidade". Um espanto! Como conseguiu um menino de 10 ou 12 anos, entregue a si próprio, sem o suporte da família, com a escolaridade mínima, ir em frente, tão longe e tão alto? A chave do segredo, como disse, estará na sua inata sociabilidade, num querer muito forte, guiado por valores, na sua maneira de "estar na vida", com inteligência, amabilidade e elegância . O que "fez correr" o jovem Carlos Lemos não foi a procura da "árvore das patacas", mas a curiosidade intelectual, o gosto de descobrir, terras gentes, costumes diferentes. O menino de uma aldeia perdida na serra, assim se tornou português cosmopolita, que se relacionou e conviveu, na intimidade, com algumas das personalidades que revolucionaram o panorama cultural e político do século XX no mundo. Em Monção, a sua história de vida foi lançada numa modalidade que julgo inédita; uma entrevista coletiva pelos alunos das escolas da cidade!. Um vivíssimo diálogo de gerações, que constituiu momento especialmente emotivo, na programação de um colóquio em que se destacavam grandes individualidades da emigração minhota e monçonense, todos nomes do passado, à exceção do Dr Carlos de Lemos, que estava ali, face a face, com meninos, exatamente da idade que que ele tinha nos primeiros capítulos do livro...Disposto a dar os pormenores e explicações que lhe pedissem, e a revelar como foi possível cumprir sonhos que pareciam impossíveis . Um curso profissional de topografia foi o seu passaporte para ultrapassar todas as fronteiras, todos os mares... A aventura ia ganhando a dimensão do seu espírito sempre aberto, em novos patamares de formação académica, de conhecimentos e de amizades, que soube colocar, (na nossa melhor tradição), ao serviço da expansão da presença de Portugal no mundo, O clube de Melborne, considerado o mais elitista de toda a Austrália, fez questão de o ter como membro. Para os jovens de Monção as suas palavras foram, certamente, lição - quem sabe quantos não terá inspirado a seguirem, se não o seu percurso, porque é irrepetível, mas a viver a vida, com cordialidade e simpatia, ultrapassando todas as metas, sem nunca deixar os outros de lado, ou para trás? Uma lição de esperança!

NÓS O POVO

NÓS O POVO 1 - "We the people" são as primeiras palavras da Constituição Americana. E, também aquelas que o candidato nas eleições presidenciais, Joe Biden, escolheu como lema de candidatura. interessante e significativa escolha... A mensagem que transmite é clara: a América precisa de voltar a ser um Estado de Direito, uma sociedade unida por valores humanistas, respeitando princípios que foram inscritos na Constituição pelos "Pais Fundadores". É tempo de viver nas leis e nas práticas do quotidiano, esses valores, esses princípios. Com Trump, isso é uma impossibilidade. No seu mandato insano de mentiras, escândalos, perseguições e incitamento ao ódio racial, os seus mais diretos colaboradores tendem a dividir-se em duas categorias - os que estão a contas com a justiça, presos ou em vias de o ser, (o último dos quais, até à data, é Steve Bannon, ideólogo da sua campanha de ódio) e os que, uns atrás de outros, se demitiram ou foram demitidos, formando já uma longa lista. Na Casa Branca está um aspirante a tirano, que não governa e se considera acima da lei (e até agora, tem conseguido estar). Brinca no Twitter, como um adolescente, usa o tempo restante, para negócios inconfessáveis ou, como um velho reformado, para gozar o prazer dos seus campos de golfe, caminhando por sobre ruínas de cidades destruídas por motins e sepulturas de dezenas de milhares de mortos da pandemia, cuja dimensão desvalorizou, até ser tarde demais. Só o Povo o pode retirar da Casa Branca e restituir a América á normalidade democrática. Vai ser difícil. Ele move-se bem num sistema anquilosado, e tentará, como aconteceu da primeira vez, (agora, porventura, já sem a ativa ajuda dos serviços secretos) viciar o jogo a seu favor. Tudo está em aberto - é cedo para anunciar a vitória de Joe Biden, apesar da vantagem que leva nas sondagens... Sabemos, pela história recente que não basta vencer por mais de três milhões de votos, como aconteceu na eleição anterior, que Hillary Clinton, sob ataque de poderes internos ("maxime", o diretor do FBI) e externos (com a Rússia de Putin, à cabeça) perdeu, ganhando, por larga margem no voto popular... Trump não foi o eleito do Povo, nesta América, que nos parece um lugar estranho... Mas nem por isso o que lá se passa não diz respeito ao resto da Humanidade, porque, apesar dos sinais de decadência, estamos a falar da maior potência do mundo, Desde o fim da guerra de 1939/45 a "pax americana",protegeu os aliados democratas, vencedores do nazismo, através das fórmulas diversas, que cada presidência imprimiu à busca de um equilíbrio entre interesses próprios, alianças antigas e solidariedade internacional, até que Trump se voltou para um diálogo de ditadores, em política externa, e pela sementeira de ódios, no plano interno. É, pois, também, o nosso futuro que está em cheque, neste voto americano, tão decisivo quanto incerto . 2 - Todos os extremismos são maus, Como diz o ditado, "os extremos tocam-se" . Assim pensei desde os bancos do Colégio do Sardão, do Liceu Rainha Santa e da Universidade de Coimbra, Não sei se o meu "reformismo", constante, desde tão jovem, é coisa boa ou não... A veemência com que debatia ideias pareceu, às vezes, revolucionária, e disso até fui acusada, por quem confundia o tom do discurso com o pensamento. Na verdade, já na adolescência, era, social-democrata "à sueca", feminista, em moldes nórdicos, e até, fundamentalmente pacifista, embora não muito pacífica por temperamento (aguerrida na forma, moderada no conteúdo...). Talvez por tido, desde cedo, a noção de que a luta pelo sufrágio de mulheres e negros foi contemporânea, sempre considerei que racismo e sexismo se combatem pelas mesmas razões, da mesma maneira. E considero o recrudescimento dos movimentos de extrema-direita na América de Trump, e até na Europa, uma ameaça real nos tempos que atravessamos, pondo em causa avanços civilizacionais, que considerávamos adquiridos... Nada de novo, afinal, sabido que, através dos tempos, o processo histórico foi feito de avanços e retrocessos, e que as discriminações em razão da nacionalidade, do sexo, da raça, da religião, da idade (e de tantos outros fatores) não foram, em sociedade alguma, à face da terra, completamente erradicados, A meu ver, escondê-lo equivale a desistir de eliminar preconceitos enraizados. Em Portugal, negar o sexismo, é coisa patentemente irrealista, E o mesmo se diga do racismo, que não tendo, entre nós, tradição, força e violência comparáveis, àquelas de que sofre a América, nem por isso devemos menorizar, desculpando o incitamento à violência racial por parte de movimentos, que, embora incipientes, já têm mortos no seu cadastro. Não é equivalente negociar acordos políticos com uma esquerda "constitucional" e com uma extrema-direita visceralmente racista. No dia em que o meu partido pagasse, para chegar ao poder, o preço político de um acordo com gente desta (os nossos prosélitos de Trump ou de Bannon), deixava. logo, de ser o meu partido. . 3 - Na original Convenção dos Democratas americanos, dois temas dominaram a agenda: COVID e racismo. Para a pandemia, procura-se vacina, que ainda não há, mas que Trump, aldrabando como um "vendedor de banha da cobra, à moda da América, promete, assertivamente, já para o corrente ano. Porém, como disse a candidata a Vice-Presidente Kamala Harris, "não há vacina contra o racismo!", que subsistirá muito depois de eliminado o mortífero vírus... A "America first" de Donald Trump é, tragicamente, a "América primeiro" em mortes causadas pela pandemia, em caos sanitário provocado pela sua incompetência e desorientação, Falta tudo, no país mais rico e tecnologicamente mais avançado do planeta!... Não será mera coincidência o facto dos dois países mais afetados pela propagação do vírus serem, por esta ordem, os EUA e o Brasil, ambos dirigidos por fanáticos de extrema-direita, que renegam os saberes da ciência, da experiência clínica e do senso comum, opondo-se às medidas de prevenção reconhecidamente eficazes na redução do contágio - o despiste de casos por testes sistemáticos, o distanciamento social e o uso generalizado de máscara no espaço público, incluindo ao ar livre (insólito é, a meu ver, que alguns Estados só a imponham quando aumenta exponencialmente o número de infectados, sem sequer lançarem uma campanha intensa a favor da constante utilização da barreira individual ao contágio, que é a máscara! O slogan "Fique em casa", já desatualizado, há muito devia ter sido substituído por "Fique de máscara" - que não perderá atualidade, enquanto a COVID durar. Neste aspeto, foi admirável a Convenção virtual, que entronizou Biden! Ele não hesitou em arriscar a perda de impacto eleitoral e de mobilização e de votos, para dar à América e ao mundo uma lição de civismo, de respeito pela vida e saúde dos cidadãos. Uma convenção com total ausência de público é como o 10 de junho de Marcelo, ou como o futebol à porta fechada....desprovida da energia, do entusiasmo e do calor humano, a que estamos habituados. A Convenção, com cada orador a falar sozinho foi morna e monótona e nem grandes oradores, como Hillary e Bill Clinton, ou Barack Obama conseguiram brilhar, por muito pertinentes que fossem os seus corajosos discursos. A excepção foi, para além da centelha da carismática Michelle Obama e da suave Kamala Harris, justamente, uma mesa redonda, de poucos minutos mas diálogo vivo, entre os ex- candidatos à corrida democrata... Por fim, sozinhos no palco, com muito mais bandeiras do que personagens, Joe e Kamala, e os seus cônjuges, todos de máscara e respeitando distâncias. "O poder do exemplo, não o exemplo de poder", nas palavras de Biden. Uma grande lição! Bem pode aprender com ela o nosso Governo, que, tão demagogicamente, insiste em estabelecer, para situações de igual perigo de contágio, regras variáveis, conforme os fins a que se destinam os ajuntamento, privilegiando os políticos - em comícios, desfiles e, até, em festivais de música... E o mesmo se digna de todos os partidos e políticos que usam e abusam do privilégio.
COMO SE VIVE UMA DISTOPIA 1 - Vivemos hoje em clima de guerra, a "grande guerra 2020", com uma única certeza: a de que a mais macabra das distopias se concretizou, e veio para ficar, por prazo indeterminado, na realidade de um quotidiano subitamente desestruturado. Guerra em que o exército somos todos nós, e em que, por muito disciplinados que nos mostremos, dirigir as operações no teatro bélico, contra um inimigo omnipresente e invisível, não é para qualquer um. É para políticos de grande visão e envergadura.. Esta é a hora de revelação dos verdadeiros estadistas - previsivelmente muito poucos! O gradualismo na tomada de medidas limitativas essenciais, que vem imperando na Europa, tem de ser olhado, creio, como sintoma de improviso e impreparação. Num quadro em que o aumento exponencial de contágios é um dado seguro, mal se compreende o anúncio de mais e mais restrições avulsas, em cada novo dia ou em cada conferência de imprensa. Essas medidas deviam ter sido bem pensadas e codificadas, integradas numa estratégia coerente e gizada para constituir resposta o mais lata possível a riscos e a danos. Em Portugal, um dos últimos países europeus a ser atingido, e, por isso, beneficiário da lição de erros alheios, mal se compreende a não reposição rápida do controlo das fronteiras terrestres ou a opção pela absoluta falta de rastreio sanitário nos aeroportos, ao contrário do que aconteceu em vários outros Estados da UE. Não procede o argumento de que aquele tipo de vigilância não é 100% eficaz, porque, mesmo que leve à deteção de pequena percentagem de portadores do virus, vale bem o esforço, pois com cada um dos portadores logo isolados se evita um foco de infeção comunitária. Só agora, já o mês de março vai a meio, nos convertemos a esta tese... Mal se compreende, pelas mesmas razões, a incúria em garantir o acesso generalizado a máscaras de proteção, que nem nos hospitais foi adequadamente cuidado Vimos e ouvimos, vezes sem conta, a Diretora-Geral da Saúde, negar as vantagens do seu uso individual, a pretexto de que não protegiam de contágio os utilizadores. Evitavam, sim, segundo ela, que os infetados contagiassem os outros. Ótimo! Enquanto potenciais portadores assintomáticos do "COVID 19" não queremos contagiar ninguém. Haverá melhor meio de entreajuda? Outro estranho procedimento foi o de não realizarem testes, nas urgências e enfermarias hospitalares, a doentes com dificuldades respiratórias, ou pneumonias, a menos que tivessem permanecido em países "de risco" ou convivido diretamente com quem de lá chegara. Assim mandavam as regras sancionadas superiormente, o "protocolo" aplicável, cujo conteúdo, entretanto, já mudou, para abranger qualquer paciente em tal situação. Por outro lado, tem havido inércia e laxismo face à especulação e ao açambarcamento de bens! Em Espinho, como por todo o lado, desapareceram, há semanas, de farmácias, lojas e supermercados, o álcool e o gel desinfetante. E, igualmente, as máscaras de proteção, mesmo depois dos preços terem disparado - de cinco a seis euros, (por pacote de uma centena), para mais de cem euros! Foi ou vai ser, agora, finalmente, feita uma encomenda de mais de um milhão de máscaras para os hospitais públicos - sinal de que estavam em falta... Um outro negócio rentável, e, provavelmente, também especulativo, é o dos testes de deteção do virus em laboratórios privados, cujo custo, para quem os possa e queira pagar, varia entre os 100 os 200 euros. - salvo na cidade do Porto, como referiremos. 2 - Estamos a falar de ações e omissões, não de negacionistas patéticos, como Trump e Bolsonaro, mas de políticos respeitáveis, mulheres e homens de bem, que estão a dar o seu melhor, só sendo de pôr em dúvida se o seu melhor é suficiente. Veja-se o inacreditável ziguezaguear do Presidente Macron, que, num domingo, convocou os franceses a deixarem as suas casas para para votarem num ato eleitoral desnecessário, por ser de fácil adiamento, e, no dia seguinte, decretou quarentena obrigatória, com milhares de polícias a patrulhar as ruas desertas, no país inteiro... Na Europa, prevejo que vá sobressair, como é costume, Angela Merkl, mulher de armas para combates ciclópicos. Não é do meu quadrante ideológico, mas o que importa isso? A questão não é ideológica, estamos unidos contra o mesmo inimigo. Entre nós, inesperadamente, são autoridades regionais, as que mais se salientam pela inteligência estratégica e pela coragem. de atuar prontamente. Refiro-me a Rui Moreira, o autarca do Porto, e aos líderes dos Governos das Regiões Autónomas. Rui Moreira foi o primeiro a tomar consciência da crucial importância quer do encerramento de serviços não essenciais e do convite ao resguardo de contactos no espaço público, quer do rastreio massivo, contratando com uma empresa privada, na falta de iniciativa e oferta pública, a efetivação de testes para deteção do virus, que poderão atingir os 400, diariamente. Acabo de ouvir o responsável pela OMS recomendar precisamente isso: "testing, testing, testing". Na mesma linha está Cuomo, o Governador de Nova York, cuja proposta é: "massive testing, massive quarentine". Por cá, Rui Moreira está sozinho , em boa companhia internacional. Os executivos da Madeira e o dos Açores antes mesmo de terem deparado com o primeiro teste positivo, e apesar da evidente relutância do poder central, decretaram, e puseram em pratica, a quarentena de 14 dias para quem quer que chegue, de fora, aos seus aeroportos. E mais longe teriam ido, encerrando, logo, o espaço aéreo regional ao tráfego regular de passageiros, se isso fosse da sua competência. No continente, destaquemos, nesta histórica quinzena de março, sobretudo, a sociedade civil, que soube impor-se, nos mais diversos domínios. Pensemos, por exemplo, nos pais dos alunos a lutarem pelo encerramento das escolas, nos jogadores de futebol profissional a exigirem a suspensão dos campeonatos, na opinião pública a forçar a vigilância da fronteira terrestre com a Espanha. E, aqui, em Espinho, no voluntário encerramento de um grande número de restaurantes, cafés e lojas, no generalizado respeito pelo distanciamento aconselhável dos clientes do pequeno comércio alimentar, na quase desertificação espontânea das ruas da cidade, e nos gestos de solidariedade, como os da Paróquia, que já tem disponível um grupo de voluntários para ajudar os que estão retidos em casa, pela idade ou por pertencerem a um grupo de risco. Em suma, e lembrando, igualmente, os profissionais de saúde e todos os que permanecem nos seus postos, servindo o público, poderemos, dizer que, no nosso País, a nota máxima vai para estas múltiplas expressões de espírito cívico, de cidadania!. Espinho, 16 de março de 2020.

cv breve

Maria Manuela Aguiar Dias Moreira Data de nascimento 9 junho 1942 Naturalidade Gondomar - Portugal FORMAÇÃO ACADÉMICA (1960) - Curso do Liceu (18 valores) (1965) - Licenciatura em Direito, Universidade de Coimbra (17 valores e media geral de 16, Bom , com distinção). (1969) "Titularisation" - École Pratique des Hautes Études, Paris - Sociologia (1970) - Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit, Institut Catholique de Paris, Faculté Libre de Droit et Sciences Economiques, Paris 2- ESTÁGIOS, CURSOS, BOLSAS DE ESTUDO (1966) - Estágio do Notariado (1966/1967) - Estágio de Advocacia (1968) - Bolsa do Instituto Internacional de Estudos do Trabalho, OIT - "Study course on Labour problems in economic and social development", Geneva (1968/1970) - Bolsa de Estudos da Fundação Gulbenkian, Paris Titularização na "École Pratique des Hautes Études", VI Section (Sociologia Industrial) Certificados em "Sociologia das Instituições", Filosofia do Direito (classificação Bom), Sociologia do Direito (classificação Muito Bom), Diplôme Supérieur d' Études et de Recherche en Droit (1970) - "Connaissance de Suède", Universidade de Upsalla, Instituto de Informação, Estocolmo (1974) . Bolsa das Nações Unidas, Genebra (1978) - United Nations Human Rights Fellowship - bolsa para um estudo comparativo dos modelos de "Ombudsman" ( Londres, Cardiff, Edimburgo, Estocolmo, Copenhaga, Paris) (1996) - Bolsa do Marshall Memorial Fellowship Program, EUA - palestras e conferências - Linfield College, Oregon, Lake Forest College, Illinois ATIVIDADES PROFISSIONAIS 1967-1974 - Assistente do Centro de Estudos Sociais e Corporativos, Ministério das Corporações e Segurança Social. (1971-1972) - Assistente da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa (sociologia - assistente do Prof Álvaro Melo e Silva). (1974-1976) - Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Teoria Geral do Direito e Introdução ao Estudo do Direito, assistente do Prof Rui Alarcão). (1975-1976) - Regência do curso de Introdução ao Estudo do Direito. Membro da Linha de investigação sobre Direito de Família, dirigida pelo Prof. Pereira Coelho. Eleita para o Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito (1976-1978 - Assessor do Provedor de Justiça (área da Segurança Social) (!992-1994) - Docente convidada da Universidade Aberta, Lisboa, Mestrado de Relações Interculturais, Disciplina de "Políticas e Estratégias para as Comunidades Portuguesas" ATIVIDADE POLÌTICA (1978.1979) IV Governo Constitucional - Secretária de Estado do Trabalho (1980) VI Governo Constitucional - Secretária de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas (1980) Deputada eleita pelo Circulo de Emigração Fora da Europa (1981/1982) VII Governo Constitucional - Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (1983) Deputada eleita pelo Círculo de Emigração Fora da Europa (1983/1985) Secretária de Estado da Emigração (1985) Deputada eleita pelo círculo de Emigração da Europa (1985/1987) Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (1987) Deputada eleita pelo Círculo do Porto (1987.1991) Eleita Vice-presidente da Assembleia da República (1991) Deputada eleita pelo Círculo de Aveiro (1992 2005) Representante de Portugal na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e na Assembleia da UEO (1993) Presidente da Sub-comissão das Migrações (1993) Vice-Presidente da Comissão de Regimento (1994/1997) Presidente da Comissão das Migrações, Refugiados e demografia (1997 e, sgs) Membro da Direção ("Bureau") da Grupo Liberal (2002-2005) Presidente da Delegação Portuguesa à Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e à Assembleia da UEO. Vice-Presidente da Assembleia da UEO Membro da Direção do PPE (2003-2005) Vice-Presidente da Comissão da Igualdade 2004 -2005 - Presidente da Sub-comissão da Igualdade (2005) Membro Honorário da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e da Assembleia da UEO Numerosos relatórios nas organizações internacionais PRESIDÊNCIA DE DELEGAÇÕES PORTUGUESAS A CONFERÊNCIAS E ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS (1980) Presidente da Delegação Portuguesa à Conferência a meio da década das Nações Unidas para as Mulheres", Copenhaga (1983) Presidente da Delegação Portuguesa à II Conferência de Ministros do Conselho da Europa responsáveis pelas migrações, eleita Vice-presidente da Comissão, Roma (1984) Presidente da Delegação Portuguesa à I Conferência de Ministros do Conselho da Europa para a Igualdade, Estrasburgo (1987) Presidente da Delegação Portuguesa e Presidente eleita da III Conferência de Ministros dos Conselho da Europa, responsáveis pelas migrações, Porto (1988) Presidente da Delegação Parlamentar ao Japão, na primeira visita nas relações parlamentares dos dois países (1989) Presidente da Delegação Parlamentar à Hungria (1990) Presidente da Delegação Parlamentar à Suiça (2002-2005) - Presidente da Delegação Portuguesa às Assembleias Parlamentares do Conselho da Europa e da Organização da Europa Ocidental COMUNICAÇÕES E RELATÓRIOS EM ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ONU (1980) Intervenção na Conferência a meio da década das Nações Unidas à Mulher - Igualdade, Desenvolvimento e Paz, Copenhague, 15 de julho APCE (1981) Migrações portuguesas e cooperação internacional", exposição à reunião da Comissão das Migrações, dos Refugiados e da Demografia, Lisboa, Assembleia da República, 3 de setembro (1983) Intervenção na 2ª Conferência dos Ministros Europeus responsáveis pelas questões das migrações, Roma, 25 de outubro (1984) Comunicação ao Colóquio "Os estrangeiros - uma ameaça ou um trunfo?", organizado pela Comissão das Migrações, dos Refugiados e das Migrações. Estrasburgo, 20 de março (1984) Comunicação ao seminário sobre "As relações intercomunitárias", Estrasburgo, 8 de novembro (1988) ONU, Peticionária a favor de Timor Leste, Comissão de Descolonização. Nova York (1999) - Liens entre les Européens vivant à l' étranger et leur pays d' origine" (rapporteuses Manuela Aguiar et Ana Guirado), Commissin des migrations, des réfugiés et de la démographie (2001) - "Non-expulsion des immigrés de longue durée" (rapporteuse), Commission des migrations, des réfugiés et de la démographie (2001) - "Le droit de vivre en famille pour les migrants e les réfigiés", Commission des migrations, des réfugiés et de la démographie (2002) - "Séjour, statut juridique et liberté de circulation des travailleurs migrants en Europe: les enseignements du cas du Portugal", APCE, Commission des migrations, des réfugiés et de la demographie (2004) - "Droits de la nationalité e égalité des chances" (rapporteuse), Commission sur l' égalité des chances pour les femmes et les hommes (2005) - "Discrimination des femmes et des jeunes filles dans les activités sportives" (rapporteuse), Commission sur l'égalité des chances pour les femmes et les hommes AUEO (2001) - "European defence: pooling and srengthening national and European capabilities" (reply to the annual report of the Council), Defense Committee OCDE (1984) Comunicação à Reunião sobre "Aforro privado ao serviço do desenvolvimento da empresa nas regiões de emigração - o papel das instituições financeiras", Esmirna, 3 de abril (1986) "A experiência dos países europeus de origem", comunicação à Conferência sobre "L' Avenir des migrations, Paris, 13 de maio" COMUNICAÇÔES (1980) "Problemas e perspetivas da emigração portuguesa", exposição ao curso de Defesa Nacional, Instituto de Defesa Nacional, 10 de março (1981) Comunicação ao 1º Conselho das Comunidades Portuguesas, Lisboa, 2 de abril (1981) "Bases e prioridades da política relativa à emigração e às comunidades portuguesas", exposição ao Curso de Defesa Nacional, Instituto de Defesa Nacional, 5 de maio (1983) Comunicação ao 2º Conselho das Comunidades Portuguesas, Porto, novembro (1984) "A política de apoio ao emigrante português na conjuntura atual", exposição ao Curso de Formação para Emigrantes, Bona, 24 de fevereiro (1984) "As Comunidades Portuguesas no estrangeiro - situação atual e perspetivas futuras", exposição ao Curso de Defesa Nacional, Instituto de Defesa Nacional, 7 de março (1985) "Emigração: os regressos invisíveis", exposição ao Curso de Defesa Nacional, Instituto de Defesa Nacional, março (1985) Comunicação ao "1º Encontro de Mulheres Portuguesas no Associativismo e no Jornalismo", organizado pela SECP, Viana do Castelo, junho (1985) "A dupla nacionalidade dos imigrantes, do ponto de vista de um país de um país de emigração", Mesa redonda sobre Dupla Nacionalidade dos Migrantes, organizada pelo Governo Sueco, Estocolmo, 6 de setembro (1986) "Linhas fundamentais das politicas de emigração", exposição ao Curso de Defesa Nacional, Instituto de Defesa Nacional, 10 de março (1986) "Emigração e Regresso", exposição ao Curso Superior de Guerra Aérea, Instituto dos Altos Estudos da Força Aérea, 13 de março (1986) "Portugal na CEE - consequências para a emigração", colóquio organizado pelo Instituto Sindical de Estudos, Formação e Cooperação (1986) Intervenção no colóquio "A 2ª geração da emigração contemporânea no cinema" - Festival Internacional da Figueira da Foz, 20 de setembro (1986) Intervenção no II Congresso das Comunidades Açorianas, Angra do Heroísmo, 26 de setembro (1987) " Emigração portuguesa, fenómeno persistente - uma visão diacrónica", exposição ao Curso de Defesa Nacional, Instituto de Defesa Nacional, 9 de março (1987) Comunicação à III Conferência dos Ministros Europeus responsáveis pelas questões de emigração, Porto, 13 de maio (1988) " L' importance des liens des Européens de l'étranger avec leurs pays d'origine" - exposição à Assembleia Geral do Congresso dos Suíços no Estrangeiro" , Baden, 28 de agosto (1993) Comunicação à V Conferência dos Ministros Europeus responsáveis pelas questões das migrações, Atenas,18 de novembro (2015). "Políticas de Género na Emigração Portuguesa", Colóquio "Expressões de Cidadania no Feminino", organização da Mulher Migrante,Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade, da Universidade do Minho e da Câmara de Monção (2015) "Origem e Evolução do 1.º Conselho das Comunidades Portuguesas", Colóquio "Diálogos sobre Cultura, Cidadania e Género", Sorbonne Nouvelle, Paris (2016) "Políticas de Género e Movimentos Cívicos na Emigração Portuguesa", Colóquio "Mulheres em Movimento", Universidade de Toronto, Departamento de Espanhol e Português (2017) "O Conselho das Comunidades Portuguesas : institucionalização do Diálogo com o movimento associativo" - Colóquio "Dar voz à Diáspora - perspetiva diacrónica dos mecanismos de diálogo", promovido pela Comissão das Migrações da Sociedade de Geografia e pela "Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade PUBLICAÇÕES (1987) "Política de Emigração e Comunidades Portuguesas", Série Migrações, Centro de Estudos, Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (1995) "Portugal o Pais das Migrações sem fim", Lisboa, Cabográfica. (2004 ) "No Círculo da Emigração", Lisboa, Belgráfica (2005) "Comunidades Portuguesas - os direitos e os afetos", Gaia, Rocha Artes Gráficas. (2007) "Migrações - Iniciativas para a igualdade de género", (coord.) Edição Mulher Migrante, Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade (2006) Brasil-Portugal: a questão da reciprocidade (2009) "Cidadãs da Diáspora" (coord), Edição Mulher Migrante Associação de estudo, Cooperação e Solidariedade. (2009) Problemas Sociais da Nova Emigração (coord) Edição da Mulher Migrante, Associação de estudo, Cooperação e Solidariedade (2011) Encontro Mundial de Mulheres Portuguesas na Diáspora, Maria Manuela Aguiar e Maria da Graça Sousa Guedes (org) (2014) Entre Portuguesas 2014, Maia Manuela Aguiar, Graça Guedes, Arcelina Santiago, (coord), Ed Mulher Migrante Associação de estudo, Cooperação e Solidariedade (2015) Entre Portuguesas 2015, Maria Manuela Aguiar, Graça Guedes, Arcelina Santiago (coord), Edição Mulher Migrante Associação de Estudo, Cooperação e Solidariedade ARTIGOS RECENTES Aguiar, Manuela (2008) "Mulheres migrantes e intervenção cívica", em Maria Rosa Simas (org.), A mulher e o trabalho nos Açores e nas comunidades, Ponta Delgada, UMAR- Açores, pp. 1247-1258 Aguiar, Manuela (2009) "Formas de exteriorização da pertença", em Maria Beatriz Rocha Trindade (org.), Migrações, Permanências e Diversidades,Lisboa, Biblioteca das Ciência Sociais, pp.263-269 Aguiar, Manuela (2009) "O Conselho das Comunidades Portuguesas e a representação de emigrantes" em Beatriz Padilha e Maria Xavier, Migrações entre Portugal e a América Latina, Revista Migrações, Lisboa, outubro, pp.257-263 Aguiar, Maria Manuela (2010) "Emigração portuguesa - olhares sobre a ausência: uma perpetiva diacrónica" em Polígonos Revista de Geografia, nº 20, Departamento de Geografia, Universidade de León, pp 91-115 Aguiar, Maria Manuela (2012) "Portuguese republican women out of the shadows" em Richard Herr and António Costa Pinto (ed.), The Portuguese Republic at one hundred, Portuguese Studies Program, University of California, Berkeley. pp.181-196 Aguiar, Manuela (2014) "A questão de nas políticas de emigração portuguesa", em Joana Miranda e Ana Paula Beja Horta (org.), Migrações e Género - espaços, poderes e identidades, Lisboa, Mundos Sociais, pp. 75-93
ORIGENS E EVOLUÇÃO DO 1º CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS Maria Manuela Aguiar I - O PARADIGMA FRANCÊS Na primeira metade do século XX, dois Conselhos de Emigrantes foram criados na Europa, como instrumentos de representação dos cidadãos residentes no estrangeiro e ambos estão ainda em funções no século XXI - o suíço (1916) e o francês (1948). Um e outro são oriundos de grandes movimentos transnacionais, configurando, porém dois modelos distintos. A "Organização dos Suíços no Estrangeiro", suporte do conselho e dos congressos anuais dos suíços do estrangeiro, mantém a sua natureza privada como porta-voz dos interesses dos expatriados junto do governo, ainda que beneficie de subsídios para atividades nos domínios social e cultural (ensino, campos de férias para jovens), e na área da informação. (AGUIAR e GUIRADO, 1999:16). O Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro é um órgão instituído pelo Estado, embora tenha surgido como resposta a um reivindicação da "Union des Français de l' Étranger" (UFA), que, praticamente desde o seu início, em 1927, apelou à institucionalização da colaboração com o governo, colocando o enfoque na igualdade de direitos entre residentes e expatriados, e no direito de voto nas eleições nacionais. O início de novecentos, foi um tempo de grande expansão de movimentos associativos de povos europeus, que formaram extensas redes internacionais, com as suas cúpulas federativas (M Böhm, 1993), a coincidir com o aumento de vagas migratórias da Europa para as Américas, favorecido pelo progresso tecnológico e embaratecimento dos custos das viagens transoceânicas. Esta é uma realidade que nós próprios conhecemos bem, com um êxodo para o Brasil em números jamais vistos, sem, contudo, acompanhar a tendência para a internacionalização de um associativismo, fortíssimo a nível local, mas avesso a ultrapassar as fronteiras de uma cidade, ou, quando muito, de um país. (1) (2). Todavia, à época, só em França, no discurso da UFA, aflorou a clara consciência da situação de discriminação dos expatriados no plano político, com a reclamação da igualdade de exercício de direitos da cidadania face ao país de origem. A pertinência dessa pretensão era evidente, reconhecidos os laços de pertença culturais, económicos, afetivos, que guardavam com a pátria, mas a força do dogma territorialista - soberania exercida estritamente dentro de fronteiras - assim como a preocupação de não abrir precedentes que obrigassem a dar reciprocidade a estrangeiros, num país de imigração, mais do que de emigração, levou sucessivos governos a rejeitarem uma proposta tão ousada. Como se explica o pioneirismo do Conselho francês? Em parte, certamente, pela história da República, com uma tradição de representação das antigas colónias pela via de Conselhos Superiores, e, também pela visão e cultura política do fundador e principal dirigente da UFA, Gabriel Wernlé. Ao tempo, a igualdade de direitos de cidadania dos emigrantes era uma utopia e teve a invencível oposição de sucessivos Governos e da Diplomacia francesa. Wernlé soube contornar os obstáculos e encontrar uma solução de compromisso, avançando com a fórmula inovadora de intervenção dos expatriados no espaço público, através de um órgão de consulta governamental, após duas décadas de porfiados esforços, viria a ser criado em 1948 - o "Conseil Supérieur des Français de l' Étranger". (4) A sua constituição fora precedida pela presença de um pequeno núcleo emigrantes franceses no Conselho Consultivo da Resistência Francesa, que funcionou como forum da França livre, durante a 2ª Guerra mundial, sob a égide do General De Gaulle. Teve a sua 1ª reunião em 1943, na Argélia, reunindo 83 homens, 5 representantes dos expatriados, e apenas uma mulher, Marthe Simard, membro da resistência no Canadá. (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 19) Essa primeira ligação entre expatriados em razão da guerra e emigrantes, em sentido estrito, foi continuada no Conselho Superior dos Franceses do Estrangeiro, onde os antigos combatentes, enquanto tal, tiveram, desde a primeira hora, assento entre os “membros de direito”, juntamente com representantes da UFE, das Câmaras do Comércio e dos professores, a par dos 45“membros eleitos” pelas associações e dos 5 “membros nomeados” pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros (que preside ao órgão consultivo). Entre as mais importantes prerrogativas do "Conelho" estava (e está, hoje, na Assembleia dos Franceses do Estrangeiro), a de escolher os senadores dos franceses residentes fora do país, processo em que só intervêm os membros eleitos. O voto dos expatriados para a Assembleia Nacional tardaria a ser reconhecido, pelo que o Conselho (como um dos colégios eleitorais do Senado) foi a sua primeira instância representativa. E, depois que os direitos de participação política foram sendo atribuídos, não perdeu importância, como órgão de representação específica. Foi nesta veste que influenciou todos os organismos públicos, que vieram a ser criados, na década de 80, nos países europeus de forte emigração – Portugal, Itália e Espanha. (AGUIAR, 2003: 9). O Conselho Superior reúne em plenário anualmente (entre as sessões anuais funciona, com regularidade, a Comissão Permanente) aprova relatórios, resoluções, dá pareceres, faz interpelações sobre todas as matérias que interessem aos residentes no estrangeiro, nomeadamente, direitos políticos, nacionalidade, ensino, pensões, assuntos económicos. (5) Em 1982, este Conselho passou a ser eleito por sufrágio direto e universal (modo de eleição adotado pelos homólogos italiano e espanhol, que são posteriores a essa data). Foi “constitucionalizado” em 2003 (art. 39 da Constituição) e, em 2004, alterou a sua designação para "Assemblée des Français de L' Étranger" (Assembleia dos Franceses do Estrangeiro). Os conselhos existentes na Europa têm, evidentemente, a sua própria história, com soluções e modos de atuação concreta muito diversos, mas , prosseguindo finalidades em larga medida análogas, julgo que ganhariam em manter, a nível europeu, um diálogo, que tarda, sobre os seus êxitos e dificuldades, como meio de aperfeiçoar os seus poderes e sua "praxis". (6) O conselho português foi de todos, o que teve vida mais acidentada (AGUIAR, 2008: 259). A análise comparativa poderá, ajudar a compreender algumas das razões do sua maior instabilidade e a procurar formas de o solidificar como instituição - por exemplo, tal como acontece em França, desde 2003, integrando -o na arquitetura da Constituição, ou, indo ainda mais longe, configura-lo como órgão de Estado, retirando-o da esfera de competência do governo, soluções aventadas em audições parlamentares, por iniciativa da Subcomissão das Comunidades Portuguesas (BARBOSA DE MELO, 2004: 33) II - O CONSELHO DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS (CCP) 1 - Conselho das Comunidades ou Conselho de Emigrantes? Nas eleições intercalares de 1979, o programa eleitoral do governo da AD previa a criação de um "Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo", onde estas se poderão fazer representar". (7) O único paradigma que se oferecia ao legislador era o Conselho francês, apesar da diversidade das realidades a que procuravam ajustar-se. No nosso caso, sem qualquer âncora no passado colonial ou na situação de antigos combatentes, num quadro constitucional que consagrava já a representação dos emigrantes na Assembleia da República, e perante a ausência de agregação a nível internacional das suas comunidades dispersas pelo mundo. (8) Em França, como dissemos, a UFA, organização de cúpula do associativismo foi o grande paladino do Conselho e um parceiro de primeira hora, em Portugal era o Governo que queria promover a agregação numa "casa comum" do movimento associativo sem qualquer rede transnacional. Uma "casa comum" da lusofonia e da lusofilia e não apenas da emigração. A "União das Comunidades de Cultura Portuguesa", que poderia ter sido o parceiro privilegiado, já não existia. Fora criada em 1964 e tivera uma vida breve. (9) Havia que adaptar figurino alheio a realidades próprias e trabalhar contra o tempo. O horizonte do governo, oriundo de eleições intercalares era curto, tudo era urgente e o Conselho ainda mais...Foi constituído, no começo de janeiro, no gabinete da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas (a quem estava cometida a tarefa), um grupo de trabalho, coordenado pela Dr.ª Fernanda Agria. (10). Cerca de um mês depois, ouvidos especialistas e funcionários da SEECP,diplomatas e deputados da emigração, o anteprojeto estava concluído e foi enviado a Conselho de Ministros. Depois da tramitação para parecer dos diversos departamentos ministeriais,foi aprovado, com pequena emendas, a 1 de abril. A falta de ampla audição das comunidades seria suprida, através da consulta posterior aos eleitos, a quem caberia, na primeira reunião do CCP, repensar as suas grandes linhas e apresentar sugestões de alteração. O próprio governo tomou a decisão de destinar uma das seis secções previstas, à revisão do da lei. Essa foi secção, onde se verificaram as maiores polémicas e afrontamentos, e onde se forjou, em compromissos e consensos, a vontade comum de existir, que verdadeiramente fez do CCP uma realidade viva. Tal como em França, no desenho do CCP coexistiam três categorias de participantes CCP - membros eleitos (os representantes das comunidades do estrangeiro), membros natos (representantes dos governos, nacional e regionais e do parlamento) e nomeados (representantes dos parceiros sociais, peritos, funcionários de serviços de apoio). Mais do que pôr os conselheiros frente a frente, numa sala de reuniões fechada, a falarem entre si e com Ministros ou Secretários de Estado do governo, pretendia-se assegurar o contacto com a sociedade civil, com responsáveis da administração pública ecom os "media" nacionais. Essa foi a razão, ainda hoje largamente incompreendida, que determinou a heterogeneidade da composição do órgão consultivo e o facto de todos poderem participar nas sessões de trabalhos, As assessorias (dos diversos departamentos ministeriais) viriam a dar, como se esperava um contributo facilitador das recomendações e pareceres dos eleitos. As recomendações das primeiras reuniões (1981-1985), publicadas pelo Centro de Estudos da SECP, assim como as atas das diversas secções da 1ª reunião, revelam total predominância das intervenções dos Conselheiros eleitos, face aos demais, que raramente intervieram e, quando o fizeram foi, quase sempre, para prestar esclarecimentos. Os conselheiros manifestaram o propósito de reduzir o CCP ao núcleo dos eleitos, mas logo abriam, pela via de convites seus, as portas dos CCP a todas as categorias de participantes previstos na lei - uma forma de reconhecimento das vantagens de dialogarem com uma pluralidade de participantes em forum alargado. 2 - Da Lei ao nascimento da Instituição Se foi célere a elaboração da legislação, em 1980, durante o VI Governo Constitucional, não o foi menos, em 1981, no VII Governo Constitucional, o processo de organização das primeiras eleições, de acordo com as normas transitórias previstas no DL 373/80 de 12 de setembro - por convocatória pelas embaixadas ou consulados dos delegados das associações legalmente constituídas na sua área, para a eleição de um determinado número de representantes, que decorria da aplicação dos critérios legais. Futuramente, as "Comissões de País" reuniriam, para o efeito, por direito próprio, como colégios eleitorais do Conselho. A lei não definia o seu modo de organização e funcionamento, a nível de país ou área consular: o número de efetivos, o programa, as atividades,(e tudo o mais), a nível local, era decidido pelos respetivos membros, eleitos de entre as associações legalmente constituídas, que se inscrevessem na "Comissão". Estabelecia-se, assim, uma completa descentralização, julgada imprescindível face a realidades tão díspares, como são as das comunidades dos cinco continentes. Onde existisse já uma federação - caso do Brasil - podiam funcionar quase só como colégio eleitoral. Em comunidades mais divididas, esperava-se que pudessem contribuir para reforçar a cooperação inter associativa e a sua expansão. Mas, nem o governo nem os consulados interferiam. O VII Governo Constitucional tomou posse em Janeiro de 1981 e a reunião realizou-se, decorridos 3 meses, em abril, no salão nobre do Palácio Foz. A abrir os trabalhos, a Secretária Geral, Fernanda Agria lembrava que "o próprio diploma criador do Conselho está, de certa maneira, e ser testado na realidade da prática".Na qualidade de Presidente do Conselho das Comunidades, eu própria salientei o carater histórico daquele momento: "Estamos a participar no primeiro ato da vida de uma nova instituição - o CCP - que, estou certa, virá a desempenhar, como todos esperamos e desejamos, durante muito tempo e ao longo de muitas gerações, um papel de relevo, meritório e eficaz, no conjunto das instituições nacionais" [...]"uma instituição mediadora entre a sociedade civil e o Estado"[…]: "Não temos, infelizmente, em Portugal, uma tradição muito rica neste género de instituições [...] o CCP, no seu processo de funcionamento, terá, pois, menos uma tradição a seguir do que uma tradição a criar; terá uma forma própria a assumir e não um modelo rígido a limitá-lo". (AGUIAR, 1986:91) Quando a Secretária-geral se preparava para dar sequência à ordem do dia do plenário, ouviu-se a primeira voz contestatária, prenúncio da partidarização, que viria da Europa e, sobretudo de Paris, e daria da instituição uma imagem pública de conflitualidade, só em parte verdadeira. A politização revelava-se, não só no incidente em si, mas no relevo que lhe foi dado na imprensa afeta ou próxima do PCP, sobretudo em "O Diário".(11) 3 - CCP - Plenário e Secções O programa delineado para a primeira reunião previa a alternância de plenários e de debates em seis secções - Educação e Ensino, Segurança Social, Regresso e Reinserção, Comunicação Social, Revisão do DL 373/80 e Secção Especial (temas livres). À semelhança do que acontece na Assembleia da República, pelas mesmas razões, o plenário do Conselho foi o grande palco mediático da confrontação e as secções, como, em regra, as Comissões Parlamentares, converteram-se no espaço privilegiado de análise de propostas e de compromissos, nem sempre fáceis, mas quase sempre conseguidos, como de constata nas 102 recomendações aprovadas pelo coletivo. Os especialistas, funcionários e funcionários dos diversos departamentos da administração pública foram constantemente elogiados pelos Conselheiros. O espírito de grupo nasceu, verdadeiramente, entre os conselheiros, assessores, políticos, dentro do círculo que constituiu cada secção, incluindo aquela que mais diretamente pensava o futuro do CCP. As recomendações dão uma imagem objetiva da construção do órgão como coletivo, através de um impressionante conjunto de propostas - desfecho que, depois de um começo fraturante, não estava, de modo algum, garantido. Uma parte das recomendações são programáticas, algumas delas mera enunciação de problemas e testemunho de preocupações expectáveis numa reunião sem precedentes - mas outras houve que apontavam para já soluções precisas. e inovadoras, que vieram a inspirar políticas com concretização no imediato ou a prazo, designadamente as seguintes recomendações: criação de Institutos de Língua Portuguesa; integração do português nos "curricula" escolares dos países de imigração; recrutamento, preferencialmente, de professores oriundos das comunidades; organização de cursos de férias e intercâmbios, cursos de formação para professores de português no estrangeiro, alargamento do regime de inscrição voluntária de emigrantes na segurança social portuguesa, (instituído no ano anterior, pelo Decreto Regulamentar 7/80 de 3 de abril); aumento das isenções alfandegárias e fiscais (que faziam parte de um conjunto de medidas financeiras adotadas logo depois da revolução de 1974, para incentivar os regressos e atrair remessas); realização de programas de apoio a rádios das comunidades; distribuição generalizada dos noticiários da ANOP (que a SEECP passaria a assegurar, para os terminais de telex dos próprios media ou dos consulados); aproveitamento dos programas de televisão, produzidos, para os emigrantes de França e Alemanha (desde 74/75), para canais ou emissões de televisão das comunidades em outros continentes (o que seria dificilmente negociado com a RTP...); o porte pago; a realização de um Encontro Mundial dos Órgãos de Comunicação Social das comunidades, (logo convocado para o ano seguinte); exigência da dupla cidadania (acolhida na ordem jurídica poucos meses depois); voto na eleição presidencial (alcançado em 1997); alargamento do número de deputados da emigração (ainda não aceite atualmente). Reforço dos serviços da SEECP, com aumento de delegações no estrangeiro e abertura de balcões de apoio aos emigrantes nos aeroportos (prontamente conseguido). 4 - A Secção para a revisão do DL 373/80 de 12 de setembro A Secção, que foi a verdadeira “alma mater” da instituição nascente, começa por “considerar aprovadas todas as disposições constantes do DL 73/ 80, que não colidam com a recomendação infra”. Nessa recomendação (nº 99), as principais inovações apontam para: a composição do órgão apenas por membros eleitos; escolha do presidente de entre emigrantes ou ex-emigrantes residentes em Portugal; a nomeação do Secretário-Geral pelo conselheiro eleito presidente do CCP, embora continuando a ser apoiado pelos serviços da SEECP; a eleição do CCP no círculo das associações, (com a possibilidade de ser complementada pelo sufrágio direto de candidatos fora das associações). . As traves mestras e as finalidades principais da legislação apresentada ao exame crítico dos conselheiros não eram postas em causa, e foram ressaltadas as prioridades do legislador de 1980 – a “salvaguarda da identidade da cultura lusíada no mundo” e a “promoção do movimento associativo, com respeito pela sua liberdade estatutária e identidade própria”. A recomendação da eleição do presidente do CCP entre os eleitos (que não levantara oposição do Governo), foi alterada em 1983, com a aceitação da norma em vigor (presidência pelo MNE). 5 – Um CCP em construção Avanços e retrocessos, controvérsias e roturas assinalaram a trajetória do CCP, num ciclo de sete anos. No VIII Governo Constitucional, em 1982, o novo Secretário de Estado e Presidente do CCP decidiu não convocar o plenário, invocando a necessidade de rever previamente a lei, de acordo com as recomendações de 1981. O funcionamento do Conselho foi retomado no IX Governo Constitucional, em 1983, com o regresso ao cargo da primeira Presidente e teve o seu período de maior estabilidade até 1987. Voltou a ser desconvocado a partir de 1988, durante o XI Governo Constitucional. Ficou, assim, evidenciada a dependência do funcionamento do CCP mundial da vontade dos titulares da pasta da emigração, ou seja, a sua fragilidade institucional. (consequência da falta de tradição do órgão ou, porventura, da falta de tradição democrática de um país saído de cinco décadas de ditadura). Embora na base da pirâmide, a nível das “Comissões de País”, se mantivesse um regular funcionamento, graças à sua completa autonomia, a convocação das sessões plenárias foi discricionariamente recusada em 1982 e a partir de 1988.(13) Dessa fase mais estável se destaca: A realização da 2ª reunião plenária (1983), que decorreu no Porto e em Aveiro, e aprovou, entre outras, duas importantes recomendações o enquadramento dos órgãos de comunicação social numa " Secção Permanente", e a criação de quatro Conselhos Regionais (África, América do Norte, América do Sul e Europa). Contrariando a orientação do 1ªreunião, os conselheiros aprovaram a continuidade da presidência do órgão pelo MNE (ou pelo SEECP, por delegação de competências). A "regionalização" do CCP foi consagrada, pelo DL 367 /84 de 25 de novembro, nos termos do qual o Conselho passava a reunir no País, por secções, e, alternadamente, nas comunidades, por regiões. O Conselho da América do Norte teve lugar nos EUA, em Danbury, Connecticut, o da América do Sul e África em Fortaleza, Brasil, no último trimestre de 1984. O da Europa, previsto para La Rochette, foi adiado "sine die", por oposição dos conselheiros de França (13). Em 1984 foi ainda constituída uma "Comissão Permanente de Peritos", destinada a garantir o apoio técnico constante e maior operacionalidade aos trabalhos do Conselho. A Comissão, nomeada livremente pela presidente, era formada por 3 mulheres e 3 homens. Em 1985, decorreu em Viana do Castelo, com o patrocínio da UNESCO, a "1ª reunião de Mulheres no Associativismo e no Jornalismo" (as duas componentes do CCP, note-se), em cumprimento de uma recomendação da reunião de Danbury, do ano anterior. A 3ª reunião mundial do CCP levou os conselheiros à Madeira - Porto Santo e Funchal -e teve a participação do Presidente Governo Regional. Em cumprimento de uma recomendação aprovada nesse plenário, foi constituída uma "Comissão Permanente" integrando dois conselheiros de cada uma das quatro regiões, e o representante da Austrália (por eleição realizada durante a sessão plenária na Madeira). Em 1986, o "Conselho por Regiões" repartiu-se entre Toronto, Canadá (América do Norte), Maringá, Brasil (América do Sul) e Estugarda, Alemanha (Europa). É de assinalar a presença do Presidente do Governo Regional dos Açores na Reunião Regional da América do Norte, a testemunhar a boa cooperação conseguida no CCP entre governo da República e os governos autonómicos, que já então tinham as suas instâncias próprias de representação de emigrantes (Rocha-Trindade, 2014: 19) Em 1987, secundando pareceres do Conselho foi criada uma comissão interministerial, com competência específica para dar sequência às recomendações do Conselho, (sinal da sua crescente importância política); e constituídas várias “conferências” junto do CCP -“Ensino”, “Assuntos dos Jovens”, “Promoção da participação das mulheres”(13) e “Investimentos e Assuntos Económicos e Financeiro” Eram uma forma de valorizar a participação horizontal no órgão consultivo. A queda do X Governo no verão de 1987 veio colocar um ponto final no que parecia o estádio da sua definitiva afirmação do CCP como órgão representativo e nas suas ramificações na sociedade civil. Durante a 4ª reunião plenária realizada no Algarve (Albufeira) todos pressentiam que seria a última. Todavia, em alguns países, Brasil, França, Argentina os Conselhos das Comunidades (antigas Comissões) continuaram ativos como federações associativas, independentes de qualquer governo. Em 1996, após quase uma década em suspensão, o CCP ressurgiu, eleito por sufrágio universal, desligado da memória da sua primeira vida e das suas origens associativas, embora prossiga os mesmos fins e continue a emergir, essencialmente do viveiro de lideranças, que é são as grandes instituições das comunidades portuguesas.(14) 5 - Presença e ausência feminina no 1º CCP Não havia mulheres entre os membros eleitos, os observadores da Comunicação Social, os deputados, os representantes das Regiões Autónomas, entre os representantes dos parceiros sociais (nomeados por indicação das respetivas corporações), mas o Conselho português foi, historicamente, o primeiro a ser presidido por uma mulher e, por sua nomeação, algumas funcionárias públicas, participaram na reunião de 1981, como peritas - além da Secretária -geral, Fernanda Agria, as moderadoras e relatoras Maria Beatriz Rocha Trindade (Secção da Educação e Ensino e Secção Especial - 2ª geração e identidade cultural) e Rita Gomes (Secção Regresso e Reinserção) e as que exerceram a assessoria das secções, Alexandra Lencastre da Rocha (Secção Especial), Maria Helena Lúcio (Segurança Social e Secção Especial) e Maria Manuela Machado Silva (Ensino e Educação). Em 1983, chegaram das comunidades do estrangeiro Maria Alice Ribeiro, do Canadá, e Custódia Domingues, ambas dos meios de comunicação social. Maria Alice Ribeiro, diretora do mais antigo jornal português de Toronto, foi a proponente da convocatória de um congresso mundial de mulheres migrantes. Em 1985, faziam parte da Comissão Permanente de Peritos", que era paritária, Fernanda Agria, Maria Rita Gomes e Maria Beatriz Rocha Trindade. A ausência do feminino é, também, gritante no que respeita às recomendações - as especificidades das migrações de mulheres são praticamente ignoradas. Entre 1981 e 1985, apenas uma, se refere diretamente às mulheres, usando a palavra “mulher” e para manifestar a preocupação pelo facto de, na Austrália, terem, em certos casos, melhores condições de trabalho do que os homens, facto que poderia levar a conflitos familiares (recomendação 35). Também se podem considerar como dirigidas especialmente às mulheres, embora sempre designadas como “cônjuge”, algumas, poucas, recomendações aprovadas, em matéria de reagrupamento familiar. Foi, assim, contra corrente, por proposta da Conselheira Alice Ribeiro, que CCP fica ligado ao início das políticas de género, em Portugal. A Conferência para a Promoção da Participação das Mulheres , caso tivesse ido por diante, criaria, à época um precedente, mesmo face à França, onde existe atualmente uma secção para as Mulheres e onde, já em 2006 as francesas estavam em maioria na Assembleia dos Franceses do estrangeiro. Em 2016, um CCP recém-eleito com apenas 12 mulheres poderá recuperar vir a inspirar-se no exemplo francês, ou a olhar a seu passado neste domínio. Notas (1) Para além da França, com a UFE, da Suiça com a "Organização dos Suiços no Estrangeiro" (da qual é oriundo o Conselho suíço) também, por exemplo, a Áustria Associação Mundial dos Austríacos no Estrangeiro,)a Bélgica ("Flamengos no Mundo" e "Union Francophone des Belges à l' Etranger"), a Alemanha ("Associação para a Cultura Alemã no Estrangeiro", fundada em Berlim, em 1881, com o nome de "Associação Geral das Escolas Alemãs"), a Espanha ("Fundação dos Espanhóis no mundo"), a Inglaterra ("Associação para os Direitos dos Ingleses no Estrangeiro"), a Itália ("Sociedade Dante Alighieri, a "União dos Italianos do Estrangeiro" e organizações regionais, como "A família Veneziana" e "A Família Milanesa"), a Polónia (com "Comunidade Polaca", criada em 1990), a Suécia (com duas associações internacionais "A Suécia no Mundo" e a "Associação Educativa das Mulheres Suecas") - organizações sobre as quais incidiu o relatório de M Böhm, aprovado na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O relatório não menciona a "União das Comunidades de Cultura Portuguesa", talvez pelo seu carater efémero, apesar de se enquadrar nesta forma de associativismo. A "União das Comunidades de Cultura Portuguesa" foi instituída durante o 1ºCongresso das Comunidades de Cultura Portuguesa, organizado pela Sociedade de Geografia, então presidida por Adriano Moreira. O 2º Congresso decorreu em Moçambique, em 1967. O 3ºCongresso, que iria realizar-se no Brasil, deparou com obstáculos levantados pelo governo de Marcelo Caetano. Foi adiado "sine die" e a "União", ainda em fase embrionária, e, por isso, sem verdadeiro enraizamento na Diáspora, foi desativada. Não era um órgão governamental, do tipo do Conselho Superior francês, não precisava de apoio oficial para existir. Contudo, num regime anti-democrático, não gozou de liberdade para continuar, porque tinha a sua sede numa instituição de Lisboa e não nas comunidades do estrangeiro, que escapavam ao controlo da ditadura. (2) Uma das explicações para a não existência de um movimento internacional da Diáspora portuguesa poderá ser o facto de uma grande proporção dos fluxos migratórios se dirigir a um só destino, o Brasil. A Federação das Associações Portuguesas e Luso Brasileiras, nunca ultrapassou as fronteiras quase continentais deste país. (3) O Prof Emygdio da Silva, no início do século, rejeitava a ideia do voto nacional dos emigrantes, e apontava já para um sucedâneo, que seria a representação dos emigrantes num órgão próprio. Um verdadeiro percursor dos Conselhos, no plano puramente teórico. (4) O papel desempenhado pela UFE na criação do Conselho explica a preponderância do associativismo na sua composição. Os candidatos às eleições deviam ser, obrigatoriamente, membros de uma associação do estrangeiro e ter, cumulativamente, a nacionalidade francesa. (5) Jöelle Garriaud Mayland, Conselheira e Senadora pelos franceses do estrangeiro, ao historiar o percurso do "Conselho", destaca o seu papel no domínio do ensino, da proteção social e pensões, na aceitação da dupla nacionalidade e do lado menos positivo, refere a pouca notoriedade de que goza, apesar da sua importância, esta instituição, quer dentro de França, quer também entre os expatriados (GARRIAUD-MAYLAND, 2008: 44). (6) Os Comités de Italianos no Estrangeiro foram criados, em 1985, sob a égide dos consulados, com eleições por sufrágio direto, exceto nos países onde proíbam o processo eleitoral, caso em que são nomeados. Em 1989, foi instituído o Conselho Geral dos Italianos no Estrangeiro, presidido pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, com 65 membros eleitos e 29 nomeados pelo governo. Os "Conselhos de residente espanhóis", que tal como os "Comitati" italianos funcionam junto dos consulados e o "Conselho Geral da Emigração" foram instituídos em 1987. O Conselho Geral era composto por um presidente nomeado pelo Ministro do Trabalho. e por 60 membros eleitos (inicialmente, 36) e nomeados (oriundos de entidades regionais, profissionais, sindicais ou da administração pública). (AGUIAR e GUIRADO, 1999: 18) 7) O Programa Eleitoral da AD, no capítulo da Política Externa distinguia políticas para a "Emigração" (medidas de proteção aos emigrantes e seus descendentes, acento no ensino, na cidadania, nos direitos de participação política, na facilitação do regresso), e para as "Comunidades Portuguesas no Mundo", como realidade que exigia meios próprios, gestos de aproximação das comunidades da Diáspora. O programa prevê um Conselho não para a emigração antiga ou recente, mas para comunidades de cultura ou ascendência portuguesas : "Para além dos núcleos de emigração antigos e recentes, existem espalhadas pelo mundo numerosas comunidades portuguesas ou de descendentes de portugueses cujo significado histórico, cultural e patriótico se impõe reconhecer e preservar. [...] Assim, o Governo da Aliança Democrática criará um Conselho das Comunidades Portuguesas no Mundo, onde estas se poderão fazer representar e conceder-lhes-á apoio constante e permanente." (8) Contemporânea da "União", também nascida dos Congressos de 60, é a "Academia Internacional de Cultura Portuguesa", mas de “criação governamental" (MOREIRA, 1988: 7). Os Congressos de 60 assumiam já, a meu ver, pela sua natureza civilista e fraterna, uma feição pós-colonial, acentuada pela prioridade dada ao relacionamento das diásporas lusófonas, à língua, à expansão da "fronteira cultural" e, latamente, à lusofilia. Poderão mesmo ser considerados precursores da CPLP, como os via o maior impulsionador desta comunidade, Embaixador José Aparecido de Oliveira, sobretudo se, como ele queria, se valorizar futuramente, a componente das culturas, da união dos povos e não só dos Estados. 9) Não era exigido aos conselheiros o vínculo da nacionalidade, nem sequer o de ascendência portuguesa, apenas o sentimento de pertença, que se comprovava pela participação ativa e relevante no universo do associativismo lusófilo. Era uma originalidade nossa, na linha do projeto da AD, destinado à Diáspora. O 2º CCP perdeu esta abrangência, visto que conselheiros e os eleitores são apenas os portugueses de nacionalidade. (10) Foi possível ultimar o diploma num período tão curto graças, ao apoio do MNE e Vice-primeiro Ministro Freitas do Amaral e ao trabalho "pro bono" de juristas com uma uma enorme experiência na "arte de legislar": -Fernanda Agria e Eduardo Costa, meus antigos colegas no Centro de Estudos do Ministério das Corporações e Segurança Social, Luís Fontoura colega da Faculdade de Direito de Coimbra. O Deputado José Gama do CD (ex-emigrante nos EUA) e eu própria estivemos, com frequência, informalmente, sentados com eles, à volta da mesa de trabalho. Foi através de José Gama, que conheci o Prof. Adriano Moreira, a primeira das personalidades que quis ouvir. Todavia, não houve maneira de dar, como queríamos, prioridade à vertente cultural (a emigração recente impôs-se, desde a primeira hora), nem meios para desdobrar o CCP num Conselho de Emigrantes e num Conselho da Diáspora. Há, agora, um grupo que se chama precisamente "Conselho da Diáspora": reúne, de vez em quando, com o Presidente da República, porém, sem agenda nem estratégia conhecida. O nome já existe. Pode ser que um novo Presidente lhe queira dar corpo e alma. A propósito de encontros sob a égide presidencial, é de referir que estava previsto, em 1980,integrado nas comemorações Camonianas, o 1º Congresso das Comunidades Portuguesas. Decorriam já, nos termos do DL 462/79, de 30 de novembro, as suas reuniões preparatórias, dentro e fora do país, e a lei apontava para a "institucionalização de formas de representação dos emigrantes junto do país", sem as especificar. Porém, o novo Governo, decidiu adiar o Congresso para junho do ano seguinte, e criar, em 1980, o Conselho das Comunidades Portuguesas. Em resposta ao adiamento "unilateral" do Congresso pelo Governo, o Presidente Eanes, reteve o diploma do CCP durante meses (com um "veto de bolso", como correntemente se dizia). A promulgação a 30 de agosto e a publicação em 12 de setembro determinou o adiamento da 1ª reunião do Conselho. E, por isso, Conselho e Congresso das Comunidades aconteceram, respetivamente, em abril e junho de 1981, gerando, na opinião pública e nas comunidades, enorme confusão entre a sua natureza e objetivos, num ambiente de dissenso e animosidade política. O Congresso foi do domínio do efémero, um" happening" irrepetível, que não deixou marcas no percurso do CCP. (11) Segundo "O Diário ", cuja informação factual é precisa: " Mal a Secretária de Estado da Emigração e Comunidades Portuguesas, Manuela Aguiar, terminou o seu discurso de saudação e de votos de bom trabalho, o delegado da Comissão da Comunidade Portuguesa de França, Carlos Duarte Morais, levantou-se e perguntou: Qual é a nossa participação nesta sessão inaugural? Fernanda Agria comunicou-lhe que ele ficava inscrito para falar, o que só se verificou às 11.50. Entretanto os presentes ouviram as exposições de seis funcionários da SEECP, que os informaram sobre o âmbito de competência dos respetivos departamento" . Com o sub título "Protesto", o Diário continua a reportagem: "O representante da CCP de França disse estar ali para protestar contra o facto de isto tudo estar preparado para nós sermos figurantes, constatou a ausência de Manuela Aguiar, exatamente quando falava o primeiro emigrante e comentou o teor das intervenções dos seis altos funcionários".( Não fica dito, embora se possa deduzir, que a Secretária de Estado se ausentou numa parte do programa em que estavam previstas apenas informações técnicas dos funcionários). Na parte final do artigo, há breves citações de conselheiros da emigração transoceânica, dissonantes das posições do orador de França. Só um vê escrito o seu nome: Carlos de Sousa (Venezuela), que "fez um apelo à união de todos os emigrantes e disse que considerava o decreto -lei que institui o Conselho como uma "certidão de nascimento" e como tal devia ser encarado". Não obstante o seu cariz partidário, a narrativa é elucidativa do ambiente em que decorreram os debates no "dia um" do CCP: a contestação ensaiada pela Comissão de França, a divisão entre a Europa e todos os outros continentes, que viam o Conselho criado pelo governo como positiva. A falta de consonância, em função das tendência política dos "media" é evidenciada nos títulos dos diversos jornais, a 7 de Abril: O Diário (comunista),"Tudo preparado para sermos figurantes"; Portugal Hoje,(socialista), "Trabalhos abrem com polémica"; Diário deLisboa (socialista/comunista), "Emigrantes exigem um papel ativo e recusam o lugar de "figurantes": Nos jornais mais próximos da AD, ou menos hostis, o tom é neutro a notícia é apenas a reunião: JN: "Houve pouca abertura de alguns setores" - lamenta Manuela Aguiar (crítica que se referia à dificuldade de aumentar a representação política dos emigrantes), A Tribuna: "Conselho das Comunidades teve ontem início"; Correioda Manhã, "Conselho das Comunidades reuniu pela primeira vez"; Comércio do Porto, "Conselho reunido até 6ª feira - Congresso das comunidades já em fase de preparação"(uma prova mais de que estava estabelecida a enganosa ligação entre Conselho e Congresso das comunidades). (12) O atraso no processo legislativo (a Lei 367/84 seria publicada só em 25 de novembro), obrigou a que as Reuniões Regionais fossem convocadas, ao abrigo da lei vigente, interpretada no sentido de permitir que a consulta a nível mundial "por regiões", em vez de o ser "por secções". Sendo a lei omissa quanto ao modo de funcionamento do órgão consultivo, argumentava-se que a consulta era mais abrangente na modalidade regional, visto decorrer sempre em plenário, do que na modalidade de várias secções, já que eram realizadas simultaneamente. Todos os conselheiros da emigração transoceânica perfilharam o entendimento do governo, excepto os de França, que recorreram judicialmente da decisão. Perderam o recurso no Supremo Tribunal Administrativo. (13) A Conferência para a promoção da participação das Mulheres, ao contrário das demais, não esteva prevista na recomendação do plenário do CCP em Porto Santo – foi da iniciativa da SECP, como meio de prosseguir as políticas de igualdade, iniciadas em 1985. (14). O 2º CCP (1996/2015), tem também conhecido adiamentos de processos eleitorais ou de reuniões plenárias, Continua sob o signo da incerteza e, por isso, a meta da constitucionalização pode ser vista como condição da sua própria existência. Presidi à Subcomissão das Comunidades Portuguesas que, com essa perspetiva, realizou duas audições sobre "mecanismos específicos de representação de migrantes", em 2003 e 2004, a primeira, para uma abordagem comparatista, a nível europeu, a segunda centrada na questão constitucional com intervenções de fundo dos Professores Barbosa de Melo, Adriano Moreira e Bacelar de Gouveia BIBLIOGRAFIA Aguiar Manuela e Guirado Ana. "Links of between Europeans living abroad and their countries of origin, Estrasburgo, 1999, PACE Aguiar Manuela Política de Emigração e Comunidades Portuguesas, Lisboa, 1996, SECP, Coleção Migrações Aguiar Manuela, "O Conselho das Comunidades e a representação de Emigrantes", in Beatriz Padilha e Maria Xavier (org) Revista Migrações, Outubro 2009, ACIDI Antecedentes, Criação e Percurso do Conselho das Comunidades Portuguesas, Lisboa, SECP, Centro de Estudos, 1985 Böhm, "Les Européens à l' Etranger"., Estrasburgo, 1993, PACE Conselho das Comunidades Portuguesas, Recomendações de 1981 a 1985 e sua Implementação, Lisboa, SECP, Centro de Estudos Garriaud-Mayland Jöelle, "Qu 'est-ce que L' Assemblée des Français de l' Etranger?", Paris, 2008, L' Archipeord ed)l Helena Alves (coord), "Mecanismos Específicos de Representação de Emigrantes", Edição Assembleia da República Lisboa, 2005 Isolete Ramalho (coord), "Mecanismos de Representação de Emigrantes", Lisboa, Edição Assembleia da república, 2005 Moreira Adriano em "Academia Internacional da Cultura Portuguesa", Boletim nº 9, - 1973/74/75, Lisboa, 1988 Rocha - Trindade, Maria Beatriz, "Le Conselho das Comunidades Portuguesas Comme Pièce Centrale de la Politique Migratoire de l' Après 25 de Avril" em Migrance, Èditions Mémoire- Génériques, Premier semestre 2014 Arnaldo Vidal segunda, 27/06/2016, 19:41 para mim Exma Sra..Dra. Manuela Aguiar, Muito obrigado pelo magnífico texto enviado e pelas palavras tão amáveis.Para mim ,foi uma grande honra poder cumprimentá-la em Lisboa.Conte sempre com este amigo no Nordeste brasileiro.Grande abraço Arnaldo Vidal.